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Respostas posturais frente à estimulação vestibular galvânica: comparação entre grupo de pessoas idosas e jovens

Resumo

Objetivo:

Avaliar a interferência da manipulação das informações vestibulares na oscilação postural e atividade muscular de jovens e idosos.

Métodos:

Foi analisado o efeito de três intensidades (0,3; 0,6 e 1mA) de estimulação vestibular galvânica (GVS) no padrão de ativação muscular e deslocamento do centro de pressão (CP) de 12 idosos (GI) e 12 adultos jovens (GC), durante a manutenção do equilíbrio em uma superfície estável sem visão.

Resultados:

O GC mostrou correlação positiva entre o deslocamento de CP e a ativação muscular com a intensidade da GVS. Por outro lado, o GI não foi capaz de modular a magnitude da resposta postural com a intensidade da GVS. Durante o maior valor de GVS (1mA), houve um aumento da ativação muscular de agonista e antagonista caracterizando um padrão de coativação que aumentou a rigidez e diminuiu a amplitude de oscilação.

Conclusão:

Os indivíduos do GI selecionaram uma estratégia motora atípica para compensar os efeitos da GVS. Essa estratégia incomum refletiu deficit no sistema vestibular dos idosos e pode interferir negativamente na capacidade de reorganização das informações sensoriais.

Palavras-chave:
Equilíbrio Postural; Vestíbulo do Labirinto; Saúde do Idoso

Abstract

Objective:

To evaluate the effect of vestibular manipulation on the postural sway and muscle activation of younger and older adults.

Methods:

The study analyzed the effects of three intensity levels of galvanic vestibular stimulation (GVS) (0.3; 0.6 and 1m) on the pattern of muscle activity and center of pressure (CP) displacements of 12 older adults (EG) and 12 young adults (CG) while maintaining their balance on a stable surface, with no vision.

Results:

The EG showed a positive correlation between CP displacement and muscle activity and GVS intensity. On the other hand, the magnitude of postural response in the EG was not modulated in accordance with GVS intensities. Additionally, during the highest GVS intensity level (1 mA) greater muscle activity was used to increase stiffness, decrease the amplitude of oscillation and ensure stability. This unusual response characterizes a pattern of co-activation and is perhaps a safety mechanism to ensure stability.

Conclusion:

The EG individuals were not able to select the appropriate motor strategy to efficiently compensate the effects of GVS. This unusual strategy reflects deficits in the vestibular system of older adults, a fact which negatively interferes with their ability to reevaluate sensory information.

Keywords:
Postural Balance; Vestibule Labyrinth; Health of the Elderly

INTRODUÇÃO

O controle postural é desempenhado por mecanismos motores e sensoriais que vão desde respostas periféricas relativamente simples a eventos complexos envolvendo altos níveis de função cognitiva e integração sensório-motora. Com o processo de envelhecimento, há um declínio das funções motoras e sensoriais com prejuízo da estabilidade postural e aumento do número de quedas. As quedas são um problema de saúde pública na população idosa e sua incidência aumenta com a idade. Segundo World Health Organization entre 28-35% das pessoas com 65 anos ou mais caem a cada ano e esse número sobe para 32-42% a partir de 70 anos11 Commandeur D, Klimstra MD, MacDonald S, Inouye K, Cox M, Chan D, et al. Difference scores between single-task and dual task gait measures are better than clinical measures for detection of fall-risk in community-dwelling older adults. Gait Posture. 2018;66:155-9.. Sabe-se que lesões resultantes de quedas podem levar a limitações funcionais, altos níveis de ansiedade, perda da dependência e aumento dos custos financeiros11 Commandeur D, Klimstra MD, MacDonald S, Inouye K, Cox M, Chan D, et al. Difference scores between single-task and dual task gait measures are better than clinical measures for detection of fall-risk in community-dwelling older adults. Gait Posture. 2018;66:155-9..

Sendo assim, é essencial que quaisquer fatores de risco associados a instabilidade postural em idosos possam ser identificados precocemente. A detecção precoce destes fatores norteará programas de ações preventivas, tornando-os mais eficientes e menos onerosos. Vários são os fatores de risco descritos, dificultando a detecção precoce das causas específicas do aumento da instabilidade postural em idosos.

Possíveis explicações para esse aumento incluem limitações cognitivas22 Jehu DAM, Paquet N, Lajoie Y. Balance and mobility training with or without simultaneous cognitive training reduces attention demand but does not improve obstacle clearance in older adults. Motor Control. 2018;22:275-94., alterações músculo-esqueléticas tais como, redução da densidade mineral óssea33 Miko I, Szerb I, Szerb A, Bender T, Poor G. Effect of a balance-training programme on postural balance, aerobic capacity and frequency of falls in women with osteoporosis: a randomized controlled trial. J Rehabil Med. 2018;50(6):542-7., redução do número e do comprimento de fibras musculares, perda de força44 Hernández-Luis R, Martín-Ponce E, Monereo-Muñoz M, Quintero-Platt G, Odeh-Santana S, González- Reimers E, et al. Prognostic value of physical function tests and muscle mass in elderly hospitalized patients: a prospective observational study. Geriatr Gerontol Int. 2018;18:57-64., diminuição do torque da articulação do joelho55 Crenshaw JR, Bernhardt KA, Atkinson EJ, Khosla S, Kaufman KR, Amin S. The relationships between compensatory stepping thresholds and measures of gait, standing postural control, strength, and balance confidence in older women. Gait Posture. 2018;65:74-80.,66 Currie DW, Thoreson SR, Clark L, Goss CW, Marosits MJ, Diguiseppi CG. Factors associated with older adults enrollment in balance classes to prevent falls: case-control study. J Appl Gerontol. 2018;18:73-80., lentidão na resposta do músculo após uma perturbação externa55 Crenshaw JR, Bernhardt KA, Atkinson EJ, Khosla S, Kaufman KR, Amin S. The relationships between compensatory stepping thresholds and measures of gait, standing postural control, strength, and balance confidence in older women. Gait Posture. 2018;65:74-80.,77 Shulman D, Spencer A, Vallis LA. Age-related alterations in reactive stepping following unexpected mediolateral perturbations during gait initiation. Gait Posture. 2018;64:130-4., alterações sensitivas tais como redução na percepção espacial88 Shaffer SW, Harrison AL. Aging of the somatosensory system: a translational perspective. Phys Ther. 2007;87(2):193-207., comprometimento das informações vestibulares99 Horak FB, Kluzik J, Hlavacka F. Velocity dependence of vestibular information for postural control on tilting surfaces. J Neurophysiol. 2016;116:1468-79., redução de acuidade visual e menor sensibilidade ao contraste1010 Saftari LN, Kwon OS. Ageing vision and falls: a review. J Physiol Anthropol. 2018;37:23-37., redução da sensibilidade tátil1111 Woo MT, Davids K, Liukkonen J, Chow JY, Jaakkola T. Immediate effects of wearing knee length socks differing in compression level on postural regulation in community-dwelling, healthy, elderly men and women. Gait Posture. 2018;66:63-9. e alterações proprioceptivas1212 Paton J, Glasser S, Collings R, Marsden J. Getting the right balance: insole design alters the static balance of people with diabetes and neuropathy. J Foot Ankle Res. 2016;9:5-9..

Não há consenso sobre qual sistema (sensorial, motor ou cognitivo) influencia mais o declínio do controle postural nos idosos. Krager1313 Krager R. Assessment of vestibular function in elderly patients. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2018;26(5):302-6. sugere que as alterações no sistema vestibular são um importante fator de risco para esse declínio. A favor da ideia de declínio do sistema vestibular estão os estudos que apontam as alterações anatômicas decorrentes do envelhecimento, dentre as quais destacam-se as perdas das células sensoriais dos cílios1414 Taylor RR, Jagger DJ, Saeed SR, Axon P, Donnelly N, Tysome J, et al. A. Characterizing human vestibular sensory epithelia for experimental studies: new hair bundles on old tissue and implications for therapeutic interventions in ageing. Neurobiol Aging. 2015;36:2068-84.,1515 Zu Eulenburg P, Ruehl RM, Runge P, Dieterich. Ageing-related changes in the cortical processing of otolith information in humans. Eur J Neurosci. 2017;46:2817-25. e dos neurônios do núcleo vestibular1616 Gluth MB, Nelson EG. Age-related change in vestibular ganglion cell populations in individuals with presbycusis and normal hearing. Otol Neurotol. 2017;38:540-6..

O papel do sistema vestibular no controle postural pode ser estudado pela manipulação artificial das aferências vestibulares através da aplicação de corrente galvânica (bipolar contínua) nos processos mastóideos despolarizando o nervo vestibular e aumentando a freqüência de disparo dos aferentes vestibulares do lado do cátodo e diminuindo do lado do ânodo99 Horak FB, Kluzik J, Hlavacka F. Velocity dependence of vestibular information for postural control on tilting surfaces. J Neurophysiol. 2016;116:1468-79.. Esta aplicação resulta em uma oscilação corporal para o lado do ânodo. Este comportamento é semelhante ao observado em indivíduos com desordens no sistema vestibular. e permite a avaliação mais específica das informações vestibulares por induzir reações posturais durante a manuteção da postura estática, sendo um método interessante para o estudo do papel das informações vestibulares no controle postural de idosos1313 Krager R. Assessment of vestibular function in elderly patients. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2018;26(5):302-6.,1717 Lui KY, Hewston P, Deshpande N. Visual-Vestibular interaction for postural control during Sit-to-Stand: effects of aging. Motor Control. 2018;14:1-12..

Considerando o declínio das informações sensoriais como um fator relevante no controle postural de idosos, bem como o fato de que esse controle depende de uma complexa interação entre vários sistemas sensoriais (incluindo o sistema vestibular), propôs-se o estudo da interferência de três intensidades de estimulação vestibular galvânica (GVS) na oscilação postural de idosos.

MÉTODO

Trata-se de estudo quantitativo de delineamento transversal com amostra constituída por 12 idosos (GI) e 12 jovens (GC) residentes na comunidade de Ribeirão Preto, SP, Brasil. O grupo avaliado foi selecionado a partir de amostragem de conveniência, não intencional, de acordo com participação em grupos de convivência para GI e da universidade para GC, considerando a dificuldade de seleção aleatória.

Os participantes foram convidados a participarem de forma voluntária. Todos foram informados dos objetivos e procedimentos do estudo e foram solicitados a assinarem um Termo de Consentimento aprovado pelo comitê de ética em pesquisa: CAA 0245.0.213.000-10.

A amostra populacional foi constituída pelos seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 65 anos para o GI e 18 para GC; ser capaz de caminhar sem dispositivo de auxílio e apresentar escore no MEEM acima de 22 pontos. Foram excluídos os indivíduos com deficit de mobilidade (incapazes de caminhar por seis metros de forma independente) condições de saúde instáveis ou graves, como sequela de Acidente Vascular Encefálico, doença de Parkinson, doença de Alzheimer, Epilepsia, utilização de marca passo, neuropatias, vestibulopatias prévias e incapacidade de compreender instruções simples necessárias para execução das tarefas requeridas.

Os indivíduos se deslocaram ao Laboratório de Avaliação e Reabilitação do Equilíbrio (LARE) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP - USP) onde a coleta de dados foi realizada com duração aproximada de 90min.

Para avaliação da função cognitiva, mobilidade funcional, história de tontura e atividades de vida diária foram aplicados os seguintes instrumentos: Miniexame do Estado Mental (MEEM)1818 Dag E, Örnek N, Örnek K, Günay F, Türkel Y. Mini mental state exam versus Montreal cognitive assessment in patients with age-related macular degeneration. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2014;18(20):3025-8., Performance Oriented Mobility Assessment (POMA)1919 Knobe M, Giesen M, Plate S, Gradl-Dietsch G, Buecking B, Eschbach D, et al.The Aachen Mobility and Balance Index to measure physiological falls risk: a comparison with the Tinetti POMA Scale. Eur J Trauma Emerg Surg. 2016;42(5):537-45., Dizziness Handicap Inventory (DHI)2020 Mutlu B, Serbetcioglu B. Discussion of the dizziness handicap inventory. J Vestib Res. 2013;23(6):271-7. e escala de Lawton2121 Kadar M, Ibrahim S, Razaob NA, Chai SC, Harun D. Validity and reliability of a Malay version of the Lawton instrumental activities of daily living scale among the Malay speaking elderly in Malaysia. Aust Occup Ther J. 2018;65(1):63-8..

Os indivíduos foram solicitados a manter o equilíbrio estático durante quatro tarefas específicas descritas no Quadro 1. O deslocamento do centro de pressão (CP) e a atividade eletromiografia (EMG) de alguns músculos posturais foram registrados por 10s em cada condição que foi repetida por três vezes totalizando 12 tentativas. O efeito da aprendizagem assim como a fadiga foram minimizados pela randomização das tentativas e intervalo de descanso de 30s entre as tarefas.

Quadro 1
Tarefas analisadas durante a manutenção do equilíbrio estático em plataforma de força. Ribeirão Preto, SP, 2017.

A estimulação vestibular através da corrente galvânica foi aplicada utilizando uma configuração bipolar bineural. Utilizaram-se eletrodos de 3,5cm2 que foram fixos nos processos mastoideos dos indivíduos. O ânodo foi posicionado sempre do lado direto. As intensidades aplicadas foram 0,3, 0,6 e 1mA.

Análise de dados

A oscilação postural foi quantificada a partir de valores do deslocamento do CP durante a manutenção do equilíbrio estático em uma plataforma de força com área de 50x50cm2 (modelo Biomec400, EMG System Brasil). Essa plataforma de força é composta de quatro células de carga e a carga vertical aplicada a cada célula é medida. Essas cargas são adquiridas simultaneamente em uma frequência de amostragem de 100 Hz com uma placa A/D de resolução de 12 bits.

A partir desses sinais, calculou-se a força de reação vertical do solo resultante e a posição do CP nas direções ântero-posterior e medio-lateral. A localização do CP na plataforma de força apresentou um erro médio de 0,02cm da calibração de fábrica. Os sinais do CP foram filtrados através de um filtro Butterworth de quarta ordem e passa-baixa com um atraso de zero a uma frequência de corte de 10 Hz. Para quantificar a oscilação corporal, foram calculadas a amplitude e o desvio padrão (DP) do deslocamento da CP nas respectivas direções.

A atividade EMG dos músculos gastrocnêmio medial (GM), tibial anterior (TA), bíceps femoral (BF) e reto femoral (RF) foram registradas por eletrodos bipolares de superfície conectados a um amplificador de sinal de 16 canais (sistemas EMG system do Brasil). Os sinais foram gravados digitalmente usando uma placa do conversor A/D com uma resolução dinâmica de 16 bits. A frequência de amostragem foi fixada em 2KHz, com um intervalo de ±10V de entrada. O sinal de eletromiografia foi filtrado através de filtro Butterworth passa-banda (20-500 Hz).

A média da raiz quadrada (RMS) da atividade de cada músculo foi calculada e seus valores foram normalizados pela contração voluntária máxima.

A análise dos dados apropriou-se da estatística descritiva. Para as variáveis quantitativas, as medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio padrão) foram calculadas. Para os valores mensurados em escala ordinal (Minexame do estado mental, POMA, DHI), optou-se pela utilização de teste não paramétrico para amostras independentes - teste de Mann-Whitney U para comparação entre os grupos.

A análise de variância (ANOVA) foi utilizada para dados paramétricos a fim de verificar se as intensidades da GVS (0, 0,3, 0,6 e 1 mA). possuem efeitos diferentes na ativação (valor RMS) de cada músculo avaliado. Considerando o objetivo de avaliar o efeito da intensidade na ativação muscular optou-se pela análise intragrupo.

Para a comparação entre os grupos utilizou-se os valores de deslocamento do CP no sentido ântero-posterior e médio lateral, sendo que o deslocamento em cada direção foi analisado pela ANOVA com dois fatores: estimulação x grupo. O nível de significância foi fixado em 0,05.

A verificação da existência e do grau de relação entre as variáveis deslocamento do CP com as intensidades e de GVS e ativação muscular (RMS) com as intensidades de GVS foi calculado através do coeficiente de correlação linear de Pearson.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 24 indivíduos divididos em dois grupos. Grupo de idosos (GI) composto por 12 voluntários (75±8,86 anos, 8 mulheres e 4 homens, índice de massa corporal de 26,21±4,86) residentes na comunidade de Ribeirão Preto; e Grupo Controle (GC) composto por 12 adultos (23±5 anos; 9 mulheres e 3 homens, IMC de 24,32±4,20), graduandos do curso de fisioterapia da USP.

Não houve diferença significativa entre os grupos na escala de Lawton. O GC obteve o escore máximo de 27, com desempenho semelhante ao GI conforme observado na Tabela 1.

Tabela 1
Escores obtidos nos instrumentos: Escala de Lawton, MEEM, DHI e POMA no grupo de jovens (n=12) e grupo de idosos (n=12). Ribeirão Preto, SP, 2017.

Também não houve diferença estatística no DHI entre os dois grupos, o que era esperado visto que a presença de distúrbios vestibulares foi considerada um critério de exclusão. O DHI avalia possíveis alterações vestibulares em três dimensões: física, emocional e funcional. O pior escore de desempenho observado nos indivíduos do GI foi de 100 pontos, valor que não indicou deficit vestibulares.

Efeito significativo foi observado entre os grupos no MEEM e no POMA. No entanto, os valores obtidos pelos idosos tanto no MEEM (acima de 27 pontos) quanto no POMA (acima de 46 pontos) não indicam prejuízos cognitivos ou de mobilidade (Tabela 1).

Atividade Eletromiográfica

A análise da atividade muscular durante a manutenção do equilíbrio com ou sem GVS indicou que, para o GC, quanto maior a intensidade do estímulo, maior foi a ativação muscular. Assim, houve um aumento linear na ativação muscular com o aumento da GVS (valores do coeficiente de correlação acima de 0,9 apresentados na Figura 1). Observe o aumento de 9% da atividade muscular do TA durante a GVS de 0,3 mA, 12% durante 0,6 mA e 27% durante 1mA em relação à sua atividade sem estímulo. Outros músculos demonstraram um comportamento semelhante. O GM aumentou 10%, 16% e 47%; o BF aumentou 13%, 20% e 35%; e o RF aumentou em 20%, 22% e 25%, nas intensidades de 0,3, 0,6 e 1 mA, respectivamente

Figura 1
Atividade EMG dos músculos tibial anterior (TA), gastrocnêmio medial (GM), bíceps femoral (BF) e reto femoral (FR) durante a manutenção do equilíbrio na posição ortostática associada a diferentes intensidades de estimulação vestibular galvânica (0,3; 0,6 e 1 mA) no GC (grupo controle) e no GI (grupo idosos). Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2017.

A atividade muscular do GI também aumentou em algumas tarefas com a GVS, mas não de forma linear (Figura 1). Houve diminuição da atividade muscular de 4% para TA, 6% para GM, 3% para BF e 0,5% para RF durante o estímulo vestibular de 0,3 mA em relação à atividade sem estímulo. Durante o estímulo de 0,6 mA a atividade do TA e do GM foram similares aos valores observados durante o estímulo de 0,3mA. Já a do BF diminuiu em 5% e do RF em 7%. Durante o estímulo de 1mA a atividade de todos os músculos aumentou: 43% para TA, 54% para GM, 37% para BF e 42% para RF. Para o GI, o aumento da ativação muscular foi observado apenas durante GVS de 1mA, alta intensidade.

Não houve efeito da intensidade da GVS para o GC conforme valores de ANOVA para os músculos TA (F=2,25; P=0,14), FR (F=2,10; P=0,16), GM (F=15,47; P=0,04) e BF (F=7,10; P=0,01). Para o GI, o teste ANOVA não mostrou efeito de intensidade para músculos descritos acima.

Deslocamento do Centro de Pressão

Note a correlação positiva entre intensidade de GVS e oscilação postural avaliada pela amplitude (Figura 2) e SD (Figura 3) do deslocamento do CP na direção ântero-posterior (AP) para o GC. Os valores do coeficiente de correlação foram maiores que 9. Embora o deslocamento médio-lateral (ML) também tenha aumentado com a intensidade da GVS, o comportamento linear foi menos evidente nessa direção.

Figura 2
Amplitude do deslocamento do CoP (centro de pressão) em centímetro na direção médio-lateral (ML) (painel superior) e ântero-posterior (painel inferior) durante diferentes intensidades de estimulação vestibular galvânica (GVS) (0, 0,3, 0,6 e 1 mA) para o GC e GI. Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2017.

Os idosos não foram capazes de modular a oscilação postural com a intensidade da GVS (observe os baixos valores dos coeficientes de correlação nas Figuras 2 e 3). A amplitude e o SD do deslocamento do CP na direção AP foi menor para GI durante as três intensidades de GVS em comparação ao GC (amplitude F=0,006; P=0,04) (SD F=9,60; P=0,03).

Figura 3
Desvio padrão para o deslocamento da CoP (centro de pressão) em cm na direção médio lateral (ML) (painel superior) e anterio-posterior (AP) (painel inferior) durante diferentes intensidades de estimulação vestibular galvânica (GVS) (0, 0,3, 0,6 e 1 mA) para o GI e GC. Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2017.

DISCUSSÃO

Este estudo analisou a oscilação postural e a atividade eletromiográfica durante a manutenção da postura estática de jovens e idosos. Além disso, avaliou a correlação entre a oscilação postural e a intensidade da GVS. Os resultados observados para os jovens apontaram que (1) houve um aumento significativo da atividade muscular dos músculos GM e BF com a GVS e (2) houve uma correlação positiva entre a resposta postural e a intensidade da GVS. Os principais achados para o GI foram (3) não houve modulação da magnitude da resposta postural com a intensidade da GVS (4) apenas a estimulação de alta intensidade afetou a oscilação postural, indicando um possível deficit no processamento da informação vestibular.

O aumento da oscilação postural frente ao aumento da intensidade da GVS observado nos jovens corrobora com os estudos de Horak e Hlavacka2222 Horak FB, Hlavacka F. Somatosensory loss increases vestibulospinal sensitivity. J Neurophysiol. 2001;86:575-85. que observaram um aumento proporcional da oscilação postural com o aumento da intensidade da GVS. Esta observação demonstra a capacidade de percepção do sistema vestibular e graduação da magnitude da resposta com a intensiade do estímulo recebido.

A intensidade de corrente que induziu a oscilação corporal nos jovens foi semelhante a descrita por Lee et al.2323 Jeong-Woo Lee, Woong-Sik Park, Se-Won Yoon. Effects of galvanic vestibular stimulation on event related potentials. J Phys Ther Sci. 2016;28:2604-7.; Hlavacka et al.2424 Hlavack F, Shupert LC, Horak FB. The timing of galvanic vestibular stimulation affects responses to platform translation. Brain Res. 1999;821:8-16. e Inglis et al.2525 Čobeljić R, Miljković N, Ribarić-Jankes k, Švirtlih L. A paradigm of galvanic vestibular stimulation diminishes the soleus muscle H-reflex in healthy volunteers. Spinal Cord. 2015;54:1-4., que relataram a presença de oscilação postural a partir de intensidades de 0,2 a 0,5 mA. Em adição Rinalduzzi et al.2626 Aoyamak, Lizuka H, Ando H. Four-pole galvanic vestibular stimulation causes body sway about three axes. Sci Rep. 2015;(5):101-68., demonstraram que estímulos de 0.7mA modularam a excitabilidade neuronal e produziram oscilações posturais mensuráveis em indivíduos saudáveis.

O efeito da GVS observado na oscilação postural AP está de acordo com a literatura, que demonstra que estímulos bilaterais induzem ao aumento da oscilação por modularem a taxa de disparo dos nervos vestibulares2626 Aoyamak, Lizuka H, Ando H. Four-pole galvanic vestibular stimulation causes body sway about three axes. Sci Rep. 2015;(5):101-68.. A oscilação é influenciada pela posição da cabeça (neste estudo voltada para a direita em direção ao ânodo). Considerando estas afirmações, assim como o posicionamento da cabeça adotado neste estudo, é possível justificar a presença do efeito significativo da GVS somente nos músculos posteriores (GM e BF).

Os achados mais importantes referem-se à incapacidade dos indivíduos do GI de modularem suas respostas posturais com a intensidade da GVS e de responderem a baixas intensidades de GVS. Embora os efeitos da GVS sejam pouco explorados na população idosa, vários estudos avaliam e descrevem a função vestibular através do potencial evocado miogênico vestibular (VEMP)2727 Zu Eulenburg P, Ruehl RM, Runge P, Dieterich M. Ageing-related changes in the cortical processing of otolith information in humans. Eur J Neurosci. 2017;46:2817-25.. O efeito da idade sobre a amplitude do VEMP está bem estabelecido, e sabe-se que há um decréscimo na amplitude entre indivíduos com mais de 60 anos de idade11 Commandeur D, Klimstra MD, MacDonald S, Inouye K, Cox M, Chan D, et al. Difference scores between single-task and dual task gait measures are better than clinical measures for detection of fall-risk in community-dwelling older adults. Gait Posture. 2018;66:155-9.,2828 Brantberg K, Granath K, Schart N. Age-related changes in vestibular evoked myogenic potentials. Audiol Neurootol. 2007;12(4):247-53.. Embora as técnicas sejam diferentes, os resultados entre os estudos com VEMP e GVS são semelhantes, indicando uma diminuição da resposta vestibular com a idade. Esse decréscimo pode ser atribuído à alterações como perda de células ciliadas sensoriais1414 Taylor RR, Jagger DJ, Saeed SR, Axon P, Donnelly N, Tysome J, et al. A. Characterizing human vestibular sensory epithelia for experimental studies: new hair bundles on old tissue and implications for therapeutic interventions in ageing. Neurobiol Aging. 2015;36:2068-84., degeneração das fibras do nervo vestibular nas células do gânglio de Scarpa1515 Zu Eulenburg P, Ruehl RM, Runge P, Dieterich. Ageing-related changes in the cortical processing of otolith information in humans. Eur J Neurosci. 2017;46:2817-25. e nos neurônios do núcleo1616 Gluth MB, Nelson EG. Age-related change in vestibular ganglion cell populations in individuals with presbycusis and normal hearing. Otol Neurotol. 2017;38:540-6..

Aoyamak et al.2626 Aoyamak, Lizuka H, Ando H. Four-pole galvanic vestibular stimulation causes body sway about three axes. Sci Rep. 2015;(5):101-68. observaram uma pequena resposta postural frente a GVS de 0,7 mA em indivíduos com desordens vestibulares. Justificaram este achado alegando que a GVS não foi capaz de modular a função do sistema vestibular porque este já estaria comprometido pela disfunção. Nesse sentido, a menor resposta a GVS observada em baixas intensidades nos idosos do estudo poderia ser explicada pela presença de disfunção neste sistema.

No entanto, frente a intensidade mais elevada de GVS (1mA) observou-se um aumento na ativação muscular, fato que assegurou maior rigidez e diminuiu a amplitude de oscilação. Esta resposta incomun caracterizou um padrão de co-ativação e pode ser uma estratégia de segurança assumida para garantir a estabilidade devido a uma possível dificuldade de reorganização sensorial.

Está bem estabelecido na literatura que idosos sofrem alterações somatossensoriais e estas interferem no controle postural55 Crenshaw JR, Bernhardt KA, Atkinson EJ, Khosla S, Kaufman KR, Amin S. The relationships between compensatory stepping thresholds and measures of gait, standing postural control, strength, and balance confidence in older women. Gait Posture. 2018;65:74-80.,2929 Lord SR, Menz HB. Visual contributions to postural stability in older adults. Gerontology. 2000;46(6):306-10.,3030 Brown KE, Neva JL, Feldman SJ, Staines WR, Boyd LA. Sensorimotor integration in healthy aging: Baseline differences and response to sensory training. Exp Gerontol. 2018;112:1-8.. Sabe-se também que indivíduos com deficit somatossensoriais aumentam a sensibilidade das informações vestibulares e consequentemente aumentam sua resposta a GVS. Portanto, seria de se esperar que, devido aos deficit somatossensoriais, a resposta dos idosos à GVS aumentasse. Esse comportamento ocorreu apenas durante uma estimulação de maior intensidade (1mA) e mesmo assim, a resposta postural foi atípica. Esse achado corrobora a ideia de que o sistema vestibular de idosos está comprometido, interferindo negativamente na capacidade de reorganização das informações sensoriais.

Faz se necessário destacar algumas limitações do estudo referentes a não aleatoriedade da seleção e também do tamanho amostral. Este fato impede possíveis generalizações para a população brasileira, devendo os resultados serem considerados como preliminares. Na prospectiva de cuidados gerontológicos, os resultados sugerem que à equipe multiprofissional de saúde fique atenta a presença de distúrbios de processamento sensorial e seus impactos no controle postural de idosos.

CONCLUSÕES

Os indivíduos idosos não foram capazes de selecionar a estratégia motora adequada para compensar eficientemente os efeitos da GVS. Responderam apenas frente a elevada intensidade da GVS, indicando alteração do limiar de resposta do sistema vestibular. Essa estratégia atípica pode refletir deficit no sistema vestibular e interferir negativamente na capacidade de reorganização das informações sensoriais prejudicando a eficiência de respostas posturais frente a situações de imprecisão das informações sensoriais. Orientações devem ser ministradas aos idosos em relação ao risco de desequilíbrio frente aos conflitos sensoriais assim como a manipulação sensorial deve ser considerada como recurso auxiliar em programas de reabilitação que visem à melhora do controle postural dos idosos.

REFERENCES

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  • Financiamento da pesquisa:

    Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP - nº 2007 / 54596-0; nº 07 / 07606-0).

Editado por

Editado por:

Tamires Carneiro Oliveira Mendes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2019
  • Aceito
    13 Dez 2019
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