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“Lugares de tráfico”: a geografia jurídica das abordagens policiais em Porto Alegre

“DRUG PLACES”: THE LEGAL GEOGRAPHY OF POLICE STOPS IN PORTO ALEGRE

Resumo

Neste estudo na área da geografia jurídica buscamos compreender se a espacialidade é um fator relevante na determinação da fundada suspeita em abordagens policiais relacionadas ao tráfico de drogas no Brasil. A abordagem policial é um procedimento no qual policiais param, questionam e até mesmo revistam uma pessoa que é suspeita de portar ilegalmente objetos como armas ou drogas. Considerando a literatura sobre os fatores comportamentais, organizacionais e espaciais que explicam o policiamento seletivo, sugerimos que indivíduos que se deparam com a polícia em vilas e favelas estão mais propensos a ser vistos como suspeitos de tráfico do que aqueles indivíduos que interagem com a polícia em outros lugares da cidade. Neste estudo, essa hipótese é testada empiricamente, por meio da análise de um conjunto de dados georreferenciados sobre 635 abordagens policiais em casos envolvendo o delito de tráfico de drogas no município de Porto Alegre, que resultaram em julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no período de 2015 a 2017. Nossa análise demonstra que a construção da suspeita policial é influenciada por representações do espaço que concebem os assentamentos informais populares como “lugares de tráfico”.

Palavras-chave
Geografia jurídica; assentamentos informais; tráfico de drogas; policiamento; abordagem policial

Abstract

In this study of legal geography, we aim at understanding whether the spatiality is a relevant factor in determining founded suspicion in police stops related to drug trafficking in Brazil. Police stop is a procedure that consists of police officers stopping, questioning, and even searching a person who is suspected of unlawfully carrying objects such as weapons and drugs. Based in the literature on the behavioral, organizational, and spatial factors that explain selective policing, we suggest that individuals who encounter the police in villas and favelas are more likely to be suspected of drug trafficking than similarly behaving individuals who interact with the police elsewhere in the city. In this study, empirical evidence is provided to test this hypothesis, by means of an analysis of a georeferenced dataset on 635 police stops involving drug trafficking cases in the municipality of Porto Alegre, which ended in rulings of the State of Rio Grande do Sul Court of Appeal during the period 2015-2017. Our analysis shows that the construction of police suspicion is influenced by representations of space that conceive informal urban settlements as “drug places”.

Keywords
Legal geography; informal settlements; drug trafficking; policing; police stop

Introdução1 1 Este artigo é um dos produtos do projeto de pesquisa “Geografias jurídicas da cidade: estudos empíricos sobre a regulação do domínio público”, desenvolvido com a colaboração do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A abordagem policial é um procedimento investigativo que consiste em parar, interpelar e até mesmo revistar alguém suspeito de portar ilegalmente objetos como armas ou drogas. Essa prerrogativa de cercear a liberdade individual por um curto intervalo de tempo foi conferida à polícia como corolário da pretensão do Estado moderno ao monopólio do exercício da violência física legítima para manutenção da ordem (WEBER, 1922WEBER, Max. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. 2. ed. Tradução de José Medina Echavarría et al. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1964 [1922]., p. 43-44).

Nas últimas décadas, entretanto, a utilização massiva, rotineira e indiscriminada desse procedimento em estratégias de policiamento urbano tem despertado críticas por representar uma ameaça potencial aos direitos humanos, na medida em que expõe tanto as pessoas abordadas quanto os próprios policiais a riscos consideráveis e, eventualmente, resulta em vítimas fatais. Em uma perspectiva mais ampla, a banalização das abordagens policiais nos espaços públicos, influenciada pelos discursos de “guerra às drogas” e “tolerância zero”, vem sendo criticada como manifestação de uma cultura do controle (GARLAND, 2001GARLAND, David. The culture of control: crime and social order in contemporary society. Chicago: The University of Chicago Press, 2001.), que reivindica a expansão das políticas do Estado penal em detrimento das políticas do Estado de bem-estar no gerenciamento dos problemas sociais; tal fenômeno encontraria correspondência, na outra ponta do sistema penal, no encarceramento em massa (WACQUANT, 1999WACQUANT, Loïc. Les prisons de la misère. Paris: Raisons d’Agir, 1999., 2004WACQUANT, Loïc. Punir les auvres: le nouveau gouvernment de l'insécurité sociale. Marseille: Agone, 2004.).

No Brasil, conforme o art. 244 do Código de Processo Penal (CPP), a realização de uma abordagem policial em via pública independe de mandado judicial se houver fundada suspeita de que uma pessoa esteja na posse de arma proibida ou objetos que constituam corpo de delito (BRASIL, 1941BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal (compilado). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em: 15 out. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
). A legislação legitima o uso desse procedimento no trabalho diário da polícia, mas não exige que cada abordagem seja documentada. Apenas uma ínfima parte do total de abordagens é reportada – em geral, os casos que têm como desfecho prisões, apreensões de armas ou drogas, lesões corporais ou mortes. Também é incomum a divulgação de estatísticas oficiais sobre abordagens policiais, tornando desafiador o estudo do tema.

O policiamento urbano é uma prática jurídica, que assim se qualifica porque está sujeita aos condicionamentos decorrentes do campo jurídico (BOURDIEU, 1986BOURDIEU, Pierre. La force du droit: éléments pour une sociologie du champ juridique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 64, p. 3-19, 1986.). Ao definir quem será abordado, o policial interpreta o direito. Já foram exaustivamente discutidos na doutrina os entraves para a interpretação do dispositivo do CPP, sobretudo a imprecisão da expressão “fundada suspeita” e a falta de requisitos para a sua caracterização (LOPES JUNIOR, 2018LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018., p. 527; BADARÓ, 2015BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015., p. 496; OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Eugenio P. de. Curso de Processo Penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011., p. 443; NUCCI, 2006NUCCI, Guilherme. Manual de processo penal e execução penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006., p. 483; TOURINHO FILHO, 2005TOURINHO FILHO, Fernando. Processo Penal. v. 3. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2005., p. 385). Há quem conclua que, “por mais que se tente definir a ‘fundada suspeita’, nada mais se faz que pura ilação teórica, pois os policiais continuarão abordando quem e quando eles quiserem” (LOPES JUNIOR, 2018LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018., p. 528).

Apesar da legislação vaga, encontramos exemplos de acórdãos, inclusive na jurisprudência dos tribunais superiores,2 2 No HC 81.305-GO (2002), o Supremo Tribunal Federal decidiu que a suspeita policial não pode ser fundada em parâmetros exclusivamente subjetivos, sob o risco de causar constrangimentos e ofender direitos civis. que anularam atos decisórios em processos criminais com origem em abordagens que desconsideraram a exigência legal da fundada suspeita. A responsabilização dos policiais por abuso de autoridade também é juridicamente possível, embora rara. Isso significa que a discricionariedade do policial, em alguma medida, está condicionada pela expectativa de controle da legalidade de suas ações por agentes que ocupam posições de maior centralidade no campo jurídico, como promotores de justiça e magistrados. No entanto, se superestimarmos o peso da legislação, doutrina e jurisprudência, perderemos de vista outros fatores que condicionam o funcionamento dessa prática jurídica.

Ao problematizarem a função dos mecanismos de criminalização secundária na construção do desvio social, os estudos de criminologia crítica (TAYLOR, WALTON e YOUNG; 1973TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock. The new criminology: for a social theory of deviance. London: Routledge; Kegan Paul, 1973.; BARATTA, 1982BARATTA, Alessandro. Criminologia critica e critica del diritto penale. Bologna: Il Mulino, 1982.; ANDRADE, 2003ANDRADE, Vera Regina P. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.) difundiram a concepção de que o sistema penal está estruturado para atuar seletivamente, contribuindo para a reprodução das desigualdades sociais. A polícia, instituição estatal, tende a seguir a lógica de funcionamento do sistema de que faz parte, selecionando os indivíduos e grupos sociais que são alvos prioritários de suas estratégias de controle social e atribuição de status criminal. Assim, a seletividade consiste em uma premissa teórica incontroversa da literatura sociojurídica que examina os fatores que incidem na formação da suspeita policial.

Um dos fatores explicativos da seletividade na ação policial que vem recebendo menor atenção nessas pesquisas é a espacialidade. A pergunta que se faz é: as chances de um comportamento ser considerado suspeito pela polícia tendem a variar a depender de onde se estiver na cidade? Com base nos estudos de geografia jurídica, é possível responder essa pergunta afirmativamente. Pouco conhecida no Brasil, a geografia jurídica assumiu visibilidade na década de 1990, a partir do entrecruzamento de estudos sociojurídicos e estudos de geografia humana, sustentando que espaço e direito são dimensões mutuamente constitutivas da vida social (BLOMLEY, 1994BLOMLEY, Nicholas. Law, space, and the geographies of power. New York: Guilford Press, 1994.; BLOMLEY, DELANEY e FORD, 2001BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; FORD, Richard (eds.). The legal geographies reader: law, power, and space. Oxford: Blackwell, 2001.; DELANEY, 2010DELANEY, David. The spatial, the legal and the pragmatics of worldmaking: nomospheric investigations. London: Routledge, 2010.). Os estudos empíricos de geografia jurídica têm evidenciado a relevância das práticas jurídicas na regulação dos espaços públicos (STAEHELI e MITCHELL, 2008STAEHELI, Lynn; MITCHELL, Don. The people's property? Power, politics, and the public. New York: Routledge, 2008.; VALVERDE, 2012VALVERDE, Mariana. Everyday law on the street: city governance in an age of diversity. Chicago: The University of Chicago Press, 2012.; KONZEN, 2013aKONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University/Media-Tryck, 2013a.), sugerindo que percepções sobre o espaço, tanto quanto práticas espaciais, influenciam a atuação das instituições e agentes estatais.

Na esteira da “guerra às drogas”, novas representações sobre o espaço urbano disseminaram-se no Brasil, as quais não podem ser ignoradas nas explicações sobre a espacialidade como fator que influencia a ação policial. Operando na ilegalidade, o mercado transnacional das drogas apoiou-se em uma rede de pontos fixos para a venda de produtos como a cocaína e a maconha ao consumidor final, sob a tutela da violência física privada; no contexto brasileiro, esse comércio varejista atraiu sobretudo parcelas da juventude das periferias urbanas, onde a informalidade era a regra (ZALUAR, 2007ZALUAR, Alba. Democratização inacabada: fracasso da segurança pública. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, p. 31-49, 2007.; MACHADO DA SILVA, 2010MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. “Violência urbana”, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro atual. Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 283-300, 2010.). Com a territorialização do narcotráfico, as vilas e favelas passaram a ser concebidas no imaginário social como “lugares de tráfico”, o que pode não ser condizente com as práticas espaciais observáveis em um assentamento informal popular em específico.

Neste estudo de geografia jurídica, considerando a relevância da problemática da espacialidade como fator de determinação da fundada suspeita em abordagens policiais, buscamos responder à seguinte questão: as chances de práticas espaciais serem vistas como suspeitas pela polícia são maiores nas vias públicas de vilas e favelas do que no restante da cidade? Partimos da hipótese de que as pessoas que se deparam com a polícia em assentamentos informais populares estão mais propensas a ser vistas como suspeitas do crime de tráfico de drogas do que aquelas que se comportam de modo similar em outros locais, porque a suspeita policial é influenciada por representações do espaço que concebem vilas e favelas como “lugares de tráfico”.

Para testar empiricamente essa hipótese, realizamos uma pesquisa em Porto Alegre. Os dados examinados referem-se a um universo de 635 casos de abordagens por fundada suspeita a pedestres em via pública realizadas pela Polícia Militar que deram origem a processos judiciais por tráfico de drogas julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) no triênio 2015-2017. Categorizamos os dados extraídos dos acórdãos judiciais, verificando a presença, nas narrativas policiais, de representações do espaço onde foi realizada a abordagem e de descrições das condutas que despertaram suspeita. Posteriormente, utilizamos a informação sobre o endereço para georreferenciar os registros e identificar quais abordagens haviam ocorrido em vilas e favelas. Por fim, analisamos estatisticamente as associações entre as variáveis, mensurando a influência da espacialidade na formação da suspeita policial.

Na primeira seção do artigo, revisamos a literatura sociojurídica sobre os fatores que explicam a atuação seletiva da polícia e a formação da fundada suspeita como motivação para as abordagens policiais. Na segunda seção, detalhamos o desenho metodológico da pesquisa empírica, descrevendo as etapas que foram seguidas na coleta e análise dos dados. Na terceira seção, discutimos as mais importantes evidências encontradas acerca da espacialidade como fator determinante da fundada suspeita em abordagens policiais.

1. Seletividade da ação policial e formação da fundada suspeita

Nesta seção, apresentamos uma revisão não sistemática da literatura que discute, sob a perspectiva das ciências sociais, a seletividade no policiamento urbano.3 3 Para revisões mais sistemáticas, embora com foco nos Estados Unidos, cf. Klahm e Tillyer (2010); Meares (2014). Com isso, pretendemos identificar fatores comportamentais, organizacionais e espaciais relevantes para compreender a atuação seletiva da polícia e a formação da fundada suspeita no contexto brasileiro. Destacamos cinco desses fatores: os estereótipos sociais, as atitudes intrinsecamente suspeitas, a cultura policial, o policiamento atuarial e as características das vizinhanças – e, quanto a este último, estendemos a análise a fim de dialogar com os estudos sobre os assentamentos informais populares e a territorialização do narcotráfico.

1.1. Fatores comportamentais: estereótipos sociais e atitudes intrinsecamente suspeitas

Há muito tempo as ciências sociais consideram os estereótipos um elemento-chave para explicar ideias preconceituosas e ações discriminatórias (DOVIDIO et al., 2010DOVIDIO, John et al. Prejudice, stereotyping and discrimination: theoretical and empirical overview. In: DOVIDIO, John et al. (eds.) The SAGE handbook of prejudice, stereotyping and discrimination. London: SAGE, 2010. p. 3-28.). Os estereótipos sociais são rótulos comportamentais atribuídos de forma generalizada às pessoas integrantes de um grupo definido por características em comum, tais como gênero, idade, ascendência étnica, traços fenotípicos, condição socioeconômica, país de naturalidade e uso de roupas e adereços específicos. Reproduzidos no sistema penal, esses estereótipos tendem a resultar na criminalização de certos grupos sociais.

Em sociedades estruturalmente racistas como a brasileira e a estadunidense, marcadas pela experiência histórica da escravidão, estereótipos sociais que reforçam negativamente identidades étnico-raciais assumem destaque.4 4 Por exemplo, o estereótipo racista do jovem negro como alguém naturalmente mais agressivo e perigoso. Para uma discussão do impacto dos estereótipos raciais nas políticas criminais, ver Hurwitz e Peffley (1997). Estudos empíricos sobre “filtramento racial” (racial profiling) nos Estados Unidos repetidamente mostram que negros têm mais chances de serem abordados pela polícia do que brancos, seja dirigindo veículos (HARRIS, 1999HARRIS, David A. The stories, the statistics, and the law: why “driving while black” matters. Minnesota Law Review, v. 84, p. 265-326, 1999.), seja circulando a pé (GELMAN, FAGAN e KISS, 2007GELMAN, Andrew; FAGAN, Jeffrey; KISS, Alex. Analysis of the New York City Police Department “stop-and-frisk” policy the context of claims of racial bias. Journal of the American Statistical Association, v. 102, n. 479, p. 813-823, 2007.). Um trabalho analisou dados sobre mais de dois milhões de abordagens em Nova York entre 2007 e 2014,5 5 Desde o caso Daniels et al. v. City of New York (1999), os policiais que atuam na cidade são treinados para preencher um formulário a cada abordagem por fundada suspeita, independentemente do desfecho. e constatou que, a despeito de reformas na polícia e de uma queda drástica no total de casos, os jovens negros continuavam mais suscetíveis a ser abordados e sofrer violência policial (KRAMER e REMSTER, 2018KRAMER, Rory; REMSTER, Brianna. Stop, frisk, and assault? Racial disparities in police use of force during investigatory stops. Law & Society Review, v. 52, n. 4, p. 960-993, 2018.).

Também no Brasil os estudos empíricos sugerem que os estereótipos tornam certos grupos sociais alvos preferenciais de suspeita. Batista (2003)BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. examinou processos criminais envolvendo adolescentes no Rio de Janeiro entre 1968 e 1988, constatando que o termo “atitude suspeita” se repetia nos relatos policiais. A pesquisadora concluiu que “[…] a ‘atitude suspeita’ não se relaciona a nenhum ato suspeito, não é atributo de ‘fazer algo suspeito’, mas sim de ser, pertencer a um determinado grupo social; é isso que desperta suspeitas automáticas” (BATISTA, 2003BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p. 103); uma vez que, na visão dos policiais, “[…] jovens pobres pardos ou negros estão em atitude suspeita andando na rua, passando num táxi, sentados na grama do Aterro, na Pedra do Leme ou reunidos num campo de futebol” (BATISTA, 2003BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p. 103). Assim, as abordagens seriam utilizadas para controlar o deslocamento na cidade de um grupo estigmatizado pelo seu perfil etário, socioeconômico e étnico-racial (BATISTA, 2003BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003., p. 104).

Na mais importante pesquisa já conduzida no país sobre a influência dos estereótipos sociais nas abordagens policiais, Ramos e Musumeci (2005)RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. demostraram que a escolha de abordar uma pessoa nas ruas está longe de ser aleatória. Com base em dados obtidos por meio de entrevistas com oficiais e praças da Polícia Militar, grupos focais com jovens de distintas classes sociais e questionários aplicados em domicílio a uma amostra representativa da população do Rio de Janeiro, as pesquisadoras identificaram filtros que influenciavam o policiamento urbano, e obtiveram como resultado a maior probabilidade de pessoas do sexo masculino, jovens, pobres e negras serem alvos de suspeita quando circulando a pé nas ruas (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 106-107). Porém, elas notaram que os estereótipos podem orientar a construção da suspeita em combinação com a espacialidade: um jovem negro transitando por um bairro rico desperta tanta suspeita quanto um jovem branco de classe média circulando nas redondezas de uma favela (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 77-78).

Os estereótipos sociais que condicionam a seletividade policial e a formação da fundada suspeita tendem a ser reforçados pela atuação do Poder Judiciário. Em estudo sobre os fatores determinantes da decretação de prisões preventivas em audiências de custódia em Belo Horizonte, Lages e Ribeiro (2019LAGES, Lívia Bastos; RIBEIRO, Ludmila. Os determinantes da prisão preventiva na Audiência de Custódia: reforço de estereótipos sociais? Revista Direito GV, v. 15, n. 13, e1933, 2019., p. 20) demonstraram que as chances de pessoas negras e do sexo masculino serem recolhidas ao cárcere enquanto aguardam uma decisão judicial são maiores em comparação com as populações brancas e do sexo feminino. No entanto, a pesquisa também apontou que o fator que mais influencia os magistrados é o fato de o flagrante ter sido pelo delito de tráfico de drogas, o que denota o peso do discurso de “guerra às drogas” no funcionamento do sistema penal (LAGES e RIBEIRO, 2019LAGES, Lívia Bastos; RIBEIRO, Ludmila. Os determinantes da prisão preventiva na Audiência de Custódia: reforço de estereótipos sociais? Revista Direito GV, v. 15, n. 13, e1933, 2019., p. 25).

Nas fontes de informação a que recorremos em nosso estudo raramente encontramos dados que servissem para fins de classificação das pessoas abordadas segundo seus atributos, com exceção do gênero.6 6 Foram poucos os registros de abordagens a mulheres. Provavelmente, isso se deve ao estereótipo da mulher como menos perigosa e à difusão de uma norma social, influenciada pelo art. 249 do CPP, segundo a qual um policial homem não pode revistar uma mulher (RAMOS e MUSUMECI, 2005, p. 41-43). Ainda que se saiba que os estereótipos pesam na formação da suspeita, os policiais não justificam perante o Judiciário a decisão de abordar alguém com base em sua cor de pele ou aparência física. Perante pesquisadores, também é difícil que admitam abertamente que se orientem por estereótipos (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 38). Uma pesquisa que estudou as percepções de policiais militares de São Paulo concluiu ser “[…] muito pouco provável que o policial decida abordar alguém em função da raça/cor, sexo, idade e condição socioeconômica […]” (PINC, 2014PINC, Tânia. Por que o policial aborda? Um estudo empírico sobre a fundada suspeita. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 16, n. 3, p. 34-59, 2014., p. 48).

Em concorrência ou combinação com os estereótipos sociais, outros fatores podem contribuir para explicar a seletividade no policiamento urbano. Por vezes, a formação da suspeita policial deriva diretamente de comportamentos observados mais do que pressupostos ou imaginados. Conforme demonstra Pinc (2014)PINC, Tânia. Por que o policial aborda? Um estudo empírico sobre a fundada suspeita. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 16, n. 3, p. 34-59, 2014., em várias situações as abordagens são motivadas por práticas sociais que despertam suspeita, independentemente dos atributos de quem as protagoniza. É de se esperar, por exemplo, que a polícia aborde quem for flagrado manuseando substâncias entorpecentes ou portando armas de fogo em via pública. Também é provável que reações à presença da polícia, tais como fugir ou dispensar objetos, sejam vistas como atitudes intrinsecamente suspeitas, precipitando as abordagens.

Não se pode descartar, entretanto, que mesmo alguém sem qualquer envolvimento com o tráfico de drogas ou outra atividade econômica criminalizada possa reagir à presença policial com atitudes que guardem alguma similitude com aquelas intrinsecamente suspeitas. No Brasil, há uma massa de indivíduos das classes populares praticamente destituída de capital cultural (SOUZA, 2013SOUZA, Jessé. Em defesa da sociologia: o economicismo e a invisibilidade das classes sociais. Revista Brasileira de Sociologia, v. 1, n. 1, p. 129-158, 2013.), com limitada consciência jurídica sobre direitos ou sobre o modo mais produtivo de exercê-los nas interações com a polícia (YOUNG e BILLINGS, 2020YOUNG, Kathryne; BILLINGS, Katie. Legal conciousness and cultural capital. Law & Society Review, v. 54, n. 1, p. 33-65, 2020.). Prevalece entre a população certo temor quanto a esses encontros, pois subsiste a imagem da polícia como instituição violenta e ineficiente (CARDIA, 1997CARDIA, Nancy. O medo da polícia e as graves violações dos direitos humanos. Tempo Social, v. 9, n. 1, p. 249-265, 1997.; AZEVEDO e NASCIMENTO, 2016AZEVEDO, Rodrigo G.; NASCIMENTO, Andréa. Desafios da reforma das polícias no Brasil: permanência autoritária e perspectivas de mudança. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 16, n. 4, p. 653-672, 2016.). Toda abordagem é relacional; portanto, os comportamentos das pessoas abordadas estão associados, em alguma medida, aos discursos e práticas institucionais que permeiam a atuação da polícia.

1.2. Fatores organizacionais: cultura policial e policiamento atuarial

A cultura profissional que permeia os discursos e práticas policiais pode se distanciar substancialmente dos marcos formalmente estabelecidos na legislação vigente, nos documentos balizadores de políticas de segurança pública e nos protocolos operacionais de cada corporação. Por cultura policial entende-se os saberes e as representações compartilhados pelos agentes das forças de segurança pública nas suas experiências cotidianas de trabalho. Esses elementos de identidade profissional – a linguagem, os maneirismos, o modo de pensar, o jeito de se portar – são reproduzidos pela socialização e acabam por determinar não só o pertencimento a determinada corporação, mas também ideais e valores (PONCIONI, 2014PONCIONI, Paula. Identidade profissional policial. In: LIMA, Renato Sérgio de; AZEVEDO, Rodrigo G.; RATTON, José Luiz (orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. p. 503-510., p. 417-419).

Esse descompasso está presente na polícia brasileira, que, em vez de se sujeitar às normativas estabelecidas, tende a seguir rotinas e modos de operação aprendidos na prática e transmitidos pela tradição (MUNIZ e SILVA, 2010MUNIZ, Jacqueline; SILVA, Washington. Mandato policial na prática: tomando decisões nas ruas de João Pessoa. Caderno CRH, v. 23, n. 60, p. 449-473, 2010.; LIMA, 1989LIMA, Roberto Kant de. Cultura jurídica e práticas policiais: a tradição inquisitorial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 4, n. 10, p. 65-84, 1989., 2013LIMA, Roberto Kant de. Entre as leis e as normas: éticas corporativas e práticas profissionais na segurança pública e na Justiça Criminal. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 6, n. 4, p. 549-580, 2013.; SINHORETTO e LIMA, 2015SINHORETTO, Jacqueline; LIMA, Renato Sérgio de. Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, v. 5, n. 1, p. 119-141, 2015.). Etnografias policiais identificaram aspectos de uma cultura policial refratária ao ideal burocrático do serviço público: a dificuldade em aceitar um modelo que define o modo correto de atuar prévia e abstratamente e responsabiliza os agentes públicos por erros e omissões no cumprimento das suas obrigações; e a formação profissional focada na obediência e na hierarquia, que resulta em agentes despreparados para tomar decisões autônomas nas demandas cotidianas (LIMA, 1989LIMA, Roberto Kant de. Cultura jurídica e práticas policiais: a tradição inquisitorial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 4, n. 10, p. 65-84, 1989., 2013LIMA, Roberto Kant de. Entre as leis e as normas: éticas corporativas e práticas profissionais na segurança pública e na Justiça Criminal. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 6, n. 4, p. 549-580, 2013., p. 562-564). Os desvios às normativas não significam um mau funcionamento da polícia enquanto instituição, mas a adesão a um sistema inquisitorial de administração de conflitos (LIMA, MISSE e MIRANDA, 2000LIMA, Roberto Kant de; MISSE, Michel; MIRANDA, Ana Paula. Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 50, n. 2, p. 45-123, 2000., p. 52).

Nas decisões tomadas em tempo real inerentes à práxis policial, o acervo de conhecimentos que orienta os agentes inclui considerações sobre as circunstâncias em que suas ações podem ser valoradas negativa ou positivamente (MUNIZ e PROENÇA JR., 2007MUNIZ, Jacqueline; PROENÇA JR., Domício. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, p. 159-172, 2007., p. 169). A probabilidade de responsabilização por eventuais abusos está estreitamente relacionada à visibilidade das abordagens para os pares e espectadores (FRIEDRICH, 1980FRIEDRICH, Robert. Police use of force: individuals, situations, and organizations. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 452, p. 82-97, 1980.), o que explica a resistência em adotar procedimentos de documentação dessas interações, tais como registro por meio de dispositivos de gravação de áudio e vídeo. Já a valorização depende dos discursos das autoridades na cadeia de comando, que ora reverberam clamores pelo “combate ao crime” e “neutralização de bandidos”, ora apelos pela “proteção de direitos humanos” e “promoção de vínculos comunitários” (PONCIONI, 2014PONCIONI, Paula. Identidade profissional policial. In: LIMA, Renato Sérgio de; AZEVEDO, Rodrigo G.; RATTON, José Luiz (orgs.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. p. 503-510.; SINHORETTO e LIMA, 2015SINHORETTO, Jacqueline; LIMA, Renato Sérgio de. Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, v. 5, n. 1, p. 119-141, 2015.).

Se há elementos comuns à cultura profissional das diferentes corporações policiais (Polícia Civil, Polícia Militar, Guarda Municipal etc.), existem também subculturas específicas, que se refletem no recrutamento e no treinamento dos agentes. Na Polícia Militar, nota-se a presença mais forte de um discurso de protagonismo no “combate ao crime”, relacionado à atuação dos agentes nos flagrantes que dão início às ações penais (SINHORETTO e LIMA, 2015SINHORETTO, Jacqueline; LIMA, Renato Sérgio de. Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, v. 5, n. 1, p. 119-141, 2015., p. 128). Em uma instituição centenária como a Brigada Militar do Rio Grande do Sul (BMRS), principal responsável pelo policiamento ostensivo em Porto Alegre, é possível cogitar que essas subculturas apresentem variações entre praças e oficialato, de uma geração de oficiais e praças para outra ou entre diferentes Batalhões de Polícia Militar (BPMs). Todavia, as fontes de informação que utilizamos em nosso estudo inviabilizaram a análise dessas nuances e seu impacto na espacialidade das práticas policiais.7 7 Além dos BPMs especializados (operações especiais e polícia montada), subordinados ao Comando de Policiamento da Capital, há outros seis não especializados, que atuam em distintas circunscrições. O 1º BPM, por exemplo, é responsável por 25 bairros da zona sul, cobrindo 75,32 km2e atendendo cerca de 27% da população residente, conforme a BMRS (https://www.brigadamilitar.rs.gov.br/). No que tange às abordagens a pedestres, a literatura sugere que as instituições policiais têm delegado essas decisões aos agentes da linha de frente, sem articular um discurso explícito sobre os critérios técnicos norteadores da ação policial (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 213).

Ainda, a cultura policial está ligada a outro fator organizacional: as estratégias atuariais de policiamento. A literatura há muito destaca a relação entre as estratégias e táticas policiais e o ideal burocrático da eficiência, definida em termos de impacto no controle da criminalidade – taxa de prisões e flutuações nos índices criminais (MANNING, 1978MANNING, Peter K. The police: mandate, strategies and appearances. In: MANNING, Peter K.; VAN MAANEN, John. Policing: a view from the street. Santa Monica: Goodyear Publishing, 1978. p. 7-31.). Com a ascensão das políticas criminais atuariais (FEELEY e SIMON, 1994FEELEY, Malcom; SIMON, Jonathan. Actuarial justice: the emerging new criminal law. In: NELKEN, David (ed.) The futures of criminology. London: SAGE, 1994. p. 173-201.), a busca pela eficiência foi levada às últimas consequências. Considerando a ação seletiva da polícia essencial para o gerenciamento da criminalidade, essas políticas recorrem a prognósticos de risco baseados em cálculos de probabilidades (DIETER, 2013DIETER, Maurício S. Política criminal atuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013.). Se a distribuição de crimes segue padrões estatísticos identificáveis, a eficiência da performance policial depende do direcionamento dos efetivos à persecução de indivíduos que correspondam aos perfis de risco ou às áreas e horários que concentram atividades criminais segundo modelos matemáticos (HARTCOURT, 2003HARCOURT, Bernard. The shaping of chance: actuarial models and criminal profiling at the turn of the twenty-first century. University of Chicago Law Review, v. 70, n. 1, p. 105-128, 2003.).

A corporação policial que deixa de realizar a coleta e a análise de dados ou ignora as regularidades estatísticas pode ser acusada de promover uma política de segurança pública irracional e ineficiente. Por outro lado, o policiamento atuarial depende de informações acuradas e confiáveis sobre o passado, sem as quais a identificação dos fatores de risco fica comprometida, resultando em previsões distorcidas sobre as chances de ocorrência de crimes. Em termos de política criminal, um dilema adicional se impõe: mesmo atingindo patamares ótimos de acurácia e confiabilidade, os modelos tendem a condicionar as percepções sobre fatores de risco, reforçando a seletividade do sistema penal (HARCOURT, 2003HARCOURT, Bernard. The shaping of chance: actuarial models and criminal profiling at the turn of the twenty-first century. University of Chicago Law Review, v. 70, n. 1, p. 105-128, 2003., p. 125).

Na literatura sobre abordagens policiais nas cidades brasileiras, encontramos indícios de práticas rudimentares de policiamento atuarial em abordagens por bloqueio a ocupantes de veículos automotores. Um estudo empírico com observação direta em São Paulo sugeriu que a escolha das áreas para a realização das blitzes – concentradas em vilas e favelas – se deu em função dos índices criminais elevados (PINC, 2007PINC, Tânia. Abordagem policial: um encontro (des)concertante entre a polícia e o público. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 1, n. 2, p. 6-23, 2007., p. 18). Outra investigação realizada na cidade mostrou que, na percepção dos policiais militares, os índices criminais influenciam a tomada de decisão, “porque existem determinados comportamentos que ganham significado de suspeição apenas em determinados locais” (PINC, 2014PINC, Tânia. Por que o policial aborda? Um estudo empírico sobre a fundada suspeita. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 16, n. 3, p. 34-59, 2014., p. 52). Já uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro não encontrou evidências da utilização de técnicas rigorosas de planejamento e monitoramento, apesar da alegação, por parte do oficialato, de que as blitzes eram organizadas em vias com maior incidência de registros criminais (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 28-29).

Em nosso estudo, nos deparamos com vários relatos de policiais justificando a abordagem com base na presença de pessoas no entorno de “conhecido ponto de tráfico”. É possível imaginar um cenário em que os policiais contassem não só com seu tirocínio, experiência e conhecimento territorial, mas também com estatísticas acuradas e confiáveis sobre as dinâmicas espaciais do comércio varejista de drogas. Todavia, não temos notícia de que os agentes da BMRS, uma corporação que enfrenta notórias carências de equipamento e pessoal especializado, inclusive na área da tecnologia da informação, tenham tido acesso a semelhante banco de dados no período em que se deram as abordagens examinadas. Outros fatores, que não a lógica atuarial, condicionaram as percepções desses policiais.

1.3. Fatores espaciais: assentamentos informais e territorialização do narcotráfico

Na literatura, há muito se argumenta que o “contexto da vizinhança” é um fator espacial que influencia a atuação da polícia (SMITH, 1986SMITH, Douglas. The neighborhood context of police behavior. In: REISS, Albert; TONRY, Michael (eds.). Communities and crime. Chicago: University of Chicago Press, 1986. p. 313-341.). Diversos estudos quantitativos procuraram estabelecer correlações entre características sociodemográficas (taxas de pobreza, desemprego, índices criminais etc.) e interações com a polícia, mostrando que vizinhanças urbanas em situação de desvantagem social estão mais vulneráveis à violência policial (TERRIL e REISIG, 2003TERRIL, Willima; REISIG, Michael. Neighborhood context and police use of force. Journal of Research in Crime and Delinquency, v. 40, n. 3, p. 291-321, 2003.), ou descartando esse tipo de associação (KRAMER e REMSTER, 2018KRAMER, Rory; REMSTER, Brianna. Stop, frisk, and assault? Racial disparities in police use of force during investigatory stops. Law & Society Review, v. 52, n. 4, p. 960-993, 2018., p. 977). Uma das mais notáveis pesquisas sobre a atual política de drogas no Brasil incluiu uma variável espacial, evidenciando que as chances de ser incriminado pela polícia como traficante e não como usuário de drogas eram menores em um bairro central da cidade de São Paulo na comparação com outro bairro periférico, onde há vilas e favelas (CAMPOS e ALVAREZ, 2017CAMPOS, Marcelo; ALVAREZ, Marcos César. Pela metade: implicações do dispositivo médico-criminal da “Nova” Lei de Drogas na cidade de São Paulo. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 45-74, 2017.). No entanto, esses estudos são insufientes para explicar as percepções dos policiais em relação às vizinhanças urbanas (TERRIL e REISIG, 2003TERRIL, Willima; REISIG, Michael. Neighborhood context and police use of force. Journal of Research in Crime and Delinquency, v. 40, n. 3, p. 291-321, 2003., p. 309). Ao reduzirem os espaços urbanos a receptáculos das relações sociais, considerando as vizinhanças como meros “contextos”, incorrem em um equívoco no que diz respeito à teorização da espacialidade.8 8 Ao nosso ver, trata-se de equívoco comum em estudos de criminologia que procuram abordar a geografia como fator explicativo. Por exemplo, Christie (1998), discorrendo sobre variações nas taxas de encarceramento, acaba produzindo uma “geografia penal” em que países são reduzidos ora a unidades geopolíticas, ora a contextos culturais estereotipados. No referido estudo de Campos e Alvarez (2017), a escolha de analisar dados de dois distritos policiais, situados em um bairro central (Santa Cecília) e outro periférico (Itaquera), é justificada pela possibilidade de “[…] comparar contextos sociais e econômicos diversos” (p. 45).

Para superar tal obstáculo, é imprescindível dialogar com os estudos urbanos que partem da premissa do espaço como produto social. Uma das teorias mais influentes distingue três dimensões que intervêm na produção do espaço: as “práticas espaciais”, as “representações do espaço” e os “espaços de representação” (LEFEBVRE, 1974LEFEBVRE, Henri. La production de l'espace. 4. ed. Paris: Anthropos, 2000 [1974]., p. 42-43). Para fins do nosso estudo, interessam tanto as práticas espaciais, que designam comportamentos observáveis no cotidiano, quanto as representações do espaço, que remetem aos modelos mentais que moldam as percepções. Esta categoria permite incluir na discussão o imaginário estereotipado sobre as vizinhanças urbanas produzido discursivamente, seja pela mídia (PALERMO, 2018PALERMO, Luis Claudio. A cobertura da mídia impressa e o enquadramento das favelas cariocas na linguagem da violência urbana. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 18, n. 1, p. 212-236, 2018.), seja em artefatos culturais como filmes (PARKER, 2018PARKER, Alexandra. The spatial stereotype: the representation and reception of urban films in Johannesburg. Urban Studies, v. 55, n. 9, p. 2057-2072, 2018.), cartões-postais e mapas turísticos (KONZEN, 2014KONZEN, Lucas P. Tourist representations and public space regulation. International Journal for the Semiotics of Law, v. 27, n. 1, p. 135-160, 2014.), e sua influência nas normas e práticas jurídicas (BUTLER, 2009BUTLER, Chris. Critical legal studies and the politics of space. Social & Legal Studies, v. 18, n. 3, p. 313-332, 2009.; KONZEN, 2013aKONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University/Media-Tryck, 2013a.).

Nas cidades brasileiras, as vizinhanças reiteradamente representadas como “lugares do crime” são os assentamentos informais populares. Esses territórios, que em alguns casos remontam a princípios do século XX, têm sido criminalizados de múltiplas formas ao longo de sua história (CAMPOS, 2005CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela: a produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.; ZALUAR e ALVITO, 2006ZALUAR, Alba. Crime, medo e política. In: ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (orgs.). Um século de favela. 5. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 209-232.). Muito antes da presença do narcotráfico se consolidar, já existia um imaginário que associava os habitantes de vilas e favelas ao crime (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa. City of walls: crime, segregation and citizenship in São Paulo. Berkeley: University of California Press, 2000., p. 78-79; ROLNIK, 2015ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015., p. 274). A relativa autonomia em relação ao Estado que marca a urbanização desses territórios decorre da ilegalidade coletiva da moradia frente ao direito oficial (SANTOS, 1980SANTOS, Boaventura. S. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Claudio; FALCÃO, Joaquim (orgs.). Sociologia e direito: textos básicos de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira, 1980. p. 109-117., p. 88). Basta lembrar que, nas décadas de 1970 e 1980, a ocupação de terras tornou-se a principal modalidade de acesso à moradia nas grandes cidades, embora predominasse o entendimento de que os responsáveis pelas “invasões” eram criminosos, que violavam o direito de propriedade (FALCÃO, 2008FALCÃO, Joaquim (org.). Invasões urbanas: conflito de direito de propriedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.). Com a redemocratização do país, essa suposta associação das vilas e favelas com as práticas ilegais foi reforçada no debate público sobre a violência urbana (MACHADO DA SILVA, 2010MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. “Violência urbana”, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro atual. Caderno CRH, v. 23, n. 59, p. 283-300, 2010., p. 286). Entre as décadas de 1980 e 1990, simultaneamente ao início do processo de territorialização do narcotráfico (SOUZA, 1996SOUZA, Marcelo L. As drogas e a “questão urbana” no Brasil: a dinâmica sócio-espacial nas cidades brasileiras sob a influência do tráfico de tóxicos. In: CASTRO, Iná et al. (orgs.). Questões atuais da reorganização do território. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 419-468.; LEEDS, 2006LEEDS, Elizabeth. Cocaína e poderes paralelos na periferia urbana brasileira: ameaças à democratização a nível local. In: ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (orgs.). Um século de favela. 5. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 233-276., p. 234), a grande mídia passou a retratar os assentamentos informais populares como uma parte separada da cidade, o “território da violência, […] lugar de todas as ilegalidades” (VALLADARES, 2015VALLADARES, Lícia P. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: FGV, 2015., p. 20). A frágil presença do poder público, a disponibilidade de mão de obra barata e a configuração interna labiríntica estão entre as razões que levaram grupos de traficantes a operar o comércio varejista de drogas tendo vilas e favelas como base territorial (SOUZA, 2008SOUZA, Marcelo L. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008., p. 58; LEEDS, 2006LEEDS, Elizabeth. Cocaína e poderes paralelos na periferia urbana brasileira: ameaças à democratização a nível local. In: ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (orgs.). Um século de favela. 5. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 233-276., p. 241). Seja pela sua relevância econômica, seja pelo caráter político-militar-territorial, o narcotráfico impactou profundamente as comunidades nas quais se instalou (ROLNIK, 2015ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015., p. 275). Os ganhos com a venda de drogas possibilitaram aos traficantes, de um lado, reforçar sua influência comunitária, apoiando associações culturais e desportivas, socorrendo famílias em necessidade e prestando assistência a egressos do cárcere; e, de outro, exercer o controle do território, repelindo ataques rivais e confrontando incursões policiais (LEEDS, 2006LEEDS, Elizabeth. Cocaína e poderes paralelos na periferia urbana brasileira: ameaças à democratização a nível local. In: ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (orgs.). Um século de favela. 5. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 233-276., p. 244).

Mais recentemente, a dinâmica da territorialização do comércio varejista de drogas e de outros mercados ilegais nas vilas e favelas (MISSE, 2002MISSE, Michel. Rio como bazar: a conversão da ilegalidade em mercadoria política. Insight Inteligência, v. 3, n. 5, p. 12-16, 2002.; TELLES e HIRATA, 2010TELLES, Vera da S.; HIRATA, Daniel V. Ilegalismos e jogos de poder em São Paulo. Tempo Social, v. 22, n. 2, p. 39-59, 2010.) assumiu novos contornos, com o surgimento de grupos de milicianos a partir das forças de segurança (MUNIZ e PROENÇA JR., 2007MUNIZ, Jacqueline; PROENÇA JR., Domício. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, p. 159-172, 2007.) e a articulação de facções criminais a partir do sistema carcerário (TELLES e HIRATA, 2010TELLES, Vera da S.; HIRATA, Daniel V. Ilegalismos e jogos de poder em São Paulo. Tempo Social, v. 22, n. 2, p. 39-59, 2010.; HIRATA e GRILLO, 2017HIRATA, Daniel V.; GRILLO, Carolina C. Sintonia e amizade entre patrões e donos de morro: perspectivas comparativas entre o comércio varejista de drogas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 75-98, 2017.). A normatividade oriunda da presença desses grupos passou então a envolver a gestão de conflitos de família e vizinhança e a repressão de delitos – emulando funções da polícia (TELLES e HIRATA, 2010TELLES, Vera da S.; HIRATA, Daniel V. Ilegalismos e jogos de poder em São Paulo. Tempo Social, v. 22, n. 2, p. 39-59, 2010.). Embora a maior parte dos estudos sobre esse fenômeno trate das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, também em Porto Alegre, contexto da nossa pesquisa, as facções criminais vêm constituindo territorialidades que ultrapassam as galerias dos estabelecimentos prisionais, projetando-se para as ruas dos bairros periféricos (AZEVEDO e CIPRIANI, 2015AZEVEDO, Rodrigo G.; CIPRIANI, Marcelli. Um estudo comparativo entre facções: o cenário de Porto Alegre e o de São Paulo. Sistema Penal & Violência, v. 7, n. 2, p. 161-174, 2015.; CIPRIANI, 2016aCIPRIANI, Marcelli. Da “Falange Gaúcha” aos “Bala nos Bala”: a emergência das “facções criminais” em Porto Alegre (RS) e sua manifestação atual. Direito e Democracia, v. 17, n. 1, p. 105-130, 2016a., 2016bCIPRIANI, Marcelli. Segregação sócio-espacial e territorialidades do tráfico de drogas: as “facções criminais” diante do espaço urbano. Conversas & Controvérsias, v. 3, n. 2, p. 5-28, 2016b.). Isso tudo contribuiu para que se consolidasse no senso comum a aproximação prático-discursiva entre o tráfico de drogas e as vilas e favelas, impactando a sua posição no imaginário urbano.

Contudo, a imagem largamente difundida que representa as vilas e favelas como lugares de anomia, desordem e ilicitude não necessariamente corresponde à realidade empírica (MAGALHÃES, 2009MAGALHÃES, Alex F. O direito das favelas no contexto das políticas de regularização: a complexa convivência entre legalidade, norma comunitária e arbítrio. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 11, n. 1, p. 89-103, 2009., p. 100). Estudos sociojurídicos já evidenciaram que, devido às dificuldades estruturais para a interação com as instituições estatais, associações de moradores e outras instituições congêneres tendem a desempenhar múltiplas funções no que tange à prevenção e resolução de conflitos relativos à posse da terra e aos direitos sobre as edificações, desenvolvendo um conjunto de normas comunitárias (SANTOS, 1977SANTOS, Boaventura S. The law of the opressed: the construction and reproduction of legality in Pasargada. Law & Society Review, v. 12, n. 1, p. 5-126, 1977.; JUNQUEIRA e RODRIGUES, 1988JUNQUEIRA, Eliane. B.; RODRIGUES, José Augusto S. A volta do parafuso: cidadania e violência. In: SANTOS JÚNIOR, Belisário (org.). Direitos humanos: um debate necessário. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 120-140.; MAGALHÃES, 2009MAGALHÃES, Alex F. O direito das favelas no contexto das políticas de regularização: a complexa convivência entre legalidade, norma comunitária e arbítrio. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 11, n. 1, p. 89-103, 2009.). A normatividade comunitária jamais esteve apartada da ordem jurídica oficial, sendo construída em constante interação com as normas e práticas estatais (MAGALHÃES, 2009MAGALHÃES, Alex F. O direito das favelas no contexto das políticas de regularização: a complexa convivência entre legalidade, norma comunitária e arbítrio. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 11, n. 1, p. 89-103, 2009., p. 100), constatação que também se estende à juridicidade oriunda dos grupos de traficantes (JUNQUEIRA e RODRIGUES, 1988JUNQUEIRA, Eliane. B.; RODRIGUES, José Augusto S. A volta do parafuso: cidadania e violência. In: SANTOS JÚNIOR, Belisário (org.). Direitos humanos: um debate necessário. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 120-140.), que sabidamente depende dos laços de proteção estabelecidos com a polícia.

A mais notória manifestação da percepção estereotipada das vilas e favelas como lugares de criminalidade está no tratamento dispensado pela polícia aos seus moradores, muitas vezes vistos como indivíduos sem condições de reagir à truculência e aos abusos de poder (ZALUAR, 2006ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (orgs.). Um século de favela. 5. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006., p. 214; GONÇALVES, 2014GONÇALVES, Vanessa C. Tortura e cultura policial no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014., p. 259-270). As brutais exibições da força do aparato estatal militarizado nos assentamentos informais populares, impensáveis em outros lugares da cidade, têm sido interpretadas como respostas às demandas dos habitantes privilegiados, os quais vivem em seus enclaves fortificados, temerosos dos riscos à sua integridade física e ao seu patrimônio (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa. City of walls: crime, segregation and citizenship in São Paulo. Berkeley: University of California Press, 2000.); porém, acabam por retroalimentar a violência que prometem combater (WACQUANT, 2003WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in Brazil. Punishment & Society, v. 5, n. 2, p. 197-205, 2003., 2008WACQUANT, Loïc. The militarization of urban marginality: lessons from the Brazilian metropolis. International Political Sociology, v. 2, n. 1, p. 56-74, 2008.). Execuções sumárias, torturas, buscas domiciliares sem mandado judicial, embora inaceitáveis à luz da legislação vigente, são práticas policiais recorrentes nesta “[…] forma específica de ‘guerra contra o tráfico’ e, do ponto de vista territorial, de ‘guerra contra as favelas’ […]” (ROLNIK, 2015ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015., p. 274). As abordagens policiais arbitrárias em via pública são incomparáveis a essas formas de violência extrema, mas expressam o mesmo imaginário negativo que alimenta a seletividade.

Entrevistando policiais militares no Rio de Janeiro, Ramos e Musumeci (2005)RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. sugeriram que o medo de confrontos armados engendra representações do espaço das vilas e favelas como “perigoso”, “de risco”, onde “todos são suspeitos”, fundamentando “as características diferenciais da atuação da polícia dentro e fora das comunidades” (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 35-36). Em pesquisa etnográfica nas favelas cariocas, Cecchetto, Muniz e Monteiro (2018)CECCHETTO, Fátima; MUNIZ, Jacqueline; MONTEIRO, Rodrigo. “Basta tá do lado”: a construção social do envolvido com o crime. Caderno CRH, v. 31, n. 82, p. 99-116, 2018. observaram que seus moradores são vistos pelos agentes de segurança pública como “bandidos” e “envolvidos com o crime”, em decorrência do “meio onde vivem” (CECCHETTO, MUNIZ e MONTEIRO, 2018CECCHETTO, Fátima; MUNIZ, Jacqueline; MONTEIRO, Rodrigo. “Basta tá do lado”: a construção social do envolvido com o crime. Caderno CRH, v. 31, n. 82, p. 99-116, 2018., p. 106). Em entrevistas com policiais militares em Salvador, Reis (2002)REIS, Dyane. A marca de Caim: as características que identificam o “suspeito”, segundo relatos de policiais militares. Caderno CRH, v. 15, n. 36, p. 181-196, 2002. notou que vilas e favelas eram percebidas como lugares onde “todo mundo é suspeito até provar o contrário” (CECCHETTO, MUNIZ e MONTEIRO, 2018CECCHETTO, Fátima; MUNIZ, Jacqueline; MONTEIRO, Rodrigo. “Basta tá do lado”: a construção social do envolvido com o crime. Caderno CRH, v. 31, n. 82, p. 99-116, 2018., p. 184-185). Os temores dos policiais, cuja profissão sabidamente pressupõe exposição a riscos, se justificam em diversos casos, mas a representação espacial construída destoa da realidade da maior parte dos assentamentos informais populares. Mesmo no caso do Rio de Janeiro, não há evidências de territorialização do narcotráfico na maioria das favelas (CAMPOS, 2005CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela: a produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005., p. 134).

Nas próximas seções deste trabalho, tomaremos a cidade de Porto Alegre como referencial empírico para problematizar a espacialidade como fator na atuação seletiva da polícia. Nosso objetivo é descobrir se quem interage com a polícia em assentamentos informais populares está mais propenso a ser visto como suspeito do delito de tráfico de drogas em comparação com quem se comporta de maneira equivalente em outros lugares, verificando em que medida as representações do espaço influenciam a formação da suspeita policial. Para tanto, conduzimos uma pesquisa que examinou dados sobre abordagens policiais por fundada suspeita com uso de técnicas próprias à geografia jurídica.

2. O desenho metodológico da pesquisa empírica

Nesta seção, explicamos o desenho metodológico da pesquisa empírica. Começamos justificando a escolha de Porto Alegre como contexto. A seguir, mostramos como utilizamos acórdãos judiciais como fontes de informação e como se deu a busca por casos de abordagens policiais por fundada suspeita na base de dados do TJRS. Detalhamos, na sequência, os procedimentos de análise censitária do universo de casos e a codificação dos dados qualitativos extraídos das narrativas policiais, inclusive no que se refere às etapas relativas ao georreferenciamento e ao cruzamento de informações geográficas. Por fim, discutimos as técnicas utilizadas na análise estatística da associação entre as variáveis espaciais.

2.1. A cidade de Porto Alegre como contexto

Nas últimas décadas, Porto Alegre assistiu a um crescimento dos índices de violência urbana – um dos indicadores mais confiáveis, a taxa de homicídios, piorou 40,7% entre 2000 e 2017, variando de 30 para 42,2 mortes por 100 mil habitantes (OBSERVAPOA, 2018OBSERVATÓRIO DA CIDADE DE PORTO ALEGRE (OBSERVAPOA). Porto Alegre em análise: homicídios. Porto Alegre: PMPA, 2018. Disponível em: http://portoalegreemanalise.procempa.com.br. Acesso em: 15 out. 2021.
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). Em meados de 2016, ano em que se registrou o pico de 803 homicídios, o governo estadual se viu forçado a solicitar o apoio da Força Nacional de Segurança Pública para reforçar o policiamento urbano (FORÇA, 2016FACÇÕES criminosas atuam em quase metade dos bairros de Porto Alegre. Portal G1, Rio de Janeiro, 16 set. 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/09/faccoes-criminosas-atuam-em-quase-metade-dos-bairros-de-porto-alegre.html. Acesso em: 15 out. 2021.
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), visando mitigar a sensação de insegurança por meio do aumento da visibilidade da presença policial. Nesse cenário, as abordagens a pedestres ou a ocupantes de veículos automotores tornaram-se eventos cada vez mais corriqueiros.

Uma inédita pesquisa de vitimização realizada em 2017 constatou que, nos 12 meses anteriores à coleta de dados, 17,9% da população residente em Porto Alegre maior de 16 anos (cerca de 213 mil pessoas) havia sido abordada pela BMRS (INSTITUTO CIDADE SEGURA, 2018INSTITUTO CIDADE SEGURA. Primeira pesquisa de vitimização de Porto Alegre. Porto Alegre: Instituto Cidade Segura, 2018., p. 24). A pesquisa comprovou a desproporção nas abordagens aos jovens negros e apurou que a atuação dos policiais foi desrespeitosa para 31,8% das pessoas que vivenciaram a experiência, sendo essa percepção mais acentuada entre os negros, jovens e menos escolarizados (INSTITUTO CIDADE SEGURA, 2018INSTITUTO CIDADE SEGURA. Primeira pesquisa de vitimização de Porto Alegre. Porto Alegre: Instituto Cidade Segura, 2018., p. 24). No universo estudado, 41,3% opinaram que a BMRS normalmente age de forma desrespeitosa e violenta (INSTITUTO CIDADE SEGURA, 2018INSTITUTO CIDADE SEGURA. Primeira pesquisa de vitimização de Porto Alegre. Porto Alegre: Instituto Cidade Segura, 2018., p. 30).

A pesquisa de vitimização também trouxe dados sobre o mercado das drogas. Nada menos que 83,6% dos entrevistados relataram ter presenciado o consumo de drogas ilícitas nos 12 meses anteriores, ou seja, cerca de um milhão de pessoas, e 58% testemunharam esse fato em mais de dez ocasiões, evidenciando que se trata de prática social generalizada em todas as classes sociais e regiões da cidade (INSTITUTO CIDADE SEGURA, 2018INSTITUTO CIDADE SEGURA. Primeira pesquisa de vitimização de Porto Alegre. Porto Alegre: Instituto Cidade Segura, 2018., p. 23). As disputas violentas entre as facções criminais pelo controle desse lucrativo mercado e a onda de homicídios reportados pela mídia local (FACÇÕES, 2016FORÇA Nacional chega a Porto Alegre para reforçar segurança pública. Portal G1, Rio de Janeiro, 29 ago. 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/08/forca-nacional-chega-porto-alegre-para-reforcar-seguranca-publica.html. Acesso em: 15 out. 2021.
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) estão diretamente relacionadas à desestabilização da geografia do tráfico de drogas na capital gaúcha, explicada pela ascensão de uma nova facção criminal, que passou a tomar pela força pontos de venda controlados por outros grupos (CIPRIANI, 2016aCIPRIANI, Marcelli. Da “Falange Gaúcha” aos “Bala nos Bala”: a emergência das “facções criminais” em Porto Alegre (RS) e sua manifestação atual. Direito e Democracia, v. 17, n. 1, p. 105-130, 2016a., p. 127-129). Não por acaso, 18,8% dos entrevistados na pesquisa de vitimização apontaram a existência de “bocas de fumo” e 12,4% a presença de pessoas armadas com fuzis na sua vizinhança (INSTITUTO CIDADE SEGURA, 2018INSTITUTO CIDADE SEGURA. Primeira pesquisa de vitimização de Porto Alegre. Porto Alegre: Instituto Cidade Segura, 2018., p. 20).

Também quanto aos assentamentos informais populares, Porto Alegre não se distancia das demais grandes cidades brasileiras. Conforme o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 108 aglomerados subnormais na cidade, o que equivale a 56.024 domicílios ou 7,2% dos residentes (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010: aglomerados subnormais. Rio de Janeiro: IBGE, 2010., p. 63). No entanto, esses números subestimam o fenômeno (PESSOA, 2015PESSOA, Mariana Lisboa. O cenário da habitação informal e da regularização fundiária em Porto Alegre-RS. Indicadores Econômicos FEE, v. 42, n. 3, p. 109-120, 2015., p. 115), pois o inventário de 2008 do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), que subsidiou o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS), computou 486 núcleos de ocupação irregular, abarcando 75.656 domicílios, onde viviam 21,4% dos porto-alegrenses (DEMHAB, 2009DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO (DEMHAB). Plano municipal de habitação de interesse social: diagnóstico do setor habitacional de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2009., p. 67-68).9 9 A definição de “núcleo de ocupação irregular” considera parâmetros como ocupação de terreno de propriedade alheia, desconformidade do loteamento ou das edificações com a legislação e grau de deficiência de infraestrutura e serviços urbanos (DEMHAB, 2009, p. 69). Embora não seja muito diferente, a definição de “aglomerados subnormais” exclui conjuntos inferiores a 51 unidades habitacionais (IBGE, 2010, p. 19).

2.2. A utilização de acórdãos judiciais como fontes de informação

A escolha de Porto Alegre como contexto também está relacionada ao fato que originalmente nos instigou a realizar este estudo. Constatamos que, nas câmaras criminais do TJRS, sediado na capital, tramitavam várias ações penais relacionadas às condutas tipificadas no art. 33 da Lei de Drogas (BRASIL, 2006BRASIL. Lei Federal n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: https://www.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm#view. Acesso em: 15 out. 2021.
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) em que os acusados haviam sido abordados pela BMRS em via pública em razão de estarem em “atitude suspeita”, expressão frequente no vocabulário dos policiais, mas cujo sentido nos pareceu um tanto obscuro inicialmente. Ante a indisponibilidade de bases de dados oficiais sobre abordagens policiais, decidimos recorrer aos julgados do tribunal para obter informações sobre a formação da suspeita policial.

A limitação mais evidente da utilização de acórdãos judiciais como fontes de informação é que o universo estudado envolve abordagens produtivas que deram origem a processos criminais envolvendo o delito de tráfico de drogas julgados em instância recursal. Nem toda abordagem policial por fundada suspeita resulta na condução de uma pessoa à delegacia de polícia para documentação da ocorrência. Esse desfecho, na verdade, é raro: em pesquisa por questionários com uma amostra representativa da população carioca, apenas 1,9% das pessoas abordadas pela polícia relataram ter sido encaminhadas a uma delegacia (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 117). Sabemos que, em determinados casos, inclusive em flagrantes envolvendo drogas, policiais militares negociam informalmente o registro ou não da ocorrência (GRILLO, POLLICARPO e VERÍSSIMO, 2011GRILLO, Carolina; POLICARPO, Frederico; VERÍSSIMO, Marcos. “A ‘dura’ e o ‘desenrolo’: efeitos práticos da Nova Lei de Drogas no Rio de Janeiro”. Revista de Sociologia e Política, v. 19, n. 40, p. 135-148, 2011.). Assim, é mínimo o percentual de abordagens policiais que supera o “efeito-de-funil” do sistema penal (ANDRADE, 2003ANDRADE, Vera Regina P. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003., p. 262-263).

Porém, no caso de abordagens policiais envolvendo condutas relacionadas ao tráfico de drogas, essa metáfora faz sentido até a etapa da condução da pessoa abordada à delegacia. A partir daí, o formato do fluxo mais se parece com o de “um cilindro, já que quase tudo que entra no sistema de justiça criminal, especialmente por meio do flagrante, tende a ser processado e sentenciado rapidamente” (RIBEIRO, ROCHA e COUTO, 2017RIBEIRO, Ludmila; ROCHA, Rafael; COUTO, Vinícius. Nas malhas da justiça: uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte (2008-2015). Opinião Pública, v. 23, n. 2, p. 397-428, 2017., p. 423). Um estudo sobre as implicações da atual política de drogas do Brasil, com base em dados de registros de ocorrência de dois distritos policiais no município de São Paulo entre 2004 e 2009, comprovou um progressivo aumento das chances de alguém ser incriminado por tráfico de drogas em relação às chances de ser incriminado como usuário, concluindo que, na prática, o sistema penal rejeita o deslocamento da prisão para o sistema de saúde pública previsto na legislação (CAMPOS e ALVAREZ, 2017CAMPOS, Marcelo; ALVAREZ, Marcos César. Pela metade: implicações do dispositivo médico-criminal da “Nova” Lei de Drogas na cidade de São Paulo. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 45-74, 2017.). Provavelmente, a interpretação da conduta como tráfico por parte dos policiais responsáveis pela abordagem será determinante para a pessoa ser presa em flagrante, o procedimento será remetido pela Polícia Civil ao Poder Judiciário com o enquadramento na categoria “tráfico de drogas e condutas afins” e, oferecida a denúncia, o processo chegará ao julgamento de mérito (RIBEIRO, ROCHA e COUTO, 2017RIBEIRO, Ludmila; ROCHA, Rafael; COUTO, Vinícius. Nas malhas da justiça: uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte (2008-2015). Opinião Pública, v. 23, n. 2, p. 397-428, 2017.).

Por outro lado, os acórdãos judiciais têm a considerável vantagem de oferecer narrativas relativamente bem detalhadas das abordagens policiais que deram origem à ação penal. Os desembargadores do TJRS têm por hábito transcrever, na parte inicial dos acórdãos, trechos da denúncia do Ministério Público que relatam como e onde se deu a abordagem. Além disso, é usual que citem, direta ou indiretamente, na fundamentação dos votos, documentos de fases processuais anteriores, como o exame probatório feito pelo juiz de primeira instância ou depoimentos prestados pelos policiais das guarnições que protagonizaram as abordagens. Sabemos que, nas narrativas encontradas nos acórdãos judiciais, a versão oficial dos policiais sobre as abordagens assume centralidade. Em estudo empírico sobre casos de flagrantes de tráfico de drogas realizado por meio de entrevistas, observações de audiências judiciais e análise de processos judiciais, Jesus (2020)JESUS, Maria Gorete Marques. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, e3510210, 2020. sustenta que a verdade policial é a que efetivamente vale para o campo jurídico; dificilmente as justificativas dos policiais para a realização das abordagens são questionadas pelos magistrados.

2.3. A extração dos dados e a delimitação do universo de casos

O acervo de acórdãos do TJRS está disponível para consulta on-line, mediante busca na base de dados jurisprudencial (https://www.tjrs.jus.br/site/jurisprudencia/). Os filtros de busca foram ajustados para selecionar resultados que se adequassem aos seguintes argumentos: (a) termos “atitude suspeita” e “via pública” no seu inteiro teor, observado o operador booleano de intersecção; (b) decisões de tipo “acórdão”, na classe processual “apelações” e seção “crime”, conforme classificação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); (c) assunto “tráfico de drogas e condutas afins”, conforme tipologia do CNJ; (d) Porto Alegre como comarca de origem; e (e) julgados pelo tribunal entre 01 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2017.10 10 Alguns acórdãos fazem referência a abordagens ocorridas em anos anteriores, porém, o critério temporal assegurou a exclusão do universo de casos que precederam a “nova” Lei de Drogas (BRASIL, 2006).

Os 943 registros (N) resultantes da busca na base de dados do TJRS foram extraídos para uma planilha do editor Microsoft Excel. Nessa planilha, foram criadas colunas para individualizar os registros a partir de informações básicas: “registro” (A), com o número de identificação sequencial conforme a ordem dos resultados da busca jurisprudencial; “acórdão” (B), com o número atribuído ao acórdão pelo TJRS; “íntegra” (C), com o link para acesso ao inteiro teor do documento; e “ano” (D), relativo à data do julgamento em segunda instância. Encerrado esse procedimento de organização dos registros, descartamos 45 acórdãos que apareciam mais de uma vez nos resultados da busca.11 11 Essas duplicidades na listagem se devem a um erro no funcionamento do motor de busca do TJRS.

A seguir, realizamos a leitura do inteiro teor dos 898 documentos remanescentes, a fim de extrair dados úteis para a análise das abordagens policiais. Acrescentamos à planilha duas colunas visando georreferenciar os registros: “endereço da abordagem” (E), com o nome da via pública, numeração e bairro; e “cidade” (F). A despeito dos esforços para inferir o local onde as abordagens de fato aconteceram,12 12 Sanamos as imprecisões nos endereços (por vezes, ruelas ou becos sem denominação, devido à irregularidade fundiária) recorrendo a dados contextuais que apareciam nos acórdãos, combinados com informações do Google Maps sobre pontos de referência citados, como escolas e postos de saúde. Em 19 casos posicionamos as abordagens por aproximação, pois evidentemente se tratava de via pública de uma vila específica. tivemos de descartar 27 registros por inconsistências insanáveis que inviabilizavam o georreferenciamento.

Na sequência, inserimos as colunas “denúncia ministerial” (H) e “depoimentos policiais” (I) para tabular os trechos dos acórdãos que reproduziam relatos das abordagens. Examinando esses dados, descartamos 236 registros por destoarem do foco previamente estabelecido: 40 se referiam a abordagens realizadas pela Polícia Civil; 72 a abordagens a ocupantes de veículos ou buscas domiciliares; e 124 a abordagens por denúncia da população ou indicação do sistema municipal de videomonitoramento.13 13 Porto Alegre conta com um Centro Integrado de Comando, que monitora em tempo real imagens de centenas de câmeras de vídeo distribuídas em pontos estratégicos da cidade. Considerados os critérios de descarte, foi delimitado o universo (n) de 635 casos para análise censitária (Tabela 1).

TABELA 1
Estatística descritiva simples. Frequência dos registros na planilha de dados (N = 943

2.4. Codificação dos dados qualitativos

O passo seguinte envolveu a codificação das informações que constavam na planilha, visando convertê-las em dados que, posteriormente, pudessem ser analisados quantitativamente por meio de software estatístico. Para isso, buscamos categorizar as informações qualitativas a respeito de cada abordagem contidas nas colunas H e I. Cabe referir que, nos raros casos em que havia narrativas parcialmente conflitantes entre o Ministério Público e a BMRS a respeito das circunstâncias da abordagem, foi considerada a versão apresentada pelos policiais.

Utilizamos dois conceitos teóricos da geografia jurídica para construir variáveis nominais dicotômicas. Na coluna “representação do espaço na narrativa policial” (J), foi assinalada a presença (1) ou a ausência (0) de percepções por parte dos policiais acerca do lugar onde ocorreu a abordagem. Já na coluna “indicação da prática espacial que motivou a abordagem” (K) foi marcado se havia (1) ou não (0) uma descrição dos comportamentos que despertaram suspeitas no momento da aproximação da guarnição.

Nos 503 casos (79,2% do universo) em que havia indicação da prática espacial, classificamos o comportamento observado em parâmetros que emergiram dos dados. Assim, na coluna “classificação da prática espacial que motivou a abordagem” (L), utilizamos 21 parâmetros, tais como “estar parado em via pública”, “caminhar em via pública”, “empreender fuga” e “disparar contra guarnição”. A seguir, subdividimos esses parâmetros classificatórios em duas categorias abrangentes, assinalando se os casos correspondiam (1) ou não (0) a uma “reação à presença policial ou porte ostensivo de droga ou arma” (M). Evitamos utilizar diretamente a noção de atitude intrinsecamente suspeita, que serviu de inspiração para a construção dessa variável, pois para alguns dos parâmetros a codificação não seria unívoca.14 14 Por exemplo, “usar roupa inadequada ao clima” pode ser codificado como uma atitude intrinsecamente suspeita, mas não como reação à presença policial ou porte ostensivo de droga ou arma.

2.5. Codificação das informações geográficas

Na última etapa da codificação, analisamos informações geográficas por meio de um mapa criado no Google Maps (Figura 1). Importamos para o mapa os dados das colunas E e F, criando uma camada cartográfica de marcadores da localização das 635 abordagens policiais, a fim de identificar se tinham ocorrido em assentamentos informais populares.

FIGURA 1
Mapa ilustrativo das abordagens policiais15 15 Este mapa é meramente ilustrativo. Para acesso ao mapa completo, contatar os autores deste artigo.

As vilas e favelas são territórios cuja espacialidade é constituída informalmente por normas sociais comunitárias, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com o perímetro municipal de Porto Alegre, um espaço jurisdicional definido formalmente, mediante o estabelecimento de fronteiras rígidas e precisas, por normas jurídicas estatais (KONZEN, 2013bKONZEN, Lucas P. Spatializing social and legal norms: street vending regulation in Acapulco, Mexico. In: BAIER, Matthias (ed.). Social and legal norms: towards a socio-legal understanding of normativity. Farnham: Ashgate, 2013b. p. 141-156., p. 151-155). Assim, tivemos de recorrer a informações geográficas que são meramente indicativas da conformação desses espaços territoriais, pois não há uma cartografia oficial.

As informações geográficas mais recentes sobre os assentamentos informais populares estão disponíveis em um mapeamento temático sobre áreas de vulnerabilidade socioeconômica disponibilizado pelo Observatório da Cidade de Porto Alegre (http://www.observapoa.com.br). Copiamos duas camadas para o nosso mapa de abordagens policiais: uma com 477 polígonos, correspondente ao georreferenciamento de vilas populares, oriunda do inventário de núcleos de ocupação irregular atualizado em 2008 pelo DEMHAB para subsidiar o PMHIS;16 16 Os 477 registros de “vilas” que constam nessa camada correspondem a 98,1% dos 486 núcleos de ocupação irregular referidos no inventário do PMHIS. Não comparamos os dados, pois o PMHIS não enumera esses núcleos, mas é possível que essa divergência se deva a atualizações decorrentes de avanços na regularização fundiária. e outra com 111 polígonos de áreas de aglomerados subnormais, oriundas do Censo Demográfico de 2010 do IBGE.17 17 Os 111 registros dessa camada correspondem aos 108 aglomerados subnormais do Censo Demográfico de 2010, já que três deles foram georreferenciados em polígonos separados. Quando sobrepostas (PESSOA, 2015PESSOA, Mariana Lisboa. O cenário da habitação informal e da regularização fundiária em Porto Alegre-RS. Indicadores Econômicos FEE, v. 42, n. 3, p. 109-120, 2015., p. 117), essas camadas cartográficas oferecem uma visão razoavelmente compreensiva das vilas e favelas de Porto Alegre.

Assim, o mapa permitiu visualizar se determinado marcador estava dentro ou fora dos limites territoriais de alguma das vilas e favelas situadas no município.18 18 Consideramos que a abordagem ocorreu dentro do assentamento informal popular nos casos em que o marcador estava posicionado a até um quarteirão de distância dos limites perimetrais do polígono. Acrescentamos, então, a coluna “vila ou aglomerado subnormal” (G) à planilha Excel, a fim de assinalar se a abordagem ocorrera (1) ou não (0) em um assentamento informal popular.

2.6. Análise estatística de associações entre variáveis

Uma vez preenchidas todas as colunas da planilha (Figura 2) referentes aos 635 registros, foi possível realizar a análise estatística. Para tanto, exportamos para o software IBM SPSS os dados quantitativos das colunas G, J, K e M, correspondentes às variáveis nominais dicotômicas que nos interessavam: “abordagem policial em vila ou aglomerado subnormal” (a); “espaço representado como lugar de tráfico na narrativa policial” (b); “indicação da prática espacial que motivou a abordagem” (c); e “reação à presença da polícia ou porte ostensivo de droga ou arma” (d). Após rodar as análises estatísticas, adicionamos no SPSS uma quinta variável, conjugando dois parâmetros da coluna L referentes às práticas espaciais: “caminhar ou estar parado em via pública” (e).

FIGURA 2
Imagem ilustrativa da planilha de registros19 19 Esta figura é meramente ilustrativa. Para acesso à planilha completa, contatar os autores deste artigo.

A análise estatística da associação entre as variáveis foi efetuada no SPSS mediante a elaboração de tabelas de contingência 2x2. Realizamos o Teste do Qui-quadrado para saber se havia uma associação estatisticamente significativa entre a variável “a” e as variáveis “b”, “c”, “d” e “e”. Nos casos em que havia evidências suficientes para concluir que as variáveis estavam associadas, considerado o nível de significância de 5% (p < 0,05), utilizamos o cálculo de razão de chances (OR) para quantificar essa associação e entender qual era a sua direção.

O escopo dessa análise estatística está limitado pelo problema de pesquisa: descobrir se alguém que interage com a polícia em vilas e favelas está mais propenso a ser visto como suspeito do delito de tráfico de drogas. Pretendemos discutir as regularidades estatísticas encontradas no universo estudado, não avaliar a correção da conduta das guarnições responsáveis pelas abordagens em casos específicos. Da mesma maneira, vamos nos ater somente à espacialidade como fator na determinação da fundada suspeita, mesmo sabendo que, provavelmente, as variáveis espaciais atuam em combinação com outros fatores.

Se considerássemos fatores comportamentais, organizacionais e espaciais em sua interconexão, teríamos de realizar uma análise multifatorial com o auxílio de um modelo estatístico.20 20 Para exemplos de análises multifatoriais, ver Campos e Alvarez (2017) e Lages e Ribeiro (2019). Esse caminho merece ser percorrido em pesquisas futuras, exigindo o acesso a outras fontes de informação – por exemplo, para estudar os estereótipos, precisaríamos de dados que servissem como indicadores de gênero, raça, classe etc., os quais não encontramos nos acórdãos judiciais. Assim, uma das limitações do desenho metodológico desta pesquisa é que não conseguiremos determinar se os fatores espaciais têm maior ou menor poder explicativo em relação aos fatores comportamentais e organizacionais na formação da suspeita policial.

3. Discussão dos resultados

Nesta seção, discutimos as evidências empíricas sobre os fatores espaciais na determinação da fundada suspeita em abordagens policiais no contexto de Porto Alegre. Argumentamos que a espacialidade efetivamente importa na formação da fundada suspeita. Primeiro, porque as chances de práticas espaciais serem entendidas como suspeitas pela polícia são maiores em vilas e favelas que no restante da cidade. Segundo, porque as vilas e favelas tendem a ser percebidas pela polícia como “lugares de tráfico”, devido às representações do espaço que concebem esses territórios como associados ao comércio varejista de drogas.

3.1. A suspeita que recai sobre as práticas espaciais é maior em vilas e favelas

A Tabela 2 apresenta um resumo descritivo da análise estatística realizada. Constatamos que 457 abordagens policiais ocorreram em vilas e favelas, o que corresponde a 72% do universo de 635 casos analisados. Em 2015, isso ocorreu em 170 das 248 vezes possíveis (68,5%); em 2016, em 174 das 229 vezes possíveis (76%); e em 2017, em 113 das 158 vezes possíveis (71,5%). No universo de abordagens produtivas realizadas pela BMRS em via pública a pedestres considerados em atitude suspeita que deram origem a processos criminais relativos ao delito de tráfico de drogas julgados pelo TJRS, a frequência de casos foi maior em vilas e favelas em todos os anos do triênio analisado. Reportar esses resultados, todavia, é apenas um passo inicial. Nossa principal preocupação é, antes, saber como ocorre o processo de produção da espacialidade das vilas e favelas.

TABELA 2
Estatística descritiva simples. Frequência de casos por parâmetro (n = 635

Começamos a análise da associação entre as variáveis pelas práticas espaciais. Nos assentamentos informais populares as práticas criminalizadas são as mesmas que em outros lugares? Para responder a essa pergunta recorremos aos dados provenientes da descrição qualitativa dos comportamentos que despertaram suspeitas no momento da aproximação da guarnição policial. Um dos achados mais interessantes da pesquisa é que, em 132 casos (20,8%), a prática espacial que motivou a abordagem não se encontra descrita no acórdão. A omissão dessa informação em um percentual tão elevado de casos é surpreendente, em se tratando de decisões judiciais em processos criminais que tiveram origem justamente em abordagens por fundada suspeita. No entanto, a falha pode não ser dos policiais, mas dos magistrados ou promotores de justiça.

Ao contrário do que esperávamos, não encontramos diferenças significativas no que se refere à indicação da prática espacial que motivou a abordagem entre os casos que ocorreram em vilas e favelas e os casos que ocorreram em outros lugares da cidade (Tabela 3). Nas vilas e favelas, em 359 dos 457 casos possíveis (78,5%) as práticas espaciais que motivaram abordagens foram indicadas nos relatos dos policiais, ao passo que nos demais lugares isso ocorreu em 144 casos de 178 possíveis (80,9%); essa ligeira diferença não é estatisticamente significativa ( = 0,427, p = 0,513), considerando o nível de significância adotado (p < 0,05). Ao que tudo indica, não é tanto a preocupação com a descrição da prática espacial que varia, mas sim o tipo de prática espacial que desperta a suspeita policial.

TABELA 3
Indicação da prática espacial que motivou a abordagem

Consideramos a seguir os 318 casos (50,1%) em que as práticas espaciais reportadas pelos policiais envolviam uma reação à presença policial ou porte ostensivo de drogas ou armas. Em 190 dos 635 casos possíveis (29,9%), as pessoas foram abordadas por empreenderem fuga ao notarem a aproximação da guarnição; em 79 (12,4%), por dispensarem objetos; e em 18 (2,8%), por apressarem o passo, recuarem ou mudarem de direção. Outras práticas espaciais de reação à presença da polícia registraram frequência inferior a 1% no universo analisado, como estar em um grupo que se dispersou; esconder objeto na cintura ou nas roupas; e levar a mão à cintura como se fossem sacar uma arma. Em 19 casos (3%), as pessoas foram flagradas manuseando drogas e dinheiro em via pública; e houve uma ou outra situação em que foram surpreendidas empunhando arma de fogo ou dispararam contra a guarnição. Os resultados demonstram que é alta a frequência de atitudes intrinsecamente suspeitas que motivam abordagens, independentemente dos atributos de quem as protagoniza ou das características da vizinhança.

Verificamos, a seguir, se havia diferenças significativas no que se refere à reação à presença policial ou porte ostensivo de drogas ou armas como motivação para as abordagens policiais entre os casos que ocorreram em vilas e favelas e os casos que ocorreram em outros espaços urbanos (Tabela 4). Nas vilas e favelas, em 212 dos 457 casos possíveis (46,4%) as práticas espaciais que motivaram as abordagens correspondiam a reações à presença policial ou ao porte ostensivo de droga ou armas; nos demais lugares, isso ocorreu em 106 dos 178 casos possíveis (59,5%), uma diferença estatisticamente significativa (X² = 8,876, p = 0,003), considerando o nível de significância (p < 0,05). Esse resultado permite afirmar que nas vilas e favelas há 1,7 menos chances (OR = 0,588) que no restante da cidade de uma abordagem ter sido motivada pela reação à presença da polícia ou pelo porte ostensivo de droga ou arma.

TABELA 4
Reação à presença da polícia ou porte ostensivo de drogas ou armas

Restava examinar o que ocorrera nos 185 casos do universo estudado (29,1%) em que as práticas espaciais que motivaram as abordagens foram indicadas, sem que caracterizassem reação à presença policial ou porte ostensivo de drogas ou armas. Conforme as narrativas dos policiais, em 103 dos 635 casos analisados (16,2%) as pessoas foram abordadas por estarem paradas em via pública; em 28 (4,4%), por portarem volumes como sacolas ou mochilas; em 10 (1,6%), por terem saído de um beco; em 8 (1,3%), por terem saído de uma residência; em 8 (1,3%), por estarem com volumes ocultos na cintura ou roupas; em 8 (1,3%), por terem trocado objetos; e em 7 (1,1%), por estarem caminhando em via pública. Outras práticas espaciais reportadas como motivação para a abordagem apareceram com frequência inferior a 1%, como sair de casa abandonada, terreno baldio ou matagal; guardar objetos em esconderijo; embarcar ou desembarcar de veículo automotor; empurrar veículo automotor; e usar roupa inadequada ao clima. Será que esses comportamentos geram suspeita apenas em determinados territórios?

A fim de esclarecer essa questão, analisamos as diferenças entre as abordagens que ocorreram em vilas e favelas e as que ocorreram em outros lugares da cidade que tinham por motivação as práticas espaciais de caminhar ou estar parado em via pública (Tabela 5), em relação às quais, em princípio, não recairia suspeita, salvo se houvesse a influência de outras variáveis. Nas vilas e favelas, em 90 dos 457 casos analisados (19,7%) as práticas espaciais que motivaram as abordagens foram caminhar ou estar parado em via pública, enquanto que, nos demais lugares, isso ocorreu em 20 dos 178 casos (11,2%); tal diferença é estatisticamente significativa (X² = 6,398, p = 0,011), considerando o nível de significância adotado (p < 0,05). Com base nesse resultado, podemos dizer que nas vilas e favelas há 1,94 mais chances (OR = 1,937) que nos demais espaços da cidade de a abordagem ser motivada pelas práticas espaciais de caminhar ou estar parado em via pública.

TABELA 5
Caminhar ou estar parado em via pública

Com base nesse conjunto de evidências, sempre tendo em mente o universo estudado, podemos afirmar que as chances de práticas espaciais serem entendidas como suspeitas pela polícia são maiores em vilas e favelas que no restante da cidade, onde são proporcionalmente mais comuns as abordagens motivadas por reações à presença policial ou pelo porte ostensivo de drogas e armas. Os dados empíricos corroboram a hipótese ancorada na literatura, sugerindo que quem se depara com a polícia em assentamentos informais populares está mais propenso a ser visto como suspeito do delito de tráfico de drogas em comparação com quem se comporta de maneira equivalente em outros lugares. Mas, por que isso acontece?

3.2. Vilas e favelas tendem a ser representadas pela polícia como lugares de tráfico

A análise de associação entre as variáveis demonstra que a resposta para essa pergunta passa por outra dimensão do processo de produção do espaço urbano: as representações do espaço. Como os policiais militares representam o espaço urbano quando relatam as motivações para a realização de abordagens por fundada suspeita nos casos envolvendo tráfico de drogas?

Para responder a essa pergunta recorremos aos dados provenientes da descrição das características das vizinhanças onde ocorreram as abordagens por fundada suspeita. Um dos achados mais relevantes do nosso estudo é que em nada menos que 593 dos 635 casos (93,4%) os espaços urbanos de Porto Alegre em que se deram essas abordagens foram representados como lugares de tráfico nas narrativas policiais. Conforme os depoimentos dos policiais militares, as pessoas foram abordadas em lugares que eram conhecidos como pontos de tráfico de drogas.

Na sequência, buscamos descobrir se havia diferenças significativas no que se refere à representação do espaço como lugar de tráfico entre as abordagens policiais em vilas e favelas e aquelas que ocorreram em outros lugares da cidade (Tabela 6). Nas vilas e favelas, em 444 dos 457 casos (97,1%) o espaço foi representado como lugar de tráfico na narrativa policial; nos demais lugares, isso ocorreu em 149 dos 178 casos (83,7%), uma diferença altamente significativa (X² = 37,505, p = 0,000), considerando que a associação entre as variáveis se evidencia estatisticamente mesmo se for adotado o nível de significância de 1% (p < 0,01). O resultado encontrado permite afirmar que as vilas e favelas foram representadas como lugares de tráfico na narrativa policial 6,65 mais vezes (OR = 6,647) que os demais espaços urbanos.

TABELA 6
Espaço representado como lugar de tráfico na narrativa policial

Notamos, entretanto, que os fundamentos que embasavam essas percepções eram invariavelmente omitidos nas narrativas policiais. Tais pontos de tráfico de drogas eram do conhecimento de quem exatamente? Seria da Polícia Militar? Dos moradores da vizinhança? Dos usuários de drogas? Da população da cidade em geral? Desde quando os policiais sabiam que determinado ponto de venda de drogas funcionava?

A partir desse conjunto de evidências, considerando o universo de casos estudado, podemos afirmar que as vilas e favelas de Porto Alegre tendem, mais do que outros espaços da cidade, a ser percebidas pela Polícia Militar como “lugares de tráfico”, devido às representações do espaço que concebem esses territórios como vinculados ao mercado de substâncias entorpecentes ilícitas. Por serem reproduzidas sem respaldo em informações empíricas, essas percepções por parte da polícia assumem caráter marcadamente ideológico, recaindo sobre todos os assentamentos informais populares indistintamente. Portanto, quem interage com a polícia nesses locais está mais propenso a ser visto como suspeito do delito de tráfico de drogas em comparação com quem se comporta de maneira equivalente em outros lugares.

Conclusão

Neste estudo de geografia jurídica, buscamos compreender a relevância da espacialidade como fator na formação da fundada suspeita em abordagens policiais relacionadas ao tráfico de drogas no Brasil. Considerando especificamente a literatura sobre os fatores espaciais que explicam a atuação seletiva da polícia, formulamos a hipótese de que pessoas que se deparam com a polícia em assentamentos informais populares estão mais propensas a serem vistas como suspeitas de tráfico de drogas do que aquelas que interagem com a polícia em outros lugares da cidade. Por fim, testamos essa hipótese empiricamente, analisando dados sobre as abordagens policiais em Porto Alegre.

Discutindo os resultados dessa análise empírica, argumentamos que a espacialidade dos assentamentos informais populares efetivamente importa na formação da fundada suspeita. Primeiro, porque as chances de práticas espaciais serem entendidas como suspeitas pela polícia são maiores em vilas e favelas que no restante da cidade, onde a proporção de abordagens motivadas por reações à presença policial ou por porte ostensivo de drogas e armas é mais expressiva. Segundo, porque as vilas e favelas tendem a ser mais frequentemente percebidas pela polícia como “lugares de tráfico”, devido às representações desses espaços territoriais como necessariamente associados ao comércio varejista de drogas. Em conclusão, podemos afirmar que a construção da suspeita policial é influenciada por representações do espaço que concebem os assentamentos informais populares como “lugares de tráfico”.

Considerando a literatura revisada sobre a seletividade no policiamento urbano, é plausível que a geografia jurídica das abordagens policiais em Porto Alegre guarde similitudes com a existente em outras grandes cidades brasileiras. Em 2010, o IBGE estimou que cerca de 11,4 milhões de pessoas viviam em 6,3 mil aglomerados subnormais, distribuídos em 323 municípios do país (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010: aglomerados subnormais. Rio de Janeiro: IBGE, 2010., p. 38-39), e que 88,2% dos domicílios em aglomerados subnormais se concentravam em municípios das Regiões Metropolitanas com população maior que um milhão de habitantes (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010: aglomerados subnormais. Rio de Janeiro: IBGE, 2010., p. 40). Se assim for, a suspeita que recai seletivamente sobre vilas e favelas impacta as interações cotidianas da polícia com milhões de pessoas.

Modificar a imagem das vilas e favelas, desconstruindo os estereótipos espaciais que recaem sobre essas vizinhanças, passa pela regularização fundiária de interesse social. Mesmo antes da vigência do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001BRASIL. Lei Federal n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 15 out. 2021.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
), programas de regularização de assentamentos informais populares já vinham sendo implementados nas cidades brasileiras (ALFONSIN, 1997ALFONSIN, Betânia. Direito à moradia: instrumentos e experiências de regularização fundiária nas cidades brasileiras. Rio de Janeiro: IPPUR, FASE, 1997.). Graças à mobilização de moradores, lideranças comunitárias, gestores públicos, assessorias técnicas e profissionais do campo jurídico, centenas de vilas e favelas foram regularizadas nas últimas décadas. No entanto, é uma questão em aberto saber se essas vizinhanças urbanas, ao saírem da condição de informalidade, deixaram de ser representadas como lugares de tráfico. No nosso estudo empírico constatamos que a Vila Planetário, uma comunidade localizada em um bairro central de Porto Alegre e regularizada na década de 1990 (SILVA, 2010SILVA, Jacqueline. Regularização fundiária, exercitando um novo paradigma: um conflito também ideológico – apresentação de casos. Planejamento e Políticas Pública, n. 34, p. 241-257, 2010.), permanecia sendo alvo de numerosas abordagens policiais. Esse caso sugere que a regularização fundiária, expressão das políticas do Estado social, pode ser insuficiente para descaracterizar vilas e favelas como lugares de tráfico, quando em tensão com as políticas do Estado penal.

Por isso, transformar o comportamento dos profissionais da segurança pública na interação com a população de vilas e favelas também é um imperativo. Se a Polícia Militar de fato tem conhecimento da existência de um ponto de venda de drogas, por que não é cuidadosamente planejada uma operação conjunta com a Polícia Civil para desmantelá-lo? Pensando na eficiência da ação policial e na integridade física dos agentes, qual é o sentido de realizar abordagens episódicas e arbitrárias, ao invés de planejar uma intervenção mais consistente, executada por policiais municiados de informações qualificadas sobre os grupos de traficantes ali instalados? Ao que parece, está-se condenando os policiais militares a atuarem pela “repetição infindável de procedimentos automáticos, naturalizados, desprovidos de qualquer inteligência (na acepção policial do termo), sabidamente inócuos e ineficazes para o controle da criminalidade” (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 215).

Para além de reformas mais profundas nas corporações policiais, há muito demandadas e sempre adiadas,21 21 Essas propostas buscam transformar a cultura policial, envolvendo aspectos como desmilitarização e unificação das polícias estaduais, extinção das justiças militares estaduais, fim da divisão de carreiras entre oficiais e praças, ênfase no policiamento comunitário e mudanças no recrutamento e treinamento dos agentes. Para uma discussão mais detalhada, ver Azevedo e Nascimento (2016). parece-nos que algumas medidas específicas devem ser objeto de discussão pública, considerando as evidências empíricas sobre a espacialidade como fator na atuação seletiva da polícia. São elas: (a) a edição de legislação para estabelecer a obrigatoriedade de se documentar toda abordagem realizada pela polícia em via pública, inclusive por meio da utilização de recursos de tecnologia da informação; (b) a definição, pelas polícias militares, de critérios institucionais claros e explícitos para orientar a realização de abordagens a pedestres, permitindo o controle da legalidade da atuação dos policiais por outras instituições do campo jurídico; e (c) a propositura de ações judiciais para desafiar a constitucionalidade de políticas de segurança pública baseadas na realização de abordagens policiais massivas e rotineiras com impacto discriminatório empiricamente comprovado em relação a determinados grupos sociais e espaços urbanos.22 22 Nos Estados Unidos, um juiz federal declarou inconstitucional a política do Departamento de Polícia da cidade de Nova York devido ao viés racial no caso Floyd v. City of New York (2013). Mudar a geografia jurídica das abordagens policiais por fundada suspeita é um caminho para produzir cidades mais inclusivas, seguras e justas.

  • 1
    Este artigo é um dos produtos do projeto de pesquisa “Geografias jurídicas da cidade: estudos empíricos sobre a regulação do domínio público”, desenvolvido com a colaboração do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
  • 2
    No HC 81.305-GO (2002), o Supremo Tribunal Federal decidiu que a suspeita policial não pode ser fundada em parâmetros exclusivamente subjetivos, sob o risco de causar constrangimentos e ofender direitos civis.
  • 3
    Para revisões mais sistemáticas, embora com foco nos Estados Unidos, cf. Klahm e Tillyer (2010)KLAHM, Charles; TILLYER, Rob. Understanding police use of force: a review of the evidence. Southwest Journal of Criminal Justice, v. 7, n. 2, p. 214-239, 2010.; Meares (2014)MEARES, Tracey. The law and social science of stop and frisk. Annual Review of Law and Social Sciences, n. 10, p. 335-352, 2014..
  • 4
    Por exemplo, o estereótipo racista do jovem negro como alguém naturalmente mais agressivo e perigoso. Para uma discussão do impacto dos estereótipos raciais nas políticas criminais, ver Hurwitz e Peffley (1997)HURWITZ, Jon; PEFFLEY, Mark. Public perceptions of race and crime: the role of racial stereotype. American Journal of Political Science, v. 41, n. 2, p. 375-401, 1997..
  • 5
    Desde o caso Daniels et al. v. City of New York (1999), os policiais que atuam na cidade são treinados para preencher um formulário a cada abordagem por fundada suspeita, independentemente do desfecho.
  • 6
    Foram poucos os registros de abordagens a mulheres. Provavelmente, isso se deve ao estereótipo da mulher como menos perigosa e à difusão de uma norma social, influenciada pelo art. 249 do CPP, segundo a qual um policial homem não pode revistar uma mulher (RAMOS e MUSUMECI, 2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 41-43).
  • 7
    Além dos BPMs especializados (operações especiais e polícia montada), subordinados ao Comando de Policiamento da Capital, há outros seis não especializados, que atuam em distintas circunscrições. O 1º BPM, por exemplo, é responsável por 25 bairros da zona sul, cobrindo 75,32 km2e atendendo cerca de 27% da população residente, conforme a BMRS (https://www.brigadamilitar.rs.gov.br/).
  • 8
    Ao nosso ver, trata-se de equívoco comum em estudos de criminologia que procuram abordar a geografia como fator explicativo. Por exemplo, Christie (1998)CHRISTIE, Nils. Éléments de géographie pénale. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 124, p. 68-74, 1998., discorrendo sobre variações nas taxas de encarceramento, acaba produzindo uma “geografia penal” em que países são reduzidos ora a unidades geopolíticas, ora a contextos culturais estereotipados. No referido estudo de Campos e Alvarez (2017)CAMPOS, Marcelo; ALVAREZ, Marcos César. Pela metade: implicações do dispositivo médico-criminal da “Nova” Lei de Drogas na cidade de São Paulo. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 45-74, 2017., a escolha de analisar dados de dois distritos policiais, situados em um bairro central (Santa Cecília) e outro periférico (Itaquera), é justificada pela possibilidade de “[…] comparar contextos sociais e econômicos diversos” (p. 45).
  • 9
    A definição de “núcleo de ocupação irregular” considera parâmetros como ocupação de terreno de propriedade alheia, desconformidade do loteamento ou das edificações com a legislação e grau de deficiência de infraestrutura e serviços urbanos (DEMHAB, 2009DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO (DEMHAB). Plano municipal de habitação de interesse social: diagnóstico do setor habitacional de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2009., p. 69). Embora não seja muito diferente, a definição de “aglomerados subnormais” exclui conjuntos inferiores a 51 unidades habitacionais (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010: aglomerados subnormais. Rio de Janeiro: IBGE, 2010., p. 19).
  • 10
    Alguns acórdãos fazem referência a abordagens ocorridas em anos anteriores, porém, o critério temporal assegurou a exclusão do universo de casos que precederam a “nova” Lei de Drogas (BRASIL, 2006BRASIL. Lei Federal n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: https://www.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm#view. Acesso em: 15 out. 2021.
    https://www.http://www.planalto.gov.br/c...
    ).
  • 11
    Essas duplicidades na listagem se devem a um erro no funcionamento do motor de busca do TJRS.
  • 12
    Sanamos as imprecisões nos endereços (por vezes, ruelas ou becos sem denominação, devido à irregularidade fundiária) recorrendo a dados contextuais que apareciam nos acórdãos, combinados com informações do Google Maps sobre pontos de referência citados, como escolas e postos de saúde. Em 19 casos posicionamos as abordagens por aproximação, pois evidentemente se tratava de via pública de uma vila específica.
  • 13
    Porto Alegre conta com um Centro Integrado de Comando, que monitora em tempo real imagens de centenas de câmeras de vídeo distribuídas em pontos estratégicos da cidade.
  • 14
    Por exemplo, “usar roupa inadequada ao clima” pode ser codificado como uma atitude intrinsecamente suspeita, mas não como reação à presença policial ou porte ostensivo de droga ou arma.
  • 15
    Este mapa é meramente ilustrativo. Para acesso ao mapa completo, contatar os autores deste artigo.
  • 16
    Os 477 registros de “vilas” que constam nessa camada correspondem a 98,1% dos 486 núcleos de ocupação irregular referidos no inventário do PMHIS. Não comparamos os dados, pois o PMHIS não enumera esses núcleos, mas é possível que essa divergência se deva a atualizações decorrentes de avanços na regularização fundiária.
  • 17
    Os 111 registros dessa camada correspondem aos 108 aglomerados subnormais do Censo Demográfico de 2010, já que três deles foram georreferenciados em polígonos separados.
  • 18
    Consideramos que a abordagem ocorreu dentro do assentamento informal popular nos casos em que o marcador estava posicionado a até um quarteirão de distância dos limites perimetrais do polígono.
  • 19
    Esta figura é meramente ilustrativa. Para acesso à planilha completa, contatar os autores deste artigo.
  • 20
    Para exemplos de análises multifatoriais, ver Campos e Alvarez (2017)CAMPOS, Marcelo; ALVAREZ, Marcos César. Pela metade: implicações do dispositivo médico-criminal da “Nova” Lei de Drogas na cidade de São Paulo. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 45-74, 2017. e Lages e Ribeiro (2019)LAGES, Lívia Bastos; RIBEIRO, Ludmila. Os determinantes da prisão preventiva na Audiência de Custódia: reforço de estereótipos sociais? Revista Direito GV, v. 15, n. 13, e1933, 2019..
  • 21
    Essas propostas buscam transformar a cultura policial, envolvendo aspectos como desmilitarização e unificação das polícias estaduais, extinção das justiças militares estaduais, fim da divisão de carreiras entre oficiais e praças, ênfase no policiamento comunitário e mudanças no recrutamento e treinamento dos agentes. Para uma discussão mais detalhada, ver Azevedo e Nascimento (2016)AZEVEDO, Rodrigo G.; NASCIMENTO, Andréa. Desafios da reforma das polícias no Brasil: permanência autoritária e perspectivas de mudança. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 16, n. 4, p. 653-672, 2016..
  • 22
    Nos Estados Unidos, um juiz federal declarou inconstitucional a política do Departamento de Polícia da cidade de Nova York devido ao viés racial no caso Floyd v. City of New York (2013).

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos colegas do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS) e do Laboratório de Pesquisa Empírica em Direito (LaPED-UFRGS), que contribuíram em diferentes etapas da construção deste estudo. Estendem os agradecimentos aos participantes dos grupos de trabalho que discutiram versões preliminares apresentadas no IX Encontro de Pesquisa Empírica em Direito e no IV ISA Forum of Sociology, bem como aos pareceristas anônimos da Revista Direito GV, pelas críticas e sugestões recebidas, que foram de grande valia para o aperfeiçoamento do artigo.

REFERÊNCIAS

  • ALFONSIN, Betânia. Direito à moradia: instrumentos e experiências de regularização fundiária nas cidades brasileiras. Rio de Janeiro: IPPUR, FASE, 1997.
  • ANDRADE, Vera Regina P. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
  • AZEVEDO, Rodrigo G.; CIPRIANI, Marcelli. Um estudo comparativo entre facções: o cenário de Porto Alegre e o de São Paulo. Sistema Penal & Violência, v. 7, n. 2, p. 161-174, 2015.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2020
  • Aceito
    19 Jul 2021
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