Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da funcionalidade e mobilidade de idosos comunitários na atenção primária à saúde

Resumo

Objetivo

: Avaliar a capacidade funcional e a mobilidade de idosos atendidos na atenção primária à saúde e a associação de desfechos adversos (dependência funcional e mobilidade reduzida) com aspectos sociodemográficos e condições de saúde.

Método

: Estudo epidemiológico de caráter transversal e analítico, realizado no município de Caicó, Rio Grande do Norte, Brasil. Foram investigadas variáveis sociodemográficas, presença de comorbidades, prática de atividade física, capacidade funcional (Escala de Lawton) e mobilidade (Time Up and Go Test). Para análise dos dados foi empregada a estatística descritiva seguida de análise bivariada para investigar variáveis de associação e análise multivariada (regressão logística).

Resultados

: Dentre os 109 idosos avaliados, 29,4% apresentaram dependência para realização das atividades instrumentais da vida diária (AIVD) e 67,9% tiveram mobilidade reduzida. O presente estudo constatou associação significativa entre dependência para realizar as AIVD e idade igual ou superior a 75 anos; e não praticar atividade física manteve-se como fator de associação com a mobilidade reduzida, independente do sexo, da idade e da presença de comorbidades.

Conclusão

: Enfatiza-se a relevância da prática de atividade física que está associada a melhor mobilidade, da construção de espaços de promoção e prevenção para incentivo ao envelhecimento ativo, além da abordagem multi e interprofissional para a atenção integral à saúde da pessoa idosa, com o uso de instrumentos para avaliação da funcionalidade.

Palavras-chave:
Envelhecimento; Atenção Primária à Saúde; Limitação da Mobilidade; Atividades Cotidianas; Funcionalidade; Incapacidade

Abstract

Objective

: To evaluate the functional capacity and mobility of older adults treated in primary health care and the association between adverse outcomes (functional dependence and reduced mobility) and sociodemographic and health conditions.

Method

: A cross-sectional and analytical epidemiological study was carried out in the municipal region of Caicó, Rio Grande do Norte, Brazil. Sociodemographic variables, presence of comorbidities, practice of physical activity, functional capacity (Lawton Scale) and mobility (Timed Up and Go Test) were investigated. Data analysis was performed using descriptive statistics, followed by bivariate analysis to investigate association variables and multivariate analysis (logistic regression).

Results

: Among the 109 elderly people evaluated, 29.4% were dependent in instrumental activities of daily living (IADL) and 67.9% had reduced mobility. The present study found a significant association between dependence in IADL and age equal to or greater than 75 years; while not practicing physical activity remained a factor of association with reduced mobility, regardless of sex, age and presence of co-morbidities.

Conclusion

: The findings emphasize the importance of the practice of physical activity, which was associated with better mobility, the construction of spaces of health promotion and disease prevention to encourage active aging for older adults, as well as a multi and interprofessional approach to comprehensive health care for older adults, with the use of functionality assessment tools.

Keywords:
Aging; Primary Health Care; Mobility Limitation; Activities of Daily Living; Functionality; Disability

INTRODUÇÃO

No Brasil, o envelhecimento populacional acontece de forma acelerada, trazendo repercussões no sistema de saúde público com o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e/ou incapacitantes¹. Esse cenário desafia profissionais e pesquisadores a otimizarem os serviços assistenciais de forma a proporcionar um cuidado integral e resolutivo para a crescente população idosa².

A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI) considera que os idosos compõem um grupo de maior vulnerabilidade e, portanto, sugere a incorporação, na atenção básica, de ferramentas que gerem melhoria da qualidade e resolutividade da atenção. Para tanto, a política defende uma abordagem multidimensional do idoso, incentivando o uso de instrumentos técnicos para avaliação funcional e psicossocial, que possibilitem a detecção precoce de fatores de risco a eventos adversos, bem como o desenvolvimento de ações preventivas e curativas em tempo hábil33 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 2.528 de 19 de outubro de 2006. Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa - PNSPI. Diário Oficial da União. 19 out 2006; Seção 1..

Em populações idosas, a capacidade funcional é um importante parâmetro de avaliação e de intervenções em busca de um envelhecimento ativo44 Kagawa CA, Corrente JE. Análise da capacidade funcional em idosos do município de Avaré-SP: fatores associados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):577-86.,55 Ferreira AP. Capacity and performance for the realization of basic activities of daily living (basic and instrumental) in elder dependents. Rev Baiana Saúde Pública. 2015;39(1):25-37.. Isto porque a incapacidade funcional de natureza física e/ou mental provoca grande impacto na vida do idoso no que se refere ao aumento da morbimortalidade e ao risco de hospitalização e permanência em instituições de longa permanência, resultando em sobrecargas sociais e econômicas para o idoso, a família e o sistema de saúde66 Maciel ACC, Guerra RO. Limitação funcional e sobrevida em idosos de comunidade. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(4):347-52.. Neste sentido, o declínio da mobilidade em idosos mostra-se como um importante preditor de saúde na velhice, capaz de detectar precocemente sarcopenia e limitação funcional, além de operacionalizar a atenção à saúde do idoso para prevenção de eventos adversos, tais como: incapacidade funcional e quedas77 Guralnik JM, Ferrucci L, Simonsick EM, Salive ME, Wallace RB. Lower-extremity function in persons over the age of 70 years as a predictor of subsequent disability. N Engl J Med. 1995;332(9):598-9..

No Brasil, a atenção primária deve funcionar como ordenadora do cuidado no sistema público de saúde, tendo papel fundamental na assistência integral à pessoa idosa88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. Set. 2017.. Neste cenário, a avaliação geriátrica ampla (AGA) é considerada como instrumento para diagnóstico multidimensional do idoso, contribuindo para a melhoria e manutenção da capacidade funcional e mobilidade9. Todavia, é necessário estabelecer estratégias para uma maior implementação e adesão desse instrumento na atenção primária.

O presente estudo fundamenta sua importância a partir de aspectos relacionados ao planejamento em saúde de acordo com a realidade, vigilância em saúde e assistência integral à pessoa idosa, tendo o compromisso de incentivar a utilização de instrumentos validados e confiáveis para a avaliação do idoso pelos membros das equipes da atenção primária à saúde.

Sendo assim, este estudo teve como objetivo avaliar a capacidade funcional e a mobilidade de idosos atendidos pela atenção primária à saúde, e a associação de desfechos adversos (dependência funcional e mobilidade reduzida) com aspectos sociodemográficos e condições de saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo epidemiológico, de caráter transversal e analítico, desenvolvido no período de setembro a novembro de 2018.

O presente estudo foi realizado em Caicó, município do estado do Rio Grande do Norte (RN), Brasil, distante 282 km da capital estadual, Natal. De acordo com os dados do censo de 2010, Caicó possui IDH de 0,71, sendo este o quarto melhor índice de desenvolvimento humano do estado. Além disso, apresenta um crescente índice de longevidade humana, tendo uma expectativa de vida em torno de 74,4 anos, maior do que a média nacional e uma das maiores dentre os municípios do norte-nordeste. Caicó possui 5.980 pessoas com 65 anos de idade ou mais, considerando a população urbana e rural1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. @Cidades [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2018 [acesso em 27 ago. 2018]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br. Ao todo, apresenta 18 unidades básicas de saúde (UBS) com cobertura populacional em torno de 95%.

Para o presente estudo, a amostra foi obtida por conveniência, de acordo com a atuação dos estudantes do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica da Escola Multicampi de Ciências Médicas do Rio Grande do Norte (UFRN). Foi preferível uma amostra por conveniência, visto que os registros cadastrais das UBS não estavam atualizados e não faziam distinção entre população rural e urbana, tampouco entre idosos comunitários ou institucionalizados.

Desta forma, foram incluídos idosos a partir de 65 anos, de ambos os sexos e atendidos em cinco UBS. Os critérios de exclusão foram: não ser encontrado para avaliação após três tentativas durante o recrutamento e não conseguir concluir todas as etapas da coleta dos dados.

As informações coletadas foram referentes às características sociodemográficas, presença de comorbidades, prática de atividade física, capacidade funcional e mobilidade. Os dados foram colhidos por uma equipe de três residentes em atenção básica (AB), devidamente treinada para aplicar os instrumentos de coleta. Os participantes foram convidados a participar da pesquisa e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram coletadas as seguintes informações: sexo, idade, estado civil, cor/etnia, escolaridade e renda familiar. A presença de comorbidades foi avaliada por meio do autorrelato, considerando o diagnóstico médico no último ano das seguintes doenças crônicas mais frequentes entre os idosos1111 Sousa AC, Dias RC, Maciel AC, Guerra RO. Frailty syndrome and associated factors in community-dwelling elderly in Northeast Brazil. Arch Gerontol Geriatr. 2012;54(2):95-101.: doenças cardíacas; hipertensão arterial; diabetes mellitus; tumor maligno; artrite ou reumatismo; doenças pulmonares; depressão; osteoporose e acidente vascular encefálico (AVE). Foi considerada presença de comorbidades o autorrelato de duas ou mais enfermidades.

A prática de atividade física foi investigada perguntando se nos últimos três meses o participante praticou ou tem praticado algum tipo de exercício físico e/ou esporte e com qual frequência.

A obtenção dos dados sobre capacidade funcional foi feita utilizando a Escala de Lawton, instrumento validado para avaliar as atividades instrumentais de vida diária (AIVD). Nessa escala, as questões investigam a capacidade do indivíduo em realizar ou não tarefas como preparar refeições e realizar serviços domésticos, se as faz com ajuda de outra pessoa. A pontuação máxima é de 27 pontos e a mínima de 9 pontos. A independência no desempenho está diretamente relacionada à capacidade de vida comunitária independente1212 Lawnton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activier of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86..

No que se refere à mobilidade, avaliou-se utilizando o Time Up and Go (TUG). O TUG é um teste utilizado para avaliar a mobilidade funcional do indivíduo, por meio da análise do equilíbrio sentado, transferências de sentado para de pé, estabilidade na deambulação e mudança do curso da marcha, sem a utilização de estratégias compensatórias1313 Shumway-Cook A, Brauer S, Woollacott MH. Predicting the probability for falls in community-dwelling older adults using the Timed Up & Go Test. Phys Ther. 2000;80(9):896-903.,1414 Fatori CO, Leite CF, de Souza LAPS, Patrizzi LJ. Dupla tarefa e mobilidade funcional de idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):29-37.. Os idosos que completaram o TUG em até 10 segundos foram considerados com boa mobilidade; idosos que completaram o TUG em 11 segundos ou mais foram considerados com mobilidade reduzida, seguindo a classificação de Edmonton Frail Scale (EFS), para risco de fragilidade1515 Rolfson DB, Majumdar SR, Tsuyuki RT, Tahir A, Rookwood K. Validity and reliability of the Edmonton Frail Scale. Age Ageing. 2006;35(5):526-9..

Os dados foram armazenados e processados no software Statistical Package for the Social Science versão 20.0 para Windows (SPSS 20.0). Empregou-se a estatística descritiva (frequência, medidas de tendência central e de dispersão) para caracterização da amostra, seguida de análise bivariada (X²) para investigar variáveis de associação, e análise multivariada (regressão logística) para ajustar possíveis variáveis de confusão. Estimou-se IC95% e nível de significância α=5%.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (protocolo nº 2.452.346), conforme as determinações da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que define as diretrizes e normas regulamentadoras que regem a pesquisa envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

Foram entrevistados 113 idosos, dentre os quais, quatro foram excluídos por não concluírem todas as etapas da pesquisa. Assim, 109 idosos foram incluídos na análise dos dados, apresentando média de idade de 71,5 (±5,51) anos (idade mínima de 65 e máxima de 88 anos).

A Tabela 1 caracteriza a amostra de acordo com as variáveis sociodemográficas e condições de saúde. A maioria era do sexo feminino (77,1%); na faixa etária de 65 a 69 anos (45,9%); casada (47,7%); de etnia branca (46,8%) ou parda (33,0%); com escolaridade abaixo do fundamental completo (73,4%) e renda salarial menor que dois salários mínimos (51,4%). Em relação às condições de saúde, 57,8% afirmaram ter duas ou mais comorbidades e apenas 39,4% afirmaram praticar alguma atividade física.

Tabela 1
Distribuição das características sociodemográficas e condições de saúde dos idosos (N=109). Caicó, RN, 2019.

A Tabela 2 apresenta o resultado da análise bivariada entre a capacidade funcional com variáveis sociodemográficas e condições de saúde. Dentre os 109 idosos avaliados, 29,4% (n=32) apresentaram dependência para realização das AIVD. O teste qui-quadrado mostrou associação significativa entre dependência para realização das AIVD e a faixa etária igual ou superior a 75 anos (p<0,001).

Tabela 2
Análise bivariada da capacidade funcional com variáveis sociodemográficas e condições de saúde (N= 109). Caicó, RN, 2019.

No que diz respeito à mobilidade, 67,9% (n=73) tiveram mobilidade reduzida no TUG. A Tabela 3 descreve a associação do TUG com as variáveis sociodemográficas e condições de saúde, observando associação significativa entre a mobilidade reduzida com a presença de comorbidades (p=0,04) e com não praticar atividade física (p<0,01).

Tabela 3
Análise bivariada da mobilidade Time Up and Go (TUG) com variáveis sociodemográficas e condições de saúde (N=109). Caicó, RN, 2019.

Após a análise bivariada, foi realizada a análise de regressão logística binária para controle de possíveis variáveis de confundimento, e avaliar os fatores associados à capacidade funcional e a mobilidade de idosos comunitários (Tabelas 4 e 5). Desta forma, a idade avançada foi confirmada como fator de associação para dependência na realização das AIVD, assim como não praticar atividade física manteve-se como fator de associação com a mobilidade reduzida, independente do sexo, da idade e da presença de comorbidades.

Tabela 4
Modelo de regressão logística binária para avaliar os fatores associados a capacidade funcional (AIVD) de idosos comunitários. Caicó, RN, 2019.

Tabela 5
Modelo de regressão logística binária para avaliar os fatores associados à mobilidade (TUG) de idosos comunitários. Caicó, RN, 2019.

DISCUSSÃO

O presente estudo apresentou um perfil consoante a pesquisas no contexto brasileiro, com predomínio do sexo feminino (77,1%)11 Sousa FD, Gonçalves LHT, Gamba MA. Capacidade funcional de idosos atendidos pelo programa saúde da família em Benevides, Brasil. Rev Cuidarte. 2018;9(2):2135-44.,1616 Gavasso WC, Beltrame V. Capacidade funcional e morbidades referidas: uma análise comparativa em idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(3):399-409.. Os pesquisadores em Gerontologia caracterizam esse processo como a feminização da velhice que ocorre principalmente nas idades mais avançadas1717 Almeida AV, Mafra SCT, da Silva EP, Kanso SA. Feminização da Velhice: em foco as características socioeconômicas, pessoais e familiares das idosas e o risco social. Textos Contextos. 2015;14(1):115-31..

Em relação à faixa etária, os idosos deste estudo tiveram idade predominante de 65 a 69 anos. Obteve-se associação significativa entre a dependência nas AIVD com a faixa etária (p<0,001), esse achado reafirma o fato de que o avançar da idade pode estar relacionado a um maior grau de dependência da pessoa idosa, corroborando outros estudos1818 Berlezi ME, Farias AM, Dallazen F, Oliveira KR, Pillatt AP, Korte FC. Como está a capacidade funcional de idosos residentes em comunidades com taxa de envelhecimento populacional acelerado? Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(4):643-2.,1919 Utida KAM, Budib MB, Batiston AP. Medo de cair associado a variáveis sociodemográficas, hábitos de vida e condições clínicas em idosos atendidos pela Estratégia de Saúde da Família em Campo Grande-MS. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):441-52.. Sabe-se que idade avançada gera maior comprometimento das questões físicas e aspectos funcionais2020 Marandi BAN, Silva BT, Abreu DPG. Avaliação da capacidade funcional de idosos: atividades das equipes da estratégia de saúde da família. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2017;9(4):1087-93.. Além disso, em pessoas acima de 75 anos, existe um maior risco do desenvolvimento de doenças crônicas e degenerativas, diminuindo a habilidade do idoso para uma vida independente e envelhecimento ativo2121 Campos ACV, Almeida MHM, Campos GV, Bogutchi TF. Prevalência de incapacidade funcional por gênero em idosos brasileiros: uma revisão sistemática com metanálise. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):545-59..

Neste estudo, não foram observadas associações significativas entre a capacidade funcional com sexo, presença de comorbidades e prática de atividade física, apesar de outro estudo observar significativas associações entre limitação funcional e o sexo feminino1919 Utida KAM, Budib MB, Batiston AP. Medo de cair associado a variáveis sociodemográficas, hábitos de vida e condições clínicas em idosos atendidos pela Estratégia de Saúde da Família em Campo Grande-MS. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):441-52.. No entanto, é válido ressaltar que o cenário do presente estudo foram as unidades básicas de saúde; desta forma, assumindo viés de seleção com homens em maior propensão a eventos adversos já instalados.

Paiva et al.22 em sua pesquisa não encontraram associação significativa entre a presença de morbidade e capacidade funcional dos idosos, corroborando os achados do nosso estudo. Neste sentido, também, concordamos com as afirmações de Paiva et al.22 de que esse achado pode ser justificado pelo fato de os idosos abordados terem acompanhamento médico regular, e assim estarem com suas comorbidades controladas, não tendo, portanto, comprometimento funcional.

Em relação à prática de atividade física não houve associação com a capacidade funcional. Moraes et al.23 em estudo desenvolvido no município de Fortaleza, demonstram não ser possível apontar uma relação direta entre essas duas variáveis. Por outro lado, o presente estudo destacou relação entre a mobilidade reduzida com não praticar atividade física, independente do sexo, da idade e da presença de comorbidades. Na pesquisa de Moraes et al.2323 Moraes MPI, Sousa IAFC, Vasconcelos T. Relação entre a capacidade funcional e mobilidade com a prática de atividade física em idosos participantes de uma associação. Ciênc Saúde. 2016;9(2):90-5. os resultados foram semelhantes e os autores concluíram que a prática de atividade física regular pode estar relacionada a melhor mobilidade funcional. Fernandes et al.24 em seus resultados apontam a importância da prática de exercícios físicos para pessoas idosas e sua repercussão positiva na mobilidade funcional. Assim, podemos dizer que a realização de atividade física pode atuar como uma estratégia preventiva em saúde, contribuindo como fator de proteção para a perda da mobilidade, apesar do avançar da idade2525 Fidelis LT, Patrizzi LJ, Walsh IAP. Influência da prática de exercícios físicos sobre a flexibilidade, força muscular manual e mobilidade funcional em idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(1):109-16..

Neste sentido, a atenção primária à saúde deve estar empenhada em prover a atenção integral do idoso e da sua família, bem como estar à frente da avaliação do declínio funcional, buscando desenvolver ações de promoção, prevenção e reabilitação2626 Roedl KJ, Wilson LS, Fine J. A systematic review and comparison of functional assessments of community-dwelling elderly patients. J Am Assoc Nurse Pract. 2016;28(3):160-9.; favorecendo o cuidado em saúde com o objetivo de retardar os efeitos deletérios do processo de envelhecimento, preservando a independência e a autonomia dos idosos2727 Polaro SHI, Gonçalves LHT, Alvarez AM. Building the gerontological performance of nurses in Family Health Programs. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):160-7.. Para tanto, a atenção primária precisa fomentar estratégias para incluir o cuidado além da medicalização e assistência em saúde, dispondo de profissionais e espaços que estimulem e favoreçam a prática de atividade física e o melhor desempenho físico em idosos para prevenir eventos adversos e estimular o envelhecimento saudável e ativo2828 Aciole GG, Batista LH. Promoção da saúde e prevenção de incapacidades funcionais dos idosos na estratégia de saúde da família: a contribuição da fisioterapia. Saúde Debate. 2013;37:10-9..

Contudo, dada a importância do tema, sugere-se a continuidade de novos estudos com amostras mais abrangentes e estudos de coorte que permitam avaliar com maior precisão a capacidade funcional e a mobilidade em idosos, bem como que incorporem capacitações com profissionais da atenção primária à saúde, como parte do processo de educação permanente e estratégia para fortalecimento do escopo de ofertas para os usuários idosos.

O presente estudo apresentou como principal limitação a amostra, considerada, relativamente, pequena para um estudo epidemiológico; e obtida por conveniência em apenas cinco das 18 unidades básicas de saúde existentes no município, de acordo com as possibilidades operacionais de tempo e recursos humanos disponíveis para execução da coleta de dados.

Todavia, é importante ressaltar que esta pesquisa foi conduzida com rigor metodológico e tomados os cuidados necessários no processo de amostragem, de forma que ainda que a amostra seja expandida, haverá pequena variação para os parâmetros do estudo.

CONCLUSÃO

O presente estudo constatou associação significativa entre capacidade funcional e idade igual ou superior a 75 anos; e não praticar atividade física manteve-se como fator de associação com a mobilidade reduzida, independente do sexo, da idade e da presença de comorbidades.

Com base nesses achados, destaca-se a importância do uso de instrumentos de avaliação da capacidade funcional e mobilidade para o desenvolvimento de ações específicas voltadas para a autonomia e independência dos idosos, diante do envelhecimento populacional que caracteriza o novo cenário brasileiro. Enfatiza-se, também, a relevância da prática de atividade física, da construção de espaços de promoção e prevenção para incentivar o envelhecimento ativo, além da abordagem multi e interprofissional para a atenção integral à saúde da pessoa idosa.

REFERENCES

  • 1
    Sousa FD, Gonçalves LHT, Gamba MA. Capacidade funcional de idosos atendidos pelo programa saúde da família em Benevides, Brasil. Rev Cuidarte. 2018;9(2):2135-44.
  • 2
    Barreto MS, Carreira L, Marco SS. Envelhecimento populacional e doenças crônicas: Reflexões sobre os desafios para o Sistema de Saúde Pública. Rev Kairós. 2015;18(1):325-39.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 2.528 de 19 de outubro de 2006. Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa - PNSPI. Diário Oficial da União. 19 out 2006; Seção 1.
  • 4
    Kagawa CA, Corrente JE. Análise da capacidade funcional em idosos do município de Avaré-SP: fatores associados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):577-86.
  • 5
    Ferreira AP. Capacity and performance for the realization of basic activities of daily living (basic and instrumental) in elder dependents. Rev Baiana Saúde Pública. 2015;39(1):25-37.
  • 6
    Maciel ACC, Guerra RO. Limitação funcional e sobrevida em idosos de comunidade. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(4):347-52.
  • 7
    Guralnik JM, Ferrucci L, Simonsick EM, Salive ME, Wallace RB. Lower-extremity function in persons over the age of 70 years as a predictor of subsequent disability. N Engl J Med. 1995;332(9):598-9.
  • 8
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. Set. 2017.
  • 9
    Costa EFA, Monego ET. Avaliação Geriátrica Ampla (AGA). Rev UFG. 2003;5(2):1-11.
  • 10
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. @Cidades [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2018 [acesso em 27 ago. 2018]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br
  • 11
    Sousa AC, Dias RC, Maciel AC, Guerra RO. Frailty syndrome and associated factors in community-dwelling elderly in Northeast Brazil. Arch Gerontol Geriatr. 2012;54(2):95-101.
  • 12
    Lawnton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activier of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86.
  • 13
    Shumway-Cook A, Brauer S, Woollacott MH. Predicting the probability for falls in community-dwelling older adults using the Timed Up & Go Test. Phys Ther. 2000;80(9):896-903.
  • 14
    Fatori CO, Leite CF, de Souza LAPS, Patrizzi LJ. Dupla tarefa e mobilidade funcional de idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):29-37.
  • 15
    Rolfson DB, Majumdar SR, Tsuyuki RT, Tahir A, Rookwood K. Validity and reliability of the Edmonton Frail Scale. Age Ageing. 2006;35(5):526-9.
  • 16
    Gavasso WC, Beltrame V. Capacidade funcional e morbidades referidas: uma análise comparativa em idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(3):399-409.
  • 17
    Almeida AV, Mafra SCT, da Silva EP, Kanso SA. Feminização da Velhice: em foco as características socioeconômicas, pessoais e familiares das idosas e o risco social. Textos Contextos. 2015;14(1):115-31.
  • 18
    Berlezi ME, Farias AM, Dallazen F, Oliveira KR, Pillatt AP, Korte FC. Como está a capacidade funcional de idosos residentes em comunidades com taxa de envelhecimento populacional acelerado? Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(4):643-2.
  • 19
    Utida KAM, Budib MB, Batiston AP. Medo de cair associado a variáveis sociodemográficas, hábitos de vida e condições clínicas em idosos atendidos pela Estratégia de Saúde da Família em Campo Grande-MS. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):441-52.
  • 20
    Marandi BAN, Silva BT, Abreu DPG. Avaliação da capacidade funcional de idosos: atividades das equipes da estratégia de saúde da família. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2017;9(4):1087-93.
  • 21
    Campos ACV, Almeida MHM, Campos GV, Bogutchi TF. Prevalência de incapacidade funcional por gênero em idosos brasileiros: uma revisão sistemática com metanálise. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):545-59.
  • 22
    Paiva SCL, Gomes CP, Almeira LG, Dutra RR, Aguiar NP, Lucinda LMF, et al. Influência das comorbidades, do uso de medicamentos e da institucionalização na capacidade funcional dos idosos. Rev Interdisciplin Estud Exp. 2014;6(n. único):46-53.
  • 23
    Moraes MPI, Sousa IAFC, Vasconcelos T. Relação entre a capacidade funcional e mobilidade com a prática de atividade física em idosos participantes de uma associação. Ciênc Saúde. 2016;9(2):90-5.
  • 24
    Fernandes AMBL, Ferreira JJA, Stolt LROG, Brito GEG, Clementino ACCR, Sousa NM. Efeitos da prática de exercício físico sobre o desempenho da marcha e da mobilidade funcional em idosos. Fisioter Mov. 2017;25(4):487-95.
  • 25
    Fidelis LT, Patrizzi LJ, Walsh IAP. Influência da prática de exercícios físicos sobre a flexibilidade, força muscular manual e mobilidade funcional em idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(1):109-16.
  • 26
    Roedl KJ, Wilson LS, Fine J. A systematic review and comparison of functional assessments of community-dwelling elderly patients. J Am Assoc Nurse Pract. 2016;28(3):160-9.
  • 27
    Polaro SHI, Gonçalves LHT, Alvarez AM. Building the gerontological performance of nurses in Family Health Programs. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):160-7.
  • 28
    Aciole GG, Batista LH. Promoção da saúde e prevenção de incapacidades funcionais dos idosos na estratégia de saúde da família: a contribuição da fisioterapia. Saúde Debate. 2013;37:10-9.
  • Financiamento da Pesquisa:

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Editado por

Editado por:

Ana Carolina Lima Cavaletti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2019
  • Aceito
    08 Out 2019
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com