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Relatório DECOMP: Respostas que os cirurgiões esperam de um exame de imagem da parede abdominal

RESUMO

Hérnias da parede abdominal são um problema bastante comum enfrentado pelo cirurgiões gerais. De diagnóstico essencialmente clínico, as hérnias abdominais durante muito tempo têm sido consideradas um problema de simples reparo. Entretanto, o acompanhamento de longo prazo dos pacientes têm demonstrado resultados desapontadores, tanto em termos de complicações quanto risco de recidiva da hérnia. Neste contexto, o planejamento pré-operatório com controle de comorbidades e pleno conhecimento da hérnia e suas relações anatômicas com a parede abdominal têm ganho cada vez mais atenção. A tomografia de abdome parece ser a melhor opção para determinar o tamanho e localização precisos das hérnias abdominais, presença de diastase de músculo reto e/ou atrofia da parede associada, assim como proporção da hérnia em relação a parede abdominal. Essas informações podem auxiliar o cirurgião na escolha da melhor técnica cirúrgica (aberta vs. MIS), posicionamento e fixação das telas, e eventual necessidade de aplicação de toxina botulínica, pneumoperitônio pré-operatório ou técnicas de separação de componentes. Apesar da relevância dos achados, eles são raramente descritos em exames de tomografia uma vez que os radiologistas não estão acostumados a olhar para a parede abdominal assim como não sabem quais as informações são realmente necessárias. Por estes motivos, nós reunimos um grupo de cirurgiões e radiologistas visando estabelecer quais são as informações da parede abdominal mais importantes em um exame de tomografia assim como propor um laudo estruturado para facilitar a descrição dos achados e sua interpretação.

Palavras-chave:
Hérnia; Hérnia Abdominal; Tomografia; Radiologia

ABSTRACT

Abdominal wall (AW) hernias are a common problem faced by general surgeons. With an essentially clinical diagnosis, abdominal hernias have been considered a simple problem to be repaired. However, long-term follow-up of patients has shown disappointing results, both in terms of complications and recurrence. In this context, preoperative planning with control of comorbidities and full knowledge of the hernia and its anatomical relationships with the AW has gained increasing attention. Computed tomography (CT) appears to be the best option to determine the precise size and location of abdominal hernias, presence of rectus diastase and/or associated muscle atrophy, as well as the proportion of the hernia in relation to the AW itself. This information might help the surgeon to choose the best surgical technique (open vs MIS), positioning and fixation of the meshes, and eventual need for application of botulinum toxin, preoperative pneumoperitoneum or component separation techniques. Despite the relevance of the findings, they are rarely described in CT scans as radiologists are not used to report findings of the AW as well as to know what information is really needed. For these reasons, we gathered a group of surgeons and radiologists to establish which information about the AW is important in a CT. Finally, a structured report is proposed to facilitate the description of the findings and their interpretation.

Keywords:
Hernia; Hernia, Abdominal; Tomography; Radiology

NOTA TÉCNICA

Por muitos anos, o diagnóstico e a avaliação das hérnias da parede abdominal (PA) têm sido feito por meio do exame físico sendo considerado um desperdício solicitar um exame de imagem para avaliar “apenas” uma hérnia. O diagnóstico geralmente é clínico, baseado nos sintomas e no exame físico. No entanto, cada vez mais os cirurgiões envolvidos na correção de hérnias encontram utilidade em exames de imagem11 Kroese LF, Sneiders D, Kleinrensink GJ, Muysoms F, Lange JF. Comparing diferent modalities for the diagnosis of incisional hernia: a systematic review. Hernia. 2018;22(2):229-42 .doi: 10.1007/s10029-017-1725-5.
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. Eles podem ser necessários para confirmar o tamanho do defeito, nos casos de uma hérnia que ocorre no contexto de obesidade ou em uma hérnia incisional com vários defeitos sob uma cicatriz cirúrgica fibrótica. As imagens podem ajudar no planejamento cirúrgico. Exames de imagem podem determinar o tamanho e o conteúdo da hérnia, o volume do saco herniário, a proximidade da hérnia com estruturas ósseas ou mesmo atrofia muscular associada. Tais exames orientam a necessidade de medidas pré-operatórias ou intraoperatórias para aumentar a complacência/volume da cavidade abdominal, definem o tamanho aproximado, a melhor posição para a tela e seus métodos de fixação, além de sugerirem riscos perioperatórios e resultados pós-operatórios22 Mallory MA, Ashley SW. Computed Tomographic Imaging in the Diagnosis of Recurrent Ventral Hernia. JAMA Surg. 2016;151(1):13-4. doi: 10.1001/jamasurg.2015.2587.
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3 Parikh KR, Al-Hawary M, Millet JD, Burney R, Finks J, Maturen K. Incisional Hernia Repair: What the Radiologist Needs to Know. AJR Am J Roentgenol. 2017;209(6):1239-46. doi: 10.2214/AJR.17.18137.
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-44 Patil AR, Nandikoor S, Mohanty HS, Godhi S, Bhat R. Mind the gap: imaging spectrum of abdominal ventral hernia repair complications. Insights Imaging. 2019;10(1):40. doi: 10.1186/s13244-019-0730-x.
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.

A ultrassonografia (US), a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância nuclear magnética (RNM) têm valor para o cirurgião de hérnia. O valor aumenta quando a imagem é usada em conjunto com anamnese e exame físico completos. No entanto, a falta de uma definição uniforme do que é uma hérnia e a falta de padronização na interpretação dos exames de imagem criam dificuldades tanto no atendimento clínico quanto na pesquisa acadêmica; há escassez de evidências científicas de alto nível sobre a utilização de métodos de imagem em hérnia11 Kroese LF, Sneiders D, Kleinrensink GJ, Muysoms F, Lange JF. Comparing diferent modalities for the diagnosis of incisional hernia: a systematic review. Hernia. 2018;22(2):229-42 .doi: 10.1007/s10029-017-1725-5.
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. Por exemplo, uma hérnia incisional pode ser definida como “um defeito/orifício, com ou sem abaulamento” em um estudo, mas como “fraqueza da parede abdominal” em outro55 Xu Z, Asman AJ, Baucom RB, Abramson RG, Poulose BK, Landman BA. Quantitative CT Imaging of Ventral Hernias: Preliminary Validation of an Anatomical Labeling Protocol. PLoS ONE. 2015;10(10):e0141671. doi:10.1371/journal.pone.0141671.
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. Da mesma forma, os radiologistas não utilizam técnicas de relatório padrão ao olhar para a parede abdominal e comumente relatam informações clinicamente irrelevantes relacionadas à hérnia, enquanto negligenciam informações criticamente importantes. Cirurgiões de hérnia e radiologistas comumente têm interpretações diferentes do mesmo estudo de imagem66 Busby LP, Courtier JL, Glastonbury CM. Bias in Radiology: The How and Why of Misses and Misinterpretations. Radiographics. 2018;38(1):236-47. doi: 10.1148/rg.2018170107.
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,77 Schwartz LH, Panicek DM, Berk AR, Li Y, Hricak H. Improving communication of diagnostic radiology findings through structured reporting. Radiology. 2011;260(1):174-81. doi: 10.1148/radiol.11101913.
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.

Apesar de relatarem imprecisões, a maioria dos estudos que comparam a acurácia dos métodos diagnósticos aponta a TC como o exame de escolha11 Kroese LF, Sneiders D, Kleinrensink GJ, Muysoms F, Lange JF. Comparing diferent modalities for the diagnosis of incisional hernia: a systematic review. Hernia. 2018;22(2):229-42 .doi: 10.1007/s10029-017-1725-5.
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,55 Xu Z, Asman AJ, Baucom RB, Abramson RG, Poulose BK, Landman BA. Quantitative CT Imaging of Ventral Hernias: Preliminary Validation of an Anatomical Labeling Protocol. PLoS ONE. 2015;10(10):e0141671. doi:10.1371/journal.pone.0141671.
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,88 Naguib N, Rafique H, Rao PFD, Longworth T, Soukias JM, Masoud A. A review of the incidence of iatrogenic hernia in both laparoscopic and open colorectal surgery: Using CT as the gold standard of detection, cohort study. Int J Surg. 2015;19:87-90. doi: 10.1016/j.ijsu.2015.05.026.
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. A TC mostra a melhor correlação entre os achados de imagem, exame físico e achados operatórios, além de permitir que as imagens sejam reavaliadas posteriormente pela equipe cirúrgica ou outro radiologista. Notadamente, as tomografias são livres do fator operador presente no ultrassom. Geralmente, não há necessidade de contraste intravenoso. Embora as imagens tomográficas sejam estáticas, elas podem ser realizadas com manobras que aumentam a pressão intra-abdominal, o que facilita a identificação das hérnias abdominais11 Kroese LF, Sneiders D, Kleinrensink GJ, Muysoms F, Lange JF. Comparing diferent modalities for the diagnosis of incisional hernia: a systematic review. Hernia. 2018;22(2):229-42 .doi: 10.1007/s10029-017-1725-5.
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,88 Naguib N, Rafique H, Rao PFD, Longworth T, Soukias JM, Masoud A. A review of the incidence of iatrogenic hernia in both laparoscopic and open colorectal surgery: Using CT as the gold standard of detection, cohort study. Int J Surg. 2015;19:87-90. doi: 10.1016/j.ijsu.2015.05.026.
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.

A ultrassonografia, além de menos dispendiosa e amplamente disponível, é um exame mais dinâmico e pode ser muito útil com a interação do paciente, possibilitando a realização de manobras para aumentar a pressão intra-abdominal e apontar o local da dor ou abaulamento11 Kroese LF, Sneiders D, Kleinrensink GJ, Muysoms F, Lange JF. Comparing diferent modalities for the diagnosis of incisional hernia: a systematic review. Hernia. 2018;22(2):229-42 .doi: 10.1007/s10029-017-1725-5.
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,99 Bjork LB, Bellew SD, Kummer T. Point-of-Care Ultrasound Diagnosis of Traumatic Abdominal Wall Hernia. Pediatr Emerg Care. 2017;33(5):367-9. doi: 10.1097/PEC.0000000000001126.
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. Infelizmente, a precisão da ultrassonografia depende do operador e as imagens geradas usualmente têm pouco valor para o cirurgião. A ressonância magnética é mais cara, menos disponível e não há estudos que demonstrem sua superioridade em relação à TC na avaliação de defeitos da parede abdominal11 Kroese LF, Sneiders D, Kleinrensink GJ, Muysoms F, Lange JF. Comparing diferent modalities for the diagnosis of incisional hernia: a systematic review. Hernia. 2018;22(2):229-42 .doi: 10.1007/s10029-017-1725-5.
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. Além disso, as imagens produzidas geralmente são de mais difícil avaliação pelos cirurgiões, que não estão acostumados a interpretá-las55 Xu Z, Asman AJ, Baucom RB, Abramson RG, Poulose BK, Landman BA. Quantitative CT Imaging of Ventral Hernias: Preliminary Validation of an Anatomical Labeling Protocol. PLoS ONE. 2015;10(10):e0141671. doi:10.1371/journal.pone.0141671.
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.

O uso da imagem no contexto das hérnias da PA vai muito além de apenas confirmar o diagnóstico, mas permite a avaliação de hérnias complexas (grandes), seu conteúdo e as relações entre as estruturas ósseas e os músculos adjacentes. Esse conhecimento, aliado ao surgimento de novas técnicas cirúrgicas e a um melhor entendimento da anatomia da PA pelos cirurgiões, permite o planejamento cirúrgico de forma individualizada. Para isso, é fundamental a padronização das informações necessárias para um exame de imagem, o que infelizmente ainda não é rotina. Para contornar esse problema, o cirurgião deve interagir mais com o radiologista ou (alternativamente) se tornar um especialista na avaliação adequada desses exames de imagem44 Patil AR, Nandikoor S, Mohanty HS, Godhi S, Bhat R. Mind the gap: imaging spectrum of abdominal ventral hernia repair complications. Insights Imaging. 2019;10(1):40. doi: 10.1186/s13244-019-0730-x.
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,1010 Holihan JL, Karanjawala B, Ko A, Askenasy EP, Matta EJ, Gharbaoui L, et al. Use of Computed Tomography in Diagnosing Ventral Hernia Recurrence: A Blinded, Prospective, Multispecialty Evaluation. JAMA Surg. 2016;151(1):7-13. doi: 10.1001/jamasurg.2015.2580.
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.

Para orientar cirurgiões e radiologistas, criamos um grupo de estudos, incluindo representantes das duas especialidades, com o objetivo de criar orientações para cirurgiões e principalmente radiologistas sobre as descrições fundamentais para uma avaliação adequada da PA do ponto de vista da imagem. As informações foram agrupadas em quatro tópicos, que abrangem defeito, conteúdo da hérnia, musculatura e evento prévio. Em cada seção, fizemos uma breve correlação dos aspectos necessários ao exame com sua relevância do ponto de vista prático/clínico. O objetivo final é o planejamento adequado da cirurgia. Para tornar a leitura mais dinâmica, nós a organizamos em formato de perguntas e respostas. Ao final, propomos um modelo de relatório estruturado, com o objetivo de padronizar as informações relevantes: o relatório DECOMP (DEfeito; COnteúdo (hérnia); Musculatura; evento Prévio).

Informações gerais do exame de imagem para avaliação de hérnia ventral

Como todo exame de imagem, uma boa interpretação começa com a indicação descritiva completa por parte do cirurgião, para que o radiologista possa buscar respostas para as principais dúvidas do caso avaliado. Uma boa comunicação entre os profissionais solicitantes e os executores é essencial e o passo inicial é a indicação adequada e clara do exame e das expectativas.

Protocolo Geral para TC

Os parâmetros técnicos do exame não diferem daqueles da TC abdominal “normal”. Os únicos pontos que merecem mais atenção são:

  • o uso de contraste intravenoso (IV) não é essencial para avaliação dos defeitos da parede abdominal e pode ser evitado.

  • na suspeita de encarceramento/estrangulamento, o contraste IV pode mostrar sinais de comprometimento do suprimento vascular do conteúdo da hérnia, como redução ou ausência de realce parietal ou mesmo ingurgitamento dos vasos mesentéricos.

  • o mesmo vale para a avaliação pós-operatória, onde o contraste IV não é necessário, exceto nos casos de coleção com suspeita de infecção, onde pode ajudar a diferenciá-la.

  • A manobra de Valsalva só é necessária em caso de dúvida diagnóstica. Nos casos em que o diagnóstico já está estabelecido, geralmente não fornece informações adicionais. Embora alguns cirurgiões tenham opinião contrária, o diagnóstico de perda de domicílio deve ser feito durante o exame sem Valsalva.

DEFEITO

1. Qual é a localização do defeito?

A localização precisa do defeito herniário é fundamental para o planejamento e execução da cirurgia. A cicatriz umbilical, o apêndice xifoide e a sínfise e púbica devem ser usadas como referência para hérnias da linha média; e margem costal, crista ilíaca, linha semilunar e linha média, para hérnias laterais.

Além disso, hérnias próximas a estruturas ósseas são geralmente consideradas de reparo mais complexo. Isto porque a musculatura próxima às estruturas ósseas apresenta menor complacência, bem como maior dificuldade de criação de espaço para sobreposição e fixação da tela. Essas informações podem alterar a técnica operatória, a posição planejada da tela e o método de fixação.

2. Qual é o tamanho do defeito herniário?

A simples medida do tamanho do defeito é um dos aspectos mais importantes para o planejamento cirúrgico. É necessária uma medida linear das maiores dimensões da hérnia nos eixos longitudinal e transversal (Figura 1). Isto permite a classificação da hérnia (pequena/média/grande), ajudando a prever o grau de dificuldade do fechamento fascial. Sugerimos o uso da classificação da European Hernia Society (EHS) de hérnias da PA primárias e incisionais1111 Muysoms FE, Miserez M, Berrevoet F, Campanelli G, Champault GG, Chelala E, et al. Classification of primary and incisional abdominal wall hernias. Hernia 2009;13(4):407-14. doi: 10.1007/s10029-009-0518-x.
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. Desta forma, o cirurgião pode:

Figura 1
Ilustração esquemática das medidas do defeito herniário nos dois eixos: longitudinal e transversal, de acordo com a classificação EHS.

  • decidir a técnica cirúrgica a ser empregada (cirurgia convencional/aberta vs. laparoscópica/robótica). Hérnias muito grandes ou grandes (diâmetro acima de 10cm) são menos sujeitas a técnicas minimamente invasivas devido à dificuldade técnica de fechamento adequado do defeito.

  • indicar medidas adotadas no preparo pré-operatório do paciente, como o uso de quimiodenervação por toxina botulínica e/ou pnemoperitônio pré-operatório progressivo induzido, com o objetivo de paralisar os músculos laterais e aumentar a complacência abdominal, e permitir a redução da tensão no defeito/fechamento da linha média.

  • planejamento para a necessidade de técnica(s) de separação de componentes.

  • definir o tamanho e o tipo aproximados da tela. Isso é extremamente importante em locais onde a tela precisa ser solicitada e liberada com antecedência no pré-operatório.

3. Quantos defeitos estão presentes?

Quando houver mais de um defeito, prover informações sobre os locais e a distância entre as extremidades dos defeitos. O mesmo se aplica às hérnias incisionais com múltiplos defeitos (Figura 2). Defeitos adicionais e menores não diagnosticados pelo exame físico podem passar despercebidos durante a cirurgia, especialmente se realizada com técnica aberta.

Figura 2
Ilustração esquemática para medição de vários defeitos, de acordo com a classificação EHS.

CONTEÚDO DA HÉRNIA

4. A hérnia contém vísceras?

A presença de vísceras, como alças intestinais ou bexiga, dentro do saco herniário traz algumas informações importantes sobre o caso. Em primeiro lugar, pode indicar maior risco de complicações, como obstrução intestinal, e maior gravidade em caso de estrangulamento. O conhecimento desse fato pode auxiliar na definição da necessidade da cirurgia ou, pelo menos, no planejamento do momento em que ela deverá ser realizada. Além disso, a presença de vísceras no interior do saco herniário está associada a uma maior dificuldade em dissecá-lo e maior risco de lesão iatrogênica em comparação às hérnias que contêm apenas gordura.

5. O conteúdo da hérnia está encarcerado ou estrangulado?

O encarceramento do conteúdo da hérnia é uma indicação de maior dificuldade cirúrgica. O risco de complicações é maior, incluindo possível lesão iatrogênica ao conteúdo encarcerado. O cirurgião pode necessitar de manobras de redução, como compressão externa, alargamento intraoperatório do defeito herniário, entre outras. O encarceramento, definido quando o conteúdo da hérnia não pode ser reduzido manualmente, geralmente é de diagnóstico clínico e não pode ser determinado apenas por métodos de imagem. Apesar disso, alguns dos aspectos encontrados podem aumentar a suspeita de encarceramento da hérnia:

  • presença de saco herniário com colo estreito em pequeno defeito de parede;

  • presença de líquido dentro do saco herniário;

  • e espessamento parietal (maior ou igual a 4mm) e/ou distensão do segmento intestinal herniado e dilatação das alças intestinais a montante na cavidade abdominal (a não ser o primeiro critério, os demais são considerados de risco iminente de estrangulamento do conteúdo encarcerado).

A presença desses critérios, com conteúdo intestinal encarcerado, é um fator que deve chamar a atenção, tanto do radiologista quanto do cirurgião, para uma provável indicação de cirurgia de urgência.

A hérnia estrangulada é definida quando o suprimento vascular do conteúdo herniado está comprometido, determinando isquemia. Como critérios de imagem que determinam a suspeita do diagnóstico de estrangulamento do conteúdo herniário, podemos observar (Figura 3):

Figura 3
Imagem de TC mostrando hérnia abdominal estrangulada: segmento de alça de intestino delgado com sinais de isquemia, caracterizado por espessamento parietal, densificação do mesentério, líquido no saco herniário e discreta redução da captação de contraste. Além da distensão das alças intestinais proximais.

  • dilatação do segmento de alça intestinal localizado dentro do saco herniário em forma de “U” ou “C”, devido à obstrução dos segmentos intestinais aferentes e eferentes (obstrução da “alça fechada”);

  • espessamento da parede intestinal;

  • hipo ou hiperatenuação da parede em relação ao padrão usual e hipocaptação parietal, do contraste intravenoso, do segmento intestinal isquêmico;

  • pneumatose intestinal;

  • fluido dentro do saco herniário; e

  • ingurgitamento dos vasos mesentéricos e obliteração do plano adiposo mesentérico do segmento herniado;

A presença de um ou mais desses achados é sugestivo de estrangulamento do conteúdo herniário e a intervenção cirúrgica urgente deve ser considerada1212 Aguirre DA, Santosa AC, Casola G, Silrin CB. Abdominal Wall Hernias: Imaging Features, Complications, and Diagnostic Pitfalls at Multi-Detector Row CT. Radiographics. 2005;25(6):1501-20. doi: 10.1148/rg.256055018.
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,1313 Mueck KM, Holihan JL, Mo J, Flores-Gonzales JR, Ko TC, Kao LS, et al. Computed tomography findings associated with the risk for emergency ventral hernia repair. The Am J Surg. 2017;214(1):42-6. doi: 10.1016/j.amjsurg.2016.09.035.
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.

6. Qual é a relação entre o volume do conteúdo do saco herniário e o volume da cavidade abdominal?

A relação entre o volume do saco herniário e o volume da cavidade abdominal (RVHA) é o melhor critério para definir se há perda de domínio (PD). A PD é definida quando o volume do conteúdo do saco/hérnia é maior que 25% do volume da cavidade abdominal1414 Tanaka EY, Yoo JH, Rodrigues Jr AJ, Utiyama EM, Birolini D, Rasslan S. A computerized tomography scan method for calculating the hernia sac and abdominal cavity volume in complex large incisional hernia with loss of domain. Hernia. 2010;14(1): 63-9. doi: 10.1007/s10029-009-0560-8.
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,1515 Passot G, Villeneuve L, Sabbagh C, Renard Y, Regimbeau J-M, Verhaeghe P, et al. Definition of Giant Ventral Hernias: Development of Standardization through a Practice Survey. Int J Surg. 2016;28:136-40. doi: 10.1016/j.ijsu.2016.01.097.
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. Esta informação fundamental permite que o cirurgião considere que:

  • pode não haver espaço suficiente para reduzir todo o conteúdo da hérnia para a cavidade abdominal e ainda conseguir um fechamento fascial primário completo; e

  • o aumento significativo da pressão intra-abdominal com a redução de um grande volume de conteúdo para a cavidade abdominal pode causar importante restrição ventilatória devido à compressão para cima do diafragma. Embora rara, os pacientes podem até desenvolver síndrome compartimental abdominal1616 Mommers EHH, Wegdam JA, Wolk S, Nienhuijs SW, Reilingh TSdeV. Impact of hernia volume on pulmonary complications following complex hernia repair. J Surg Res. 2017;211:8-13. doi: 10.1016/j.jss.2016.11.051.
    https://doi.org/10.1016/j.jss.2016.11.05...
    . Além disso, o risco de recorrência da hérnia e até evisceração são significativamente aumentados1717 Trujillo CN, Fowler A, Al-temimi M; Ali A, Johna S, Tessier D. Complex Ventral Hernias: A Review of Past to Present. Perm J. 2018;22:17-015. doi: 10.7812/TPP/17-015.
    https://doi.org/10.7812/TPP/17-015...
    .

Com essa avaliação prévia, os cirurgiões podem utilizar várias estratégias para reduzir as consequências da condição descrita acima. Embora não seja o objetivo deste trabalho, podemos citar como alternativas o preparo pré-operatório (emagrecimento e fisioterapia respiratória), o pneumoperitônio pré-operatório progressivo e aplicação de toxina botulínica no pré-operatório, a cirurgia de redução visceral e as técnicas de separação de componentes. Todas essas possibilidades visam aumentar a capacidade e/ou a complacência abdominal1818 Blair LJ, Ross SW, Huntington CR, Watkins JD, Prasad T, Lincourt AE, et al. Computed tomographic measurements predict component separation in ventral hernia repair. J Surg Res. 2015;199(2):420-7. doi: 10.1016/j.jss.2015.06.033.
https://doi.org/10.1016/j.jss.2015.06.03...

19 Cuminal L, Rousset P, Passot G, Caillot JL, Valette PJ, Muller A. Image-guided preoperative progressive pneumoperitoneum for large incisional hernia repair. Diagn Interv Imaging. 2017;98(6):507-9. doi: 10.1016/j.diii.2017.02.006.
https://doi.org/10.1016/j.diii.2017.02.0...

20 Elstner KE, Read JW, Rodriguez-Acevedo O, Cosman PH, Dardam AN, Jacombns ASW, et al. Preoperative chemical component relaxation using Botulinum toxin A: enabling laparoscopic repair of complex ventral hernia. Surg Endosc. 2017:31(2):761-8 doi: 10.1007/s00464-016-5030-7.
https://doi.org/10.1007/s00464-016-5030-...
-2121 Farooque F, Jacombs ASW, Roussos E, Read JW, Dardano AN, Edye M, et al. Preoperative abdominal muscle elongation with botulinum toxin A for complex incisional ventral hernia repair. ANZ J Surg. 2016;86(1-2):79-83. doi: 10.1111/ans.13258.
https://doi.org/10.1111/ans.13258...
.

Para avaliação tomográfica do risco de PD em hérnias volumosas, usamos o método descrito por Tanaka e cols., pois é simples de entender e pode ser realizado pela maioria dos equipamentos de tomografia mutislice, além de ser facilmente medido pelo radiologista em sua estação de trabalho padrão (Figuras 4 e 5)1414 Tanaka EY, Yoo JH, Rodrigues Jr AJ, Utiyama EM, Birolini D, Rasslan S. A computerized tomography scan method for calculating the hernia sac and abdominal cavity volume in complex large incisional hernia with loss of domain. Hernia. 2010;14(1): 63-9. doi: 10.1007/s10029-009-0560-8.
https://doi.org/10.1007/s10029-009-0560-...
. O saco herniário e a cavidade abdominal são considerados estruturas elipsoides, permitindo o cálculo da estimativa do volume a partir da multiplicação entre as medidas em linha reta dos eixos longitudinais (crânio-caudal - CC -, transversal - T - e ântero-posterior - AP) pela constante de volume, de acordo com a fórmula simplificada:

Figura 4
Ilustração representativa da avaliação do volume da cavidade abdominal e do volume do saco herniário em casos suspeitos de PD.

Figura 5
Imagem de TC ilustrando como são realizadas as medidas para avaliar o volume da cavidade abdominal e do saco herniário em casos suspeitos de PD.

Volume do saco herniário ou cavidade abdominal: CC x T x AP x 0,52.

Alguns critérios pré-estabelecidos são importantes para maior precisão no cálculo do volume:

  • A- Para se calcular o volume do saco herniário, bem como o volume da cavidade abdominal, deve-se usar a maior medida de cada eixo, mesmo em cortes tomográficos diferentes;

  • B- Para se determinar o volume da cavidade abdominal (VCA), alguns pontos de referência devem ser utilizados: A medida do eixo AP da cavidade abdominal é determinada pela linha que une os grupos musculares da parede sã (anterior) e a linha que passa pelos processos transversos da vértebra (posterior). A distância CC é medida entre o primeiro corte mostrando o diafragma e o último corte mostrando o cóccix. A distância transversal (T) é medida a partir do peritônio parietal em cada lado da cavidade abdominal.

  • C- Para se determinar o volume do saco herniário (VSH), devem ser utilizadas as seguintes referências: Medida dos limites do peritônio parietal do saco herniário para os eixos CC e T. Para o eixo AP, a distância entre o peritônio parietal anterior do saco herniário e uma linha que une os grupos musculares da parede sã (limite posterior).

R V H A = V S H / V C A

Se >25% = perda de domínio.

MUSCULATURA

7. O paciente tem Diástase de Retos Abdominais (DRA)?

A DRA é definida como o aumento da distância transversal entre as bordas mediais dos dois músculos retos abdominais na linha média anterior, causado pela frouxidão e adelgaçamento da aponeurose da linha alba2222 Reinpold W, Köckerling F, Bittner R, Conze J, Fortelny R, Koch A, et al. Classification of Rectus Diastasis - A Proposal by the German Hernia Society (DHG) and the International Endohernia Society (IEHS). Front. Surg. 2019;6:1. doi: 10.3389/fsurg.2019.00001.
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. Os músculos retos abdominais podem ter espessura normal ou, mais frequentemente, atrofia (frouxidão mioaponeurótica). Esta distância pode ser medida clinicamente por polpa digital ou quantitativamente por métodos de imagem, como US, CT ou RNM. Embora não haja consenso sobre a normalidade da distância entre as bordas mediais dos ventres do reto abdominal, a maior parte da literatura considera a presença de diástase quando maior que 20mm. Além disso, pode ser classificado de acordo com a posição (logo acima do umbigo, apenas abaixo do umbigo, no nível do umbigo ou até mesmo completo)2323 Coldron Y, Stokes M, Newham D, Cook K. Postpartum characteristics of rectus abdominis on ultrasound imaging. Man Ther. 2008;13(2):112-21. doi: 10.1016/j.math.2006.10.001.
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24 van de Water ATM, Benjamin DR. Measurement methods to assess diastasis of the rectus abdominis muscle (DRAM): A systematic review of their measurement properties and meta-analytic reliability generalization. Man Ther. 2016;21:41-53. doi: 10.1016/j.math.2015.09.013.
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-2525 Corvino A, De Rosa D, Sbordone C, Nunziata A, Corvino F, Varelli C, et al. Diastasis of rectus abdominis muscles: patterns of anatomical variation as demonstrated by ultrasound. Pol J Radiol. 2019;84:e542-e548. doi:10.5114/pjr.2019.91303.
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.

A DRA é geralmente assintomática e muitas vezes nem mesmo percebida pelos pacientes. Não causa complicações e seu tratamento, do ponto de vista estético, costuma ser feito por cirurgiões plásticos. No entanto, a DRA representa uma fraqueza da linha média da parede abdominal2222 Reinpold W, Köckerling F, Bittner R, Conze J, Fortelny R, Koch A, et al. Classification of Rectus Diastasis - A Proposal by the German Hernia Society (DHG) and the International Endohernia Society (IEHS). Front. Surg. 2019;6:1. doi: 10.3389/fsurg.2019.00001.
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. Pacientes com hérnias de linha média (umbilical, epigástrica ou incisional) com DRA associada podem apresentar risco aumentado de recorrência ou abaulamento da hérnia no período pós-operatório (Figuras 6). Atualmente, mudanças importantes na escolha do procedimento cirúrgico têm ocorrido em pacientes com hérnias de linha média associadas a DRA. Em geral, cirurgias mais complexas ou pelo menos com tela têm sido recomendadas para reduzir os efeitos da fraqueza causada pela DRA sobre o risco de recorrência. Informações sobre a presença ou ausência de DRA (e o tamanho da maior distância/separação entre os músculos retos) devem fazer parte de todo laudo de avaliação de imagem da parede abdominal.

Figura 6
Imagem de TC mostrando um pequeno defeito herniário, mas com importante diástase/fraqueza da PA.

8. Qual é a largura dos músculos retos?

Embora entendamos que essa informação seja um pouco mais específica, a medida transversal da largura do reto abdominal de cada lado (na altura da maior medida transversal do defeito) em relação ao tamanho do defeito é utilizada como preditor da necessidade de separação dos componentes musculares, conforme descrito na Equação Carbonel2626 Love MW, Warren JA, Davis S, Ewing JA, Hall AM, Cobb WS, et al. Computed tomography imaging in ventral hernia repair: can we predict the need for myofascial release? Hernia. 2020;25(2):471-7. doi: 10.1007/s10029-020-02181-y.
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. A razão do tamanho do defeito (TD) vs. largura dos músculos retos (RDR) é calculada pela simples adição das larguras dos retos direito e esquerdo, divididas pela largura da hérnia (Figuras 7 e 8). Os autores relataram que aproximadamente 80% dos pacientes com RDR <1 requerem separação de componentes (SC), ao passo que quando havia RDR >2, apenas 10% requeriam SC. Medir o diâmetro do músculo reto só é necessário para hérnias de linha média.

Figura 7
Representação esquemática das medidas do tamanho do defeito herniário (TD) e da largura dos músculos retos direito (RD) e esquerdo (RE) de acordo com a equação de Carbonel.

Figura 8
Imagem de TC mostrando a relação entre a medida do defeito (TD) e da largura dos músculos retos (RD e RE) para avaliar a necessidade de separação de componentes química ou cirúrgica.

R D R = R D + R E / T D

RD - reto direito

RE - reto esquerdo

TD - tamanho do defeito

9. Existe ruptura ou atrofia muscular?

Pacientes que já foram submetidos a alguma intervenção cirúrgica podem apresentar fraqueza muscular, atrofia (denervação) ou perda de tecido muscular. Geralmente ocorre após cirurgias com incisões laterais ou nos flancos (tipo lombotomia) que podem causar danos aos feixes neuro-vasculares que irrigam o abdome central. Pode ocorrer atrofia por denervação da musculatura medial à secção do nervo. Além disso, a denervação pode resultar em protuberância sem um defeito de hérnia formal (pseudo-hérnia). É importante diferenciar uma hérnia de uma pseudo-hérnia, pois a protuberância e a assimetria relacionadas à denervação podem persistir após o reparo e podem progredir com o tempo. Definir as expectativas no período pré-operatório é a chave2727 Flum DR, Horvath K, Koepsell T. Have Outcomes of Incisional Hernia Repair Improved With Time? Ann Surg. 2003 ;237(1) :129-35. doi:10.1097/00000658-200301000-00018.
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.

As reconstruções mamárias com transposição dos retalhos do músculo reto abdominal (TRAM) após a mastectomia ainda são comuns, podendo levar a fraqueza importante da parede abdominal e abaulamento. Todos esses achados certamente interferem não só no planejamento da tática cirúrgica, mas também nos resultados funcionais e estéticos pós-operatórios.

10. Existe hérnia intraparietal?

Algumas hérnias, principalmente na parede lateral do abdome, podem ocorrer sem defeito em todas as camadas dos grupos musculares. Nestes casos, geralmente o músculo oblíquo externo/aponeurose estão ilesos e a hérnia está contida nas camadas musculares da PA (Figura 9). Sem essa informação, o cirurgião pode não atentar para o defeito da hérnia durante uma abordagem aberta, quando encontra a camada miofascial oblíqua externa intacta.

Figura 9
Ilustração demonstrando hérnia intraparietal. O músculo oblíquo externo está intacto.

EVENTOS PRÉVIOS

11. Há sinais de manipulação ou complicação cirúrgica anterior?

A presença de tela ou mesmo pontos de fixação pode indicar manipulação cirúrgica prévia e, portanto, maior grau de complexidade técnica em um próximo reparo. Isso pode ser ainda mais relevante nos casos em que a tela foi colocada na posição intraperitoneal. É verdade que, em alguns casos, nem as telas nem os dispositivos de fixação são detectáveis (atualmente dispositivos absorvíveis e/ou radiotransparentes estão se tornando mais populares), mas sinais indiretos, como a perda do contorno dos planos anatômicos, podem indicar sua presença.

A descrição detalhada do cirurgião quanto a possíveis reparos ou intervenções prévias na indicação do exame é fundamental para permitir a interpretação de achados sutis pelo radiologista. Uma revisão abrangente dos laudos operatórios anteriores do paciente pode indicar o tipo de tela, sua localização e plano anatômico de implantação, o que pode possibilitar a identificação. Além disso, a busca por dobras e rugas não anatômicas de contratura da tela pode facilitar a identificação da tela na TC.

A avaliação de coleções ou tratos fistulosos por imagem também é importante para decidir as etapas cirúrgicas, como dividir o tratamento em estágios para resolver toda a infecção crônica ou reação de corpo estranho antes de uma nova tentativa de reparo definitivo com uma nova prótese.

Aqui propomos um relatório padronizado para exames de imagem da parede abdominal:

Relátorio DECOMP

DEFEITO

1- Localização do (s) defeito (s) da hérnia:

A) Linha média: cm a partir do apêndice xifóide e/ou sínfise púbica e/ou da cicatriz umbilical

B) Lateral: qual posição anatômica? cm da crista ilíaca e/ou rebordo costal e/ou linha alba/linha semilunar.

2-Tamanho do defeito (medido nos eixos transversal e longitudinal, respectivamente, em cm).

3- Presença de mais de um defeito herniário:

- Não.

- Sim (distância entre as extremidades dos defeitos, em cm) - repetição de toda a descrição do segundo defeito herniário conforme laudo estruturado acima.

CONTEÚDO

4- Sinais de encarceramento e/ou estrangulamento:

- Não

- Sim: quais

5- Conteúdo do saco herniário:

Tecido adiposo / omento / alça intestinal (que segmento) / bexiga / ureter / estruturas vasculares (quais) / órgão sólido / outro

6- Relação entre o volume do saco herniário e o volume da cavidade abdominal >25%:

- Não

- Sim: risco de perda de domicílio

MUSCULATURA

7- Diástase dos músculos retos:

Não

Sim: largura (mm) / extensões (cm) / posição

8- Largura transversal dos músculos retos (apenas para defeitos da linha média):

- direita, em mm

- esquerda, em mm

9- Presença de atrofia e/ou denervação dos músculos da PA

- Não

- Sim: localização/grupo (s) de músculos/espessura (mm)

10- A hérnia é intraparietal?

- Não

- Sim: localização

EVENTOS PRÉVIOS

11- Sinais de manipulação anterior, implante de tela ou complicação na cavidade e/ou parede abdominal:

- Não

- Sim: qual / onde

CONCLUSÕES

O melhor entendimento entre cirurgiões e radiologistas na avaliação da hérnia da parede abdominal provavelmente melhorará os resultados de sua correção.

Entendemos que esta proposta traz mais desafios ao radiologista durante a avaliação do exame de imagem. O relatório pode demorar um pouco mais. No entanto, da mesma forma que não só a descrição de um nódulo em um órgão abdominal é importante, mas também o tamanho e localização precisos, correlações anatômicas e características (fluxo sanguíneo e realce de contraste), pois interferem diretamente no diagnóstico e tratamento, descrições precisas de hérnias abdominais têm o mesmo impacto, sobretudo no planejamento cirúrgico.

Neste momento, para a disseminação mais rápida e ampla deste conceito, é imprescindível que os cirurgiões envolvam e estimulem os radiologistas a adotarem a realização rotineira de um laudo estruturado com as informações necessárias sobre a parede abdominal. Acreditamos que a proposta do relatório estruturado apresentada neste artigo pode auxiliar o radiologista em seu trabalho.

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  • Fonte de financiamento:

    não.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
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