Acessibilidade / Reportar erro

Parâmetros e estratégias de leitura e escrita utilizados por crianças de escolas pública e privada

Resumos

OBJETIVOS: comparar o desempenho de bons e maus leitores e escritores de escola pública e privada na leitura em voz alta e escrita sob ditado quanto aos parâmetros de escrita e fluência de leitura, além de verificar as estratégias de leitura e escrita utilizadas por essas crianças. MÉTODO: 61escolares, do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública (GPU) e outra de ensino privado (GPr) foram submetidos ao Teste de Desempenho Escolar, para classificação em bom e mau leitor e escritor; e à leitura em voz alta e escrita de palavras e pseudopalavras, para verificação do desempenho quanto ao total de acertos em leitura e escrita, taxa e acurácia de leitura e acurácia de escrita, bem como as estratégias de leitura/escrita utilizadas. RESULTADOS: de maneira geral, o desempenho dos participantes de escola privada foi superior aos de escola pública. Observou-se melhor desempenho na leitura que na escrita; em palavras que em pseudopalavras; em palavras de alta frequência que em palavras de baixa frequência; e em palavras regulares que em irregulares. Os efeitos encontrados na leitura e na escrita foram os mesmos para escola pública e privada. CONCLUSÃO: os aspectos sociais e pedagógicos influenciam no desempenho de leitura e escrita. No grupo estudado foram observados os efeitos de lexicalidade, regularidade e frequência, não evidenciando o uso preferencial de uma ou outra rota de leitura e escrita. O tipo de escola não parece interferir na estratégia de leitura/escrita usada pelas crianças.

Fonoaudiologia; Linguagem; Leitura; Aprendizagem; Avaliação


PURPOSES: to compare the performance of good and bad readers and writers of public and private schools in reading aloud and writing under dictation regarding the parameters of writing and reading fluency, besides to verify the reading and writing strategies used by these children. METHOD: 61 students of the 4th and 5th grade from a public (GPu) and a private (GPr) elementary school were submitted to a School Performance Test, for classification into good and bad reader and writer; and to reading aloud and writing words and pseudo words in order to verify their performance regarding the total number of successes in reading and writing, rate and accuracy in reading and accuracy in writing, as well as strategies for reading/writing used. RESULTS: in a general overview, the performance of participants from private school was higher than from public school. There was better performance in reading than in writing; in words than in pseudo words; in high frequency words than in low-frequency words; in regular words than in irregular words. The effects found in reading and writing were the same for public and private schools. CONCLUSION: social and pedagogical aspects influence the performance of reading and writing. In the group studied, it was observed the effects of lexicality, regularity and frequency; it was not showed the preferential use of one or another route of reading and writing. The type of school does not seem to interfere in the strategy of reading / writing used by these children.

Speech, Language and Hearing Sciences; Language; Reading; Learning; Evaluation


ARTIGOS ORIGINAIS

Parâmetros e estratégias de leitura e escrita utilizados por crianças de escolas pública e privada

Vanessa Laís PontesI; Natália Lisce Fioravante DinizII; Vanessa de Oliveira Martins-ReisIII

IFonoaudióloga; Residente do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIFonoaudióloga, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIIFonoaudióloga; Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil, Doutora em Linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Vanessa de Oliveira Martins-Reis Av. Prof. Alfredo Balena, 190 – Faculdade de Medicina sala 251 Santa Efigênia CEP: 30130-100 E-mail: vomartins@ufmg.br

RESUMO

OBJETIVOS: comparar o desempenho de bons e maus leitores e escritores de escola pública e privada na leitura em voz alta e escrita sob ditado quanto aos parâmetros de escrita e fluência de leitura, além de verificar as estratégias de leitura e escrita utilizadas por essas crianças.

MÉTODO: 61escolares, do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública (GPU) e outra de ensino privado (GPr) foram submetidos ao Teste de Desempenho Escolar, para classificação em bom e mau leitor e escritor; e à leitura em voz alta e escrita de palavras e pseudopalavras, para verificação do desempenho quanto ao total de acertos em leitura e escrita, taxa e acurácia de leitura e acurácia de escrita, bem como as estratégias de leitura/escrita utilizadas.

RESULTADOS: de maneira geral, o desempenho dos participantes de escola privada foi superior aos de escola pública. Observou-se melhor desempenho na leitura que na escrita; em palavras que em pseudopalavras; em palavras de alta frequência que em palavras de baixa frequência; e em palavras regulares que em irregulares. Os efeitos encontrados na leitura e na escrita foram os mesmos para escola pública e privada.

CONCLUSÃO: os aspectos sociais e pedagógicos influenciam no desempenho de leitura e escrita. No grupo estudado foram observados os efeitos de lexicalidade, regularidade e frequência, não evidenciando o uso preferencial de uma ou outra rota de leitura e escrita. O tipo de escola não parece interferir na estratégia de leitura/escrita usada pelas crianças.

Descritores: Fonoaudiologia; Linguagem; Leitura; Aprendizagem; Avaliação

INTRODUÇÃO

A leitura e a escrita envolvem inúmeros processos mentais e funções neuropsicológicas, sendo consideradas, por isso, duas atividades altamente complexas. Diante dessa complexidade, a aprendizagem da linguagem escrita tem sido estudada por diversas áreas, tais como a psicologia do desenvolvimento, a psicologia cognitiva, a linguística e a fonoaudiologia1. Pela importância da leitura como meio de acesso a novos conhecimentos e da escrita como forma de expressão e uso da linguagem, as dificuldades de leitura e escrita em crianças que estão aprendendo a ler e escrever também são tema de interesse multidisciplinar1,2.

Cerca de 1/7 americanos apresenta algum grau de transtorno de aprendizagem, o que representa 15% da população3. Apesar de não existirem dados de prevalência dos transtornos de aprendizagem no Brasil, verifica-se, nos últimos vinte anos, um aumento do número de escolares com dificuldades em leitura no cenário brasileiro4. Estima-se que cerca de 40% dos estudantes brasileiros apresentam dificuldades no processo de aprendizagem da língua escrita, sendo essa realidade presente não somente nas escolas públicas, mas também no ensino privado. No que diz respeito ao índice de analfabetismo, 54% dos brasileiros com idades entre 15 e 64 anos que estudaram até a 4ª série atingiram, no máximo, o grau rudimentar de alfabetismo. Isso significa que mais da metade dos brasileiros nessa faixa etária conseguem apenas localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares, ler e escrever números usuais e realizar operações simples5. Além disso, 10% destes brasileiros podem ser considerados analfabetos absolutos, apesar de terem cursado de um a quatro anos do ensino fundamental5. Diante de tal realidade, faz-se necessária a atenção para as dificuldades com a linguagem escrita, por meio tanto de investigações científicas quanto de ações governamentais1.

O principal objetivo da leitura é a compreensão do material escrito, que depende de vários fatores, sendo a identificação de palavras uma condição necessária6. A competência leitora pode ser verificada a partir das rotas utilizadas para leitura7,8 e da fluência de leitura9,10. Ainda não há um consenso na literatura sobre a fluência de leitura, que pode ser definida como a tradução do texto para a linguagem falada com boa velocidade e sem erros de decodificação9. De acordo com os autores a análise dos erros não parece suficiente para diferenciar grupos de leitores, enquanto que as medidas que envolvem velocidade de processamento parecem mais sensíveis. Da mesma forma, só a análise da velocidade não é interessante, pois crianças que leem muito rápido e cometem muitos erros têm prejuízos na compreensão leitora. Neste sentido, a fluência de leitura pode ser medida como o número de palavras lidas corretamente por minuto9-11, considerada uma medida híbrida, pois integra simultaneamente velocidade e precisão na decodificação do material escrito12,13.

Em estudo nacional a medida de precisão de leitura foi denominada acurácia de leitura e analisada juntamente com a taxa de leitura, definida como o número de palavras lidas por minuto10. Tais medidas têm sido as mais utilizadas para análise da fluência de leitura, mas devem ser interpretadas como auxiliares para a compreensão de problemas de aprendizagem e do funcionamento de mecanismos e processos ligados à competência leitora, uma vez que outras habilidades e conhecimentos influenciam na fluência de leitura10. A taxa de leitura está mais relacionada à velocidade de leitura, já que mede o número de palavras lidas por minuto, enquanto que a acurácia está relacionada ao fluxo de informações, pois mede o número de palavras lidas corretamente por minuto. Assim, quanto menor for o valor da acurácia maior será o número de incorreções produzidas no reconhecimento de palavras.

A análise da rota utilizada no processamento de palavras isoladas tem se baseado em medidas de tempo de reação e proporções de acertos e erros em classes diferentes de estímulos, palavras e pseudopalavras que variam em frequência de ocorrência na língua, extensão e regularidade8,14. A medida do tempo de reação pode trazer importantes informações sobre a velocidade do processamento na leitura, mas na prática clínica são mais difíceis de serem utilizadas. Uma alternativa mais simples para análise das rotas de leitura pode ser o uso das medidas de taxa e acurácia, como realizado na presente pesquisa.

Além disso, levando-se em conta que os transtornos da leitura e da escrita envolvem também aspectos sociais, afetivos, cognitivos e pedagógicos15, apresentando diferentes manifestações em cada criança, é necessário estudar, do ponto de vista pedagógico e social, as variações existentes entre alunos de escola pública e privada2,16,17.

Assim, os objetivos desta pesquisa foram comparar o desempenho de bons e maus leitores e escritores de escola pública e privada na leitura em voz alta e escrita sob ditado quanto aos parâmetros de escrita e fluência de leitura, como também verificar as estratégias de leitura e escrita utilizadas por essas crianças por meio da análise da acurácia.

MÉTODO

Trata-se de estudo observacional transversal com amostra selecionada por conveniência. Participaram deste estudo 61escolares, matriculados regularmente no 4º e 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública e outra de ensino privado, da região metropolitana de Belo Horizonte, todos no início do ano letivo. Foram incluídas todas as crianças que assinaram e apresentaram a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais ou responsável. Esta Pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da instituição, sob o número 617-10.

Os critérios de exclusão foram: presença de histórico de alteração no desenvolvimento neuropsicomotor e problemas auditivos e/ou visuais não tratados e crianças que não conseguiram realizar as provas de ditado e leitura do Teste de Desempenho Escolar (TDE)18. Para levantamento dos critérios de exclusão, foi enviado aos pais e responsáveis um questionário que investigou, dentre outros aspectos: o desenvolvimento neuropsicomotor e de linguagem oral da criança, as habilidades em leitura e escrita e as condições auditivas e visuais. O questionário foi elaborado pelas autoras para este estudo.

Os participantes foram distribuídos em dois grupos: GPu (estudantes de escola pública), composto por 15 estudantes do gênero masculino e 20 do gênero feminino; e GPr (estudantes de escola privada), composto por 14 estudantes do gênero masculino e 12 do gênero feminino.

Todos os escolares selecionados passaram por dois tipos de avaliação:

- Teste de Desempenho Escolar (TDE)18. Este teste foi utilizado para classificar os participantes como bons e maus leitores e/ou escritores. O subteste de escrita foi realizado de forma coletiva na sala de aula dos alunos, enquanto o subteste de leitura foi realizado individualmente em sala cedida pela escola.

- Leitura em voz alta e escrita sob ditado da Lista Balanceada de Palavras e Pseudopalavras7: Este teste foi utilizado com o objetivo de verificar o desempenho de cada escolar quanto ao total de acertos em leitura e escrita, taxa e acurácia de leitura e acurácia de escrita, bem como os efeitos presentes na leitura e na escrita. A lista é formada por um total de 96 palavras e de 96 pseudopalavras. As palavras variam em frequência de ocorrência, em regularidade ortográfica e em comprimento e as pseudopalavras variam em comprimento e foram construídas com a mesma estrutura ortográfica e o mesmo número de sílabas dos estímulos usados na lista de palavras. A tarefa de escrita sob ditado foi aplicada de forma coletiva em sala de aula e a tarefa de leitura em voz alta individualmente, em sala cedida pela escola. Na tarefa de leitura em voz alta a criança foi instruída a ler os itens o mais rápido que pudesse. As listas foram impressas em folha A4 branca, em tinta preta, caixa alta, fonte Arial 14 e espaçamento duplo entre os estímulos dispostos verticalmente e em colunas. A leitura foi gravada com auxílio de um gravador de voz digital com microfone acoplado, para posterior análise.

Todas as avaliações foram feitas em horários de aula, previamente estabelecidos pela coordenação e equipe docente.

Para classificação dos alunos como bons e maus leitores/escritores, os resultados obtidos no TDE de cada criança foram comparados com a pontuação do teste padronizado para 2º a 7º ano do Ensino Fundamental18. Aqueles alunos que apresentaram classificação superior ou média no TDE foram agrupados em bons leitores/escritores e aqueles que apresentaram classificação inferior no TDE foram agrupados em maus leitores/escritores.

Para análise da escrita, computou-se o número de acertos totais em palavras e pseudopalavras e o número de acertos em palavras de alta e baixa frequência, regulares, irregulares e regulares com regra. A acurácia da escrita se refere ao percentual de acertos em cada uma das variáveis psicolinguísticas consideradas.

Na análise da leitura as palavras e pseudopalavras lidas foram transcritas, permitindo a computação do número de acertos totais em palavras e pseudopalavras e o número de acertos em palavras de alta e baixa frequência, regulares, irregulares e regulares com regra. Além disso, o tempo gasto para leitura de cada uma das listas foi medido com auxílio de um cronômetro. Os parâmetros de fluência de leitura foram obtidos men­surando-se a taxa de leitura (número de palavras ou pseudopalavras lidas por minuto) e a acurácia de leitura (nú­mero de palavras ou pseudopalavras, lidas corretamente) em cada lista (palavras e pseudopalavras) a partir de fórmulas propostas em estudo anterior10.

Todos os dados foram tabulados e comparados entre os grupos (bons e maus leitores e escola pública e privada). As correlações entre as variáveis foram analisadas em seguida.

Para determinar a existência dos efeitos de lexicalidade, regularidade e frequência foram considerados os valores de acurácia. Desta forma, considerou-se a presença do efeito de lexicalidade quando os valores de acurácia de palavras foram maiores que os valores de pseudopalavras; efeito de regularidade quando a acurácia de palavras regulares foi maior que a de palavras irregulares; e efeito de frequência quando os valores de acurácia de palavras de alta frequência foram maiores que os de baixa frequência.

A análise estatística dos dados foi realizada por meio dos seguintes testes não paramétricos: Qui-quadrado com correção de Monte Carlo, Wilcoxon, Mann-Whitney e Friedman. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

De acordo com a análise, as escolas não se diferenciaram quanto à distribuição dos alunos por série (X²= 0,035; n.g.l=1 p= 0,852) e gênero (X²= 0,722; n.g.l=1; p= 0,395). Da mesma forma, as séries não se diferenciaram pela distribuição dos alunos quanto ao gênero (X²= 0,842; n.g.l= 1; p= 0,359).

As escolas se diferenciaram quanto à distribuição de bons e maus leitores (X²= 12,752; n.g.l=1; p< 0,001) e distribuição de bons e maus escritores (X²= 5,570; n.g.l= 1; p= 0,018), com maior frequência de desempenho inferior no TDE dentre as crianças de escola pública (Figuras 1 e 2).



Efeito do tipo de escola nos parâmetros de leitura e escrita

A Tabela 1 apresenta os resultados da comparação entre os alunos de escola pública e privada para cada uma das variáveis psicolinguísticas analisadas na leitura em voz alta. De acordo com os resultados pôde-se observar diferença com relação à taxa e acurácia de palavras, palavras de baixa frequência e palavras irregulares. Em todas as comparações o desempenho dos participantes de escola privada foi superior.

Com relação à influência do tipo de escola na acurácia de escrita, os resultados da Tabela 2 não apontam tal influência apenas para palavras regulares e pseudopalavras. Neste último caso, observa-se uma tendência (p<0,10). Com exceção das palavras irregulares, nas demais variáveis psicolinguísticas o desempenho dos alunos de escola privada foi superior. Cabe ressaltar que a escrita de dois alunos da escola privada foi desconsiderada, uma vez que as crianças desistiram de escrever durante o ditado.

Leitura em voz alta de bons e maus leitores

A Tabela 3 mostra os resultados da comparação entre bons e maus leitores na prova de leitura em voz alta, na qual se observa desempenho inferior para os maus leitores em todas as variáveis psicolinguísticas dos itens de leitura.

Escrita sob ditado de bons e maus escritores

Com relação ao desempenho de bons e maus escritores na escrita sob ditado, observa-se desempenho estatisticamente inferior para o segundo grupo em todas as variáveis psicolinguísticas dos itens de escrita (Tabela 4).

Estratégias de leitura e escrita utilizadas e tipo de escola

Para análise dos efeitos presentes na leitura e na escrita foram realizadas as seguintes comparações, em cada tipo de escola: acurácia de palavras versus de pseudopalavras (efeito de lexicalidade); acurácia de palavras de alta frequência versus de baixa frequência (efeito de frequência); acurácia de palavras regulares versus regulares com regra versus irregularidade (efeito de regularidade).

De acordo com os resultados da Tabela 5, observa-se presença de todos os efeitos (lexicalidade, regularidade e frequência) na leitura e na escrita em ambos os grupos de crianças. Tais efeitos sugerem o uso das rotas lexical e fonológica tanto na leitura quanto na escrita.

Um dado interessante é que no grupo de crianças de escola pública há diferença na escrita de palavras regulares e regulares com regra.

DISCUSSÃO

Sabe-se que os distúrbios de leitura e escrita são influenciados por inúmeros aspectos: sociais, afetivos, cognitivos e pedagógicos, apresentando diferentes manifestações em cada criança2. Por se fazer necessário estudar, do ponto de vista pedagógico e social, as variações existentes entre alunos de escola pública e privada, essa pesquisa objetivou comparar o desempenho de bons e maus leitores de escola pública e privada em tarefas de leitura em voz alta e escrita sob ditado, além de verificar os parâmetros de escrita e de fluência de leitura destes escolares, no intuito de relacionar estas medidas com as rotas de leitura para avaliação da competência leitora.

Na comparação entre escolas, constatou-se maior número de alunos maus leitores e maus escritores a partir do TDE na escola pública em relação à escola privada. Esse resultado não corrobora com os achados da validação do TDE, em que a autora encontrou pequenas diferenças entre escolas municipais, estaduais e privadas, concluindo não se fazer necessária a construção de normas para o teste de acordo com o tipo de escola18. Como era de se esperar, o desempenho dos maus leitores e escritores foi inferior em todos os parâmetros de leitura e escrita estudados, mostrando um atraso quanto à utilização das estratégias de leitura e escrita pelo número de erros e lentidão na decodificação e codificação de palavras.

As escolas se diferenciaram quanto às tarefas de leitura em voz alta e escrita sob ditado. Na tarefa de leitura, essa diferença ocorreu para os valores de taxa e acurácia de palavras, palavras de baixa frequência e irregulares. Na tarefa de escrita, a diferença entre escolas foi significante para todas as variáveis, exceto para palavras regulares e pseudopalavras. De maneira geral, o desempenho dos participantes de escola privada foi superior aos de escola pública, com exceção da escrita de palavras irregulares. Esses resultados reforçam o que alguns autores discutem sobre a influência do ambiente familiar e escolar no desenvolvimento da leitura e da escrita2,16,19,20. Em um estudo realizado com crianças de 7 a 10 anos de escolas públicas e privadas, que avaliou as dificuldades na aprendizagem da escrita, a autora encontrou diferença entre os grupos, sugerindo que o melhor desempenho destas últimas na aprendizagem da escrita se deva ao fato de frequentarem ambientes mais favorecidos e com condições mais adequadas ao aprendizado13, não sendo a aquisição da linguagem escrita influenciado apenas pela instrução recebida na escola21. Sabe-se que no Brasil as crianças que frequentam escolas públicas têm menos recursos familiares que as de escola privada, o que está muito relacionado com a renda das famílias. Além disso, dentre os fatores determinantes para o estabelecimento do hábito de leitura de uma pessoa, a UNESCO destaca o fato de ter nascido em uma família de leitores e de ter passado a juventude num sistema escolar preocupado com o estabelecimento do hábito de leitura22. No Brasil a maioria das crianças tem iniciação ao mundo da leitura apenas na escola22, aumentando ainda mais as responsabilidades dos professores, que na maioria das vezes não apresenta hábito de leitura e desconhecem os propósitos da prática de leitura em sala de aula23.

Dessa forma, o maior número de maus leitores em escola pública e a diferença na taxa e acurácia de palavras de baixa frequência entre escolas, com pior desempenho de alunos da escola pública, reforça o fator exposição à leitura, uma vez que quanto maior o contato com essas palavras, por meio da leitura, mais facilmente as representações se estabilizam e são recuperadas.

Cabe discutir o fato das escolas não se diferirem quanto à taxa de pseudopalavras, mas se diferirem quanto à sua acurácia. Isso pode ter ocorrido pelo fato da taxa de leitura avaliar apenas a velocidade. Já a acurácia parece uma medida mais precisa da fluência, pois dá conta do acerto e da velocidade de leitura/escrita9,11-13. Além disso, esse efeito pode ter ocorrido apenas em pseudopalavras porque, independente do tipo de escola, a criança utilizará da mesma rota (fonológica) para decodificação do item.

Na análise dos parâmetros de leitura e escrita, os resultados obtidos apontam que, em ambas as tarefas, o desempenho em palavras foi melhor do que em pseudopalavras, no que diz respeito aos valores de taxa e acurácia. Os resultados aqui obtidos apontam presença do efeito de lexicalidade6,7,24 e frequência6,7,24-26. Isso porque, por terem representações ortográficas, semânticas e fonológicas pré-estocadas no léxico, as palavras tendem a ser lidas e grafadas mais rápida e corretamente em relação às pseudopalavras, as quais a pronúncia e a grafia são construídas pela rota fonológica, uma vez que suas representações não existem no léxico14. Da mesma forma, a vantagem em termos de processamento para as palavras de alta frequência ocorre porque, com a escolarização, o aumento da frequência de contato com a palavra escrita e o aprendizado de regras ortográficas permite que as representações fonológicas, ortográficas e de significado se estabeleçam e passem a requerer menor ativação, possibilitando uma leitura cada vez mais rápida, automática e correta da palavra escrita14,25.

Conforme a literatura pesquisada25,27, esses dois efeitos (lexicalidade e de frequência) sugerem o uso da rota lexical pelas crianças de 4º e 5º ano deste estudo, demonstrando o início do estágio mais avançado da aquisição da leitura, que garante a rapidez e a precisão desta tarefa.

Cabe ressaltar que no presente estudo não se pode afirmar uso preferencial de uma rota ou outra pelas crianças de 4º e 5º ano. Isso porque quando feita a análise das características psicolinguísticas dos itens da Lista Balanceada de Palavras e Pseudopalavras, para leitura observou-se efeito de regularidade, com desempenho inferior nas palavras irregulares. O mesmo foi observado nos valores encontrados para acurácia de escrita, em que o desempenho em palavras regulares foi superior. Esses resultados apontam presença de efeito de regularidade tanto na leitura quanto na escrita das crianças de 4º e 5º ano, sugerindo o uso também da rota fonológica na decodificação e codificação de alguns itens, uma vez que a utilização desta rota resulta em acertos de palavras regulares, mas erros de regularizações em palavras irregulares e não garante acertos em palavras regulares com regra. Estas últimas dependem do aprendizado e memorização de regras ortográficas7,24,28. Dessa forma, pode-se verificar neste estudo, que na faixa etária estudada a predominância de uma ou outra rota dependerá da familiaridade do item apresentado para leitura e escrita, estando as duas rotas presentes durante essas tarefas8. Um dado importante é que as crianças já no 4º ano utilizam-se dos processos lexicais tanto na leitura quanto na escrita, o que contribui para uma maior velocidade de leitura.

Outro aspecto a ser considerado é que, apesar dos resultados quanto ao efeito de regularidade concordarem com os encontrados por outra autora, esta verificou que o efeito de regularidade ocorreu mais acentuadamente na escrita de palavras de baixa frequência, sendo restrito aos anos iniciais (primeira e segunda série) no Grupo Competente em leitura e escrita, e persistindo mesmo em crianças de 4º série no Grupo com Dificuldade. Dessa forma, o efeito de regularidade não pode ser generalizado à população de itens, devendo ser atribuído a apenas alguns itens7. Para tanto, uma análise multivariada, com a análise do tipo de erros e o aumento da amostra da pesquisa, poderiam fornecer resultados mais detalhados quanto à ocorrência do efeito de regularidade e os demais efeitos. A análise dos erros pode trazer informações importantes, já que os erros produzidos por uma leitura/escrita lexical ou fonológica são diferentes29.

Uma hipótese levantada para justificar a diferença na escrita de palavras regulares e regulares com regra no grupo de crianças de escola pública é a metodologia de ensino utilizada, que parece insuficiente para tal aprendizado nestas escolas30. Entretanto como a metodologia de ensino não foi uma variável medida neste estudo, tal afirmação torna-se frágil.

Quando comparados o desempenho dos alunos no TDE e nas tarefas de leitura e escrita da Lista Balanceada de Palavras e Pseudopalavras, verificou-se que aqueles alunos considerados maus leitores, pela classificação do TDE, apresentaram desempenho inferior em todas as variáveis psicolinguísticas dos itens de leitura e escrita. Esse resultado indica que há associação entre o desempenho escolar e acertos em palavras e pseudopalavras, nas tarefas de leitura em voz alta e escrita sob ditado31.

CONCLUSÃO

Na forma como este estudo foi conduzido, pode-se concluir que:

• As crianças de escola pública apresentam desempenho inferior em fluência de leitura e escrita, bem como a frequência de maus leitores e escritores é maior nesse tipo de escola;

• Os maus leitores e escritores apresentam desempenho inferior em fluência de leitura e escrita;

• O tipo de escola não parece interferir na estratégia de leitura/escrita usada pelas crianças com idade avançada.

• As medidas de acurácia de leitura e escrita podem ser usadas na determinação das estratégias usadas na leitura e na escrita.

Recebido em: 07/08/2012

Aceito em: 01/04/2013

Conflito de interesses: inexistente

Instituição onde foi realizada a pesquisa: Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

  • 1. Salles JF, Parente MAMP. Avaliação da leitura e escrita de palavras em crianças de 2ª série: abordagem neuropsicológica cognitiva. Piscol Refl Crít. 2007;20(2):220-8.
  • 2. Fernandes GB, Crenitte PAP. O conhecimento de professores de 1ª a 4ª série quanto aos distúrbios da leitura e escrita. Rev CEFAC. 2008;10(2):182-90.
  • 3. Sparks RL, Lovett BJ. College students with learning disability diagnoses: who are they and how do they perform? J Learn Disabil. 2009;42:494-510.
  • 4. Andrade OVCA, Prado PST, Capellini SA. Desenvolvimento de ferramentas pedagógicas para identificação de escolares de risco para a dislexia. Rev Psicopedag. 2011;28(85):14-28.
  • 5
    Instituto Paulo Montenegro e Ação Educativa. Relatório INAF Brasil 2009: Indicador de Analfabetismo Funcional Principais Resultados. [acesso em 2012 Jul 17]. Disponível em: http://www.ipm.org.br/download/inaf_brasil_2009_relatorio_divulgacao_revisto_dez-10_a4.pdf
  • 6. Salles JF, Parente MAPP. Processos cognitivos na leitura de palavras em crianças: relações com compreensão e tempo de leitura. Psicol Refl Crít. 2002; 15(2):321-31.
  • 7. Pinheiro AMV. Leitura e escrita: Uma abordagem cognitiva. 1ºed. Campinas: Editorial Psy; 1994.
  • 8. Pinheiro AMV, Lúcio PS, Silva DMR. Avaliação cognitiva de leitura: o efeito de regularidade grafema-fonema e fonemagrafema na leitura em voz alta de palavras isoladas no português do Brasil. Psicol Teoria Prát. 2008;10(2):16-30.
  • 9. Fuchs LS, Fuchs D, Hosp MK, Jenkins JR. Oral reading fluency as a indicator of reading competence: a theoretical, empirical, and historical analysis. Scientific studies of reading. 2001;5(3):239-56.
  • 10. Kawano CE, Kida ASB, Carvalho CAF, Ávila CRB. Parâmetros de fluência e tipos de erros na leitura de escolares com indicação de dificuldades para ler e escrever. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(1):9-18.
  • 11. Grant A, Gottardo A, Geva E. Measures of reading comprehension: do they measure different skill for children learning English as a second language? Read Writ. 2012;25:1899-928.
  • 12. Albuquerque CP. Rapid naming contributions to reading and writing acquisition of European Portuguese. Read Writ. 2012;25:775-97.
  • 13. Landerl K, Wimmer H. development of word reading fluency and spelling in a consistent orthography: an 8-year follow-up. J Educ Psychol. 2008;100(1):150-61.
  • 14. Pinheiro AMV, Rothe-Neves R. Avaliação cognitiva de leitura e escrita: as tarefas de leitura em voz alta e ditado. Psicol Refl Crít. 2001;14(2):399-408.
  • 15. Wilson SB, Lonigan CJ. Identifying children at risk of later reading difficulties: evaluation of two emergent literacy screening tools. J Learn Disabil. 2010;43:62-76.
  • 16. Suehiro ACB. Dificuldade de aprendizagem da escrita num grupo de crianças do ensino Fundamental. PSIC. 2006;7(1):59-68.
  • 17. Cunha NB, Santos AAA. Habilidades linguísticas no ensino fundamental em escolas públicas e particulares. PSIC. 2008;9(1):35-4.
  • 18. Stein ML. TDE Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. 1ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994.
  • 19. Ferreira SHA, Barrera SD. Ambiente familiar e aprendizagem escolar em alunos da educação infantil. Psico. 2010;41(4):462-72.
  • 20. Duursma E, Augustyn M, Zuckerman B. Reading aloud to children: the evidence. Arch Dis Child. 2008;93(7):554-7.
  • 21. Connor CMD, Morrison FJ, Schatschneider C, Toste J, Lundblom E, Crowe EC, et al. Effective classroom instruction: implications of child characteristics by reading instruction interactions on first graders' word reading achievement. J Res Educ Eff. 2011;4(3):173-207.
  • 22. Bomeny H. Leitura no Brasil, Leitura no Brasil. Sociol Probl Prát. 2009;60:11-32.
  • 23. Barros TN, Gomes E. O perfil dos professores leitores das séries iniciais e a prática de leitura em sala de aula. Rev CEFAC. 2008;10(3):332-42.
  • 24. Coltheart M, Rastle K, Perry C, Langdon R , Ziegler J. DRC: A Dual Route Cascaded model of visual word recognition and reading aloud. Psychol Review. 2001;108(1):204-56.
  • 25. Stivanin L, Scheuer CI. Tempo de latência para a leitura: influência da frequência da palavra escrita e da escolarização. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):206-13.
  • 26. Paolocci JF, Avila CRB. Competência ortográfica e metafonológica: influências e correlações na leitura e escrita de escolares da 4ª série. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):48-55.
  • 27. Richlan F, Kronbichler M, Wimmer H.Functional abnormalities in the dyslexic brain: a quantitative meta-analysis of neuroimaging studies. Human Brain Mappin. 2009;30:3299-308.
  • 28. Lúcio OS, Pinheiro AMV, Nascimento E. A influência de fatores sociais, individuais e linguísticos no desempenho de crianças na leitura em voz alta de palavras isoladas. Psicol Reflex Crit. 2010;23(3):496-505.
  • 29. Pinheiro AMV, Cunha CR, Lúcio PS. Tarefa de leitura de palavras em voz alta: uma proposta de análise dos erros. Rev Port Educ. 2008;21(02):115-38.
  • 30. Meireles E, Correa J. A relação da tarefa de erro intencional com o desempenho ortográfico da criança considerados os aspectos morfossintáticos e contextuais da língua portuguesa. Est Psicol. 2006;11(1):35-43.
  • 31. Tonelotto JMF, Fonseca LC, Tedrus GMSA, Martins SMV, Gibert MAP, Antunes TA et al. Avaliação do desempenho escolar e habilidades básicas de leitura em escolares do ensino fundamental. Aval Psicol. 2005;4(1):33-43.
  • Endereço para correspondência:

    Vanessa de Oliveira Martins-Reis
    Av. Prof. Alfredo Balena, 190 – Faculdade de Medicina sala 251
    Santa Efigênia
    CEP: 30130-100
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2012
    • Aceito
      01 Abr 2013
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br