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Análise epidemiológica das vítimas de trauma cardíaco em um hospital de referência: uma série de casos de 5 anos

RESUMO

Objetivo:

descrever, analisar e traçar o perfil epidemiológico das vítimas de trauma cardíaco em hospital de referência em trauma de grande centro urbano.

Métodos:

uma série de casos para descrever e analisar prontuários de todos os pacientes que sofreram lesões cardíacas traumáticas, entre janeiro, 2015, a janeiro, 2020, admitidos no hospital referência em trauma de Curitiba, Brasil. Pacientes que sofreram lesões cardíacas traumáticas foram identificados no banco de dados do hospital. Pacientes em óbito antes da chegada aos cuidados hospitalares foram excluídos.

Resultados:

todos os 22 casos foram vítimas urbanas, maioria ferimentos penetrantes (12 por arma branca, 9 por arma de fogo); 82% homens; idade média 37.1 anos. 17 casos (77%) ocorreram no período noturno, 15 entre sexta-feira e domingo. 15 foram admitidos hemodinamicamente estáveis. 27% diagnosticados com FAST; demais demandaram outros exames. Das incisões, 14 receberam toracotomias, 6 esternotomias medianas, 2 casos ambas. Das lesões, 8 afetaram ventrículo direito, 3 átrio direito, 9 ventrículo esquerdo, 1 sulco coronário direito, 1 parede anterior. Todos receberam cardiorrafias. 3 pacientes morreram, 17 tiveram alta e 2 foram transferidos. 17 receberam ecocardiograma pós-operatório, revelando frações de ejeção de 55.1% a 75%. Os pacientes passaram em média 9.6 dias em UTI e 15.2 dias de internamento hospitalar total. A taxa de mortalidade foi de 14%.

Conclusões:

traumas cardíacos ocorreram predominantemente em homens adultos, devido a causas violentas, durante o período noturno nos finais de semana. A taxa de mortalidade encontrada, assim como o tempo total de internamento hospitalar, esteve em acordo com a literatura.

Palavras-chave:
Coração; Traumatismos Cardíacos; Cirurgia Geral

ABSTRACT

Objective:

to describe, analyze, and trace the epidemiological profile for cardiac trauma victims on a referral trauma hospital of a major urban center.

Methods:

a case series study to review, describe, compile and analyze medical records of all patients sustaining traumatic cardiac injuries, from January 2015 to January 2020 admitted to the referral trauma hospital of Curitiba, Brazil. Patients sustaining traumatic heart injuries were identified using the hospitals database. Patients who died prior to reaching hospital care were excluded.

Results:

all 22 cases were urban victims, mostly penetrating injuries (12 stab wounds, 9 gunshot wounds); 82% were male; mean age, 37.1 years. 17 cases (77%) occurred during night hours, 15 between Friday and Sunday, and 15 were admitted hemodynamically stable. Only 27% were diagnosed with FAST, the remainder requiring other imaging exams. About incisions, 14 had thoracotomies, 6 median sternotomies and in 2 cases both. Of injuries, 8 affected the right ventricle, 3 right atrium, 9 left ventricle, 1 right coronary sulcus and 1 anterior wall. All had cardiorrhaphy repair. 3 patients died, 17 were discharged and 2 were transferred. 17 received postoperative echocardiograms, revealing ejection fractions ranging 55.1% to 75%. Patients spent a mean of 9.6 days on ICU and a mean of 15.2 days of total hospital stay. The mortality rate was 14%.

Conclusions:

cardiac traumas predominantly occurred in adult males, due to violent causes, during night hours on weekends. The overall mortality rate found (14%), as well as total hospital stay, accords with the literature.

Keywords:
Heart; General Surgery; Myocardial Contusions

INTRODUÇÃO

As lesões cardíacas estão entre as condições mais graves e letais que podem ocorrer em vítimas de trauma, sendo superadas apenas pelas lesões do sistema nervoso central como a principal causa de morte11 Leite L, Gonçalves L, Nuno Vieira D. Cardiac injuries caused by trauma: Review and case reports. J Forensic Leg Med. 2017;52:30-4. doi: 10.1016/j.jflm.2017.08.013.
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. Alguns dos relatos mais graves disponíveis mostram taxas de mortalidade que podem chegar a 95% no ambiente pré-hospitalar, e a até 50% nas vítimas que sobrevivem para chegar ao hospital em alguns casos11 Leite L, Gonçalves L, Nuno Vieira D. Cardiac injuries caused by trauma: Review and case reports. J Forensic Leg Med. 2017;52:30-4. doi: 10.1016/j.jflm.2017.08.013.
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,22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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.

Os traumas cardíacos são classificados principalmente por mecanismo de lesão, que pode ser penetrante ou contuso. A lesão cardíaca contusa é a mais comum, sendo causada principalmente por desaceleração abrupta resultante de acidentes de carro (50%), seguida por atropelamento (35%), acidentes de motocicleta (9%) e quedas de altura (6%)11 Leite L, Gonçalves L, Nuno Vieira D. Cardiac injuries caused by trauma: Review and case reports. J Forensic Leg Med. 2017;52:30-4. doi: 10.1016/j.jflm.2017.08.013.
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,33 Gosavi S, Tyroch AH, Mukherjee D. Cardiac Trauma. Angiology. 2016;67(10):896-901. doi: 10.1177/0003319715627954.
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, enquanto as lesões cardíacas penetrantes são principalmente causadas por arma branca (59%), ferimentos por arma de fogo (26%) e outras causas (15%)44 Singaravelu K, Saya R, Pandit V. Early diagnosis of penetrating cardiac and pleural injury by extended focused assessment with sonography for trauma. Heart Views. 2016;17(4):151-3. doi: 10.4103/1995-705X.201781.
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.

O estado hemodinâmico inicial é fator preponderante para o desfecho desses casos, sendo claramente evidenciado pelas baixas taxas de sobrevida dos pacientes que são admitidos no pronto-socorro já em estado de choque, de 35% após lesões penetrantes e apenas 2% após trauma cardíaco fechado55 Isaza-Restrepo A, Bolívar-Sáenz DJ, Tarazona-Lara M, Tovar JR. Penetrating cardiac trauma: Analysis of 240 cases from a hospital in Bogota, Colombia. World J Emerg Surg. 2017;12:26. doi: 10.1186/s13017-017-0138-1.
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.

Outro fator importante para o resultado é a conduta diagnóstica. Pacientes hemodinamicamente estáveis podem ser investigados para trauma cardíaco com eletrocardiografia, com sensibilidade de 89%, ou tomografia computadorizada, com sensibilidade de até 100% e especificidade de 96% para hemopericárdio22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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,33 Gosavi S, Tyroch AH, Mukherjee D. Cardiac Trauma. Angiology. 2016;67(10):896-901. doi: 10.1177/0003319715627954.
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. Tais exames são preferíveis à dosagem de troponina, uma vez que esta apresentou sensibilidade de apenas 23%22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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. No entanto, a ferramenta mais importante para avaliação rápida das lesões por trauma cardíaco no pronto-socorro, principalmente nos casos hemodinamicamente instáveis, é o exame FAST (Focused Assessment with Sonography in Trauma - Avaliação Sonográfica Focada em Trauma)44 Singaravelu K, Saya R, Pandit V. Early diagnosis of penetrating cardiac and pleural injury by extended focused assessment with sonography for trauma. Heart Views. 2016;17(4):151-3. doi: 10.4103/1995-705X.201781.
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.

Além da questão diagnóstica, as diferentes técnicas cirúrgicas que podem ser empregadas para o reparo também são relatadas como tendo papel importante no resultado, embora a cardiorrafia por esternotomia mediana seja a abordagem mais comum. Atenção especial também deve ser dada aos diferentes tipos de lesões que podem ser encontrados, observando-se, no entanto, que na maioria são localizadas no ventrículo direito22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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,55 Isaza-Restrepo A, Bolívar-Sáenz DJ, Tarazona-Lara M, Tovar JR. Penetrating cardiac trauma: Analysis of 240 cases from a hospital in Bogota, Colombia. World J Emerg Surg. 2017;12:26. doi: 10.1186/s13017-017-0138-1.
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,66 Khan HAR, Gilani JA, Pervez M Bin, Hashmi S, Hasan S. Penetrating cardiac trauma: A retrospective case series from Karachi. J Pak Med Assoc. 2018;68(8):1285-7..

Objetivo

Considerando a alta gravidade e o número de variáveis relevantes que afetam o resultado das lesões cardíacas por trauma, é necessário descrever e analisar os dados de casos de trauma cardíaco em hospitais de referência em trauma para aprofundar as evidências científicas atuais e melhorar a base para futuras iniciativas que visem otimizar o atendimento a esses pacientes críticos. Esta pesquisa teve como objetivo descrever os dados de casos de trauma cardíaco em hospital de referência em trauma de grande centro urbano e analisá-los com base nas evidências atuais, buscando traçar o perfil epidemiológico das vítimas dessa condição naquele cenário.

MÉTODO

Este estudo foi realizado com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Referência, em 25 de junho de 2020, sob o CAAE (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética) 33118320.0.0000.5225. Considerando-se que nenhum contato direto foi estabelecido com os pacientes, limitando-se o estudo ao uso de documentos previamente registrados (prontuários, resultados de exames, imagens arquivadas, etc) e que seria inviável o contato direto com todos os pacientes (endereço/telefone desconhecido, óbito), o Comitê de Ética dispensou a obrigatoriedade do termo de consentimento livre e esclarecido. No entanto, todos os autores garantem o compromisso rigoroso em preservar a confidencialidade das informações privadas de pacientes do estudo e o fizeram tomando várias precauções necessárias para garantir o respeito e o anonimato aos envolvidos. Em especial, destaca-se abstenção de relatar dados que comprometam a identidade (nome e sobrenome do indivíduo, bairro de residência, data exata e hora da ocorrência).

Seleção dos Pacientes

O hospital selecionado é referência em traumas graves em Curitiba, Brasil, uma capital de estado (PR), com população estimada de 1,9 milhão no período. Pacientes com lesões cardíacas traumáticas foram identificados usando-se o banco de dados do hospital. Portanto, os pacientes que não sobreviveram para chegar ao atendimento hospitalar foram excluídos do estudo. Todos os pacientes que sofreram lesões cardíacas traumáticas e foram submetidos a tratamento no hospital de referência em trauma durante o período de cinco anos, de janeiro de 2015 a janeiro de 2020, foram incluídos.

Desenho do estudo e coleta de dados

Foi realizado estudo descritivo de série de casos, por meio da compilação e análise dos dados e variáveis epidemiológicas relevantes dos prontuários eletrônicos e resultados de exames dos pacientes selecionados. As variáveis avaliadas foram: sexo; idade; bairro de residência; data, dia da semana e hora da ocorrência (foram considerados ocorrências noturnas os casos que aconteceram entre as 18h00 e as 05h59); mecanismo de trauma e se o mecanismo relatado teve início relacionado à violência (ferimento por arma branca, lesão por arma de fogo, agressão física) ou não (colisão de veículo motorizado, acidentes); trauma cranioencefálico associado; necessidade de exames de imagem para o diagnóstico e, em caso afirmativo, qual foi o laudo e se foram realizados no intraoperatório ou não; resultados dos primeiros exames laboratoriais de admissão (Hb, MCV, pH, PCO2, HCO3, excesso de base); necessidade de transfusão; sinais vitais na admissão (FC, PA, FR); escala de Glasgow na admissão; sinais de uso de medicamentos; comorbidades; manejo inicial cirúrgico ou conservador; tipo de incisão; padrão, localização e tamanho da lesão encontrada; presença de lesões associadas; abordagem do tratamento (tipo e tamanho do fio de sutura); número e tamanho dos drenos pós-operatórios imediatos; necessidade de drenagem pericárdica; complicações cirúrgicas; pneumonia ou infecção da parede; necessidade de cuidado intensivo e, em caso afirmativo, por quantos dias; tempo total de internação; ocorrência de bacteremia; resultados de hemocultura; número de dias sob intubação orotraqueal no pós-operatório e, em caso afirmativo, por quanto tempo o paciente foi mantido em ventilação mecânica; necessidade de traqueostomia; desfecho da internação (alta, transferência inter-hospitalar, óbito ou alta contra orientação médica); e, por fim, desfecho ambulatorial.

RESULTADOS

No total, 22 pacientes apresentaram lesões cardíacas traumáticas no hospital de referência em trauma no período de cinco anos. Após revisão do prontuário eletrônico, nenhum caso foi excluído. Amostra final de 22 casos de lesão cardíaca traumática compôs o grupo de estudo.

A Tabela 1 reporta os dados relativos às conclusões mais relevantes. Todos os 22 casos foram vítimas urbanas devido a mecanismos violentos, dois em 2015, sete em 2016, cinco em 2017, cinco em 2018 e três em 2019. O mecanismo penetrante foi responsável pela maioria dos ferimentos (95%), sendo doze por arma branca, nove por arma de fogo e apenas um paciente, que foi encontrado inconsciente em via pública, tendo sofrido trauma cardíaco contuso em decorrência de agressão física. Dez das 21 vítimas de mecanismo penetrante tiveram lesão cardíaca isolada, enquanto o restante apresentou lesões associadas.

Tabela 1
Relação de dados das variáveis epidemiológicas, diagnósticas, terapêuticas, cirúrgicas e de resultados mais relevantes.

A maioria das vítimas era do sexo masculino (82%), com faixa etária de 19 a 55 anos, média de 37,1. A média de idade das mulheres (32,5 anos) foi inferior à dos homens (37,1 anos). Quinze dos vinte e dois casos ocorreram entre sexta-feira e domingo. A maioria dos casos se deu no período noturno (77%).

Na admissão, quinze pacientes estavam hemodinamicamente estáveis e sete instáveis. Durante a investigação, o FAST foi o único exame de imagem necessário para o diagnóstico definitivo de lesão cardíaca em apenas um caso, embora tenha sido visto líquido pericárdico na janela pericárdica em outros quatro pacientes. A TC (tomografia computadorizada) foi necessária para o diagnóstico em dezesseis casos, sendo sete do tipo angiotomografia, oito tomografias de tórax e uma tomografia de corpo inteiro (crânio, cervical, tórax, abdômen e pelve) para o caso excepcional do paciente encontrado inconsciente em via pública, que também apresentava, além de história incerta, evidências de trauma cranioencefálico e escala de Glasgow de 6 na admissão. A tomografia computadorizada foi o único exame de imagem realizado em cinco dos dezesseis casos em que foi solicitada. Por fim, foram realizadas radiografias de tórax em cinco pacientes e, este tendo sido o único exame de imagem em dois.

Todos os 22 casos de lesão cardíaca traumática foram tratados por cardiorrafia, o que significa que o manejo conservador não foi realizado em nenhum caso.

Das incisões utilizadas, optou-se por toracotomia ântero-lateral esquerda em nove casos, esternotomia mediana em seis e sete incisões adicionais: cinco toracotomias bilaterais e duas toracotomias ântero-laterais esquerdas combinadas com esternotomias medianas.

As lesões cardíacas encontradas durante a operação foram predominantemente no ventrículo esquerdo, estando presentes em 41% dos casos, enquanto 36% das lesões localizaram-se no ventrículo direito. Houve também três lesões no átrio direito, uma no sulco coronário direito e uma na parede anterior e ápice.

Lesões associadas foram descritas em treze dos vinte e dois pacientes, sendo dois fraturas de costela, uma lesão de medula espinhal, uma lesão de artéria mamária esquerda, três lesões abdominais, uma lesão diafragmática, uma lesão cerebral traumática (hemorragia subaracnoide), quatro lesões de lobos pulmonares, um pneumotórax e um hemopneumotórax. Transfusões de sangue foram solicitadas para 14 (63%) dos pacientes, com mediana de 4 U (1-12 U) de concentrado de hemácias como parte dos esforços de ressuscitação.

Ocorreram três paradas cardíacas durante a operação de três pacientes diferentes, com dois deles retornando ao ritmo sinusal normal após reanimação aberta sob compressões cardíacas diretas e pinçamento aórtico, por 18 e 20 minutos, respectivamente. O terceiro caso passou pelo mesmo procedimento, mas foi declarado morto após 25 minutos.

Em relação ao desfecho hospitalar, dezessete pacientes tiveram alta hospitalar, dois foram transferidos para outros hospitais e três faleceram. Apenas esses dois casos transferidos resultaram em perda de seguimento, o que se traduz em taxa de 4,4%. Dos três óbitos, um ocorreu durante a operação e dois no pós-operatório, respectivamente no primeiro e décimo dias de internação. Os dois pacientes que morreram no pós-operatório tiveram cinco ou mais lesões penetrantes, ou seja, sofreram outras lesões além do trauma cardíaco. O paciente que faleceu durante a operação apresentava múltiplas lesões associadas, incluindo lesão diafragmática, lesão posterior do estômago, lesão do intestino delgado, lesão hepática e relato de hematoma no retroperitônio. Todos os pacientes que morreram se apresentavam instáveis hemodinamicamente na admissão.

O ecocardiograma pós-operatório foi realizado em dezessete pacientes e mostrou frações de ejeção entre 55,1% e 75% (média de 66,2%). Nove tinham evidência de derrame leve no pericárdio, sem sinais de tamponamento ou restrição do relaxamento cardíaco. Apenas um teve derrame de grande volume e sinais de tamponamento cardíaco.

Em relação às complicações pós-operatórias, houve um caso de empiema pleural. Este paciente apresentou hemopneumotórax na admissão e faleceu no décimo dia de internação por sepse. No pós-operatório, 21 pacientes necessitaram de UTI (unidade de terapia intensiva) e internação hospitalar, com exceção do paciente que faleceu durante a operação, conforme citado. Excluindo este caso, o tempo médio de internação na UTI foi de 9,6 dias, e o tempo médio de internação total foi de 15,2 dias.

DISCUSSÃO

O trauma por causas violentas na população jovem representa parcela significativa da demanda dos serviços cirúrgicos de emergência, principalmente nos grandes centros urbanos. O trauma cardíaco pode ser classificado como contuso ou penetrante11 Leite L, Gonçalves L, Nuno Vieira D. Cardiac injuries caused by trauma: Review and case reports. J Forensic Leg Med. 2017;52:30-4. doi: 10.1016/j.jflm.2017.08.013.
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e, de acordo com as evidências atuais, a mortalidade varia de 80% a 95% quando se consideram os casos que não sobrevivem para chegar ao hospital11 Leite L, Gonçalves L, Nuno Vieira D. Cardiac injuries caused by trauma: Review and case reports. J Forensic Leg Med. 2017;52:30-4. doi: 10.1016/j.jflm.2017.08.013.
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,22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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,44 Singaravelu K, Saya R, Pandit V. Early diagnosis of penetrating cardiac and pleural injury by extended focused assessment with sonography for trauma. Heart Views. 2016;17(4):151-3. doi: 10.4103/1995-705X.201781.
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,55 Isaza-Restrepo A, Bolívar-Sáenz DJ, Tarazona-Lara M, Tovar JR. Penetrating cardiac trauma: Analysis of 240 cases from a hospital in Bogota, Colombia. World J Emerg Surg. 2017;12:26. doi: 10.1186/s13017-017-0138-1.
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. Para os pacientes que chegam ao hospital, demonstrou-se predomínio desse tipo de trauma na população jovem, do sexo masculino, com média de idade de 30,8 anos77 Pereira BMT, Nogueira VB, Calderan TRA, Villaça MP, Petrucci O, Fraga GP. Penetrating cardiac trauma: 20-y experience from a university teaching hospital. J Surg Res. 2013;183(2):792-7. doi: 10.1016/j.jss.2013.02.015.
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, o que corresponde aproximadamente aos dados que encontramos em nosso estudo, uma vez que 82% dos pacientes eram homens, embora com média de idade bastante superior, de 37,1 anos.

De nosso conhecimento, nenhum dos estudos da literatura relata especificamente dados a respeito da lesão por trauma cardíaco e as variáveis de horários específicos do dia ou dias da semana como associação potencial entre esses, portanto, nenhuma comparação pode ser feita. Em nosso relato, houve maior ocorrência de lesões por trauma cardíaco ocorrendo durante a noite (77%) e nos finais de semana (68%), sugerindo que esses achados são relativamente novos.

O mecanismo de lesão contusa mais frequente em países desenvolvidos é o que envolve desacelerações abruptas, como as que ocorrem em colisões de veículos ou em eventos esportivos33 Gosavi S, Tyroch AH, Mukherjee D. Cardiac Trauma. Angiology. 2016;67(10):896-901. doi: 10.1177/0003319715627954.
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,55 Isaza-Restrepo A, Bolívar-Sáenz DJ, Tarazona-Lara M, Tovar JR. Penetrating cardiac trauma: Analysis of 240 cases from a hospital in Bogota, Colombia. World J Emerg Surg. 2017;12:26. doi: 10.1186/s13017-017-0138-1.
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. Lesões cardíacas penetrantes apresentam mortalidade em torno de 40%22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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, principalmente por arma branca, que também é o mecanismo mais frequente em países em desenvolvimento55 Isaza-Restrepo A, Bolívar-Sáenz DJ, Tarazona-Lara M, Tovar JR. Penetrating cardiac trauma: Analysis of 240 cases from a hospital in Bogota, Colombia. World J Emerg Surg. 2017;12:26. doi: 10.1186/s13017-017-0138-1.
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, mas também frequentemente por arma de fogo, muitas vezes mais letal88 Raptis DA, Bhalla S, Raptis CA. CT Imaging of Cardiac Trauma. Curr Radiol Rep. 2018;6(8). doi: 10.1007/s40134-018-0283-7.
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. Como esta pesquisa foi realizada no Brasil, um país em desenvolvimento, nosso estudo mostrou evidências que sustentam tais afirmações. Independentemente do mecanismo, porém, era de se esperar que o ventrículo direito fosse o mais frequentemente lesado, com base na literatura, que afirma que isso ocorre em 53% dos casos, seguido por 32% de acometimento do ventrículo esquerdo55 Isaza-Restrepo A, Bolívar-Sáenz DJ, Tarazona-Lara M, Tovar JR. Penetrating cardiac trauma: Analysis of 240 cases from a hospital in Bogota, Colombia. World J Emerg Surg. 2017;12:26. doi: 10.1186/s13017-017-0138-1.
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. Vale ressaltar que nosso estudo mostrou que houve taxas de lesão significativamente semelhantes, com incidência ainda maior para o ventrículo esquerdo (41%), contra apenas 36% de lesões no ventrículo direito.

Dentre as lesões associadas mais comuns, um estudo envolvendo 1.359 pacientes com trauma torácico mostrou 49% com fratura de costelas, 20% com pneumotórax, 12% com contusão pulmonar e 6% com lesão vascular torácica99 Mina MJ, Jhunjhunwala R, Gelbard RB, Dougherty SD, Carr JS, Dente CJ, et al. Factors affecting mortality after penetrating cardiac injuries: 10-year experience at urban level I trauma center. Am J Surg. 2017;213(6):1109-15. doi: 10.1016/j.amjsurg.2016.07.014.
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2016.0...
. Ao comparar esses números com os nossos, pode-se dizer que foram díspares. Mais notadamente, nosso estudo mostrou alta incidência de lesões abdominais e do diafragma, o que quase não foi observado no relato anterior, e embora esse tenha mostrado que as fraturas de costela desempenham papel importante, em nosso caso essas apenas representaram 13,3% das lesões associadas. No entanto, também deve ser destacado que tal estudo também mostrou lesão vascular torácica com incidência bastante próxima aos nossos achados, de 6,6%.

O atendimento pré-hospitalar precisa ser rápido, sendo fundamental garantir a estabilização inicial e o transporte até o centro de trauma para tratamento definitivo1010 Ludwig C, Koryllos A. Management of chest trauma. J Thorac Dis. 2017;9(3):172-7. doi: 10.21037/jtd.2017.03.52.
https://doi.org/10.21037/jtd.2017.03.52...
. Os principais fatores que se traduzem em aumento da taxa de mortalidade incluem tempo total na cena e de trânsito superior a dez minutos, a necessidade de RCP (ressuscitação cardiopulmonar), exsanguinação, baixa escala de coma de Glasgow, hemotórax maciço, necessidade de toracotomia ressuscitadora, hipotensão (PA sistólica <75mmHg) e bradicardia (FC<50 bpm)1111 Andersen MJ, De Paoli F V, Mærkedahl R, Jepsen SV, Dalgaard KS, Falstie T, et al. A Case of an Advanced Chain of Survival in Penetrating Cardiac Injury. Case Rep Emerg Med. 2019;2019:2895439. doi: 10.1155/2019/2895439.
https://doi.org/10.1155/2019/2895439...
. Na era moderna, a capacidade de salvar a vida de pacientes com lesão cardíaca penetrante é importante marcador da qualidade de centro de trauma 9 e, para isso, ferramentas diagnósticas adequadas e equipe qualificada para o manejo dos casos que sobrevivem para chegar ao hospital são fundamentais.

Dos equipamentos diagnósticos, o FAST tornou-se amplamente disponível na última década1212 Mina MJ, Jhunjhunwala R, Gelbard RB, Dougherty SD, Carr JS, Dente CJ, et al. Factors affecting mortality after penetrating cardiac injuries: 10-year experience at urban level I trauma center. Am J Surg. 2017;213(6):1109-15. doi: 10.1016/j.amjsurg.2016.07.014.
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, trazendo consigo alta sensibilidade (92-100%) e especificidade (99-100%) para derrames pericárdicos44 Singaravelu K, Saya R, Pandit V. Early diagnosis of penetrating cardiac and pleural injury by extended focused assessment with sonography for trauma. Heart Views. 2016;17(4):151-3. doi: 10.4103/1995-705X.201781.
https://doi.org/10.4103/1995-705X.201781...
, o que por sua vez permite identificação precoce (média de 0,8 minutos)1313 Kong VY, Oosthuizen G, Sartorius B, Bruce J, Clarke DL. Penetrating cardiac injuries and the evolving management algorithm in the current era. J Surg Res. 2015;193(2):926-32. doi: 10.1016/j.jss.2014.09.027.
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da presença de líquido livre ao redor do coração e pulmões, bem como na cavidade abdominal33 Gosavi S, Tyroch AH, Mukherjee D. Cardiac Trauma. Angiology. 2016;67(10):896-901. doi: 10.1177/0003319715627954.
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. Dito isto, deve-se lembrar que a acurácia ainda depende do operador1212 Mina MJ, Jhunjhunwala R, Gelbard RB, Dougherty SD, Carr JS, Dente CJ, et al. Factors affecting mortality after penetrating cardiac injuries: 10-year experience at urban level I trauma center. Am J Surg. 2017;213(6):1109-15. doi: 10.1016/j.amjsurg.2016.07.014.
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e, como tal, alguns autores consideram complementar o FAST com ecocardiograma transtorácico. Este último pode mostrar contusões miocárdicas focais ou anormalidades de movimento, bem como lesões secundárias, como defeitos septais ventriculares, trombos ou aneurismas cardíacos, ao mesmo tempo que diminui ainda mais os riscos de FAST33 Gosavi S, Tyroch AH, Mukherjee D. Cardiac Trauma. Angiology. 2016;67(10):896-901. doi: 10.1177/0003319715627954.
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falso negativo. No entanto, os resultados do nosso estudo mostraram utilização inesperadamente inferior desta ferramenta para o diagnóstico de lesões cardíacas, sendo realizada em apenas 27% dos casos. Embora os achados do FAST continuem a ser substituídos pela avaliação clínica geral como base para a decisão final da conduta1212 Mina MJ, Jhunjhunwala R, Gelbard RB, Dougherty SD, Carr JS, Dente CJ, et al. Factors affecting mortality after penetrating cardiac injuries: 10-year experience at urban level I trauma center. Am J Surg. 2017;213(6):1109-15. doi: 10.1016/j.amjsurg.2016.07.014.
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, ainda há alguma divergência sobre quais pacientes devem ser submetidos ao exame. Para os casos hemodinamicamente instáveis, alguns autores preconizam a exploração operatória imediata, restringindo o uso do FAST para os casos estáveis, os que apresentam resultado positivo sendo submetidos a janela pericárdica subxifóide (JPS) ou a outros exames para confirmação antes de prosseguir com o tratamento definitivo77 Pereira BMT, Nogueira VB, Calderan TRA, Villaça MP, Petrucci O, Fraga GP. Penetrating cardiac trauma: 20-y experience from a university teaching hospital. J Surg Res. 2013;183(2):792-7. doi: 10.1016/j.jss.2013.02.015.
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. Em contraste, outros autores desencorajam o uso de JPS devido a preocupações sobre possíveis hemorragias não controladas. Neste sentido, preferem empregar o FAST extensivamente, tanto em pacientes estáveis quanto instáveis, indicando tratamento cirúrgico para os instáveis quando FAST positivo é identificado, e reservando JPS para quando o FAST é negativo e a suspeita clínica permanece alta1212 Mina MJ, Jhunjhunwala R, Gelbard RB, Dougherty SD, Carr JS, Dente CJ, et al. Factors affecting mortality after penetrating cardiac injuries: 10-year experience at urban level I trauma center. Am J Surg. 2017;213(6):1109-15. doi: 10.1016/j.amjsurg.2016.07.014.
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.

Outra ferramenta diagnóstica amplamente utilizada para pacientes hemodinamicamente estáveis11 Leite L, Gonçalves L, Nuno Vieira D. Cardiac injuries caused by trauma: Review and case reports. J Forensic Leg Med. 2017;52:30-4. doi: 10.1016/j.jflm.2017.08.013.
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é a tomografia computadorizada, por apresentar sensibilidade de 100% e especificidade de 96% para o diagnóstico de hemopericárdio33 Gosavi S, Tyroch AH, Mukherjee D. Cardiac Trauma. Angiology. 2016;67(10):896-901. doi: 10.1177/0003319715627954.
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. Também permite ao cirurgião identificar a trajetória da lesão e as estruturas afetadas22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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, característica que o FAST não possui. Nosso estudo mostrou que a tomografia computadorizada foi o recurso mais utilizado para o diagnóstico, sendo realizada em 73% dos pacientes.

A radiografia de tórax poderia ajudar a identificar pneumotórax, hemotórax, aumento de área cardíaca e fraturas ósseas, além de localizar projéteis e fragmentos balísticos1414 Morse BC, Mina MJ, Carr JS, Jhunjhunwala R, Dente CJ, Zink JU, et al. Penetrating cardiac injuries: A 36-year perspective at an urban, Level I trauma center. J Trauma Acute Care Surg. 2016;81(4):623-31. doi: 10.1097/TA.0000000000001165.
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, embora em nosso hospital tenha sido necessária em apenas 23% dos casos.

O ECG tem sensibilidade relatada de 89%22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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e pode ser considerado componente importante na triagem de pacientes hemodinamicamente estáveis, frequentemente apresentando taquicardia sinusal33 Gosavi S, Tyroch AH, Mukherjee D. Cardiac Trauma. Angiology. 2016;67(10):896-901. doi: 10.1177/0003319715627954.
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. A dosagem de troponina também pode ser realizada, com sensibilidade de 23%22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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. Nenhum desses métodos foi utilizado nos pacientes do presente estudo, o que pode ser justificado com segurança pelo maior tempo de realização ou pelo rendimento dos resultados, em comparação aos exames de imagem.

O manejo do paciente com trauma cardíaco costuma ser cirúrgico, e não conservador, aplicando-se inicialmente o conceito de controle de danos, que envolve a contenção rápida da hemorragia por meio de cardiorrafia, seguida de reanimação e reoperação planejada22 Bellister SA, Dennis BM, Guillamondegui OD. Blunt and Penetrating Cardiac Trauma. Surg Clin North Am. 2017;97(5):1065-76. doi: 10.1016/j.suc.2017.06.012.
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. Nesse sentido, os achados de nosso estudo mostraram que a abordagem cirúrgica é a regra, ou seja, nenhum dos 22 casos foi tratado de forma conservadora.

Geralmente, para pacientes hemodinamicamente instáveis, a incisão cirúrgica de escolha é a toracotomia ântero-lateral esquerda e, para pacientes estáveis, a esternotomia mediana1414 Morse BC, Mina MJ, Carr JS, Jhunjhunwala R, Dente CJ, Zink JU, et al. Penetrating cardiac injuries: A 36-year perspective at an urban, Level I trauma center. J Trauma Acute Care Surg. 2016;81(4):623-31. doi: 10.1097/TA.0000000000001165.
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. Outras opções incluem a incisão “em garra” (toracotomia ântero-lateral bilateral no 5º espaço intercostal mais esternotomia transversa) e a toracotomia ântero-lateral estendida com secção do esterno1414 Morse BC, Mina MJ, Carr JS, Jhunjhunwala R, Dente CJ, Zink JU, et al. Penetrating cardiac injuries: A 36-year perspective at an urban, Level I trauma center. J Trauma Acute Care Surg. 2016;81(4):623-31. doi: 10.1097/TA.0000000000001165.
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. Em nosso estudo, constatamos que, na admissão, quinze pacientes apresentavam-se hemodinamicamente estáveis, enquanto os outros sete estavam instáveis. Embora como mencionado a escolha da incisão não seja a regra, notamos que nossos resultados divergiram um pouco em relação a isso, pois apesar de termos quinze pacientes estáveis, apenas nove foram submetidos a toracotomia ântero-lateral esquerda como única incisão e seis a esternotomia mediana como única incisão. Os sete pacientes restantes foram submetidos a ambas as opções de incisão ou a uma das opções adicionais.

A taxa de mortalidade esperada com base nos demais estudos ficou entre 9,4%1010 Ludwig C, Koryllos A. Management of chest trauma. J Thorac Dis. 2017;9(3):172-7. doi: 10.21037/jtd.2017.03.52.
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e 30%1313 Kong VY, Oosthuizen G, Sartorius B, Bruce J, Clarke DL. Penetrating cardiac injuries and the evolving management algorithm in the current era. J Surg Res. 2015;193(2):926-32. doi: 10.1016/j.jss.2014.09.027.
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, e o tempo médio de permanência hospitalar total, entre cinco e 12,8 dias55 Isaza-Restrepo A, Bolívar-Sáenz DJ, Tarazona-Lara M, Tovar JR. Penetrating cardiac trauma: Analysis of 240 cases from a hospital in Bogota, Colombia. World J Emerg Surg. 2017;12:26. doi: 10.1186/s13017-017-0138-1.
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,66 Khan HAR, Gilani JA, Pervez M Bin, Hashmi S, Hasan S. Penetrating cardiac trauma: A retrospective case series from Karachi. J Pak Med Assoc. 2018;68(8):1285-7.. Analisando nossos achados, pode-se dizer que as expectativas foram atendidas em relação à taxa de mortalidade, que foi de 14%, e embora o tempo médio de internação total tenha sido maior (15,2 dias), a mediana de 11 dias (intervalo 1-75) foi dentro do esperado. Tais variáveis foram analisadas separando-se os casos em dois grupos, e observamos associação entre transfusões de sangue e diminuição do tempo de internação, embora sem significância estatística. Os pacientes que receberam transfusão de sangue passaram menos tempo no hospital, com tempo médio de internação total de 10,2 dias (mediana1010 Ludwig C, Koryllos A. Management of chest trauma. J Thorac Dis. 2017;9(3):172-7. doi: 10.21037/jtd.2017.03.52.
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, intervalo 1-19), em contraste com aqueles que não receberam transfusão de sangue, com média de 25,2 dias (média22, intervalo 6-75). Embora estudo mais focado neste achado específico seja necessário para a confirmação, já sugere-se que as transfusões de sangue podem ter grande impacto neste resultado.

Um estudo de ecocardiograma de pacientes submetidos a cardiorrafia, realizado antes da alta da UTI, indicou em apenas 12% dos pacientes a persistência de sintomas ou o aparecimento de novos e achados anormais. Os demais eram assintomáticos e com resultado normal, sugerindo que os benefícios da realização de estudos ecocardiográficos estariam na maioria reservados a pacientes que realmente apresentassem novos sintomas ou exame anormal após o procedimento cirúrgico1313 Kong VY, Oosthuizen G, Sartorius B, Bruce J, Clarke DL. Penetrating cardiac injuries and the evolving management algorithm in the current era. J Surg Res. 2015;193(2):926-32. doi: 10.1016/j.jss.2014.09.027.
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. Os achados de nosso estudo, entretanto, podem sugerir o contrário, pois notamos que, nas mesmas condições, os ecocardiogramas pós-operatórios, realizados em dezessete dos vinte e dois pacientes, revelaram achados anormais em 45%. Embora este achado não fosse objetivo específico desta pesquisa, encontrar essa contradição foi resultado inesperado, mas notável.

Limitações do estudo

O número relativamente pequeno de casos deve ser visto com cautela, pois isso dificulta as comparações estatísticas. No entanto, deve-se ressaltar que mesmo em hospitais de grandes centros urbanos, que são referências regionais em trauma, a incidência anual de trauma cardíaco é baixa11 Leite L, Gonçalves L, Nuno Vieira D. Cardiac injuries caused by trauma: Review and case reports. J Forensic Leg Med. 2017;52:30-4. doi: 10.1016/j.jflm.2017.08.013.
https://doi.org/10.1016/j.jflm.2017.08.0...
,55 Isaza-Restrepo A, Bolívar-Sáenz DJ, Tarazona-Lara M, Tovar JR. Penetrating cardiac trauma: Analysis of 240 cases from a hospital in Bogota, Colombia. World J Emerg Surg. 2017;12:26. doi: 10.1186/s13017-017-0138-1.
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,66 Khan HAR, Gilani JA, Pervez M Bin, Hashmi S, Hasan S. Penetrating cardiac trauma: A retrospective case series from Karachi. J Pak Med Assoc. 2018;68(8):1285-7.. Além disso, também é importante mencionar que alguns dos prontuários médicos não continham claramente todas as variáveis inicialmente propostas para coleta, embora não sejam impedimento aos achados relatados, razão pela qual os autores não consideram ter alterado os resultados de nenhuma forma significativa.

CONCLUSÃO

Houve baixa incidência anual de lesões cardíacas, predominantemente em homens de 30 a 50 anos, por causas violentas, principalmente durante a noite e nos finais de semana. Tais pacientes chegaram ao hospital na maioria hemodinamicamente estáveis, embora a maioria tenha necessitado de transfusões de sangue. Além disso, o manejo diagnóstico por imagem e incisão cirúrgica pode variar dependendo do caso, enquanto a abordagem de tratamento cirúrgico foi a regra. Incidência ligeiramente maior de lesões do ventrículo esquerdo foi observada, acompanhadas de lesões associadas e complicações intraoperatórias. A taxa de mortalidade geral foi semelhante ou melhor do que a encontrada na literatura.

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  • Fonte de financiamento:

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2021
  • Aceito
    06 Out 2021
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