Acessibilidade / Reportar erro

Litígio estratégico para igualdade de gênero: O caso das verbas de campanha para mulheres candidatas

Strategic litigation for gender equality: The case of campaign funding for women

Resumo

O objetivo deste artigo é descrever o recente litígio estratégico que culminou com a transformação jurídica ocorrida no Brasil em relação à obrigatoriedade de financiamento de campanhas políticas de mulheres. Dessa perspectiva, buscar-se-á analisar criticamente as questões em jogo no julgamento da ADI 5617 pelo Supremo Tribunal Federal realizado em março de 2018, que determinou o mínimo de 30% de investimento dos partidos em campanhas de candidatas. O caso será abordado do ponto de vista da atuação da Clínica jurídica “Laboratório de Direitos Fundamentais” da FGV Direito Rio, na qualidade de representante da ONG CEPIA como amicus curiae nessa ação. A partir dessa experiência, pretende-se refletir sobre os desafios do uso de litígio estratégico para o avanço de direitos humanos em geral, e de direitos políticos de mulheres no Brasil em especial.

Palavras-chave:
Direitos fundamentais; Igualdade; Mulheres; Política; Verbas de campanha; Litígio estratégico; Cota; STF

Abstract

The objective of this article is to describe the recent strategic litigation case that culminated in the legal transformation that occurred in Brazil in relation to the mandatory financing of women's political campaigns. From this perspective, I will seek to critically analyze the issues at stake in the ADI 5617 judgment by the Brazilian Supreme Court in March 2018, which determined the minimum 30% of the parties' investment in candidate campaigns. The case will be approached from the point of view of the work of the FGV Direito Rio Law Clinic “Laboratory of Fundamental Rights”, as representative of the NGO CEPIA as amicus curiae in this action. Based on this experience, I intend to reflect on the challenges of using strategic litigation to advancing human rights in general, and the political rights of women in Brazil in particular.

Keywords:
Fundamental rights; Equality; Women; Politics; Campaign Funding; Strategic litigation; Quotes; Brazilian supreme court

Introdução 1 1 Este artigo parte da experiência e da análise desenvolvidas por ocasião do julgamento da ADI 5617, especialmente da elaboração do memorial de amicus curiae pela Clínica "Laboratório de Direitos Fundamentais“ da FGV Direito Rio em nome da ONG CEPIA (Cidadania, Ensino, Pesquisa, Investigação e Ação). Nela, coordenei o trabalho de 13 alunas e alunos e, ainda, pude contar com a generosa interlocução de outros colegas, professoras e professores, sem os quais esse trabalho não seria possível. Agradeço às alunas e alunos que participaram da elaboração do memorial: Bruna Diniz Franqueira, Júlia Brandão, Lorena Bitello, Maria Beatriz Gomes, Natália Bahury, Pedro Henrique Costa, Sofia Mandelert, Vanessa Tourinho, Vinicius da S. Cardoso, Yasmin Curzi e Bernardo Sarmet. Agradeço, ainda, aos meus colegas professores Silvana Batini e Michael Mohallem pela interlocução, a Diego Werneck Arguelhes e a Juliana Cesario Alvim Gomes, pelo diálogo, críticas e contribuições durante toda a elaboração do memorial e a André Mendes pelas sugestões ao texto. Na elaboração da e na sustentação oral do amicus curiae, devo enormemente ao apoio, às críticas e comentários de Juliana Cesario Alvim Gomes e Virgílio Afonso da Silva. Agradeço ainda a Renan Medeiros pelos comentários a esse artigo, que possui alguns recortes de trechos adaptados e resumidos do memorial apresentado ao STF.

Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou ação sobre financiamento de campanhas de mulheres. Como há muito demonstrado na literatura, especialmente por Clara Araújo, 2 2 Uma das obras centrais que trazem a demonstração empírica dessa correlação e a quantifica é a de Clara Araújo & Doriam Borges, "O gênero, os elegíveis e os não-elegíveis: uma análise das candidaturas para a Câmara Federal em 2010", in José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto & Fátima Jordão (orgs.), Mulheres nas eleições 2010, Associação Brasileira de Ciência Política, 2012, pp. 370 e ss. o acesso a recursos é questão central para as chances de eleição, e tem efeito crucial quando se trata de candidatas. Essa ação foi proposta como reação à Minirreforma Eleitoral de 2015 que, sob a justificativa retórica transformar o quadro de sub-representação feminina na política, estabelecia parâmetros mínimo e máximo para financiamento de campanha de mulheres, em seu claro desfavor.

A conquista dos direitos políticos pelas mulheres, da possibilidade de votarem e serem votadas, é resultado de uma luta que tem origem no século XIX e culmina com o reconhecimento da igualdade de gênero na Constituição de 1988. Não obstante esses avanços formais, a realidade brasileira permanece muito desigual em termos de participação das mulheres na vida política do país: a Arábia Saudita, por exemplo, um país onde as mulheres conquistaram apenas em 2018 o direito de dirigir autonomamente, tem mais representantes femininas nos espaços políticos de poder do que o Brasil, onde cerca de 85% das cadeiras do legislativo são atualmente ocupadas por homens.

O objetivo deste artigo é descrever o recente caso de litígio estratégico que culminou com a transformação jurídica ocorrida no país em relação à obrigatoriedade de financiamento de campanhas políticas de mulheres na mesma proporção das candidaturas. Para tanto, buscar-se-á analisar criticamente as questões em jogo no julgamento da ADI 5617 pelo Supremo Tribunal Federal realizado em março de 2018. A perspectiva de análise se dá a partir da atuação da Clínica jurídica “Laboratório de Direitos Fundamentais” da FGV Direito Rio, na qualidade de representante da ONG CEPIA (Cidadania, Ensino, Pesquisa, Investigação e Ação) como amicus curiae nessa ação, desde as atividades preparatórias até as ações de implementação da decisão do STF.

Para a explicitação da importância deste processo na busca pela igualdade de gênero na esfera pública, será feita uma breve reconstrução do quadro de exclusão política das mulheres no Brasil, suas causas e consequências, a centralidade do acesso a recursos financeiros para o sucesso de candidaturas e as alterações legislativas a esse respeito. A partir dessa experiência, pretende-se refletir sobre os limites e possibilidades do uso de litígio estratégico para o avanço de direitos humanos em geral, e de direitos políticos das mulheres no Brasil em especial. Por fim, buscar-se-á questionar quais seriam os desafios que se apresentam neste caso específico, com o objetivo de se construir uma agenda para a transformação do quadro de sub-representação de mulheres na política, rumo à paridade.

1. Contextualização – mulheres brasileiras: de cidadãs de segunda classe a candidatas sem recursos financeiros

Em 15 de março de 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os partidos políticos devem obrigatoriamente destinar verbas para campanhas de candidatas na mesma proporção do número de candidaturas. Como a lei define que o mínimo de candidaturas de cada sexo 3 3 O termo “sexo” é o utilizado pela legislação eleitoral. Sexo e gênero são utilizados aqui como categorias intercambiáveis, uma vez que são, ambos, construções sociais. Nesse sentido, “I see sexuality as fundamental to gender and as fundamentally social. Biology becomes the social meaning of biology within the system of sex inequality much as race becomes ethnicity within a system of racial inequality. Both are social and political in a system that does not rest independently on biological differences in any respect. In this light, the sex/gender distinction looks like a nature/culture distinction (…). I use sex and gender relatively interchangeably”. Catharine A. MacKinnon, Toward a Feminist Theory of the State, Cambridge, Massachussets [u.a.]: Harvard University Press, 1989 p. xiii. é de 30%, as mulheres passam a ter direito a, pelo menos, 30% de todos os recursos públicos de campanha. Agendado com semanas de antecedência, o julgamento se deu em momento político traumático, que passou a marcar a história do país e das mulheres na política: na noite anterior, a vereadora Marielle Franco, mulher, negra, lésbica, oriunda da Favela da Maré, no Rio de Janeiro, e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, foram executados.

A resolução de que a quantidade de recursos públicos investidos deve ser proporcional ao número de candidaturas parece óbvia, porém o caminho para se chegar a ela não foi. Cheia de percalços, a luta das mulheres em busca da igualdade material passa, necessariamente, por igualdade na representação política, da qual esse julgamento é um marco. Ele não representa, contudo, uma resolução final. Ainda há um longo percurso pela frente.

Os primeiros registros de reivindicação de igual direito ao voto no Brasil remontam a 1890, imediatamente após a transição da Monarquia para a República, em que as promessas de igualdade fizeram ecoar escritos sobre emancipação das mulheres 4 4 Céli Regina J. Pinto relata que o início do feminismo brasileiro esteve fortemente ligado a personalidades, por vezes como lideranças de movimentos organizados, por vezes vozes solitárias (Celi Regina J. Pinto, Uma História Do Feminismo No Brasil, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 14). Nísia Floresta é considerada a primeira feminista brasileira conhecida, em virtude de seu livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, publicado em 1832 (cf. Isabela Candeloro Campoi, "O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX", História (São Paulo) v 30 (2011): 196–213). Posteriormente, considera-se um marco do movimento sufragista brasileiro o semanário “A Família: Jornal literário dedicado à mãe de família”, que figurou como um espaço central de circulação dessas ideias. Editado por Josefina Álvares de Azevedo, tida como a pioneira do movimento sufragista no país e também autora da peça “O voto feminino”, de 1891, o semanário também contava com a colaboração de outras mulheres engajadas na luta pelo reconhecimento do direito ao voto. . A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, no entanto, sequer mencionava as mulheres no artigo 70, que definia os cidadãos eleitores – nem como eleitoras, nem como grupo social a quem o voto era negado (mendigos, analfabetos, praças de pré e religiosos ordenados 5 5 Celi Regina J. Pinto, Uma História Do Feminismo No Brasil, p. 16. ) –: simplesmente não se configuravam como sujeitos de direito.

A conquista brasileira do sufrágio feminino se deu em período relativamente próximo dos países do norte global, por meio do Decreto nº 21.076 de 24 de fevereiro de 1932, e tem como central desde 1920 a figura de Bertha Lutz. 6 6 Celi Regina J. Pinto, Uma História Do Feminismo No Brasil, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 13. Para a história do movimento de mulheres brasileiras pelo voto, especialmente Bertha Lutz, ver: Branca Moreira Alves, "Ideologia e feminismo: a luta pelo voto feminino no Brasil", Petrópolis: Vozes, 1980. Esse direito foi constitucionalizado com a promulgação da Carta de 1934, que facultava às mulheres o direito de votar. Apenas na Constituição de 1946 consagrou-se igualmente que homens e mulheres tinham direito ao voto universal e obrigatório. 7 7 Hildete Pereira de Melo, "Histórias e memórias das lutas feministas no processo constitucional de 1985 a 1988: o papel do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)", in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois , Editora Autonomia Literária, 2018. No entanto, esse marco legal não representou o incremento de participação de mulheres na vida política de seus contemporâneos: o Brasil é, ainda hoje, um dos países com maior sub-representação de mulheres na política nas democracias mundiais. 8 8 Dados da Inter-Parliamentary Union, "Women in Parliaments: World Classification", acessado em 25 de janeiro de 2019< http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm > [acessado em 25 de janeiro de 2019]. Embora pudessem votar desde então, as mulheres brasileiras eram consideradas relativamente incapazes pelo Código Civil de 1916.

Em 1949, a advogada Romy Medeiros criou o Conselho Nacional de Mulheres e atuou durante toda a década de 50 em prol dos direitos das mulheres casadas, que até então dependiam da autorização do marido para trabalhar ou viajar para fora do país. 9 9 Celi Regina J. Pinto, Uma História Do Feminismo No Brasil, p. 46. Apenas em 1962, após muita mobilização, foi promulgado o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62), que alterou o Código Civil. Com isso, as mulheres passaram a não depender de autorização dos maridos para, por exemplo, ter economia própria e ter reconhecido seu poder sobre os filhos.

Em 1968, a chamada “segunda onda do feminismo” eclodia na Europa e nos Estados Unidos sob a bandeira da igualdade entre homens e mulheres e da liberdade sexual. Nesse mesmo período, as mulheres brasileiras lutavam não apenas pelos mesmos direitos, mas, também, pelas liberdades democráticas e pelo fim da opressão instaurada pela ditadura militar com o golpe de 1964. Muitas foram, em razão disso, perseguidas, torturadas, mortas e exiladas. Durante o exílio, diversas mulheres tiveram contato com os movimentos feministas da América Latina, Europa e Estados Unidos.

A partir do processo de redemocratização e em virtude dessa mobilização, o Brasil ratificou, em 1984, com reservas especialmente no que tange ao direito de família, o Tratado para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), 10 10 Jacqueline Pitanguy, "Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: Memórias para o futuro" Ibidem. promulgado em 1979 pela ONU e em vigor desde 1981. Dentre os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção, o art. 7º determina expressamente que os países signatários tomem medidas para possibilitar a entrada e participação das mulheres na política:

“os Estados-Partes tomarão todas as medidas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o direito a: a) votar, em todas as eleições e referendo públicos e ser elegível para todos os órgãos cujos membros sejam objeto de eleições públicas; b) participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais”.

O reconhecimento legal e constitucional da igualdade na perspectiva de gênero se deu graças à mobilização das mulheres, especialmente a partir da criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) – órgão federal ligado à presidência da República na redemocratização, voltado para a reconstrução das instituições democráticas, implementação da agenda de igualdade de gênero e direitos das mulheres 11 11 Jacqueline Pitanguy, "Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: Memórias para o futuro"; Hildete Pereira de Melo, "Histórias e memórias das lutas feministas no processo constitucional de 1985 a 1988: o papel do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)", in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois , Editora Autonomia Literária, 2018. – e suas representantes constituintes, com as quais o Conselho manteve contato estreito, também ao produzir a “Carta das Brasileiras aos Constituintes”. Desse conjunto de reivindicações, formuladas naqueles espaços institucionais e levadas às e aos Constituintes, a nova Constituição de 1988 reconheceu expressamente, pela primeira vez, a igualdade entre homens e mulheres e alçou-a a direito fundamental no art. 5º, I. A partir da promulgação da Constituição Federal, a Convenção CEDAW, compatível com os direitos nela assegurados, é recepcionada e as reservas anteriormente feitas, retiradas. 12 12 Jacqueline Pitanguy, "Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: Memórias para o futuro". A Convenção adquire status de norma supralegal, portanto de hierarquia superior às normas jurídicas ordinárias.

No entanto, a promessa de inclusão das democracias liberais por meio do direito geral e abstrato à igualdade, contraditoriamente, exclui diversos grupos sociais, que não são considerados cidadãos plenos. 13 13 Clara Araújo, "Cidadania democrática e inserção política das mulheres", Revista Brasileira de Ciência Política , 9 (2012), p. 156. A discriminação é um problema característico da modernidade ocidental. 14 14 Manuela Boatcă, "Discriminação na longue durée: padrões globais e estratégias locais", Hendu – Revista Latino-Americana de Direitos Humanos 6:2 (2017), p. 3. Gênero, “raça”, classe, país de origem, deficiência, entre outros, são marcadores de discriminação que podem aparecer de forma isolada ou conjunta, constituindo formas distintas e específicas de discriminação 15 15 Cf. Kimberlé Crenshaw, "Demarginalizing the intersection of race and sex: A black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics", U. Chi. Legal F., 1989, 139. . Nesse sentido, a exclusão de determinados grupos sociais dos espaços de poder político é ao mesmo tempo resultante e constitutiva do seu processo de marginalização. O reconhecimento de direitos é parâmetro mínimo: necessário, porém incapaz de, por si só, operar transformações sociais.

Há muitas maneiras de se identificar a ocorrência de subordinação em uma dada sociedade: uma se dá pela análise do tratamento jurídico conferido a determinados grupos sociais; outra, pela verificação de sua ausência ou sub-representação em espaços de poder. A política formal é um espaço de poder não apenas simbólico, mas também concreto: instituições políticas se caracterizam como os espaços onde se formulam as leis, isto é, instrumentos dotados de legitimidade, validade e coerção que orientam e subordinam todas as pessoas dentro de uma dada sociedade. Os direitos políticos – a possibilidade de votar e ser votada(o) –, representam a promessa de poder definir o destino da coletividade por meio da própria candidatura ou da eleição de representantes que farão e votarão essas leis. 16 16 Iris Marion Young, Justice and the Politcs of Difference, Revised edition, Princeton, N.J: Princeton University Press, 2011, especialmente cap. 6. Assim, um dos pressupostos de legitimidade da democracia se assenta exatamente na pressuposição de que o acesso a esse espaço onde se desenham os destinos de uma dada sociedade é aberto e partilhável por todos. 17 17 Essa ideia está presente desde os clássicos do liberalismo político, como John Stuart Mill [e Harriot Taylor Mill], On Liberty, Create Space Independent Publishing Platform, 2015, capítulo 1.

Apesar dos avanços do ponto de vista jurídico, o Brasil não escapou à trajetória tradicional das democracias ocidentais: embora boa parte do aparato jurídico formal tenha reconhecido a igualdade entre homens e mulheres, a realidade social ainda é marcada por discriminações de todo tipo, inclusive de gênero.

Dessa forma, muito embora tenha havido o reconhecimento dos direitos civis e políticos das mulheres no campo legal, este avanço não foi suficiente para que se efetivasse a democracia eleitoral. O direito de votar e ser votado não basta: é preciso mobilizar outros aparatos – não apenas jurídicos, mas também sociais e políticos –, para assegurar a igualdade material na disputa pelo voto. 18 18 Teresa Sacchet & Bruno Speck, "Dinheiro e sexo na política brasileira: financiamento de campanha e desempenho eleitoral em cargos legislativos", in José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto & Fátima Jordão (orgs.), Mulheres nas eleições 2010, Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Ciência Política, Secretaria de Políticas para Mulheres, 2012, p. 419. Assim, como nos processos típicos das democracias liberais, apesar do reconhecimento formal desses direitos, a sociedade e seus processos de socialização seguiram materialmente desiguais, impondo uma série de obstáculos à inserção das mulheres em diversos âmbitos. Isso se verifica especialmente nos espaços de poder, como a política.

Um dos aspectos que contribui para essa desigualdade 19 19 Flavia Biroli e Luis Felipe Miguel reconstroem três importantes teorias sobre as razões da exclusão das mulheres na política: (1) uma análise das estruturas institucionais, que explica a sub-representação das mulheres na política em virtude do caráter intrinsecamente patriarcal das instituições políticas liberais (especialmente ancorado em Carole Pateman, The sexual contract, Cambridge: Polity Press, 1988); (2) uma análise liberal (isto é, que enfoca em características subjetivas), que relaciona a exclusão das mulheres neste espaço com a construção social do político como lugar masculino e a socialização das mulheres como inibidora de „ambição política“; (3) uma análise das estruturas sociais, que impõe restrições de tempo e recursos econômicos às mulheres. Os autores propõem o conceito de "campo político“ de Pierre Boudieu como capaz de integrar essas vertentes e propiciar uma análise complexa desse fenômeno. Ver: Luis Felipe Miguel & Flávia Biroli, "Práticas de gênero e carreiras políticas: vertentes explicativas", Estudos Feministas 18:3 (2010): 653-79. é a existência de diversas barreiras sociais e psicológicas, resultantes do discurso da diferença 20 20 Esse conceito serve para descrever o conjunto de práticas, crenças e ideologias que, ao longo da história das sociedades ocidentais, determinou funções e papeis a serem exercidos por homens e mulheres, tendo como elemento condicionante para tal, o "sexo". A diferenciação sexual da organização social foi convencionada de tal forma que mulheres foram materialmente e simbolicamente privadas do acesso à educação, do exercício de diversas profissões, da participação nas instituições da vida pública. A vinculação “natural" da mulher à esfera doméstica e do homem à esfera pública perdura no imaginário social, sendo uma das consequências da construção ideológica que fixou lugares sociais para cada um dos sexos. e dos espaços “naturalmente” apropriados para cada sexo. Esse discurso contribuiu fortemente para a aceitação da não interferência da mulher na coisa pública e, por consequência, da normalização da ausência de mulheres nesses espaços e nesses debates, como se isso fosse decorrência direta de supostas características e aptidões que lhe seriam inerentes. 21 21 De acordo com Clara Araújo, a força simbólica dessa ideologia – que antes excluía formalmente as mulheres da cidadania – acabou causando o que ela chama de “exclusão estendida”, uma vez que muitos dos seus aspectos e efeitos se originam indiretamente da exclusão de base, qual seja, a desconsideração das mulheres como cidadãs, sujeitos de direito. Clara Araújo, "Cidadania democrática e inserção política das mulheres", Revista Brasileira de Ciência Política 9 (2012), p. 154. Com a ideologia de sua vinculação “natural” à esfera privada (e doméstica), as mulheres ficam alheias aos espaços de poder, que eram então ocupados por homens. Internalizam obrigações domésticas e familiares, o que torna, por exemplo, a sua disponibilidade de tempo, muitas vezes, limitada em relação às demandas de dedicação quase exclusiva a campanhas políticas. Como consequência, também na esfera privada as mulheres têm rendimentos em média 30% menores que seus colegas homens 22 22 IBGE, Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil, 2018. Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf >. Acesso em 10 de janeiro de 2019. e, não raro, sua renda se volta para o núcleo familiar, dificultando gastos em benefício próprio. 23 23 Segundo Julie Ballington, isso se dá porque tradicionalmente homens foram posicionados como os “provedores”, enquanto mulheres foram relegadas à esfera privada, o que fez com que os primeiros se acostumassem a levantar dinheiro para o seu próprio uso. A autora sustenta que, muito embora o status econômico das mulheres tenha progredido nas últimas duas décadas (1980 - 2000), os papéis de gênero continuam sendo uma barreira para algumas, o que se percebe, particularmente, em sociedades patriarcais. Julie Ballington, "Gender equality in political party funding", Funding of Political Parties and Election Campaigns, 2003, 157–168.

Mesmo as mulheres que ultrapassam essas barreiras iniciais para o ingresso na vida política se deparam com entraves financeiros no que tange à obtenção de recursos para o financiamento de suas campanhas. Isso se deve, em parte, ao fato de as mulheres terem entrada relativamente recente na política eleitoral e seus canais formais, não tendo as suas redes de contato profissional fortalecidas nesse âmbito. Essa falta de capital político, demonstrada pela baixa participação na articulação de grupos e associações políticas formais, dificulta a captação de recursos. 24 24 Teresa Sacchet & Bruno Speck, "Dinheiro e sexo na política brasileira", p. 449.

Há, ainda, a dificuldade adicional representada pela tendência dos partidos a preferir perfis de candidatos mais “consolidados” (o que significa, quase sempre, homens). Da mesma forma, investidores privados costumam destinar seus recursos àqueles já inseridos em grupos políticos específicos. 25 25 Ibidem. A realidade atual dos partidos, cujas lideranças são predominantemente masculinas, também contribui para a manutenção dessa desigualdade.

2. Desenhos legislativos para o enfrentamento da sub-representação das mulheres na política

A partir do cenário de exclusão feminina do quadro político, três medidas legislativas em nosso país veicularam o intuito de enfrentar diretamente esse problema: (i) a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), que instituiu o sistema de reserva cotas para mulheres; (ii) a Lei nº 12.034/09, que alterou dispositivos da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) e da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) para determinar que as cotas implicavam um preenchimento de 30% das candidaturas efetivas por candidatas mulheres; e (iii) a Minirreforma Eleitoral (Lei nº 13.165/15), que, ao alterar mais uma vez a Lei das Eleições, modificou (e piorou) a sistemática estabelecida pelos diplomas anteriores quanto ao acesso de mulheres a recursos, e sobre a qual versou especificamente o caso aqui abordado de litígio estratégico.

No entanto, nenhuma dessas medidas de fato combate a desigualdade que anunciam enfrentar. Esse estado de coisas não é apenas uma questão atinente às esferas política e social, mas também jurídica: o direito, nesse ponto, é parte central do problema.

2.1 Aspectos substantivos: A relevância da ADI 5617 no contexto da sub-representação de mulheres na política brasileira

2.1.1 Instituição do regime de cotas de gênero positivado na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97)

Após o reconhecimento do direito ao voto, a instituição de cotas por gênero foi a primeira medida legislativa tomada com o objetivo de impulsionar a maior participação de mulheres na vida pública no Brasil. Durante a década de 1990, diante do diagnóstico da grave exclusão das mulheres da arena política, onze países latino-americanos adotaram o regime de cotas de gênero em suas legislações 26 26 “Com exceção da Argentina, todos os demais países adotaram leis de cotas nos anos posteriores à 4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Beijing, em 1995, e depois de uma série de importantes encontros regionais entre as mulheres políticas da América Latina”. . . Essa mudança buscava estabelecer um patamar mínimo de participação política das mulheres em nível nacional.

No Brasil, a Lei das Eleições, promulgada em 1997, estabeleceu quotas para mulheres ao determinar que cada partido deveria reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% de suas vagas para candidaturas de cada sexo. 27 27 Redação original do art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97, Lei das Eleições. Este dispositivo, na verdade, não produziu transformação expressiva no quadro de sub-representação feminina, uma vez que foi convenientemente interpretado pelos partidos políticos como uma determinação para que 30% das vagas fossem meramente reservadas para este fim, e não necessariamente ocupadas por candidatas.

Assim, como se poderia esperar nesse caso, os resultados médios das cotas na região latino-americana deixaram a desejar: a representação feminina nas câmaras aumentou de uma média de 9% em 1990, para 15% em 2002 e, no mesmo período, de 5% para 12% no Senado. 28 28 Daniel Zovatto, "Financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na América Latina: uma análise comparada", Opinião Pública 11:2 (2005), p. 323. Apesar de ser um aumento considerável em termos relativos, não se configura como uma transformação no quadro de baixa representação.

Passados mais de dez anos, a Reforma Eleitoral realizada em 2009 (Lei nº 12.034/2009) alterou a redação deste dispositivo na Lei das Eleições. Assim, determinou que a reserva percentual incidisse sobre o total de vagas lançadas pelos partidos ou coligações, e não apenas sobre o registro de candidaturas. Desse modo, estava agora expresso que cada partido deveria preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas para cada sexo.

Contudo, essa medida também se revelou insuficiente. O levantamento feito pela União Interparlamentar em 1º de agosto de 2016 29 29 Disponível em < www.ipu.org/wmn-e/classif.htm >; Acesso em 26 de junho de 2017. apontou que, no Brasil, a proporção de mulheres na Câmara dos Deputados era de 9,9% do total das 513 cadeiras, enquanto no Senado Federal era de 16% dos 81 senadores. 30 30 Além dessas informações, um outro dado trazido como relevante pela Procuradoria foi a inferioridade da média brasileira (17,9%) em relação à média global de participação de mulheres no parlamento (22,8%). No entanto, ao utilizar os 22,8% como parâmetro comparativo, ignorou-se o fato de que, apesar de a situação do Brasil ser muito grave, também é a de todos os países em geral. Na Europa e nos Estados Unidos, nações consideradas “mais desenvolvidas”, a média de representação política feminina é de 25,6% e 27,6% respectivamente percentuais tão baixos quanto os outros. Disponível em < www.ipu.org/wmn-e/classif.htm >; Acesso em 26 de junho de 2017. No mesmo ano, pesquisa realizada pela Procuradoria Especial da Mulher mostrou que, nas eleições municipais de 2012 e gerais de 2014, as candidatas representavam apenas 21% do total, percentual abaixo do mínimo exigido por lei e muito inferior à proporção de mulheres na população brasileira (50,64%). 31 31 A pesquisa foi realizada pelo DataSenado, em parceria com a Procuradoria Especial da Mulher e a Ouvidoria do Senado Federal. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/pesquisa-equidade-de-genero-na-politica-2016 >; Acesso em 15 de maio de 2017.

Assim, após quase duas décadas da instituição do regime de cotas por gênero, o quadro permaneceu profundamente desigual. Mesmo a legislação mais recente se demonstrou ineficaz, e apresentou problemas em, ao menos, duas dimensões: (i) a própria percentagem estipulada (30%) está muito aquém do que se almeja em termos de igualdade de representação; e (ii) não há instrumentos coercitivos adequados para que esse patamar mínimo seja efetivamente cumprido. Um aspecto particularmente grave desta última dimensão são as frequentes burlas ao sistema de cotas, sobretudo por meio da criação de candidaturas meramente formais: os partidos apresentam candidatas mulheres apenas para preencher os requisitos legais. Na prática, essas candidatas não integram de fato a corrida eleitoral.

Essas são as chamadas “candidatas laranja”, lançadas para o partido atingir a cota mínima de 30%, mas sem qualquer investimento monetário, apoio político ou qualquer outro insumo necessário – recursos tipicamente fornecidos aos candidatos “de fato” – para terem reais condições de se eleger. Segundo levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no ano de 2016, 14.417 das 158.453 32 32 Disponível em < http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas >; Acesso em 16 de Maio de 2017. candidaturas femininas não obtiveram nenhum voto nas eleições (o que corresponde a um percentual de, aproximadamente, 9% do total). 33 33 Disponível em < http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Novembro/mais-de-16-mil-candidatos-tiveram-votacao-zerada-nas-eleicoes-2016 >; Acesso em 30 de abril de 2017. Não por acaso, no recorte dos candidatos colocados dentre os 10% com menos votos, as mulheres representavam 75% (dados relativos às eleições gerais de 2014). 34 34 Disponível em < http://politica.estadao.com.br/blogs/conexao-eleitoral/por-que-nao-elegemos-mais-mulheres/ > Acesso em 15 de Abril de 2017. Fonte: http://www.tse.jus.br

De acordo com as estatísticas disponibilizadas pelo Tribunal, no ano de 2014, a média geral 35 35 Esses dados, e todos os outros a que não se fizer referência expressa à fonte, foram coletados e trabalhados pelos alunos e alunas e apresentados no memorial de amicus curiae da FGV Direito Rio em nome da CEPIA na ADI 5617. de candidaturas era de 68,95% (homens) para 31,05% (mulheres). 36 36 Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas >. Acesso em 09 de Maio de 2017. No entanto, o descumprimento do mínimo legal nessas eleições foi alarmante, tendo-se verificado em 11 dos 32 partidos analisados 37 37 São eles: DEM, PC do B, PCB, PCO, PDT, PEN, PHS, PMDB, PMN, PP, PPL, PPS, PR, PRB, PROS, PRP, PRTB, PSB, PSC, PSD, PSDB, PSDC, PSL, PSOL, PSTU, PT, PT do B, PTB, PTC, PTN, PV, e SD. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas >. Acesso em 09 de maio de 2017. : DEM (29,49%), PCO (24,49%), PDT (29,68%), PHS (29,94%), PROS (28,45%), PRTB (28,27%), PSDC (29,34%), PSOL (29,61%), PT do B (29,68%), PTB (29,42%), e SD (26,35%). Com exceção do PSTU, que atingiu um percentual de 40% de candidaturas femininas, os 20 partidos restantes ficaram entre 30,08% (PSB) e 33,92% (PMN) – percentagem próxima do limite mínimo, que ainda é muito distante da paridade.

Nas eleições municipais de 2016 38 38 Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas >. Acesso em 09 de maio de 2017. , por sua vez, o percentual de candidaturas femininas atingido pelos partidos ficou entre 30,77% (PDT) e 34,34% (PT), média muito semelhante à de 2014. Somente o PSTU (39,20%), e o PMB (43,47%), apresentaram percentuais notadamente destoantes. Vale dizer que, com exceção do PCO, que alcançou somente 29,41% de candidaturas femininas, os demais partidos respeitaram, ao menos formalmente, o mínimo legal de cotas para mulheres. Partindo-se de um universo de 35 partidos 39 39 São eles: DEM, NOVO, PC do B, PCB, PCO, PDT, PEN, PHS, PMB, PMDB, PMN, PP, PPL, PPS, PR, PRB, PROS, PRP, PRTB, PSB, PSC, PSD, PSDB, PSDC, PSL, PSOL, PSTU, PT, PT do B, PTB, PTC, PTN, PV, REDE e SD. Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas . Acesso em 09 de maio de 2017. , constatou-se haver 68,11% de candidaturas masculinas contra 31,89% de candidaturas femininas.

Levando em consideração que as “candidaturas-laranja” estão incluídas nos percentuais demonstrados acima (que já são, por si só, muito baixos), fica evidente que há um grande caminho a percorrer quanto ao efetivo aumento da participação das mulheres na política.

2.2 Representatividade feminina e os retrocessos da Minirreforma Eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165/15)

As candidaturas sem qualquer investimento e sem qualquer voto, majoritariamente de mulheres, são expressão máxima da fraude às disposições legais que buscavam ampliar a participação feminina por meio das cotas. Para dificultar o boicote às candidaturas femininas é preciso vincular candidatura e investimento.

Em 2012, o Comitê CEDAW emitiu parecer de acompanhamento das medidas adotadas pelo Brasil com vistas à efetivação dos compromissos assumidos com a Convenção. Nele, destacou os esforços do país no sentido de incluir mais mulheres na vida política a partir da implementação de cota de gênero nas corridas eleitorais por meio da Lei nº 12.034/2009. O parecer destacou, no entanto, “a persistência de atitudes e estereótipos patriarcais, bem como a falta de mecanismos para garantir [que] a implementação de medidas especiais temporárias continue a impedir a participação das mulheres no legislativo e em cargos de tomada de decisão nos âmbitos estadual e municipal da administração pública” e instou o Brasil a:

“Intensificar seus esforços para alterar ou adotar legislação visando a aumentar a participação de fato das mulheres na vida política e prosseguir nas políticas sustentadas que visam à participação plena e igualitária das mulheres na tomada de decisões, como uma exigência democrática em todas as áreas da vida pública, política e profissional, utilizando recomendação geral do Comitê nº 23 (1997) sobre as mulheres na vida pública;

b) Adotar e garantir a implementação de medidas especiais temporárias, de acordo com o artigo 4, parágrafo 1, da Convenção e a Recomendação Geral nº 25 (2004), a fim de acelerar a plena e igual participação das mulheres na vida pública e política, mormente no que diz respeito aos grupos de mulheres em desvantagem, como as afrodescendentes, indígenas e mulheres com deficiência; e

c) Realizar campanhas de conscientização, visando a homens e mulheres, para eliminar atitudes patriarcais e estereótipos sobre os papéis de homens e mulheres, destacando a importância da participação plena e igual das mulheres na vida política e pública e nas posições de tomada de decisão nos setores público e privado e em todas as áreas (CEDAW/C/BRA/7, 2012).” 40 40 CEDAW. Observaciones finales sobre el séptimo informe periódico de Brasil, adoptadas por el Comité en su 51o período de sesiones (13 de febrero a 2 de marzo de 2012) (CEDAW/C/BRA/7), 17 de febrero de 2012. Disponível em: < http://www.acnudh.org/wpcontent/uploads/2012/03/CEDAW-Brasil-2012-Esp.pdf >. Acesso em 10 de janeiro de 2019.

Após o parecer do Comitê CEDAW, o Brasil promulgou, em 2015, a chamada “Minirreforma Eleitoral”, que estabelecia, dentre suas finalidades, a de “incrementar a participação feminina na política”. Para tanto, a Lei nº 13.165/15 determinava que os partidos obrigatoriamente empenhassem recursos na campanha de mulheres.

Porém, tal obrigação, disposta no artigo 9º da Lei, consistia na destinação de um mínimo irrisório de 5% dos recursos de campanha e, ainda, de um máximo, que não poderia ultrapassar 15% de todos os recursos do Fundo Partidário destinados a esta finalidade. A lei estabelecia, ainda, que esses percentuais passariam a abarcar os 5% de recursos do Fundo Partidário destinados para programas de formação de quadros femininos, previstos desde 2009 como um recurso adicional e autônomo.

Dessa forma, a Minirreforma Eleitoral instituiu legalmente a desigualdade formal entre homens e mulheres na política: o mínimo de 30% das mulheres teria acesso, pelo Fundo Partidário, a, no máximo, 15% dos recursos. Além disso, se nesses 15% máximos estão incluídos os 5% dos Programas, então os recursos para formação de quadros femininos passam a ser diminuídos e limitados. Dessa forma, a Lei de 2015 representou não um incremento, mas um retumbante retrocesso à igualdade de gênero na política.

2.2.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5617 e o memorial de amicus curiae CEPIA/FGV Direito Rio

Com a evidência de que, ao invés de aprimorar os mecanismos para ampliar a participação das mulheres na política, a Lei 13.165/15, na verdade, facilita o descumprimento da obrigação constitucional de fomentar a paridade entre homens e mulheres, a Procuradoria-Geral da República propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5617) perante o Supremo Tribunal Federal. O dispositivo questionado foi o art. 9º da Lei 13.165/15, que dispunha:

“Nas três eleições que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancárias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995”.

Na petição inicial, a Procuradoria-Geral da República sustentava que os parâmetros mínimo e máximo para investimento em campanhas de candidatas afrontavam a igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição, assim como os compromissos assumidos pelo Brasil na CEDAW.

A PGR argumentou, ainda, que a parte final do artigo 9º da Lei nº 13.165/15 possibilita interpretações divergentes, ao estipular que estariam “incluídos nesse valor” os recursos para programas de formação de quadros. Não fica claro se “este valor” se refere ao valor “destinado ao financiamento das campanhas eleitorais” em geral, isto é, a todo o valor destinado a campanhas eleitorais de homens e mulheres, ou ao valor “destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas” (limitado entre 5 e 15%). A interpretação de uma ou de outra forma impacta diretamente o montante que seria destinado às mulheres, tanto para as campanhas eleitorais, quanto para os programas para fomento da sua participação na política.

A ambiguidade na parte final da redação do artigo impugnado pode indicar que não se criou recurso adicional para financiar candidatura de mulheres, mas que apenas se alterou a divisão e a destinação dos recursos existentes. Ainda, tornou possível que os recursos destinados às campanhas eleitorais possam ser sempre integralmente aplicados nas candidaturas masculinas.

Para além dessas questões, a partir de uma análise detalhada e sistemática, pode-se afirmar que o texto da lei passa a prever mecanismos que permitem o esvaziamento e o desvio de destinação dos recursos originalmente previstos para programas de formação de quadros (previstos pelo artigo 44, inciso V, da Lei nº 9.096/95). Tais quantias poderiam ser, a partir de então, legalmente redirecionadas para o financiamento de campanhas políticas de candidatos homens, não mais servindo a propósitos relacionados à promoção das mulheres na política.

A ADI 5617 contou ainda com a colaboração de mais um amicus curae no processo, a ABRADEP (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). Em seu memorial, a instituição, representada precipuamente pela advogada Polyanna Santos, aprofundou e reforçou, de forma adequada e competente, os argumentos levantados pela PGR.

3. Construção do Memorial de Amicus Curiae da FGV Direito Rio e da CEPIA

3.1. Mobilização, parceria e construção coletiva

A inserção da CEPIA/FGV Direito Rio no processo nasce do espaço acadêmico: do “Laboratório de Direitos Fundamentais”, clínica composta por alunas e alunos da disciplina de prática jurídica e coordenada, na ocasião, por mim. Inicialmente, imaginávamos que, ao contrário do que geralmente acontece em casos de litígio estratégico, a nossa participação seria simples, uma vez que éramos amicus curiae e não autores: a petição da PGR era adequada e não havia divergência de posicionamento.

Outro aspecto central era construir uma parceria com entidade relevante e experiente na defesa dos direitos das mulheres para desenvolver esse projeto. A CEPIA (Cidadania, Estudo, Participação, Informação, Ação), entidade fundada pelas feministas históricas Jacqueline Pitanguy e Leila Linhares Barsted, com décadas de existência e de trabalho ininterrupto pelos direitos das mulheres, tinha atividade de importância inquestionável e com elas fechamos a frutífera parceria: representaríamos a CEPIA neste processo elaborando em nome da organização um memorial de amicus curae.

Feitas as articulações prévias, ofereci, no tradicional espaço da interação da Universidade com a sociedade – a extensão –, uma atividade de prática jurídica com o objetivo de elaborar, junto com alunas e alunos interessados, um memorial de amicus curiae na ADI 5617, representando a CEPIA. Dessa forma, por meio do “Laboratório de Direitos Fundamentais” conduzi os estudos de alunas e alunos que nos levariam à construção de nossa intervenção no processo. Estar na universidade propiciou um suporte crucial, e a construção do memorial foi plena de interlocuções.

Essa foi uma construção coletiva em diversos níveis: não apenas havia uma equipe composta por discentes, mas participaram também desse projeto muitos professores. Como geralmente acontece nos casos de litígio estratégico, esse foi um trabalho realizado de forma interdisciplinar.

Dessa forma, esse se constituiu em um espaço privilegiado para a reconstrução dos referenciais e diagnósticos acadêmicos sobre o tema, bem como de colaboração e estudo sobre os instrumentos normativos constitucionais, internacionais e nacionais. Isso significou o envolvimento de uma equipe de treze pessoas, estudantes comprometidos e interessados no desenvolvimento desta temática, além de uma ampla rede de colaboração de colegas professores, de dentro e de fora da instituição.

Nossas reuniões semanais se transformaram em espaço de debate e interlocução internos e, muitas vezes, também externos, seja para discussões teóricas, seja para construção e estratégia argumentativa. Participaram de nossas reuniões, além de representantes da CEPIA, professores de direito constitucional, eleitoral, de direitos humanos e de ciência política.

Durante o processo de elaboração de nosso memorial de amicus curiae , o que entendíamos como objeto de nossa manifestação se modificou e se ampliou diversas vezes. Inicialmente, a equipe imaginava que a manifestação se restringiria a dar suporte (também acadêmico) aos problemas levantados pela PGR em sua petição inicial: levaríamos ao tribunal mais dados sobre a grave exclusão das mulheres na política, no sentido de apoiar e contextualizar o pedido da inicial. Nesse sentido, supúnhamos que o maior problema da lei estava expresso na flagrante consolidação da desigualdade formal entre homens e mulheres por meio da instituição dos parâmetros mínimo e máximo de investimento em candidaturas femininas, e no tempo irrisório previsto para a duração da ação afirmativa, de 5 (cinco) anos.

No entanto, à medida que avançávamos no estudo das alterações inseridas pela Minirreforma Eleitoral, nos deparávamos com outros mecanismos criados para facilitar o descumprimento de regras que deveriam impulsionar a participação política de mulheres. Conforme prosseguíamos no estudo das alterações legais, verificávamos novos mecanismos que teriam efeitos extremamente negativos para as candidatas, em sentido diametralmente opostos àqueles que a lei anunciava perseguir.

A partir disso, o recorte que a princípio traçáramos para a manifestação de nosso amicus curiae, de um objeto restrito e delimitado pela argumentação da PGR, se transformou. Consolidamos a percepção de que o litígio tal como delineado no primeiro momento não enfrentava mecanismos sistêmicos, estreitando a abordagem das questões em jogo. Concluímos, então, que nossa principal contribuição seria levar ao julgamento o retrato da articulação dos diversos mecanismos de desigualdade e subordinação trazidos pela lei.

Dessa forma, ao ampliarmos o espectro – da desigualdade na distribuição dos recursos trazida pelo art. 9º da Minirreforma Eleitoral de até 15% de recursos para 30% de candidatas para a análise das alterações trazidas pela lei como um todo –, poderíamos demonstrar como outros mecanismos desta lei introduziam novas medidas regressivas para as mulheres na política brasileira, agravando o quadro de exclusão.

Assim, concluímos que era necessário levar ao conhecimento da Corte que essa alteração legislativa apresentava muito mais obstáculos para as mulheres do que se podia perceber à primeira vista.

Nosso estudo revelou que a Minirreforma Eleitoral de 2015 não apenas (i) limitava o acesso das mulheres a verbas de campanha, mas também: (ii) não criava recursos novos para mulheres; (iii) diminuía os valores já existentes, ao retirar verbas dos programas de formação de quadros femininos e desviar sua finalidade; (iv) atenuava significativamente (i.e., em oitenta vezes) a multa por descumprimento dessa obrigação; e (v) flexibilizava a obrigatoriedade de destinação dessas verbas em formação de quadros femininos, possibilitando que os partidos pudessem emprega-las, por exemplo, em campanhas masculinas. Em suma, a lei de 2015 não só dificultou o acesso de mulheres candidatas a recursos de campanha, como ainda desmontou o frágil e já pouco eficaz aparato jurídico anterior voltado à formação e promoção da participação das mulheres na vida política.

Para além dessas medidas regressivas, verificamos o cumprimento das medidas legislativas anteriores: para que se analisasse o que a reforma de 2015 alterava e piorava do ponto de vista das mulheres, era necessário observar o estado de coisas antes dessa transformação. Assim, a equipe analisou as disposições que deixavam de viger com a Minirreforma e coletou dados de prestação de contas do site do TSE quanto à observância formal das cotas (ou seja, sem inquirir sobre a incidência de candidaturas-laranja) e dos investimentos obrigatórios em formação de quadros (art. 44, V, da Lei dos Partidos Políticos).

A partir dessa análise, verificamos algumas inobservâncias quanto ao percentual de candidatas formais, e, sobretudo, um maciço e reiterado descumprimento quanto aos investimentos em formação política de mulheres. Além disso, ficou evidente que o TSE tinha participação nesse estado de coisas, ao não punir devidamente os partidos no julgamento de sua prestação de contas. Assim, como parte de uma peça indissociável do quadro de exclusão das mulheres da política, a equipe entendeu que esses dados deveriam ser integrados ao estudo dos mecanismos inseridos pela Minirreforma Eleitoral e levados a conhecimento do STF.

A seguir, reproduzo resumidamente os dados que obtivemos e a análise que fizemos deles, a começar pelo reiterado descumprimento dos investimentos em formação política de mulheres.

3.2. Argumentos substantivos

3.2.1 O descumprimento reiterado da destinação obrigatória de recursos para formação de novos quadros femininos 41 41 Essa é uma reconstrução resumida e adaptada daquela que apresentamos no memorial de amicus curiae da FGV Direito Rio em nome da CEPIA na ADI 5617.

A reforma eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034/09), além de alterar o sistema de cotas de candidaturas femininas, incluiu na Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) novas medidas para ampliar a representatividade das mulheres na política. Dentre essas medidas, foi instituída, por meio da inclusão do inciso V ao artigo 44, 42 42 Lei 12.034/09: “Art. 2o. A Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, passa a vigorar com as seguintes alterações: (...) Art. 44. V - Na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total.” Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12034.htm >. Acesso em 10 de maio de 2017. a obrigatoriedade de cada partido alocar 5% do montante dos recursos recebidos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e de difusão da participação política das mulheres.

Essa determinação tinha por objetivo impulsionar a formação de quadros femininos para posterior engajamento na vida política. 43 43 “Norris, Inglehart e Welzel (2004) apontam que existem características que impactam diretamente nas chances de as mulheres atingirem a representação, concretizada na eleição. As três características principais apontadas são: o contexto institucional, as ações afirmativas nas estratégias de composição das listas partidárias e os recursos que homens e mulheres trazem para o seguimento de suas carreiras políticas.” Vitor de Moraes Peixoto, Nelson Luis Motta Goulart & Gabriel Tisse da Silva, "Cotas e mulheres nas eleições legislativas de 2014", Política & Sociedade 15:32 (2016), p. 129. Trata-se de uma significativa mudança de abordagem em relação às iniciativas legais anteriores, que buscavam aumentar a representatividade política feminina com foco exclusivo na candidatura. Neste caso, buscou-se atrair, incentivar e formar mais mulheres para ocupar cargos eletivos.

Contudo, se observarmos a prestação de contas quanto a essa destinação obrigatória, verificamos que essa determinação legal não foi cumprida pela maior parte dos partidos políticos. Os dados a seguir demonstram a quantidade de recursos que deveria ter sido destinada pelos partidos políticos para esse fim nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, e a quantidade de recursos que fora efetivamente empenhada pelos partidos: 44 44 Para calcularmos se as agremiações partidárias destinaram os 5% do que receberam do Fundo Partidário para programas de promoção e participação política das mulheres observamos os demonstrativos de receitas e despesas e os demais demonstrativos contábeis e peças complementares de cada partido, em âmbito nacional, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 disponíveis no portal eletrônico do TSE. Esse recorte temporal se justifica por duas razões: (i) pela edição da Lei nº 12.034 que instituiu, em 2009, essa destinação obrigatória; (ii) e pela alteração que essa disciplina sofreu com a edição da Lei nº 13.165/2015, a qual possibilitou que esses recursos também pudessem ser aplicados nos institutos ou fundações de pesquisa e de doutrinação e educação política, caso o partido não mantenha uma secretaria da mulher. Em cada demonstrativo, identificamos as “cotas recebidas” do total do Fundo Partidário, os quais serviram como base de cálculo para calcular o montante de 5% a ser destinado. Além disso, verificamos o quanto o partido destinou dos recursos que recebeu do Fundo Partidário ​para o disposto no art. 44, inciso IV, da Lei nº 9.9096/95. Essa análise foi realizada por meio da observância do balanço patrimonial do partido e do demonstrativo de receitas e despesas. Nos casos em que não se teve a certeza de que o recurso fora destinado à secretaria da mulher do partido em cada ano analisado (ou seja, quando não havia nenhum tipo de conta bancária ou fundo de investimento em que havia disposição expressa que fora criado para esse fim, ou quando o valor fora apenas provisionado - sem futura destinação de fato), desconsideramos os partidos da presente análise. Cumpre ainda destacar que, para calcular o que o partido de fato destinou para programas, não foram incluídos os valores existentes em fundo de investimentos (nos casos em que há discriminação de que aqueles fundos são voltados para os fins estabelecidos pelo artigo 44, V, da Lei nº 9.096/95), já que não é possível saber se aquele montante já se encontrava lá em anos anteriores, ou se foi investido no ano em análise. Assim, a fim de se evitar eventuais desproporções no valor analisado, tais exclusões fazem-se necessárias, diante de um cenário marcado pela baixa informação disponível e pela ausência de uma correspondência necessária entre as informações prestadas por cada partido (visto que não existe um padrão de divulgação de contas). Por outro lado, para determinar o montante do que efetivamente foi destinado, somamos as despesas do partido voltada para programas de participação política de mulheres, ao montante de “ativo circulante” de contas discriminadas como contas de secretarias das mulheres dos partidos (quando havia).

A partir dos dados acima, percebe-se que essa imposição legal é sistematicamente violada. O gráfico acima revela que apenas em 2012 um percentual pouco maior que a metade dos partidos (53,33%) cumpriu a exigência do artigo 44, V, da Lei nº 9.096/95.

Uma vez que é necessário para o cumprimento da lei que o partido crie conta específica para esse fim, destine os recursos a essa conta e preste informações ao TSE a esse respeito, a não prestação de informações já configura, por si só, descumprimento. Portanto, nesse percentual, consideramos que desobedeceram a determinação legal os partidos que declararam valores abaixo do previsto, além dos partidos que não ofereceram qualquer informação sobre a destinação dos valores que deveriam ser investidos com tal fim (ou então, que não ofereceram informações suficientes em seus demonstrativos contábeis para que pudéssemos chegar à apuração de dados concretos).

Assim, se considerarmos que os partidos que não informaram essa destinação também teriam descumprido a norma, como informa o Gráfico 1 , teríamos como maior percentual adimplemento dessa obrigação o cumprimento de cerca de 53% dos partidos políticos, no ano de 2012. 45 45 A pressuposição de que os partidos que não informaram não teriam cumprido a norma parece bastante plausível, considerando que, se estivessem perfeitamente dentro do que a legislação exige, haveria pouco incentivo para não informarem essa situação. Em 2010, por sua vez, o percentual de adimplemento é inferior a 20%.

Gráfico 1
Grau de observância da exigência estabelecida no artigo 44, V da Lei 9.096/95 (considerando todos os partidos, inclusive os omissos quanto ao dispositivo)

O resultado dessa inobservância sistemática, como se verifica na Tabela 1 (abaixo), foi a perda do equivalente a R$ 28.518.975,71 (vinte e oito milhões quinhentos e dezoito mil novecentos e setenta e cinco reais e setenta e um centavos). Esse é o montante que deixou de ser investido, à revelia da imposição legal, em programas de participação das mulheres na política ao longo dos seis anos em que a redação da Lei nº 12.034/09 disciplinava tal exigência (com valores corrigidos com base no índice IGP-M, da data do exercício do descumprimento até abril de 2017).

Tabela 1
Relação entre valores esperado e destinado para programas de promoção e participação política das mulheres

3.2.2 Problema da falta de imposição de sanções pelo TSE

Apesar desse quadro de descumprimento da legislação, existe sanção prevista para punir tal conduta. Ela foi instituída também pela Lei nº 12.034/09, que incluiu no artigo 44 da Lei nº 9.096/95 o § 5º. Esse dispositivo preconiza que o partido que não investiu os valores devidos para programas de formação deve, no exercício financeiro seguinte, além de cumprir a exigência legal do artigo 44, inciso IV (depositar os 5% devidos), 46 46 Art. 44. “Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: (...) IV - Na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido”. acrescentar 2,5% dos recursos que recebeu do Fundo Partidário para programas de promoção e difusão das mulheres na política, não podendo esse recurso ser aplicado em finalidade diversa. 47 47 § 5o“O partido político que não cumprir o disposto no inciso V docaputdeverá transferir o saldo para conta específica, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, de modo que o saldo remanescente deverá ser aplicado dentro do exercício financeiro subsequente, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade.” (Grifou-se). Art. 44. “Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total”. A multa aplicada era, assim, de 50%. Dessa forma, caso um partido não investisse a totalidade dos recursos exigidos por lei, a sanção prevista impunha que ele empregasse, no ano seguinte e para o mesmo fim, quase o triplo do valor originalmente devido.

Sem dúvida, trata-se de penalidade significativa aos partidos políticos que não observam tais regras de destinação de recursos. No entanto, a despeito da sanção cominada, o descumprimento dessa norma continuou reiterado, como se pôde observar nos dados coletados dos últimos cinco anos.

Uma possível explicação para esse fato reside na jurisprudência do TSE quanto aos casos de descumprimento dessa destinação. Em decisão na Prestação de Contas nº 23167/DF, 48 48 De acordo com a jurisprudência do TSE, no PC nº 23167/DF, o pleno do tribunal decidiu que a não destinação do percentual previsto no art. 44, V, da Lei 9.096/95 é uma impropriedade e, por isso, enseja a aprovação parcial das contas. Vale ressaltar que essa decisão do tribunal se deu em setembro de 2014, meses antes da primeira resolução do Tribunal sobre o tema ( http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/normas-editadas-pelo-tse/resolucao-no-23-432-de-16-de-dezembro-de-2014-2013-brasilia-2013-df ). Disso, entende-se que antes mesmo das resoluções, o entendimento do Tribunal era de que o descumprimento do art. 44, V (L. 9.096/95) configura uma impropriedade de natureza formal, sendo este entendimento o que originou, posteriormente, as resoluções 23.432 de 2014 (primeira resolução) e 23.464 de 2015 (resolução que substituiu a 23.432) sobre o tema. Disponível em: < https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/144410892/prestacao-de-contas-pc-23167-df >. Acesso em 10 de maio de 2017. o TSE tratou a inobservância dessa destinação como uma simples “impropriedade”, isto é, um erro meramente formal e incapaz de ensejar a desaprovação das contas partidárias.

Até 2014, a jurisprudência do Tribunal sustentava o entendimento segundo o qual as impropriedades na prestação de contas não constituíam obstáculo à sua aprovação, desde que com ressalvas. Não havia, até então, qualquer instrução normativa que abordasse especificamente a matéria. 49 49 É relevante ressaltar que apenas no âmbito do TSE que não existia disposição legal sobre o fato de impropriedades gerarem a aprovação com ressalvas e não a desaprovação total da conta, pois o Tribunal de Contas da União, que antes era o responsável por julgar as contas partidárias, já tinha uma Lei que o direcionava. A Lei nº 8.443/92, que dispunha sobre a Lei Orgânica do TCU, em seu art. 16, II, determina: “As contas serão julgadas: II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário;” No mesmo ano, a linha jurisprudencial da Corte sobre as Finanças e a Contabilidade dos Partidos foi consolidada nos artigos 36, §2º e 46, II, da Resolução nº 23.432/2014, considerando essa uma mera impropriedade: “Consideram-se impropriedades as falhas de natureza formal das quais não resulte dano ao erário e outras que não tenham potencial para conduzir à inobservância da Constituição Federal ou à infração de normas legais e regulamentares”. Como consequência dessa interpretação, esse tipo de infração à lei não é capaz de gerar desaprovação de contas dos partidos, considerando-se como erro de menor importância. Em 2015, nova resolução foi emitida (nº 23.464) e o posicionamento do Tribunal não foi alterado. 50 50 Art. 36, §2o. “Consideram-se impropriedades as falhas de natureza formal das quais não resulte dano ao erário e outras que não tenham potencial para conduzir à inobservância da Constituição Federal ou à infração de normas legais e regulamentares” Art. 46. “Compete à Justiça Eleitoral decidir sobre a regularidade das contas partidárias, julgando: (...) II – pela aprovação com ressalvas, quando verificadas impropriedades de natureza formal, falhas ou ausências irrelevantes”.

Essa compreensão sobre as impropriedades técnicas na prestação de contas e suas consequências gera incentivos negativos, desencorajando a estrita observância dos preceitos legais no que diz respeito à aplicação de recursos para ações de igualdade de gênero na política. Tratando-se de erro de natureza meramente formal, o partido fica obrigado, apenas, a adotar medidas corretoras e realizar o pagamento da multa relativa ao descumprimento.

Por outro lado, nos casos de irregularidades materiais 51 51 Irregularidades que ensejam a desaprovação das contas são doutrinariamente consideradas como “condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública”. Gomes, José Jairo. Direito eleitoral, 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 313. – que, por sua vez, ensejam a desaprovação das contas –, a lei determinava, até o ano de 2015, que os partidos ficavam sujeitos ao não recebimento das cotas do Fundo Partidário. 52 52 Lei 9.096/95, Art. 37: “A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.” Após o ano de 2015, a redação do Art. 37 da Lei 9.096/95 passou a ser: “A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento)”.

O entendimento de que se trata de simples impropriedade, e não irregularidade material, diminui a importância da inclusão política feminina e do cumprimento da legislação eleitoral, restringindo a eficácia da política pública consubstanciada na lei. As sanções aplicáveis aos casos de irregularidades materiais são consideravelmente mais gravosas do que aquelas relacionadas a casos de simples impropriedade formal, o que tende a reforçar a manutenção do cenário de descumprimento legal.

Há casos semelhantes que, porém, ensejam tratamento diferenciado por parte do TSE. O entendimento do TSE é diferente, por exemplo, quando um partido descumpre o dispositivo que estabelece a exigência do investimento de pelo menos 20% das cotas recebidas do Fundo Partidário na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política. 53 53 Obrigação prevista no artigo 44, inciso IV, da Lei nº 9.096/95 53. Neste caso, a jurisprudência do TSE 54 54 No mesmo processo, nº 23167/DF, no qual o pleno do TSE decidiu que a não destinação do percentual mínimo de 5% para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (art. 44, V, da Lei nº 9.096/95) é uma impropriedade, o tribunal decidiu que a não destinação do percentual mínimo de 20% do total recebido do Fundo Partidário para criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política (art. 44, IV, da Lei nº 9.096/95) é uma irregularidade. O TSE faz essa diferenciação sem quaisquer justificativas. tem adotado lógica distinta, pois considera tal descumprimento uma irregularidade, o que dá ensejo a consequências mais gravosas em comparação aos recursos destinados à igualdade de gênero. Enquanto no último caso é lido como de erro formal, o outro é erro material. Dessa forma, a Corte Eleitoral não considera o impacto dessa decisão sobre o cenário de desigualdade de gênero.

3.2.3 Problema da confusão e desvio de finalidade de recursos

Deve-se destacar que o percentual de 5% previsto no inciso V do artigo 44 da Lei nº 9096/95 se refere, como mencionado, à “criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres”, o que não se confunde com os recursos destinados às campanhas eleitorais. A campanha eleitoral relaciona-se com a possibilidade de eleição das mulheres, o que é diferente de participação política, que tem sentido mais amplo – ainda que esta última possa levar à primeira.

Assim, a lei evidencia que não se criou recurso adicional para financiar candidatura de mulheres. O que o legislador na verdade fez foi alterar a distribuição dos recursos existentes, dividindo sua aplicação e desviando sua finalidade. Ou seja, os recursos originalmente destinados à campanha eleitoral continuaram intactos, podendo ser sempre integralmente aplicados em candidaturas masculinas.

Este dispositivo produzia dois efeitos perversos, que ainda não haviam sido debatidos no processo: (i) desviava a finalidade precípua dos recursos previstos no inciso V do artigo 44 da Lei nº 9.096/95, de programas para as campanhas políticas; e (ii) realizava uma redução no total de recursos destinados à inclusão de mulheres na política em sentido lato.

Esse esvaziamento dos recursos para mulheres foi concretizado expressamente pela lei. Para permitir a mencionada realocação de recursos – de programas, para campanhas – a Minirreforma Eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165/15) trazia ainda outras três alterações no artigo 44 da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95), que dispõe sobre a destinação obrigatória de recursos do Fundo Partidário, a saber: (i) a mudança na redação do parágrafo 5º, diminuindo em oitenta vezes a multa para descumprimento das verbas de programas; (ii) a inclusão do parágrafo 5º-A, possibilitando expressamente o desvio de finalidade de uso dos recursos, de programas de formação de quadros para campanhas de mulheres, e (iii) a inclusão do parágrafo 7º, que permitia que os partidos acumulassem os recursos de programas de formação de quadros para que utilizassem em campanhas de mulheres.

Com isso, ficou claro que a lei, na verdade, não só não criava recursos novos para mulheres, mas restringia e desviava a finalidade dos recursos já existentes. As verbas para programas de formação poderiam, agora, ser livremente utilizadas em campanhas políticas, inclusive de homens. Isso porque o percentual destinado a programas de formação recai sobre o total do valor que o partido recebe do fundo partidário, enquanto o percentual de recursos para campanhas de mulheres recai sobre um fragmento do Fundo: a parte dos recursos do Fundo Partidário destinado a campanhas. Concluímos que os 5% de todo o Fundo destinado a programas de formação poderiam facilmente ultrapassar os 15% dos recursos de campanha para mulheres. O que a lei possibilitou, então, foi o desvio de finalidade daqueles recursos.

A título de exemplo, pensamos em um cenário em que o Partido X recebe R$ 10.000,00 do Fundo Partidário e decide destinar 50% desse valor para campanhas eleitorais. Assim, temos que R$ 5.000,00 serão destinados para campanhas eleitorais. Desses R$ 5.000,00, o partido, seguindo o artigo 9º da Lei nº 13.165/15, opta por destinar 10% à campanha eleitoral de mulheres, o que lhes fornece o valor de R$ 500,00.

No entanto, por conta do estratagema financeiro criado ao final do mesmo artigo e pelos parágrafos incluídos ao art. 44 da Lei dos Partidos Políticos, os 5% do que o Partido X recebeu do Fundo Partidário, e que deveriam ser investidos em programas (artigo 44, V, da Lei nº 9.096/95), poderiam estar incluídos nesses R$500,00 (que representam os 10% do valor destinado a campanhas eleitorais a serem investidos em campanhas femininas). Disso decorreria que o próprio valor destinado, originariamente, a programas de inclusão da mulher na política bastasse para cobrir os gastos com campanhas políticas de candidatas mulheres, dentro dos percentuais exigidos. Ou seja, se um está contido no outro, não há novos recursos, mas verdadeira redução de valores.

Nesse cenário hipotético, os recursos para campanhas de candidatas mulheres já podem ser supridos pelo que é destinado para os programas de promoção e difusão da participação das mulheres na política, dando aos partidos a possibilidade de optar por investir 100% do valor destinado a campanhas, os R$ 5.000,00, em campanhas masculinas.

Dessa forma, concluímos que os limites mínimo e máximo (de 5% e 15%) previstos no artigo 9º (Lei nº 13.165/15) servem apenas para calcular quanto, a partir do valor total que é destinado para campanhas políticas, deve ser destinado para campanhas eleitorais de mulheres.

Na prática, o partido não tem nenhum gasto exclusivamente com campanhas eleitorais femininas. Todos os recursos destinados a campanhas eleitorais poderão ser gastos com campanhas masculinas, sem que sejam limitados pelos percentuais estabelecidos pelo artigo 9º da Lei nº 13.165/2015.

Com a Minirreforma Eleitoral, os recursos destinados a programas de formação de quadros femininos poderiam ser cumulados, guardados, para que, em anos de eleição, fossem destinados a campanhas de mulheres (limitados a no máximo 15%), conforme redação dos §§ 5º-A e 7º inseridos pela Minirreforma Eleitoral. Oficialmente, não havia mais obrigação de se custear a formação de quadros. Os programas de formação foram completamente esvaziados.

3.2.4 Problema do abrandamento das sanções previstas

A redação original do § 5º do art. 44 da Lei dos Partidos Políticos determinava que, em caso de descumprimento da obrigação de destinar os recursos determinados por lei para a promoção de programas para a participação de mulheres, o partido deveria, no exercício financeiro seguinte, acrescentar mais 2,5% do montante que recebesse do Fundo Partidário para programas de inclusão das mulheres na política, sendo vedada a aplicação desses recursos em finalidades diversas daquela determinada pelo artigo 44, inciso V. 55 55 Redação do art. 44, § 5ode acordo com a Lei nº 12.034/2009: “O partido que não cumprir o disposto no inciso V do caput deste artigo deverá, no ano subsequente, acrescer o percentual de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) do Fundo Partidário para essa destinação, ficando impedido de utilizá-lo para finalidade diversa” (Revogado pela Lei nº 13.165/2015). Assim, se os partidos que descumprem os 5% devem adicionar mais 2,5% do total dos recursos do Fundo Partidário no exercício seguinte, a multa é de metade do percentual devido, isto é, de 50%.

Caso os partidos não destinassem o quantum legalmente disposto para esse fim, o total a ser destinado a programas de promoção e difusão da participação das mulheres na política (isto é, somando-se a multa) representava 7,5% de todo o montante que receberam do Fundo Partidário, além de ser exigido o pagamento do valor devido no exercício anterior. Isso representaria, então, no exercício seguinte, a destinação de 12,5% da totalidade dos recursos obtidos do Fundo Partidário em programas de promoção e difusão da participação das mulheres na política (ou seja, 5% devidos do exercício anterior + 2,5% de multa + 5% do exercício em questão).

A Lei nº 13.165/2015, no entanto, trouxe um injustificável abrandamento na sanção aplicável. O novo texto determina que a penalidade recai não mais sobre o total recebido do fundo partidário, mas sobre uma fração dele: a multa é de 12,5% sobre o percentual de 5% que deveria ter sido anteriormente destinado. 56 56 Redação atual do art. 44, § 5o, de acordo com a Lei nº 13.165/2015: “O partido político que não cumprir o disposto no inciso V do caput deverá transferir o saldo para conta específica, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, de modo que o saldo remanescente deverá ser aplicado dentro do exercício financeiro subsequente, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade”. Em uma leitura pouco atenta, poder-se-ia pensar que a sanção fora agravada, dado o aumento do percentual. Porém este não é o caso, uma vez que o percentual maior agora incide sobre um montante infinitamente menor de recursos: se antes o cálculo da compensação era feito com base no percentual que representava uma multa de 50%, agora, a sanção baixa para 12,5% dos 5%, isto é, 0,625% dos recursos que deveriam ter sido destinados para programas e não foram.

Sendo assim, na prática, o partido em desacordo com a legislação seria compelido a aumentar de forma mínima o percentual original, resultando em um investimento final de apenas 5,625% para as ações afirmativas em favor da paridade de gênero. A penalidade é, portanto, de 0,625%. Se considerarmos que a penalidade anterior representava 50% dos recursos de programas e a atual representa 0,625%, ela representa 1/80 da multa anterior, ou seja, ela é 80 vezes menor.

3.2.5 Problema do novo abrandamento de sanções e esvaziamento de programas para mulheres pela possibilidade de cumulação em diferentes exercícios financeiros

Além dessas alterações realizadas pela Lei nº 13.165/2015, deve-se ressaltar, ainda, a inclusão dos parágrafos 5º-A 57 57 Art. 44, § 5º-A: “A critério das agremiações partidárias, os recursos a que se refere o inciso V poderão ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido.” e 7º 58 58 Art. 44, § 7º “A critério da secretaria da mulher ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, os recursos a que se refere o inciso V do caput poderão ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando, neste caso, o disposto no § 5º.” à Lei dos Partidos Políticos. Essas inserções permitem que os saldos não aplicados pelos partidos em programas de promoção e inclusão das mulheres na política sejam acumulados em diferentes exercícios financeiros e utilizados, futuramente, para outra finalidade: em campanhas eleitorais, e não em programas de incentivo à participação política feminina.

Essas modificações produziram duas consequências negativas sobre a representatividade política das mulheres.

A primeira é a derrogação do dever dos partidos de investir por meio de contas bancárias separadas, em caso do não repasse dos 5% para programas de promoção e participação das mulheres na política, no exercício financeiro seguinte e com a mesma finalidade, os saldos não aplicados. Daí resulta um significativo esvaziamento dos recursos a serem destinados para esse fim.

A segunda é que essa alteração legislativa permite que o escasso percentual máximo de 15% para campanhas femininas provenha de recursos, até então, destinados a programas de inclusão de mulheres na política. Assim, caso um partido, em sucessivos exercícios financeiros, opte por não investir em programas de inclusão de mulheres na política, acumulando-os para determinado ano eleitoral, ele não será penalizado com a sanção prevista no parágrafo 5º (que determina que o partido deverá acrescentar 12,5% dos 5% que o inciso V estipula que sejam destinados para programas de inclusão de mulheres). Dessa forma, os partidos poderiam, por exemplo, acumular esses recursos durante 3 anos e utiliza-lo em ano eleitoral para financiar campanhas femininas até o teto de 15%.

Como demonstrado até agora, a confusão entre os recursos que seriam destinados para programas de promoção e difusão da participação política das mulheres com aqueles que seriam destinados para as campanhas femininas diminui os montantes e desvia a finalidade de ambos.

Ou seja, em vez de instituir um piso, a Lei nº 13.165/2015 instituiu um teto para os recursos destinados às campanhas femininas e acabou com os programas de formação. Com menos recursos, reduzem-se drasticamente as chances de uma candidata ser eleita.

Dessa forma, a Minirreforma Eleitoral de 2015, última alteração legislativa nesse campo, se apresentou como um obstáculo mais grave à inserção de mulheres na política. Ela minou as possibilidades de acesso a recursos financeiros, tanto para campanha, quanto para programas de formação de quadros, embora propagasse que garantiria o contrário.

Portanto, recomendamos ao STF, em nosso memorial de amicus curiae, que julgasse inconstitucional, por arrastamento, os §§ 5º, 5º-A e 7º da Lei nº 13.165/2015, além do artigo 9º, por representarem uma afronta ao princípio da igualdade entre homens e mulheres expresso no art. 5º, I, CF, assim como os objetivos fundamentais da República, quais sejam: criar uma sociedade justa, livre e solidária (art. 3º, I, CF/88), erradicar a marginalização e as desigualdades sociais (art. 3º, III, CF/88) e promover o bem de todos sem a discriminação por sexo (art. 3º, IV, CF/88) e, ainda, os artigos 2º, 3º, 5º e 7º da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).

4. Julgamento da ADI 5617 pelo STF e Resolução nº 23.553/2018 do TSE

O julgamento da ADI 5617 havia sido inicialmente marcado para outubro de 2017. No entanto, com o prolongamento das sustentações orais do caso, não houve tempo para iniciá-lo. O processo então foi reinserido em pauta de julgamento meses depois, em março de 2018.

O adiamento é um obstáculo que representa o aumento expressivo dos custos financeiros e de recursos de tempo dedicado ao deslocamento e preparação. Nós não escapamos a essas alterações. Esses custos foram financiados pela FGV Direito Rio.

O julgamento realizou-se em 15 de março de 2018. Na noite anterior, a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, foram executados, no Rio de Janeiro. A partir desse ato de brutal violência, a força simbólica do julgamento, por mais mulheres na política, aumentou imensamente.

O relator do processo, Ministro Edson Fachin, acolheu não apenas o pedido da PGR e da ABRADEP, outro amicus curiae no processo, mas também o nosso pedido de declaração de inconstitucionalidade por arrastamento. Formou-se a maioria e os parâmetros mínimo e máximo do artigo 9º da Lei nº 13.165/2015, assim como os §§ 5º-A e 7º da Lei dos Partidos Políticos foram declarados inconstitucionais, porque ferem a igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição. Não ficou claro, contudo, o posicionamento do Tribunal quanto à confusão dos recursos de programas de formação e de campanhas políticas de candidatas, na parte final do art. 9º da Minirreforma Eleitoral.

No entanto, como há muito reporta a literatura e vivenciam os atores de litígio estratégico, 59 59 Para uma reflexão ampla e contextualizada sobre litígio estratégico, suas características e ambiguidades, ver Juliana Cesario Alvim Gomes. "Nas encruzilhadas: limites e possibilidades do uso do litígio estratégico para o avanço dos direitos humanos e para a transformação social", neste dossiê. o julgamento favorável não resolve plenamente os problemas. A partir do julgamento do STF, 14 mulheres, sendo 8 senadoras e 6 deputadas federais dos mais diversos espectros políticos, representadas pela advogada e ex-Ministra do TSE, Luciana Lossio, formularam consulta ao TSE sobre a aplicação do parâmetro mínimo de 30% dos recursos para 30% de candidatas não apenas quanto ao Fundo Partidário, mas também quanto ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha e ao tempo de propaganda político-partidária em rádio e televisão.

Em 24 de maio de 2018, o TSE decidiu, por meio da Resolução nº 23.553/2018, que os mesmos parâmetros estabelecidos pelo STF por ocasião do julgamento da ADI 5617 se aplicam ao Fundo Eleitoral. Este fora criado pouco antes, a partir do julgamento que proibiu o financiamento de campanhas políticas por pessoas jurídicas, tornando-o eminentemente público. É possível, no entanto, o autofinanciamento e a doação de pessoas físicas. O TSE estabeleceu, ainda, que o mínimo de 30% de recursos compreende recursos financeiros e também o tempo de propaganda político-partidária.

Com ambas as decisões – do STF quanto ao Fundo Partidário e do TSE quanto à aplicação desses parâmetros ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) –, as mulheres candidatas teriam acesso, pela primeira vez, a 30% de todas as verbas de campanha e o mesmo percentual de todo o tempo de rádio e televisão.

5. Pós-decisão: informação, implementação e novos desafios

Com o julgamento do STF em 15 de março de 2018 e posterior edição da resolução do TSE nº 23.575/2018, identificamos a necessidade de que o seu cumprimento ocorresse na prática, impactando de fato a participação das mulheres na política.

Uma primeira estratégia para tanto envolvia difundir as mudanças operadas com as referidas decisões entre as pré-candidatas que pretendiam concorrer ao pleito de outubro de 2018. Embora os novos parâmetros estabelecidos pelo STF e pelo TSE significassem grandes vitórias para as mulheres que já integravam e as que tinham interesse em se engajar na política formal, o acesso à informação ainda é muito tortuoso. Era preciso fazer levar essa informação às pré-candidatas.

Com esse objetivo, formamos um grupo de acadêmicas, advogados e ativistas para pensar estratégias de difusão dessas informações, com o objetivo final de que mais mulheres tivessem acesso aos recursos disponíveis para suas campanhas. Dessa forma, reunimos professoras da FGV Direito Rio (Ligia Fabris e Silvana Batini), da Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ (Clara Araújo), da economia da UFF (Hildete Pereira de Melo), da CEPIA (Leila Linhares e Mariana Barsted), do Instituto Alziras (Marina Barros e Michelle Araújo) e assim foi fundado, em um evento na FGV Direito Rio, o Fórum Fluminense Mais Mulheres na Política.

No evento, reuniram-se, em julho de 2018, cerca de 50 mulheres entre pré-candidatas, membros de direção partidária e interessadas. Foram esclarecidas dúvidas quanto às decisões judiciais e aos procedimentos de acesso aos recursos e ficou claro que quase não havia informação sobre a obrigação de os partidos investirem ao menos 30% dos recursos de campanha em suas candidatas.

A partir dessa constatação, passamos ao segundo passo da estratégia de implementação das referidas decisões: o monitoramento de seu cumprimento por parte dos partidos políticos. De acordo com a resolução do TSE, para que as verbas de campanha fossem liberadas, era necessário que cada candidato ou candidata fizesse um pedido formal requisitando ao partido acesso aos recursos (art. 8º, parágrafo único da Resolução nº 23.568/2018). Ainda de acordo com a resolução, os partidos deveriam definir como fariam essa distribuição considerando o mínimo de 30%, e informar ao TSE que faria análise e aprovação ou solicitaria alterações (art. 6º, §1º, da Resolução nº 23.568/2018). Os recursos públicos apenas seriam liberados para os partidos quando esse relatório fosse devidamente entregue e aprovado.

Entretanto, havia bastante incerteza quanto ao efeito e à procedimentalização dessas decisões. Os partidos ainda não haviam disponibilizado ou divulgado a necessidade de requerimento para os recursos, nem há clareza sobre como se considerará cumprido o sentido da decisão que determinou a distribuição dos recursos para candidatas. De forma geral, a postura histórica dos partidos políticos com relação a determinações para impulsionar a entrada de mulheres na política tem sido reativa, sem dúvida ligada ao fato de serem ocupados e liderados por homens que, com o maior ingresso de mulheres na política, veriam seu espaço ocupado e ameaçado.

Nesse contexto, ao longo do processo eleitoral, muitas candidatas mulheres relataram que os recursos disponibilizados pelos partidos foram muito baixos, quase simbólicos e, outras, que não tiveram acesso a quaisquer recursos. Uma prática muito comumente relatada diz respeito à avaliação por parte do partido de qual candidata teria mais capital político, qual candidatura seria mais “viável”. As candidaturas escolhidas, em geral de uma ou duas mulheres, passavam a ter acesso a parte dos 30% de verbas (alguma delas a grande parcela desse montante) e mais tempo de televisão, enquanto as demais teriam pouco ou nenhum investimento.

Essa distribuição desigual e concentrada dos recursos não favoreceu um impulsionamento mais expressivo das candidatas: saímos da média de 10 para 15% de mulheres no parlamento. Diante do diagnóstico inicial de que, ainda assim, a destinação obrigatória não garantiu uma distribuição de recursos capaz de impulsionar o número de eleitas, novos desafios surgem: como garantir uma distribuição minimamente equitativa? É possível estabelecer parâmetros mínimos nesse caso, sem que isso represente uma afronta ao princípio da autonomia partidária?

Em virtude dessas questões sobre a distribuição de recursos, o TSE estabeleceu uma nova Resolução em 28 de junho de 2018, de número 23.575. Nela, decidiu-se que as verbas para campanhas de mulheres podem ser utilizadas para gastos de campanhas compartilhados por candidatos homens, desde que no interesse das candidaturas delas (art. 19, §§ 5º e 6º). Qual o impacto dessa previsão nas candidaturas de mulheres? Seria essa uma nova brecha para que os recursos de campanhas de mulheres na verdade continuassem a ser utilizados, como antes, pelos candidatos homens? Além disso, essa Resolução, em seu art. 22, § 6º, reproduz a confusão entre recursos de campanha e de formação de quadros femininos da parte final do art. 9º da Minirreforma Eleitoral. Com isso, parte dos problemas que poderiam ter sido solucionados com a ADI 5617/2018 permanecem.

Essas perguntas ainda ficam em aberto e precisam ser coletivamente enfrentadas. À luz disso, é indispensável (i) aprofundar o diálogo com os partidos políticos, seus quadros internos e suas candidatas, com o objetivo de informar, articular e pensar parâmetros de distribuição do percentual mínimo de 30% de mulheres; (ii) enfrentar juridicamente o problema da confusão entre recursos de programas de formação de quadros e de campanhas de candidatas; (iii) acompanhar a prestação de contas dos partidos em relação aos 30% mínimos de candidatas e de recursos pra mulheres; e, além disso, (iv) é preciso também pensar, em diálogo com a experiência internacional, em mecanismos e parâmetros para o enfrentamento da violência política de gênero no país. Finalmente, após o homicídio da vereadora do PSOL do Rio de Janeiro, Marielle Franco, e o fato recente do abandono do cargo pelo único Deputado Federal abertamente gay do país, Jean Wyllys, em virtude de ameaças de morte, pensar o enfrentamento da violência política de gênero tornou-se tarefa indispensável e urgente. Ainda temos um longo caminho pela frente rumo à paridade.

  • 1
    Este artigo parte da experiência e da análise desenvolvidas por ocasião do julgamento da ADI 5617, especialmente da elaboração do memorial de amicus curiae pela Clínica "Laboratório de Direitos Fundamentais“ da FGV Direito Rio em nome da ONG CEPIA (Cidadania, Ensino, Pesquisa, Investigação e Ação). Nela, coordenei o trabalho de 13 alunas e alunos e, ainda, pude contar com a generosa interlocução de outros colegas, professoras e professores, sem os quais esse trabalho não seria possível. Agradeço às alunas e alunos que participaram da elaboração do memorial: Bruna Diniz Franqueira, Júlia Brandão, Lorena Bitello, Maria Beatriz Gomes, Natália Bahury, Pedro Henrique Costa, Sofia Mandelert, Vanessa Tourinho, Vinicius da S. Cardoso, Yasmin Curzi e Bernardo Sarmet. Agradeço, ainda, aos meus colegas professores Silvana Batini e Michael Mohallem pela interlocução, a Diego Werneck Arguelhes e a Juliana Cesario Alvim Gomes, pelo diálogo, críticas e contribuições durante toda a elaboração do memorial e a André Mendes pelas sugestões ao texto. Na elaboração da e na sustentação oral do amicus curiae, devo enormemente ao apoio, às críticas e comentários de Juliana Cesario Alvim Gomes e Virgílio Afonso da Silva. Agradeço ainda a Renan Medeiros pelos comentários a esse artigo, que possui alguns recortes de trechos adaptados e resumidos do memorial apresentado ao STF.
  • 2
    Uma das obras centrais que trazem a demonstração empírica dessa correlação e a quantifica é a de Clara Araújo & Doriam Borges Araújo, Clara & Doriam Borges. “O gênero, os elegíveis e os não-elegíveis: uma análise das candidaturas para a Câmara Federal em 2010”, in José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto & Fátima Jordão (orgs.), Mulheres nas eleições 2010, Associação Brasileira de Ciência Política, 2012. , "O gênero, os elegíveis e os não-elegíveis: uma análise das candidaturas para a Câmara Federal em 2010", in José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto & Fátima Jordão (orgs.), Mulheres nas eleições 2010, Associação Brasileira de Ciência Política, 2012, pp. 370 e ss.
  • 3
    O termo “sexo” é o utilizado pela legislação eleitoral. Sexo e gênero são utilizados aqui como categorias intercambiáveis, uma vez que são, ambos, construções sociais. Nesse sentido, “I see sexuality as fundamental to gender and as fundamentally social. Biology becomes the social meaning of biology within the system of sex inequality much as race becomes ethnicity within a system of racial inequality. Both are social and political in a system that does not rest independently on biological differences in any respect. In this light, the sex/gender distinction looks like a nature/culture distinction (…). I use sex and gender relatively interchangeably”. Catharine A. MacKinnon, Toward a Feminist Theory of the State, Cambridge, Massachussets [u.a.]: Harvard University Press, 1989 p. xiii.
  • 4
    Céli Regina J. Pinto relata que o início do feminismo brasileiro esteve fortemente ligado a personalidades, por vezes como lideranças de movimentos organizados, por vezes vozes solitárias (Celi Regina J. Pinto Pinto, Celi Regina J., Uma História Do Feminismo No Brasil, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. , Uma História Do Feminismo No Brasil, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 14). Nísia Floresta é considerada a primeira feminista brasileira conhecida, em virtude de seu livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, publicado em 1832 (cf. Isabela Candeloro Campoi Campoi, Isabela Candeloro. “O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX”, História (São Paulo) v 30 (2011): 196–213. , "O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX", História (São Paulo) v 30 (2011): 196–213). Posteriormente, considera-se um marco do movimento sufragista brasileiro o semanário “A Família: Jornal literário dedicado à mãe de família”, que figurou como um espaço central de circulação dessas ideias. Editado por Josefina Álvares de Azevedo, tida como a pioneira do movimento sufragista no país e também autora da peça “O voto feminino”, de 1891, o semanário também contava com a colaboração de outras mulheres engajadas na luta pelo reconhecimento do direito ao voto.
  • 5
    Celi Regina J. Pinto Pinto, Celi Regina J., Uma História Do Feminismo No Brasil, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. , Uma História Do Feminismo No Brasil, p. 16.
  • 6
    Celi Regina J. Pinto, Uma História Do Feminismo No Brasil, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 13. Para a história do movimento de mulheres brasileiras pelo voto, especialmente Bertha Lutz, ver: Branca Moreira Alves Alves, Branca Moreira. “Ideologia e feminismo: a luta pelo voto feminino no Brasil”, Petrópolis: Vozes, 1980. , "Ideologia e feminismo: a luta pelo voto feminino no Brasil", Petrópolis: Vozes, 1980.
  • 7
    Hildete Pereira de Melo Melo, Hildete Pereira de. “Histórias e memórias das lutas feministas no processo constitucional de 1985 a 1988: o papel do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)”, in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois, Editora Autonomia Literária, 2018. , "Histórias e memórias das lutas feministas no processo constitucional de 1985 a 1988: o papel do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)", in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois , Editora Autonomia Literária, 2018.
  • 8
    Dados da Inter-Parliamentary Union Inter-Parliamentary Union. “Women in Parliaments: World Classification” Acessado em 25 de janeiro de 2019<http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm> [acessado em 25 de janeiro de 2019].
    http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.ht...
    , "Women in Parliaments: World Classification", acessado em 25 de janeiro de 2019< http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm > [acessado em 25 de janeiro de 2019].
  • 9
    Celi Regina J. Pinto, Uma História Do Feminismo No Brasil, p. 46.
  • 10
    Jacqueline Pitanguy, "Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: Memórias para o futuro" Ibidem.
  • 11
    Jacqueline Pitanguy Pitanguy, Jacqueline. “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: Memórias para o futuro”, in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois, Editora Autonomia Literária, 2018. , "Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: Memórias para o futuro"; Hildete Pereira de Melo Melo, Hildete Pereira de. “Histórias e memórias das lutas feministas no processo constitucional de 1985 a 1988: o papel do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)”, in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois, Editora Autonomia Literária, 2018. , "Histórias e memórias das lutas feministas no processo constitucional de 1985 a 1988: o papel do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)", in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois , Editora Autonomia Literária, 2018.
  • 12
    Jacqueline Pitanguy, "Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: Memórias para o futuro".
  • 13
    Clara Araújo Araújo, Clara. “Cidadania democrática e inserção política das mulheres”, Revista Brasileira de Ciência Política 9 (2012): 147. , "Cidadania democrática e inserção política das mulheres", Revista Brasileira de Ciência Política , 9 (2012), p. 156.
  • 14
    Manuela Boatcă Boatcă, Manuela. “Discriminação na longue durée: padrões globais e estratégias locais”, Hendu – Revista Latino-Americana de Direitos Humanos 6:2 (2017). , "Discriminação na longue durée: padrões globais e estratégias locais", Hendu – Revista Latino-Americana de Direitos Humanos 6:2 (2017), p. 3.
  • 15
    Cf. Kimberlé Crenshaw Crenshaw, Kimberlé. “Demarginalizing the intersection of race and sex: A black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics”, U. Chi. Legal F., 1989, 139. , "Demarginalizing the intersection of race and sex: A black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics", U. Chi. Legal F., 1989, 139.
  • 16
    Iris Marion Young Young, Iris Marion. Justice and the Politcs of Difference, Revised edition., Princeton, N.J: Princeton University Press, 2011. , Justice and the Politcs of Difference, Revised edition, Princeton, N.J: Princeton University Press, 2011, especialmente cap. 6.
  • 17
    Essa ideia está presente desde os clássicos do liberalismo político, como John Stuart Mill Mill, John Stuart Mill [e Mill, Harriot Taylor], On Liberty, Create Space Independent Publishing Platform, 2015. [e Harriot Taylor Mill], On Liberty, Create Space Independent Publishing Platform, 2015, capítulo 1.
  • 18
    Teresa Sacchet & Bruno Speck Sacchet, Teresa & Bruno Speck. “Dinheiro e sexo na política brasileira: financiamento de campanha e desempenho eleitoral em cargos legislativos”, in José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto & Fátima Jordão (orgs.), Mulheres nas eleições 2010, Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Ciência Política, Secretaria de Políticas para Mulheres, 2012. , "Dinheiro e sexo na política brasileira: financiamento de campanha e desempenho eleitoral em cargos legislativos", in José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto & Fátima Jordão (orgs.), Mulheres nas eleições 2010, Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Ciência Política, Secretaria de Políticas para Mulheres, 2012, p. 419.
  • 19
    Flavia Biroli e Luis Felipe Miguel reconstroem três importantes teorias sobre as razões da exclusão das mulheres na política: (1) uma análise das estruturas institucionais, que explica a sub-representação das mulheres na política em virtude do caráter intrinsecamente patriarcal das instituições políticas liberais (especialmente ancorado em Carole Pateman Pateman, Carole. The sexual contract, Cambridge: Polity Press, 1988. , The sexual contract, Cambridge: Polity Press, 1988); (2) uma análise liberal (isto é, que enfoca em características subjetivas), que relaciona a exclusão das mulheres neste espaço com a construção social do político como lugar masculino e a socialização das mulheres como inibidora de „ambição política“; (3) uma análise das estruturas sociais, que impõe restrições de tempo e recursos econômicos às mulheres. Os autores propõem o conceito de "campo político“ de Pierre Boudieu como capaz de integrar essas vertentes e propiciar uma análise complexa desse fenômeno. Ver: Luis Felipe Miguel & Flávia Biroli Miguel, Luis Felipe & Flávia Biroli. “Práticas de gênero e carreiras políticas: vertentes explicativas”, Estudos Feministas 18:3 (2010): 653-79. , "Práticas de gênero e carreiras políticas: vertentes explicativas", Estudos Feministas 18:3 (2010): 653-79.
  • 20
    Esse conceito serve para descrever o conjunto de práticas, crenças e ideologias que, ao longo da história das sociedades ocidentais, determinou funções e papeis a serem exercidos por homens e mulheres, tendo como elemento condicionante para tal, o "sexo". A diferenciação sexual da organização social foi convencionada de tal forma que mulheres foram materialmente e simbolicamente privadas do acesso à educação, do exercício de diversas profissões, da participação nas instituições da vida pública. A vinculação “natural" da mulher à esfera doméstica e do homem à esfera pública perdura no imaginário social, sendo uma das consequências da construção ideológica que fixou lugares sociais para cada um dos sexos.
  • 21
    De acordo com Clara Araújo, a força simbólica dessa ideologia – que antes excluía formalmente as mulheres da cidadania – acabou causando o que ela chama de “exclusão estendida”, uma vez que muitos dos seus aspectos e efeitos se originam indiretamente da exclusão de base, qual seja, a desconsideração das mulheres como cidadãs, sujeitos de direito. Clara Araújo ———. “Cidadania democrática e inserção política das mulheres”, Revista Brasileira de Ciência Política (2012): 9: 147-168. , "Cidadania democrática e inserção política das mulheres", Revista Brasileira de Ciência Política 9 (2012), p. 154.
  • 22
    IBGE, Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil, 2018. Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf >. Acesso em 10 de janeiro de 2019.
  • 23
    Segundo Julie Ballington, isso se dá porque tradicionalmente homens foram posicionados como os “provedores”, enquanto mulheres foram relegadas à esfera privada, o que fez com que os primeiros se acostumassem a levantar dinheiro para o seu próprio uso. A autora sustenta que, muito embora o status econômico das mulheres tenha progredido nas últimas duas décadas (1980 - 2000), os papéis de gênero continuam sendo uma barreira para algumas, o que se percebe, particularmente, em sociedades patriarcais. Julie Ballington Ballington, Julie, “Gender equality in political party funding”, Funding of Political Parties and Election Campaigns, 2003, 157–168. , "Gender equality in political party funding", Funding of Political Parties and Election Campaigns, 2003, 157–168.
  • 24
    Teresa Sacchet & Bruno Speck, "Dinheiro e sexo na política brasileira", p. 449.
  • 25
    Ibidem.
  • 26
    “Com exceção da Argentina, todos os demais países adotaram leis de cotas nos anos posteriores à 4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Beijing, em 1995, e depois de uma série de importantes encontros regionais entre as mulheres políticas da América Latina”. .
  • 27
    Redação original do art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97, Lei das Eleições.
  • 28
    Daniel Zovatto Zovatto, Daniel. “Financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na América Latina: uma análise comparada”, Opinião Pública 11:2 (2005): 287–336. , "Financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na América Latina: uma análise comparada", Opinião Pública 11:2 (2005), p. 323.
  • 29
    Disponível em < www.ipu.org/wmn-e/classif.htm >; Acesso em 26 de junho de 2017.
  • 30
    Além dessas informações, um outro dado trazido como relevante pela Procuradoria foi a inferioridade da média brasileira (17,9%) em relação à média global de participação de mulheres no parlamento (22,8%). No entanto, ao utilizar os 22,8% como parâmetro comparativo, ignorou-se o fato de que, apesar de a situação do Brasil ser muito grave, também é a de todos os países em geral. Na Europa e nos Estados Unidos, nações consideradas “mais desenvolvidas”, a média de representação política feminina é de 25,6% e 27,6% respectivamente percentuais tão baixos quanto os outros. Disponível em < www.ipu.org/wmn-e/classif.htm >; Acesso em 26 de junho de 2017.
  • 31
    A pesquisa foi realizada pelo DataSenado, em parceria com a Procuradoria Especial da Mulher e a Ouvidoria do Senado Federal. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/pesquisa-equidade-de-genero-na-politica-2016 >; Acesso em 15 de maio de 2017.
  • 32
  • 33
  • 34
  • 35
    Esses dados, e todos os outros a que não se fizer referência expressa à fonte, foram coletados e trabalhados pelos alunos e alunas e apresentados no memorial de amicus curiae da FGV Direito Rio em nome da CEPIA na ADI 5617.
  • 36
  • 37
    São eles: DEM, PC do B, PCB, PCO, PDT, PEN, PHS, PMDB, PMN, PP, PPL, PPS, PR, PRB, PROS, PRP, PRTB, PSB, PSC, PSD, PSDB, PSDC, PSL, PSOL, PSTU, PT, PT do B, PTB, PTC, PTN, PV, e SD. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas >. Acesso em 09 de maio de 2017.
  • 38
  • 39
    São eles: DEM, NOVO, PC do B, PCB, PCO, PDT, PEN, PHS, PMB, PMDB, PMN, PP, PPL, PPS, PR, PRB, PROS, PRP, PRTB, PSB, PSC, PSD, PSDB, PSDC, PSL, PSOL, PSTU, PT, PT do B, PTB, PTC, PTN, PV, REDE e SD. Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas . Acesso em 09 de maio de 2017.
  • 40
    CEDAW. Observaciones finales sobre el séptimo informe periódico de Brasil, adoptadas por el Comité en su 51o período de sesiones (13 de febrero a 2 de marzo de 2012) (CEDAW/C/BRA/7), 17 de febrero de 2012. Disponível em: < http://www.acnudh.org/wpcontent/uploads/2012/03/CEDAW-Brasil-2012-Esp.pdf >. Acesso em 10 de janeiro de 2019.
  • 41
    Essa é uma reconstrução resumida e adaptada daquela que apresentamos no memorial de amicus curiae da FGV Direito Rio em nome da CEPIA na ADI 5617.
  • 42
    Lei 12.034/09: “Art. 2o. A Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, passa a vigorar com as seguintes alterações: (...) Art. 44. V - Na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total.” Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12034.htm >. Acesso em 10 de maio de 2017.
  • 43
    “Norris, Inglehart e Welzel (2004) apontam que existem características que impactam diretamente nas chances de as mulheres atingirem a representação, concretizada na eleição. As três características principais apontadas são: o contexto institucional, as ações afirmativas nas estratégias de composição das listas partidárias e os recursos que homens e mulheres trazem para o seguimento de suas carreiras políticas.” Vitor de Moraes Peixoto, Nelson Luis Motta Goulart & Gabriel Tisse da Silva Peixoto, Vitor de Moraes, Nelson Luis Motta Goulart & Gabriel Tisse da Silva. “Cotas e mulheres nas eleições legislativas de 2014”, Política & Sociedade 15:32 (2016): 126-144. , "Cotas e mulheres nas eleições legislativas de 2014", Política & Sociedade 15:32 (2016), p. 129.
  • 44
    Para calcularmos se as agremiações partidárias destinaram os 5% do que receberam do Fundo Partidário para programas de promoção e participação política das mulheres observamos os demonstrativos de receitas e despesas e os demais demonstrativos contábeis e peças complementares de cada partido, em âmbito nacional, relativos aos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 disponíveis no portal eletrônico do TSE. Esse recorte temporal se justifica por duas razões: (i) pela edição da Lei nº 12.034 que instituiu, em 2009, essa destinação obrigatória; (ii) e pela alteração que essa disciplina sofreu com a edição da Lei nº 13.165/2015, a qual possibilitou que esses recursos também pudessem ser aplicados nos institutos ou fundações de pesquisa e de doutrinação e educação política, caso o partido não mantenha uma secretaria da mulher. Em cada demonstrativo, identificamos as “cotas recebidas” do total do Fundo Partidário, os quais serviram como base de cálculo para calcular o montante de 5% a ser destinado. Além disso, verificamos o quanto o partido destinou dos recursos que recebeu do Fundo Partidário ​para o disposto no art. 44, inciso IV, da Lei nº 9.9096/95. Essa análise foi realizada por meio da observância do balanço patrimonial do partido e do demonstrativo de receitas e despesas. Nos casos em que não se teve a certeza de que o recurso fora destinado à secretaria da mulher do partido em cada ano analisado (ou seja, quando não havia nenhum tipo de conta bancária ou fundo de investimento em que havia disposição expressa que fora criado para esse fim, ou quando o valor fora apenas provisionado - sem futura destinação de fato), desconsideramos os partidos da presente análise. Cumpre ainda destacar que, para calcular o que o partido de fato destinou para programas, não foram incluídos os valores existentes em fundo de investimentos (nos casos em que há discriminação de que aqueles fundos são voltados para os fins estabelecidos pelo artigo 44, V, da Lei nº 9.096/95), já que não é possível saber se aquele montante já se encontrava lá em anos anteriores, ou se foi investido no ano em análise. Assim, a fim de se evitar eventuais desproporções no valor analisado, tais exclusões fazem-se necessárias, diante de um cenário marcado pela baixa informação disponível e pela ausência de uma correspondência necessária entre as informações prestadas por cada partido (visto que não existe um padrão de divulgação de contas). Por outro lado, para determinar o montante do que efetivamente foi destinado, somamos as despesas do partido voltada para programas de participação política de mulheres, ao montante de “ativo circulante” de contas discriminadas como contas de secretarias das mulheres dos partidos (quando havia).
  • 45
    A pressuposição de que os partidos que não informaram não teriam cumprido a norma parece bastante plausível, considerando que, se estivessem perfeitamente dentro do que a legislação exige, haveria pouco incentivo para não informarem essa situação.
  • 46
    Art. 44. “Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: (...) IV - Na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido”.
  • 47
    § 5o“O partido político que não cumprir o disposto no inciso V docaputdeverá transferir o saldo para conta específica, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, de modo que o saldo remanescente deverá ser aplicado dentro do exercício financeiro subsequente, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade.” (Grifou-se). Art. 44. “Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e mantidos pela secretaria da mulher do respectivo partido político ou, inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total”.
  • 48
    De acordo com a jurisprudência do TSE, no PC nº 23167/DF, o pleno do tribunal decidiu que a não destinação do percentual previsto no art. 44, V, da Lei 9.096/95 é uma impropriedade e, por isso, enseja a aprovação parcial das contas. Vale ressaltar que essa decisão do tribunal se deu em setembro de 2014, meses antes da primeira resolução do Tribunal sobre o tema ( http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/normas-editadas-pelo-tse/resolucao-no-23-432-de-16-de-dezembro-de-2014-2013-brasilia-2013-df ). Disso, entende-se que antes mesmo das resoluções, o entendimento do Tribunal era de que o descumprimento do art. 44, V (L. 9.096/95) configura uma impropriedade de natureza formal, sendo este entendimento o que originou, posteriormente, as resoluções 23.432 de 2014 (primeira resolução) e 23.464 de 2015 (resolução que substituiu a 23.432) sobre o tema. Disponível em: < https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/144410892/prestacao-de-contas-pc-23167-df >. Acesso em 10 de maio de 2017.
  • 49
    É relevante ressaltar que apenas no âmbito do TSE que não existia disposição legal sobre o fato de impropriedades gerarem a aprovação com ressalvas e não a desaprovação total da conta, pois o Tribunal de Contas da União, que antes era o responsável por julgar as contas partidárias, já tinha uma Lei que o direcionava. A Lei nº 8.443/92, que dispunha sobre a Lei Orgânica do TCU, em seu art. 16, II, determina: “As contas serão julgadas: II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário;”
  • 50
    Art. 36, §2o. “Consideram-se impropriedades as falhas de natureza formal das quais não resulte dano ao erário e outras que não tenham potencial para conduzir à inobservância da Constituição Federal ou à infração de normas legais e regulamentares” Art. 46. “Compete à Justiça Eleitoral decidir sobre a regularidade das contas partidárias, julgando: (...) II – pela aprovação com ressalvas, quando verificadas impropriedades de natureza formal, falhas ou ausências irrelevantes”.
  • 51
    Irregularidades que ensejam a desaprovação das contas são doutrinariamente consideradas como “condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública”. Gomes, José Jairo Gomes, José Jairo. Direito eleitoral, 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. . Direito eleitoral, 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 313.
  • 52
    Lei 9.096/95, Art. 37: “A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.” Após o ano de 2015, a redação do Art. 37 da Lei 9.096/95 passou a ser: “A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento)”.
  • 53
    Obrigação prevista no artigo 44, inciso IV, da Lei nº 9.096/95 53.
  • 54
    No mesmo processo, nº 23167/DF, no qual o pleno do TSE decidiu que a não destinação do percentual mínimo de 5% para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (art. 44, V, da Lei nº 9.096/95) é uma impropriedade, o tribunal decidiu que a não destinação do percentual mínimo de 20% do total recebido do Fundo Partidário para criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política (art. 44, IV, da Lei nº 9.096/95) é uma irregularidade. O TSE faz essa diferenciação sem quaisquer justificativas.
  • 55
    Redação do art. 44, § 5ode acordo com a Lei nº 12.034/2009: “O partido que não cumprir o disposto no inciso V do caput deste artigo deverá, no ano subsequente, acrescer o percentual de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) do Fundo Partidário para essa destinação, ficando impedido de utilizá-lo para finalidade diversa” (Revogado pela Lei nº 13.165/2015).
  • 56
    Redação atual do art. 44, § 5o, de acordo com a Lei nº 13.165/2015: “O partido político que não cumprir o disposto no inciso V do caput deverá transferir o saldo para conta específica, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, de modo que o saldo remanescente deverá ser aplicado dentro do exercício financeiro subsequente, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade”.
  • 57
    Art. 44, § 5º-A: “A critério das agremiações partidárias, os recursos a que se refere o inciso V poderão ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido.”
  • 58
    Art. 44, § 7º “A critério da secretaria da mulher ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, os recursos a que se refere o inciso V do caput poderão ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando, neste caso, o disposto no § 5º.”
  • 59
    Para uma reflexão ampla e contextualizada sobre litígio estratégico, suas características e ambiguidades, ver Juliana Cesario Alvim Gomes Cesario Alvim Gomes, Juliana. “Nas encruzilhadas: limites e possibilidades do uso do litígio estratégico para o avanço dos direitos humanos e para a transformação social”, in Cesario Alvim Gomes, Juliana (org). Litígio Estratégico e Direitos Humanos - Dossiê, Revista Direito e Práxis 10:1 (2019). . "Nas encruzilhadas: limites e possibilidades do uso do litígio estratégico para o avanço dos direitos humanos e para a transformação social", neste dossiê.

Bibliografia

  • Alves, Branca Moreira. “Ideologia e feminismo: a luta pelo voto feminino no Brasil”, Petrópolis: Vozes, 1980.
  • Araújo, Clara. “Cidadania democrática e inserção política das mulheres”, Revista Brasileira de Ciência Política 9 (2012): 147.
  • ———. “Cidadania democrática e inserção política das mulheres”, Revista Brasileira de Ciência Política (2012): 9: 147-168.
  • Araújo, Clara & Doriam Borges. “O gênero, os elegíveis e os não-elegíveis: uma análise das candidaturas para a Câmara Federal em 2010”, in José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto & Fátima Jordão (orgs.), Mulheres nas eleições 2010, Associação Brasileira de Ciência Política, 2012.
  • Ballington, Julie, “Gender equality in political party funding”, Funding of Political Parties and Election Campaigns, 2003, 157–168.
  • Boatcă, Manuela. “Discriminação na longue durée: padrões globais e estratégias locais”, Hendu – Revista Latino-Americana de Direitos Humanos 6:2 (2017).
  • Campoi, Isabela Candeloro. “O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX”, História (São Paulo) v 30 (2011): 196–213.
  • Cesario Alvim Gomes, Juliana. “Nas encruzilhadas: limites e possibilidades do uso do litígio estratégico para o avanço dos direitos humanos e para a transformação social”, in Cesario Alvim Gomes, Juliana (org). Litígio Estratégico e Direitos Humanos - Dossiê, Revista Direito e Práxis 10:1 (2019).
  • Crenshaw, Kimberlé. “Demarginalizing the intersection of race and sex: A black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics”, U. Chi. Legal F., 1989, 139.
  • Gomes, José Jairo. Direito eleitoral, 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
  • Inter-Parliamentary Union. “Women in Parliaments: World Classification” Acessado em 25 de janeiro de 2019<http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm> [acessado em 25 de janeiro de 2019].
    » http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm
  • Melo, Hildete Pereira de. “Histórias e memórias das lutas feministas no processo constitucional de 1985 a 1988: o papel do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)”, in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois, Editora Autonomia Literária, 2018.
  • Miguel, Luis Felipe & Flávia Biroli. “Práticas de gênero e carreiras políticas: vertentes explicativas”, Estudos Feministas 18:3 (2010): 653-79.
  • Mill, John Stuart Mill [e Mill, Harriot Taylor], On Liberty, Create Space Independent Publishing Platform, 2015.
  • Pateman, Carole. The sexual contract, Cambridge: Polity Press, 1988.
  • Pinto, Celi Regina J., Uma História Do Feminismo No Brasil, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007.
  • Peixoto, Vitor de Moraes, Nelson Luis Motta Goulart & Gabriel Tisse da Silva. “Cotas e mulheres nas eleições legislativas de 2014”, Política & Sociedade 15:32 (2016): 126-144.
  • Pitanguy, Jacqueline. “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: Memórias para o futuro”, in Patricia Tuma Martins Bertolin, Denise Almeida de Andrade & Monica Sapucaia Machado (orgs.), Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes: 30 anos depois, Editora Autonomia Literária, 2018.
  • Sacchet, Teresa & Bruno Speck. “Dinheiro e sexo na política brasileira: financiamento de campanha e desempenho eleitoral em cargos legislativos”, in José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto & Fátima Jordão (orgs.), Mulheres nas eleições 2010, Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Ciência Política, Secretaria de Políticas para Mulheres, 2012.
  • Young, Iris Marion. Justice and the Politcs of Difference, Revised edition., Princeton, N.J: Princeton University Press, 2011.
  • Zovatto, Daniel. “Financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na América Latina: uma análise comparada”, Opinião Pública 11:2 (2005): 287–336.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019
  • Data do Fascículo
    Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2019
  • Aceito
    05 Fev 2019
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com