Desempenho cognitivo-linguístico de pré-escolares em diferentes contextos educacionais

RESUMO

Objetivo:

investigar o desempenho cognitivo-linguístico de pré-escolares em diferentes contextos educacionais.

Métodos:

participaram do estudo 39 crianças, com idades entre 4:0 e 5:11 anos, matriculadas na pré-escola de duas escolas particulares, localizadas em diferentes regiões brasileiras. Os pré-escolares foram avaliados por meio do Protocolo de Identificação Precoce de Problemas de Leitura - IPPL, na versão adaptada para a Educação Infantil, que inclui provas de: conhecimento do alfabeto; habilidades metafonológicas; memória operacional fonológica; nomeação automática rápida; leitura silenciosa de palavras e compreensão auditiva de sentenças a partir de figuras. Os grupos foram comparados por meio do teste estatístico Mann-Whitney, considerando-se significativas diferenças com p<0,05.

Resultados:

como esperado, os dados revelaram diferenças de desempenho entre os pré-escolares das duas escolas. Verificou-se que os piores resultados, em ambas as escolas, foram relacionados às habilidades de produção de rima e identificação de rima, o que revela que a consciência fonológica não deve estar sendo estimulada nesses grupos. Nas demais habilidades os participantes apresentaram desempenhos dentro do esperado ou sob atenção.

Conclusão:

foi possível identificar e classificar o desempenho dos pré-escolares de ambas as escolas, havendo diferenças no desempenho cognitivo-linguístico em diferentes contextos educacionais. Tais resultados ratificam a importância de uma abordagem de ensino que promova o desenvolvimento de habilidades cognitivo-linguísticas desde a Educação Infantil.

Descritores:
Educação Infantil; Cognição; Linguagem

ABSTRACT

Purpose:

to investigate preschoolers’ cognitive-linguistic performance in different educational settings.

Methods:

thirty-nine children aged 4:0 to 5:11 years, enrolled in two private preschools from different Brazilian regions, were assessed with the Protocol for the Early Identification of Reading Problems, in the version adapted to preschool - which includes the following tests: alphabet knowledge; metaphonological skills; phonological working memory; rapid automatized naming; silent word reading; and hearing sentence comprehension based on figures. The groups were compared with the Mann-Whitney statistical test, and significant differences were set at p < 0.05.

Results:

as expected, data revealed different performances between preschoolers from the two schools. The worse results in both were related to rhyme production and rhyme identification, which reveals that phonological awareness is probably not being stimulated in these groups. Participants performed as expected or “under attention” in the other skills.

Conclusion:

the performances of preschoolers from both schools were identified and classified, revealing differences in cognitive-linguistic performances between the different educational settings. These results ratify the importance of a teaching approach that helps develop cognitive-linguistic skills, early in preschool.

Keywords:
Child Rearing; Cognition; Language

INTRODUÇÃO

A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Deve ser oferecida em creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade, e em pré-escolas para crianças de quatro a cinco¹.

Os primeiros anos escolares de uma criança são os mais importantes para o seu desenvolvimento social, comunicativo e de aprendizagem. Durante esta fase é fundamental que a escola e a família monitorem o desenvolvimento da linguagem e outras habilidades cognitivas da criança, a fim de tomar providências o mais cedo possível, caso seja observada qualquer dificuldade neste percurso. Para tanto, é fundamental que os profissionais que atuam na Educação Infantil disponham de instrumentos que possibilitem o monitoramento do desenvolvimento de habilidades cognitivo-linguísticas consideradas preditoras da aprendizagem da leitura e escrita². Além disso, considerando que o desenvolvimento de tais habilidades depende dos estímulos e interações vivenciadas no contexto familiar e educacional, a avaliação dessas habilidades é fundamental para a tomada de decisão quanto às melhores práticas pedagógicas para esse público-alvo^2,3.

Estudos apontam uma associação positiva entre o desenvolvimento linguístico e o desenvolvimento cognitivo, sendo estes os pilares necessários para o aprendizado escolar. As habilidades linguísticas consideradas preditoras da aprendizagem da leitura envolvem a fonologia, consciência silábica e fonêmica, a morfologia, o discurso e a pragmática; já as habilidades cognitivas correspondem ao processamento da informação auditiva e visual, a velocidade de processamento, a atenção, memória, planejamento e organização^4,5.

De maneira mais diretamente relacionada ao processo inicial de aprendizagem da leitura e escrita, a literatura destaca as habilidades que fazem parte do processamento fonológico, como: a consciência fonológica, memória fonológica e nomeação seriada rápida. Tais competências estão associadas ao sucesso da aprendizagem, já que são responsáveis, respectivamente, pela capacidade de análise da estrutura sonora da fala, retenção de informações e o acesso rápido a representações das informações fonológicas da língua⁶. Assim, o desenvolvimento dessas habilidades deve ocorrer durante os anos finais da Educação Infantil, portanto na etapa da pré-escola, a fim de preparar os escolares para os desafios do ciclo de alfabetização, que será vivenciado no início do Ensino Fundamental⁷.

Com base no exposto, o trabalho com as habilidades cognitivo-linguísticas desde a Educação Infantil irá oportunizar às crianças maior compreensão e autonomia frente aos desafios da alfabetização, bem como maior tempo para lidar com possíveis dificuldades, de modo a resolvê-las ou minimizá-las antes da chegada no Ensino Fundamental. Além disso, estudos defendem que o estímulo precoce de tais habilidades minimiza os efeitos de lacunas existentes devido às diferenças individuais, culturais e socioeconômicas, diminuindo, assim, as defasagens decorrentes de desigualdades de oportunidades educacionais, tão comuns no país^2,5,7.

Contudo, apesar de se reconhecer que a estimulação das habilidades cognitivo-linguísticas antes da entrada da criança no ciclo de alfabetização é benéfica para o aprendizado da leitura e escrita^2,7, o foco das pesquisas ainda tem sido as séries iniciais do Ensino Fundamental, havendo uma carência de estudos voltados à exploração de estratégias para avaliar e desenvolver habilidades cognitivo-linguísticas na Educação Infantil.

Nessa perspectiva, estudo conduzido com pré-escolares de escola pública verificou a eficácia de um programa de intervenção voltado ao desenvolvimento das habilidades cognitivo-linguísticas nesta etapa de ensino⁸. Para tanto, propuseram a adaptação do Protocolo de Identificação Precoce dos Problemas de Leitura - IPPL⁹ para uso na Educação Infantil, visto que não havia outro instrumento para este fim publicado no Brasil. Os resultados do estudo demonstraram que o instrumento adaptado foi sensível para discriminar pré-escolares com melhores e piores desempenhos, permitindo, inclusive, a identificação de pré-escolares em risco para os transtornos da aprendizagem⁸.

Contudo, o estudo⁸ em questão testou o instrumento em apenas uma escola da rede pública, sendo importante empregar o protocolo em outros contextos educacionais.

Mediante ao exposto, este estudo teve como objetivo investigar o desempenho cognitivo-linguístico de pré-escolares em diferentes contextos educacionais.

MÉTODOS

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, sob o parecer 4.148.247 247 e CAAE 14630719.0.0000.8807.

O caminho metodológico indicado para a presente pesquisa priorizou uma análise quantitativa, sendo o estudo caracterizado como descritivo, correlacional e transversal.

Participantes

A amostra foi composta por 39 pré-escolares, com faixa etária de 4:0 a 5:11 anos de idade, matriculados na Educação Infantil. Os dados foram coletados em duas instituições: sendo uma escola particular (classe média), com amostra de 20 participantes da cidade Recife, Pernambuco; e uma escola particular (classe média alta), com amostra de 19 participantes da cidade Teresópolis, Rio de Janeiro.

A seleção dos participantes foi realizada por meio da técnica de amostragem por conveniência. Foram considerados como critérios de exclusão a ausência da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, crianças que apresentassem qualquer alteração sindrômica e/ou neurológica, bem como alterações sensoriais tais como problemas auditivos e/ou visuais graves.

Instrumentos

Para avaliar as habilidades cognitivo-linguísticas foi utilizado o Protocolo de Identificação Precoce de Problemas de Leitura - IPPL⁹, na versão adaptada para a Educação Infantil⁸.

A adaptação do instrumento envolveu ajustes nas instruções das provas, inclusões de novos itens de treinamento, uso de material concreto para apoio em algumas provas, exclusão ou modificações de provas que envolviam análises e manipulações fonêmicas, além da exclusão de uma prova de leitura de palavras e pseudopalavras.

A versão final é composta pelas seguintes provas: conhecimento do alfabeto (vogais e consoantes); habilidades metafonológicas (produção de rima, identificação de rima, segmentação silábica, produção de palavras a partir de sílabas iniciais, síntese silábica, identificação de sílaba inicial); memória operacional fonológica; nomeação automática rápida; leitura silenciosa de palavras (escolher entre três palavras a que representa uma figura); e compreensão auditiva de sentenças a partir de figuras.

Procedimentos

É importante destacar que os dados foram coletados após o período crítico da pandemia da COVID-19, entre setembro e outubro de 2020, período em que a retomada das aulas presenciais proporcionou muitos desafios para as escolas e toda equipe pedagógica.

Inicialmente, foram obtidos dados individuais na ficha de identificação do aluno na escola para entrar em contato com os pais. Os pais ou responsável legal receberam uma carta de informação, contendo os objetivos do estudo e garantindo o sigilo dos participantes. Os que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.

Posteriormente, as crianças foram avaliadas, individualmente, em uma sala, mais silenciosa possível, dentro da própria instituição de ensino, durante o período escolar regular, com duração aproximadamente de 30 a 40 minutos, sendo gravadas e registradas em seus respectivos protocolos de respostas.

Análise dos dados

A análise das habilidades cognitivo-linguísticas foi realizada de acordo com o número de acertos no protocolo⁸. A pontuação do teste é realizada atribuindo-se “um” ponto para cada resposta correta, e “zero” para cada erro ou falta de resposta. A pontuação foi dividida em três estratos, permitindo categorizar os pré-escolares em três categorias de desempenho: esperado, sob atenção e em risco.

A comparação dos desempenhos dos pré-escolares nas duas instituições foi realizada por meio do teste não paramétrico Mann-Whitney, adotando o nível de significância de 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

Os dados revelaram, de modo geral, que os pré-escolares da escola de Recife apresentaram médias de desempenho inferiores aos pré-escolares da escola de Teresópolis, com diferenças significantes nas provas: conhecimento de vogais, conhecimento de consoantes, identificação de rima, produção de palavras, identificação de sílabas e memória operacional fonológica, como pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1
Descrição das médias e desvios-padrão dos desempenhos dos pré-escolares nas provas do protocolo adaptado em duas escolas particulares

PROVA	ESCOLA RECIFE Média (Desvio-padrão)	ESCOLA TERESÓPOLIS Média (Desvio-padrão)	MANN-WHITNEY p <0,05
CV	3,79 (1,88)	4,89 (0,31)	0,007**
CC	10 (6,93)	14,15 (4,54)	0,014*
PR	3,5 (6,08)	0,94 (0)	0,068
IR	6,75 (7,60)	12,52 (5,79)	0,004**
SEGS	14,45 (8,79)	17,36 (3,25)	0,089
PP	8,37 (9,08)	15,10 (4,90)	0,002**
SINS	16,29 (7,59)	16,47 (3,74)	0,462
ISI	13,37 (9,80)	18,89 (4,82)	0,015*
MOF	17 (9,08)	21,31 (1,41)	0,023*
NRT	41,87 (16,88)	44,42 (9,58)	0,289
NRA	34 (2,14)	34,26 (1,72)	0,341
LS	4,28 (3,17)	5,57 (2,38)	0,227
CA	15,78 (6,55)	17,63 (1,21)	0,145

• Legenda: CV - conhecimento de vogais, CC - conhecimento das consoantes, PR - produção de rima, IR - identificação de rima, SEGS - segmentação silábica, PP - produção de palavra a partir de fonema ou sílaba inicial, SINS - síntese silábica, ISI - identificação de som ou sílaba inicial, MOF - memória operacional fonológica, NRT - nomeação automática tempo, NRA - nomeação automática acertos, LS - leitura silenciosa, CA - compreensão auditiva de sentenças.

Os desempenhos dos participantes foram confrontados com os dados iniciais de normatização do instrumento⁸, e foram distribuídos nas categorias de desempenho: esperado, sob atenção e em risco para problemas de aprendizagem, como pode ser visto na Tabela 2.

Tabela 2
Frequência absoluta dos pré-escolares em risco, sob atenção e com desempenho dentro do esperado em cada prova do protocolo adaptado

Prova	N	N	Esperado		Atenção		Risco
	Recife	Teresópolis	Recife	Teresópolis	Recife	Teresópolis	Recife	Teresópolis
CV	20	19	14	17	4	2	2	-
CC	20	19	6	9	12	9	2	1
CALF	20	19	7	9	11	8	2	2
PR*	20	19	3	-	2	1	15	18
IR*	20	19	2	-	5	12	13	7
SEGS	20	19	8	3	10	16	2	-
PP	20	19	8	11	3	7	9	1
SINS	20	19	7	2	10	6	3	11
ISI	20	19	13	14	3	4	4	1
MOF	20	19	7	5	12	14	1	-
NRT	15	19	4	5	8	12	3	2
NRA	17	19	11	14	6	4	1	1
LS	20	19	6	8	13	10	1	1
CA	20	19	8	1	9	15	3	3

• Legenda: N - número total de pré-escolares que realizaram a prova, CV - conhecimento de vogais, CC - conhecimento das consoantes, CALF - conhecimento do alfabeto, PR - produção de rima, IR - identificação de rima, SEGS - segmentação silábica, PP - produção de palavra a partir de fonema ou sílaba inicial, SINS - síntese silábica, ISI - identificação de som ou sílaba inicial, MOF - memória operacional fonológica, NRT - nomeação automática tempo, NRA - nomeação automática acertos, LS - leitura silenciosa, CA - compreensão auditiva de sentenças.

Foi observado que a maioria das crianças, de ambas as escolas, obteve resultado esperado, entendido como bom desempenho, no conhecimento de vogais, na identificação de sílabas e na quantidade de acertos da nomeação automática rápida. A escola de Teresópolis ainda obteve resultado esperado na habilidade de produção de palavras a partir de fonema ou sílaba inicial.

Nas duas escolas a maioria dos pré-escolares obteve resultados sob atenção, considerado desempenho médio, para as habilidades de conhecimento de consoantes, conhecimento do alfabeto, segmentação silábica, síntese silábica, memória operacional fonológica, tempo de nomeação automática, leitura silenciosa e compreensão auditiva de sentenças. Os pré-escolares de Teresópolis ainda obtiveram desempenho sob atenção na habilidade de identificação de rima.

Nas duas escolas observou-se desempenho considerado em risco, ou abaixo do esperado, na habilidade de produção de rima. A escola de Recife apresentou desempenho em risco também na identificação de rima, enquanto a escola de Teresópolis obteve desempenho em risco na habilidade de síntese silábica.

É importante salientar que, na análise individual, a criança seria considerada em risco apenas se apresentasse desempenho neste estrato na maioria das habilidades investigadas. Por outro lado, a análise coletiva indica as habilidades que estão mais defasadas e, portanto, necessitam de maiores estímulos em cada grupo.

DISCUSSÃO

Estudos destacam a importância do monitoramento do desenvolvimento das habilidades cognitivo linguísticas desde a Educação Infantil, como forma de assegurar o sucesso na aprendizagem inicial da leitura e escrita^7,10-12. No presente estudo foi visto que os pré-escolares obtiveram desempenho bom ou mediano em algumas habilidades, contudo, os resultados apontaram dados preocupantes no que se refere ao desenvolvimento das habilidades metafonológicas dos pré-escolares em ambos contextos educacionais.

O baixo desempenho dos pré-escolares em habilidades cognitivo-linguísticas pode ocorrer em virtude de fatores extrínsecos, sobretudo pela ausência de boas oportunidades socioeducativas oferecidas tanto pela família, quanto pela escola, como pode representar fatores de risco para os transtornos de aprendizagem¹⁰. Por outro lado, a identificação precoce das habilidades mais defasadas no contexto educacional pode servir para nortear a oferta de práticas pedagógicas que possam promover o desenvolvimento de tais habilidades, minimizando impacto da falta de oportunidades vivenciadas pelas crianças no ambiente familiar^2,5,7.

Além disso, vale ressaltar que o contexto da pandemia trouxe grandes impactos na educação, sobretudo nas etapas iniciais, e o ensino remoto esteve atrelado a muitos fatores, tais como: a motivação dos alunos para a aprendizagem; o acesso à conexão a internet e aos recursos tecnológicos; a formação e competência digital dos professores para a docência nesta modalidade de ensino; as formas avaliativas dos alunos; dentre outros¹³.

Nesse sentido, no caso do presente estudo, a aprendizagem dos pré-escolares pode ter sido ainda mais afetada, visto que para o desenvolvimento de competências cognitivo-linguísticas é necessária uma complexa integração de processos (neuropsicológicos, linguísticos, intelectuais, emocionais e socioambientais) que certamente foram afetados devido às medidas de isolamento social implementadas durante a fase crítica da pandemia¹³.

Assim, no caso do presente estudo, o fato de a habilidade metafonológica de produção de rima ter se mostrado mais deficitária em ambas as escolas pode ser entendido como uma habilidade cujo estímulo não estava sendo priorizado em ambos os contextos educacionais. Vale ressaltar que a consciência fonológica é considerada uma das habilidades mais importantes para predizer o sucesso inicial na aprendizagem da leitura e escrita. Pesquisas apontam que o desenvolvimento de habilidades metafonológicas desde a Educação Infantil pode reduzir as possibilidades de fracasso no ciclo de alfabetização, bem como aumentar as chances de sucesso das crianças ao longo do processo de aprendizagem escolar^2,4,7,14,15.

Vale salientar que a consciência fonológica, junto com outras habilidades preditoras, como conhecimento de letras e sílabas, necessitam ser ensinadas formalmente às crianças, visto que não se desenvolvem naturalmente pelo simples uso da linguagem oral. Portanto, são habilidades que dependem de ensino^2,4,15. Como mencionado anteriormente, no presente estudo, os pré-escolares apresentaram desempenho sob atenção em algumas dessas habilidades, como conhecimento de consoantes, conhecimento do alfabeto, segmentação silábica, síntese silábica, memória operacional fonológica, tempo de nomeação automática, leitura silenciosa e compreensão auditiva de sentenças

Um estudo internacional¹⁶ também observou resultados preocupantes em habilidades preditoras no contexto da escola pública. A pesquisa buscou identificar o desempenho da consciência fonológica e nomeação automática rápida em pré-escolares do Equador. Participaram do estudo 100 crianças de quatro escolas públicas, sendo avaliadas por meio de um teste de processamento fonológico e outro para nomeação automática rápida. Os resultados indicaram que 31% das crianças apresentam dificuldades no desenvolvimento fonológico e 39% na nomeação automática rápida. Os dados sugerem a importância de implementar estratégias e ferramentas para desenvolver tais habilidades e identificar precocemente crianças em risco para os transtornos de aprendizagem.

No Brasil, a preocupação com o desenvolvimento das habilidades cognitivo linguísticas tem promovido mudanças também na legislação e proposição de políticas públicas na Educação. Nesta perspectiva, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC¹⁷, documento responsável por regulamentar quais as aprendizagens essenciais a serem estimuladas nas escolas brasileiras, apresenta 32 objetivos indicados para as crianças pré-escolares. Destes objetivos, pelo menos 16 fazem referência à linguagem, à audição, às habilidades de expressão e compreensão verbais, leitura e escrita, revelando a preocupação com a preparação da criança para o ingresso no Ensino Fundamental.

Outro ponto importante é que a BNCC¹⁷ destaca que o professor deve acompanhar a aprendizagem de todas as crianças, tanto de maneira particular, quanto em grupo, registrando suas conquistas em diferentes meios, como relatórios, portfólios, fotografias, desenho e textos, a fim de evidenciar a progressão e garantir os direitos de aprendizagem. Este “monitoramento” do desenvolvimento e aprendizagem permitirá que o professor organize suas práticas pedagógicas e consiga acompanhar mais de perto o desenvolvimento das habilidades preditoras dos pré-escolares. Neste sentido, o instrumento utilizado no presente estudo pode ser de grande valia aos professores e profissionais da educação infantil, visto que a aplicação do mesmo em diferentes contextos revelou aspectos que precisam ser melhor estimulados em ambas as populações, respeitando-se as peculiaridades de cada cenário.

Na mesma linha, a Política Nacional de Alfabetização (PNA), estabelecida pelo Decreto n.º 9.765, de 11 de abril de 2019, que foi instituída para fomentar programas e ações voltados à alfabetização com base nas mais recentes evidências científicas, apoiada nos princípios da Neuroeducação, também reconhece a importância da Educação Infantil para elevar a qualidade do ensino e, principalmente, da alfabetização no Brasil¹⁸. A PNA reconhece que, embora tenha acontecido uma ampliação no acesso à Educação Infantil nos últimos anos no país, muitas crianças ainda não aprendem como seria esperado para sua idade e nível de escolaridade. Ademais, esse problema certamente foi agravado devido às medidas restritivas impostas pela pandemia da Covid-19.

Nessa perspectiva, o presente estudo realizou a aplicação do Protocolo de Identificação Precoce de Problemas de leitura - IPPL, na versão adaptada para a Educação Infantil, em dois contextos educacionais diferentes. Os resultados permitiram a identificação das crianças em risco, sob atenção e com desempenho esperado, nas diferentes habilidades avaliadas pelo teste. Sendo possível recomendar o seu uso como instrumento de rastreio para que as escolas possam dar um maior direcionamento às ações pedagógicas voltadas a esse público-alvo, bem como para identificar precocemente crianças em risco para os transtornos de aprendizagem.

O uso de instrumentos padronizados mostra-se de grande importância para a avaliação de escolares e pré-escolares, por possibilitar a comparação do desempenho dessas crianças em diferentes contextos. Considerando a relevância da primeira infância para o desenvolvimento global da criança e o fato de que a maioria dos estudos da área de linguagem envolve essa faixa etária¹⁹, pode-se inferir que intervenções voltadas para esse grupo poderão potencializar seu desenvolvimento. Novos estudos necessitam ser conduzidos, no sentido de desvelar as melhores práticas para o desenvolvimento de habilidades tão importantes para o desenvolvimento posterior das crianças.

Um artigo¹⁰ construído com o intuito de discutir e compreender os processos cognitivos e mecanismos cerebrais envolvidos na aprendizagem da leitura e escrita em sistemas alfabéticos destaca que é possível utilizar estratégias pedagógicas apoiadas na linguagem oral para favorecer o desenvolvimento das habilidades metalinguísticas. Os benefícios da aplicação de um programa de intervenção em consciência fonológica em pré-escolares também foram observados em outros estudos^8,11.

Ao comparar os resultados antes e após a intervenção educativa realizada em pesquisa⁸, por exemplo, foi possível constatar que houve avanços na maioria das habilidades avaliadas após intervenção, o que ratifica a ideia de que estas habilidades podem e devem ser estimuladas desde a pré-escola⁷. Nessa perspectiva, a identificação precoce de fatores que contribuem para as dificuldades apresentadas, bem como a construção de estratégias que estimulem as habilidades em defasagem pode contribuir positivamente, de modo a preparar o pré-escolar para o ciclo de alfabetização¹⁵.

Importante ratificar que novos estudos precisam priorizar a educação infantil, com vistas a desvelarem novas possibilidades de avaliação e intervenção voltadas ao monitoramento e desenvolvimento das habilidades cognitivo-linguísticas.

CONCLUSÃO

O estudo revelou semelhanças e diferenças nos desempenhos cognitivo-linguísticos de pré-escolares nos diferentes contextos educacionais, sugerindo que tais desempenhos refletem as diferentes oportunidades educacionais vivenciadas pelas crianças. Em consequência, destaca-se a importância de monitorar o desenvolvimento dessas habilidades para nortear as práticas pedagógicas nas escolas e de oportunizar uma abordagem de ensino que promova o desenvolvimento de habilidades cognitivo-linguísticas desde a Educação Infantil.

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• Estudo realizado na Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil.
• Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo número 409754/2021-8.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  14 Fev 2023
• Aceito
  26 Jul 2023