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TEORIA ATOR-REDE PARA AS CIÊNCIAS DA SEGURANÇA: REAGREGANDO ELEMENTOS SOCIAIS E TÉCNICOS

Teoría del Actor-Red para la ciencia de la seguridad: Reensamblaje de elementos sociales y técnicos

RESUMO

Estudos recentes sugerem desafios para o desenvolvimento da ciência da segurança, quais sejam alargamento de perspectivas e metodologias para a compreensão do trabalho sociotécnico, incentivo para que os efeitos da complexidade sejam analisados com maior profundidade e para que pesquisas em segurança sejam politicamente orientadas em seus modelos. Este estudo explora contribuições da Teoria Ator-Rede como recurso metodológico para reagrupar elementos humanos e não humanos nas pesquisas em ciência da segurança, especialmente quando consideramos a realidade dinâmica, a variabilidade e a incerteza que caracterizam sistemas sociotécnicos complexos. À luz dos elementos teóricos da Teoria Ator-Rede, tais como controvérsias, ontologias políticas, enactment, discutimos possibilidades para cartografia de controvérsias em estudos em ciência da segurança. A discussão contribui, então, com novas conexões metodológicas para pesquisas em ciência da segurança, que explorem associações e reposicionamentos entre as diferentes realidades que compõem o campo.

Palavras-chave:
teoria Ator-Rede; agência; ciência da segurança; controvérsias; sistemas sociotécnicos complexos

RESUMEN

Estudios recientes sugieren desafíos para el desarrollo de la ciencia de la seguridad, a saber, ampliar perspectivas y metodologías para comprender el trabajo sociotécnico, propiciar que se analicen con mayor profundidad los efectos de la complejidad y que la investigación en seguridad se oriente políticamente en sus modelos. Este estudio explora las contribuciones de la teoría del actor-red como recurso metodológico para reagrupar elementos humanos y no humanos en la investigación en ciencias de la seguridad, especialmente al considerar la realidad dinámica, la variabilidad y la incertidumbre que caracterizan a los sistemas sociotécnicos complejos. A la luz de los elementos teóricos de la teoría del actor-red, como las controversias, las ontologías políticas y la promulgación, discutimos las posibilidades de mapear las controversias en los estudios de ciencias de la seguridad. La discusión aporta, así, nuevas conexiones metodológicas para la investigación en ciencias de la seguridad que explore asociaciones y reposicionamientos entre las diferentes realidades que componen el campo.

Palabras clave:
teoría del actor-red; agencia; ciencia de la seguridad; controversias; sistemas sociotécnicos complejos

ABSTRACT

Recent studies suggest challenges in developing safety science: broadening perspectives and methodologies for sociotechnical work comprehension and incentives so that the complexity effects can be analyzed with greater depth and safety research can become politically oriented in its models. This study explores the contributions of Actor-Network Theory as a methodological resource to reassemble human and non-human elements in safety science research, especially when considering the dynamic reality, variability, and uncertainty characteristic of complex sociotechnical systems. In light of the theoretical aspects of the Actor-Network Theory, such as controversies, political ontologies, and enactment, we discuss possibilities for the cartography of controversies in safety science studies. The discussion contributes, thus, with new methodological connections to research in safety science, exploring associations and new positions among different realities in the field.

Keywords:
Actor-Network Theory; safety science; agency; controversies; complex sociotechnical system

INTRODUÇÃO

Algumas indústrias precisam lidar com um número particularmente elevado de interações e componentes, o que as leva a um inescapável residual de incerteza. Devido a essa característica relativa à complexidade (Dekker et al., 2011Dekker, S., Cilliers, P., & Hofmeyr, J. H. (2011). The complexity of failure: Implications of complexity theory for safety investigations. Safety science, 49(6), 939-945. https://https://doi.org/10.1016/j.ssci.2014.07.015
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), as atividades desenvolvidas por essas indústrias não são inerentemente estáveis em nível de segurança, requerendo gestão da variabilidade e constantes adaptações para operarem com sucesso (Bergström & Dekker, 2019Bergström, J., & Dekker, S. (2019). The 2010s and onward: Resilience engineering. In Foundations of Safety Science (pp. 391-429). Routledge.). Dessa forma, o trabalho nesses ambientes emprega profissionais de elevada expertise e de tecnologia intensiva de maneira integrada, criando sistemas de gestão que precisam valer-se do aproveitamento do potencial humano para o enfrentamento dessa variabilidade (Farjoun, 2010Farjoun, M. (2010). Beyond dualism: Stability and change as a duality. Academy of management review, 35(2), 202-225. https://doi.org/10.5465/amr.35.2.zok202
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; Weick & Sutcliffe, 2007Weick, Κ. Ε., & Sutcliffe, Κ. Μ. (2007). Managing the unexpected: Resilient performance in an age of uncertainty. Jossey-Bass.; Woods & Hollnagel, 2006Woods, D. D., & Hollnagel, E. (2006). Joint cognitive systems: Patterns in cognitive systems engineering. CRC Press.). São os chamados sistemas sociotécnicos complexos (SSC), caracterizados por elevada heterogeneidade social e técnica.

Nesses contextos, organizações e indivíduos necessitam, juntamente à realização do trabalho, criar segurança em meio a uma combinação, por vezes árida, de metas conflitantes e escassez de recursos (Masys, 2012Masys, A. J. (2012). The emergent nature of risk as a product of 'heterogeneous engineering': A relational analysis of oil and gas industry safety culture. In Innovative thinking in risk, crisis, and disaster management (pp. 59-85) (1 st ed.). Gower Publishing Limited.). Não raro, observamos que a gestão nesses sistemas se vale de um reducionismo epistemológico, partindo de uma visão cartesiana de mundo, associada a imperativos de comando e controle, centralização e burocratização, buscando níveis sempre crescentes de conformidade (Dekker, 2014aDekker, S. (2014a). Safety differently: Human factors for a new era. CRC Press., 2014bDekker, S. (2014b). The bureaucratization of safety. Safety Science, 70, 348-3 57. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2014.07.015
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, 2018Dekker, S. (2018). The safety anarchist. Routledge.). Disso decorre que as metodologias tradicionais e modelos teóricos desenvolvidos para lidar com essas realidades acabam isolando elementos desses sistemas, em que um entendimento parcelar acaba sendo tomado com um entendimento do todo.

No escopo dos estudos organizacionais, referimo-nos em especial às indústrias com potencial para desastres de grandes proporções, a exemplo da aviação, saúde, geração de energia nuclear, óleo e gás. Organizações que, embora lidem com adaptabilidade e incertezas continuamente, têm na segurança operacional algo indissociável de sua atividade-fim; constantemente pressionadas pela necessidade de gestão de problemas não estruturados, em curtos espaços de tempo (Cooper, 1992Cooper, R. G. (1992). The NewProd system: The industry experience. Journal of Product Innovation Management, 9(2), 113-127. https://doi.org/10.1016/0737-6782(92)90003-U
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, 2007Cooper, R. (2007). Organs of process: Rethinking human organization. Organization Studies, 28(10), https://doi.org/1547-1573. 10.1177/0170840607076587
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; Dekker, 2014aDekker, S. (2014a). Safety differently: Human factors for a new era. CRC Press., 2014bDekker, S. (2014b). The bureaucratization of safety. Safety Science, 70, 348-3 57. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2014.07.015
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).

Ao considerarmos as ciências da segurança, temos um problema ontológico caracterizado pela relativização da complexidade (Haavik, 2014Haavik, T. K. (2014). On the ontology of safety. Safety Science, 67, 37-43. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2013.09.004
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). Diante de realidades tão heterogêneas, comumente nos valemos de modelos e frameworks preconcebidos para buscar o entendimento desses sistemas. Nesse processo, quando se destaca parte do todo para contarmos uma história, ao mesmo tempo que tal explicação é encaixada em um modelo buscando a explicação do todo, há uma descaracterização das realidades em campo, que continuam sendo performadas: nesse sentido, elementos importantes (como cultura, não neutralidade regulatória e outros aspectos não técnicos) são relegados ao status de ruído, por não caberem dentro do alcance explicativo de determinadas lentes teóricas e metodológicas.

A gestão da segurança em sistemas sociotécnicos complexos envolve associações bastante heterogêneas entre atores humanos e não humanos. Na indústria de petróleo, por exemplo, em uma perspectiva de organização como uma plataforma de petróleo que opera offshore, coexistem fluxos que constantemente se renovam entre regulamentos, inovação tecnológica, engenheiros que pensam o trabalho, por vezes, distanciados da operação; trabalhadores da linha de frente, saúde, questões para preservação ambiental, empresas consorciadas, agências reguladoras, estratégias do negócio, produção, regulamento, condições do mar, da embarcação, incertezas, variabilidades.

Embora diferentes teorias venham contribuindo para o aumento da nossa compreensão acerca dos riscos e limitações envolvidos com a gestão dessas atividades — por exemplo, a de Organizações de Alta Confiabilidade (Laporte & Consolini, 1992LaPorte, T. R., & Consolini, P. M. (1991). Working in practice but not in theory: theoretical challenges of "high-reliability organizations". Journal of Public Administration Research and Theory: J-PART, 1(1), 19-48. Retrieved from https://polisci.berkeley.edu/sites/default/files/people/u3825/LaPorte-WorkinginPracticebutNotinTheory.pdf
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) e a do Erro Humano (Reason, 1990Reason, J. (1990). Human error. Cambridge University Press. — alguns autores em ciências da segurança vêm chamando a atenção para um platô nos resultados obtidos a partir dos modelos tradicionais (Amalberti, 2001Amalberti, R. (2001). The paradoxes of almost totally safe transportation systems. Safety Science, 37(2-3), 109-126. https://doi.org/10.1016/S0925-7535(00)00045-X
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, 2013Amalberti, R. (2013). The Demand for Safety and Its Paradoxes. In Navigating safety: Necessary compromises and trade-offs - theory and practice (1st ed., pp. 1–18). Springer. https://doi.org/10.1007/978-94-007-6549-8_1
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; Dekker, 2018Dekker, S. (2018). The safety anarchist. Routledge., 2021Dekker, S. (2021). Compliance Capitalism: How Free Markets Have Led to Unfree, Overregulated Workers. Routledge.. De modo geral, esses trabalhos destacam a emergente necessidade de que a ciência da segurança passe a adotar abordagens capazes de sobrepujar modelos prescritivos, aplicações mecanicistas que seguem regularidades normativas e dualistas (Coze & Pettersen, 2008Le Coze, J. C., & Pettersen, K. (2008, October). Is resilience engineering realist or constructivist?. In 3. Resilience Engineering Symposium (pp. 175-184). École des Mines de Paris. Paris.). Tal primazia metodológica tende a desprezar a complexidade da realidade sociotécnica, reduzindo-a ao alcance analítico de determinada epistemologia, metodologia escolhida a priori. Nessa esteira, a TAR pode ser uma alternativa a esse determinismo, na medida em que, a partir dela, podemos descrever tais sistemas como projetos sociotécnicos em andamento (Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.)).

A ontologia relacionista da TAR, no curso da associação entre agências humanas e não humanas que performam continuadamente a realidade, emerge como uma porta de entrada para entendimentos sobre a variabilidade local e a complexidade dos sistemas (Law, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. Psychology Press.). Haavik (2021)Haavik, Τ. Κ. (2021, February). Debates and politics in safety science. Reliability Engineering and System Safety, 210, 107547. https://doi.org/10.1016/j.ress.2021.107547
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recupera parte do debate sobre novas visões de segurança, sinalizando sobre a importância de as pesquisas ampliarem o interesse na busca pela compreensão acerca de elementos relacionais e da dimensão política da realidade. No entanto, apesar de abordar a não dicotomização das agências entre humanos e não humanos, entre o social e o técnico, o autor não aprofunda como operacionalizar tais pesquisas. Haavik (2021)Haavik, Τ. Κ. (2021, February). Debates and politics in safety science. Reliability Engineering and System Safety, 210, 107547. https://doi.org/10.1016/j.ress.2021.107547
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retoma, ainda, a TAR (Callon, 1986Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). Palgrave Macmillan.; Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.; Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14.; Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1_suppl), 74-89. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x
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) como uma abordagem teórico-metodológica promissora para analisar essas limitações (envolvendo causas, funções, fatores e relações definidas como intenção de trajetórias analíticas preconcebidas), embora ainda pouco explorada nos contextos propostos aqui.

O presente trabalho dialoga com essas reflexões e possibilidades, especialmente no que concerne à utilização da TAR para explorar a complexidade dos sistemas sociotécnicos complexos, como uma alternativa analítica para descrição de realidades dinâmicas com hibridez sociotécnica (Callon, 1986Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). Palgrave Macmillan.; Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.; Law & Urry, 2004Law, J., & Urry, J. (2004). Enacting the social. Economy and Society, 33(3), 390-410.; Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press.). Para tanto, recuperamos inspiração metodológica da cartografia de controvérsias, o que possibilita aos pesquisadores translacionar pelos limites do status quo das ciências da segurança.

Apresentaremos, dessa forma, breve panorama histórico da TAR, explicitando conceitos importantes da TAR e da TAR e Depois, com destaque para a noção de controvérsias, ontologias políticas e performatividade (Law & Urry, 2004Law, J., & Urry, J. (2004). Enacting the social. Economy and Society, 33(3), 390-410.), no caminho de explorarmos o potencial metodológico da TAR. Revistamos estudos organizacionais (Bussular et al., 2019Bussular, C. Z., Burtet, C. G., & Antonello, C. S. (2019). The actor-network theory as a method in the analysis of Samarco disaster in Brazil. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 15(2), 176-191. https://doi.org/10.1108/QROM-04-2017-1520
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; Hussenot, 2014Hussenot, A. (2014). Analyzing organization through disagreements: The concept of managerial controversy. Journal of Organizational Change Management. https://doi.org/10.1108/JOCM-01-2012-0006
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; Moraes et al., 2017Moraes, R. L., Andion, C., & Pinho, J. L. (2017). Cartografia das controvérsias na arena pública da corrupção eleitoral no Brasil. Cadernos EBAPE. BR, 15(4), 846-876. https://doi.org/10.1590/1679-395154831
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; Turetta et al., 2021Tureta, C., Américo, Β., & Clegg, S. (2021). Controvérsias como método para ANTi-história. Revista de Administração de Empresas, 61. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210105
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) que contribuíram de alguma forma para o entendimento de relações e “etapas” de investigação para procedermos à apresentação do método de cartografia de controvérsias (Turetta et al., 2021Tureta, C., Américo, Β., & Clegg, S. (2021). Controvérsias como método para ANTi-história. Revista de Administração de Empresas, 61. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210105
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).

Isso posto, este estudo objetiva explorar contribuições da TAR como recurso analítico e metodológico para reagrupar elementos humanos e não humanos em sistemas sociotécnicos complexos, especialmente no âmbito do debate de estudos em ciência da segurança.

CIÊNCIAS DA SEGURANÇA E SISTEMAS SOCIOTÉCNICOS COMPLEXOS

Ao longo de mais de um século, a ciência da segurança transformou-se continuadamente, partindo de paradigmas fortemente embasados nas ciências naturais, incorporando progressivamente novas abordagens e tecnologias – o que conduziu algumas organizações ao estágio que hoje conhecemos como ultrasseguro (Amalberti, 2001Amalberti, R. (2001). The paradoxes of almost totally safe transportation systems. Safety Science, 37(2-3), 109-126. https://doi.org/10.1016/S0925-7535(00)00045-X
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; Dekker, 2019Dekker, S. (2019). Foundations of safety science: A century of understanding accidents and disasters. CRC Press.). Na esteira dessas conquistas, o debate acerca da estagnação nos níveis de segurança em sistemas sociotécnicos complexos, da busca crescente por conformidade regulatória e prescrição, ganha força em face da incapacidade de esses sistemas continuarem se desenvolvendo no que tange aos níveis de segurança das operações (Amalberti et al., 2005Amalberti, R, Auroy, Y., Berwick, D., & Barach, P. (2005). Five system barriers to achieving ultrasafe health care. Annals of Internal Medicine, 142(9), 756-764. https://doi.org/10.1016/S0271-7964(08)70407-5
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; Dekker, 2014bDekker, S. (2014b). The bureaucratization of safety. Safety Science, 70, 348-3 57. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2014.07.015
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; Hale & Borys, 2013aHale, Α., & Borys, D. (2013a). Working to rule, or working safely? Part 1: A state of the art review. Safety Science, 55, 207-221. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2012.05.011
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, 2013bHale, Α., & Borys, D. (2013b). Working to rule or working safely? Part 2: The management of safety rules and procedures. Safety Science, 55, 222-231. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2012.05.013
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).

No lastro histórico, os modelos e práticas adotados em ciência da segurança foram constantemente desafiados em alguns dos principais acidentes do século XXI (Coze, 2013Le Coze, J. C. (2013). New models for new times. An anti-dualist move. Safety science, 59, 200-218. http://dx.doi.org/10.1016/j.ssci.2012.07.007
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); e os modelos que prevaleceram, em alguma medida, deixaram de acompanhar a crescente complexidade vivenciada na prática, com desafios emergentes que necessitam ser revisitados e problematizados continuadamente. Ainda, entre o velho e o novo, diferentes modelos e abordagens que emergiram no campo – e.g. modelo do Queijo Suíço de Reason (1990)Reason, J. (1990). Human error. Cambridge University Press., modelagens dinâmicas de Rasmussen (1997)Rasmussen, J. (1997). Risk management in a dynamic society: A modelling problem. Safety Science, 27(2-3), 183-213. https://doi.org/10.1016/S0925-7535(97)00052-0
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, construção de significado e conceitos de alta confiabilidade de Weick e Sutcliffe (2007)Weick, Κ. Ε., & Sutcliffe, Κ. Μ. (2007). Managing the unexpected: Resilient performance in an age of uncertainty. Jossey-Bass., Engenharia de Resiliência (Hollnagel et al., 2011Hollnagel, Ε., Pariès, J., Woods, D. D. D., & Wreathall, J. J. (2011). Resilience engineering in practice. In Ashgate Studies in Resilence Engineering. (1st ed.). Ashgate.; Woods, 2018Woods, D. D. (2018). The theory of graceful extensibility: Basic rules that govern adaptive systems. Environment Systems and Decisions, 38(4), 433-457. https://doi.org/10.1007/sl0669-018-9708
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) – devem incorporar avanços nas ciências gerenciais, políticas, sociais, nas áreas epistemológicas e filosóficas para reverberar o conhecimento disponível no campo da segurança (Haavik, 2021Haavik, Τ. Κ. (2021, February). Debates and politics in safety science. Reliability Engineering and System Safety, 210, 107547. https://doi.org/10.1016/j.ress.2021.107547
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; Le Coze, 2012Le Coze, J. C. (2012). Towards a constructivist program in safety. Safety science, 50(9), 1873-1887. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2012.03.019
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, 2013Le Coze, J. C. (2013). New models for new times. An anti-dualist move. Safety science, 59, 200-218. http://dx.doi.org/10.1016/j.ssci.2012.07.007
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).

De modo geral, no escopo da visão cartesiana de mundo, a abordagem tradicional da gestão de segurança operacional tem nos seres humanos a principal causa da variabilidade: apontados recorrentemente como elos mais fracos de sistemas amplamente estruturados, constituindo, portanto, o problema a ser resolvido, o elemento a ser controlado (Dekker, 2014aDekker, S. (2014a). Safety differently: Human factors for a new era. CRC Press., 2018Dekker, S. (2018). The safety anarchist. Routledge.). Coze (2013)Le Coze, J. C. (2013). New models for new times. An anti-dualist move. Safety science, 59, 200-218. http://dx.doi.org/10.1016/j.ssci.2012.07.007
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explica que, mais recentemente, movimentos como o da Engenharia de Resiliência (Hollnagel et al., 2011Hollnagel, Ε., Pariès, J., Woods, D. D. D., & Wreathall, J. J. (2011). Resilience engineering in practice. In Ashgate Studies in Resilence Engineering. (1st ed.). Ashgate.) começaram a desconstruir esse discurso, ao reconhecer o potencial o humano diante da variabilidade, reconciliando suas inconsistências, assimetrias e metas conflitantes e recursos perante o inescapável residual de incerteza e riscos desses sistemas.

Ao nos deslocarmos no lastro epistemológico das ciências da segurança, observamos um esforço importante no sentido de buscar um caminhar para além das abordagens puramente funcionalistas, que têm lacunado o desenvolvimento de uma visão sistêmica, que alcance a agência humana e sua heterogeneidade. Dessa forma, precisamos nos descolar da intenção limitada de assumir a realidade como preditiva e linear, alavancando entendimentos que alcancem a noção de organização enquanto fluxo processual e dinamicamente negociado (Cooper, 1976Cooper, R. (1976). The open field. Human relations, 29(11), 999-1017. https://doi.org/10.1177/001872677602901101
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; Weick & Sutcliffe, 2007Weick, Κ. Ε., & Sutcliffe, Κ. Μ. (2007). Managing the unexpected: Resilient performance in an age of uncertainty. Jossey-Bass.). A segurança operacional é uma atividade permanentemente inacabada, que requer capacidade de detectar e reagir a problemas potenciais e reais, os quais exigem a mobilização de recursos sociomateriais.

Desse modo, faz sentido debatermos sobre os caminhos da ciência da segurança dentro dos estudos organizacionais e de gestão; com isso, argumentamos o necessário retorno ao organizing (Czarniawska, 2013Czarniawska, B. (2013). Organizations as obstacles to organizing. In Organization and organizing (pp. 27-46). Routledge.), que remete a umaperspectiva processual e heterogênea, na qual o entendimento do organizar está mais relacionado ao processo do que à estrutura. Cooper (1976)Cooper, R. (1976). The open field. Human relations, 29(11), 999-1017. https://doi.org/10.1177/001872677602901101
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, por exemplo, iluminou novas possibilidades dentro dos estudos organizacionais e de gestão para a compreensão do fenômeno organizacional, orbitando perspectivas processuais e difusas para o pensar e o agir humanos, contrapondo objetividade, racionalidade e previsibilidades. Na esteira dessa perspectiva, a organização necessita ser constantemente questionada, é um campo aberto, impossível de ser compreendida a priori desse movimento em fluxo, é um vir a ser, um não ser.

No lastro dessa discussão, vislumbramos a TAR (Callon, 1986Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). Palgrave Macmillan.; Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.; Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14., 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. Psychology Press.; Law & Urry, 2004Law, J., & Urry, J. (2004). Enacting the social. Economy and Society, 33(3), 390-410.; Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1_suppl), 74-89. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x
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, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press.) como uma abordagem potencialmente promissora como porta de entrada para a compreensão desses fluxos como elementos intrínsecos à complexidade, como possiblidade para reagregar elementos sociais e técnicos e iluminar diferentes aspectos (por exemplo, agência não humana, ontologias políticas, acesso à descrição dos não ditos, mapeamento de controvérsias). Há sempre uma experiência negociada desconhecida, uma prática invisibilizada por um certo tipo de racionalidade que somente acompanha o desfecho daquilo que foi a priori idealizado. Explicar as relações e as histórias não contadas passa a ser aspecto importante a ser investigado no âmbito da gestão da segurança operacional, como um processo que precisa ser construído de maneira contínua (ação/verbo), e não como um objetivo (substantivo) a ser alcançado.

TEORIA ATOR-REDE: CONCEITOS E POSSIBILIDADES

A TAR auxilia-nos a valorizar o social e o técnico no percurso analítico de entendimento da realidade, tal como ela acontece. Essas novas abordagens em ciência da segurança, bussoladas pela característica da adaptabilidade, iluminam a necessidade de compreendermos os SSC como ambientes sociotécnicos, na medida em que humanos e materialidades estão em redes de relações que se reconciliam, os atores se reposicionam uns com relação aos outros, de modo inédito, na medida em que acontecem. Tanto o social quanto o técnico, desse modo, não podem ser entendidos com limites definidos ou estáticos – precisam ser reagregados, pois somente alcançam ser o que são (ou o que estão sendo), nas relações que estabelecem e nos ordenamentos então conduzidos pelas práticas, nos fluxos.

O objeto de estudo da TAR é a associação, a relação entre atores humanos e não humanos (objetos, artefatos, tecnologia, entre outros) (Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.). Nessa esteira, podemos introduzir a ontologia relacionista da TAR, pois as relações afetam, produzem e são produzidas por cada ator em rede, não há fixidez, tais ordenamentos são provisórios, há um fluxo relacional, instável e dinâmico. Por meio dessa lente, podem ser analisadas simetricamente as agências de humanos e não humanos, o que possibilita reagregar social e técnico sem a primazia de um sobre o outro. Nessa perspectiva, a TAR não desvaloriza o humano, tampouco submete o agir humano às imaterialidades. A ideia de ator-rede valoriza a conexão de elementos heterogêneos, considerando a agência também de artefatos (a partir da relação que estabelecem) na medida em que promovem transformações que podem alcançar significativa relevância na formação/ entendimento do social. Nesse emaranhado, o ator é aquele que atua: “empregar a palavra ator significa que jamais fica claro quem ou o que está atuando, quando as pessoas atuam, pois o ator, no palco, nunca está sozinho ao atuar” (Latour, 2005 p. 74Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.).

O entendimento de ambiente sociotécnico (como uma plataforma offshore na indústria de óleo e gás, indústria nuclear ou transporte aéreo) envolve descrições sobre as relações entre as ações humanas, as práticas sociais e o uso de objetos que moldam e transformam os nossos campos de ação (Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.). Nesse sentido, compreendemos a TAR como porta de entrada para reagregar fatores humanos e não humanos numa perspectiva relacionista, e suas agências, no exercício analítico de pesquisa num campo caracterizado como sistema sociotécnico complexo. A entrada em um campo via TAR abrange tensões entre a agência e a estrutura, o ator e a rede, a durabilidade do material e a agência do ator. Isso porque as práticas produzem e são produzidas por entidades em relação, sejam humanas sejam não humanas (Law, 1999; 200Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14.).

Primeiro momento da TAR

No âmbito do primeiro momento da teoria, por assim dizer, podemos destacar as noções de social, ator-rede, simetria, agência e translação (Czarniawska & Hernes, 2020Czarniawska, B., & Hernes, T. (2020). Actor-network theory and organizing. Studentlitteratur.; Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14.; Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.; Latour & Wolgar, 1979Latour, Β., & Woolgar, S. (1979). Laboratory life: The construction of scientific facts. (1st ed.). Princeton University Press.; Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1_suppl), 74-89. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x
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). Nos estudos organizacionais, a ontologia relacionista da TAR preconiza alargar a ideia de "social", considerando simetria analítica entre atores humanos e não humanos. A ideia de social, em Latour, pressupõe associações que carregam significados compartilhados.

Já o termo "ator-rede" diz respeito à indissociabilidade, à correlação, à dependência recíproca – um não existe sem o outro (Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.; Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14.). A noção de ator, por sua parte, deve ser entendida como “alvo móvel de um amplo conjunto de entidades que enxameiam em sua direção” (Latour, 2005 p. 75Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.); logo, não deve ser depreendida como a dimensão fundante de um ato, mas o/no curso da sua dinamicidade relacional. Quando dizemos que um ator é um atorrede, estamos, concomitantemente, realçando imprecisão quanto à origem de uma ação. A rede, então, conforme explica Latour (2005)Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press., “é um traço deixado por agentes em movimento” (p. 194), a descrição de algo é o que dá forma à rede.

Para Latour (2005)Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press., os atores que integram a rede discursiva possuem agências que não podem ser analisadas isoladamente, como fizeram parte das ciências sociais no exercício de separação entre o social e o técnico. No âmbito da TAR, os artefatos técnicos não são neutros. Em resumo, não humanos “são constituídos e adquirem seus atributos por meio do conjunto de relações que estabelecem com outras entidades” (Camillis et al., 2016, p. 78Camillis, P. K. D., & Antonello, C. S. (2016, Janeiro/Março). Da translação para o enactar: Contribuições da Teoria Ator-Rede para a abordagem processual das organizações. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 61-82. https://doi.org/10.1590/1679-395131412
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). Essa agência, então, pode ser descrita sob a perspectiva da "simetria", como na constituição das redes não podemos, a priori, determinar a supremacia de um ator sobre o outro, precisamos acompanhar, ao mesmo tempo, as agências humanas e não humanas na constituição do social.

A agência é resultado da "translação" (ou tradução) (Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14.), que se constitui de associações sociomateriais entre humano, artefato, trabalho, por exemplo. O processo de translação, por sua vez, pode ser entendido como a criação de uma ligação que não existia anteriormente, operando modificações em todos os agentes da rede, gerando associações que podem ser rastreadas. As translações não são definitivas ou distintas, pois também dependem dos atores que agenciam na rede, considerando as atualizações e alterações de percepções, ações, ideias que originalmente pertenciam a outros atores dessa rede (Callon, 1986Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). Palgrave Macmillan.). Podemos considerar, com relação a isso, estabilizações momentâneas nessa estrutura relacional que está frequentemente sendo negociada pelos elementos que compõem a rede.

É importante considerar as etapas inicialmente propostas por Callon (1986)Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). Palgrave Macmillan. para a translação no estudo das controvérsias: problematização, interesse, engajamento e mobilização de aliados. A problematização diz respeito a um “sistema de alianças estabelecidas entre entidades para definir sua identidade e objetivos e para criar um ponto de passagem obrigatório que todos os atores devem aceitar para alcançar o que desejam” (Turetta et al., 2021, p. 8Tureta, C., Américo, Β., & Clegg, S. (2021). Controvérsias como método para ANTi-história. Revista de Administração de Empresas, 61. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210105
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). Já o interesse pode ser relacionado àquilo que os atores fazem para estabilização de outros atores em torno do que lhes interessa, "protegendo" de outras ações que visam a outras identidades (Callon, 1986Callon, M. (1986). The sociology of an actor-network: The case of the electric vehicle. In Mapping the dynamics of science and technology (pp. 19-34). Palgrave Macmillan.). No entanto, para que essa "estabilização" seja possível, a fase de engajamento remete ao que é realizado, à energia empregada nas negociações para a efetivação de alianças entre os atores, em torno de um objetivo/ideia comum. A quarta etapa, em continuidade, explica a mobilização em torno dessa ideia específica; podemos identificar um ator-central que “dá voz a todos aqueles silenciados durante a formação da rede. As diversas entidades atuam em unidade, como uma rede de atores, por meio de um porta-voz representativo”. Já na fase de estabilização, “a controvérsia termina no compromisso de uma ordem negociada” (Turetta et al., 2021, p. 9Tureta, C., Américo, Β., & Clegg, S. (2021). Controvérsias como método para ANTi-história. Revista de Administração de Empresas, 61. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210105
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).

Segundo momento da TAR

O segundo momento da TAR, conhecido como TAR e Depois, é marcado pela revisão, inclusão e exclusão de alguns conceitos, motivado por questionamentos, tais como a transição da perspectiva da translação para o enactar e para a lacuna da dimensão política das realidades performadas (e.g. Lee & Brown, 1994Lee, N., & Brown, S. (1994). Otherness and the actor network: the undiscovered continent. American Behavioral Scientist, 37(6), 772-790. https://doi.org/10.1177/0002764294037006005
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; Walsham, 1997Walsham, G. (1997). Actor-network theory and IS research: current status and future prospects. Information systems and qualitative research, 466-480. https://doi.org/10.1007/978-0-387-35309-8_23
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).

Alguns desses questionamentos remontam à ideia de que a translação implicaria certa fixidez ou estabilização como ponto de chegada, em que são encerradas as negociações ou reposicionamentos entre os actantes em rede (Corcuff, 1995Corcuff, P. (1995). Quand le terrain prend la parole... Éléments de sociologie réflexive. L'homme et la société, 115(1), 61-73. Retrieved from https://www.persee.fr/doc/homso_0018-4306_1995_num_115_l_3756
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). A ordenação dos elementos associados aqui, no entanto, está mais interessada em analisar como as redes e associações se estabilizam – a translação, neste caso, lança luzes à perspectiva de um discurso que prevalece após deslocamentos dos atores.

A noção de enactment, por sua vez, representa perspectivas dinâmicas que remontam aos porquês e como as coisas fazem e são feitas (Camillis & Antonello, 2016Camillis, P. K. D., & Antonello, C. S. (2016, Janeiro/Março). Da translação para o enactar: Contribuições da Teoria Ator-Rede para a abordagem processual das organizações. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 61-82. https://doi.org/10.1590/1679-395131412
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). A ideia processual, desse modo, é o que dá condição de ser, de vir a ser – “o processo tem primazia sobre as coisas” (Rescher, 1996, p. 2Rescher, N. (1996). Process metaphysics: An introduction to process philosophy. Suny Press.), os atores humanos e não humanos enactam, continuamente, a sua própria existência. Desse modo, a ideia de processo é central no enactment, tanto quanto alteridade e multiplicidade. Em síntese, estamos falando sobre realidades que são sobrepostas (Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press.), e, dessa forma, acabam sempre remetendo a um outro em suas redes relacionais (Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14.).

Contrastando com abordagens modernas tradicionais, que se prendem a um conceito de singularidade, em que há uma realidade única a ser descrita ou descoberta pelos pesquisadores; ou, em outro extremo, a proposta de pluralidade relativista, perspectivada por diferentes pontos de vista, existe aqui um entendimento fractal, um ponto intermediário. Ests condição, caracterizada por Mol (2002, p. 148)Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press. como o entendimento da constituição de realidades múltiplas e de seus objetos passa por uma etnografia da prática situada.

Ao nos deslocarmos para o interior dos estudos em ciência da segurança (Dekker, 2014aDekker, S. (2014a). Safety differently: Human factors for a new era. CRC Press.; Haavik, 2014Haavik, T. K. (2014). On the ontology of safety. Safety Science, 67, 37-43. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2013.09.004
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; Le Coze, 2012Le Coze, J. C. (2012). Towards a constructivist program in safety. Safety science, 50(9), 1873-1887. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2012.03.019
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; Turner & Pidgeon, 1997Turner, Β. Α., & Pidgeon, N. F. (1997). Man-made disasters. Butterworth-Heinemann.), essa diferença torna-se importante para a análise dos sistemas sociotécnicos complexos, na medida em que a multiplicidade não se refere a diferentes pontos de vista sobre um mesmo objeto, mas a uma rede relacional de ações, enactadas por seus diferentes atores, que produz, em pontos distintos, objetos e realidades parcialmente sobrepostos, mas que implicam análises, diagnósticos e respostas diferentes.

Essas realidades são constantemente negociadas, e seus métodos associados, discursos e resultados acabam compondo o que Mol (2002)Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press. caracteriza como ontologias políticas, exercendo papel ativo na definição de qual ou quais dessas realidades ganha(m) voz ou é(são) silenciada(s) (Law & Urry, 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. Psychology Press.; Mol, 1999Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1_suppl), 74-89. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x
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). Nesse contexto, diferentes associações possibilitam a construção de realidades que nem sempre concordam, mas que mesmo assim coexistem. A autora exemplifica o conceito com o diagnóstico de um quadro de arteriosclerose: os sintomas clínicos que levariam a um diagnóstico nem sempre se confirmam no laboratório, e viceversa. Nesse sentido, quando observados em separado, um paciente pode ser tratado ou não dependendo desse diagnóstico. Quando considerados em conjunto, os exames clínicos e laboratoriais implicam uma escolha “política” de reforço ou silenciamento de uma das duas realidades. Podemos destacar, então, um elemento fundamental da TAR: a construção de redes associativas implica não neutralidade de seus atores, sejam eles sociais, sejam naturais, sejam tecnológicos. A forma como procedimentos e manuais são escritos, a escolha pelos dados estatísticos que são coletados e utilizados, bem como a forma como são analisados, não são neutros, há uma consequência para esse modo de organizar, considerando escolhas para inclusão e exclusão de elementos, por exemplo (Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14.). Existem, dessa forma, distintas realidades, realidades múltiplas.

Mol (2002)Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press. explora o que pode ser chamado de desnaturalização (as entidades não existem de modo autônomo, não estão naturalizadas) das realidades múltiplas ao associá-las à política. Via TAR, a política pode ser entendida como ordenamentos que incluem e excluem, remete à distribuição heterogênea, hierárquica (quando, por exemplo, atores assumem determinadas posições e deslocam outros pelas conexões), são assimetrias que derivam da constituição da rede, que revelam relações de poder e políticas. A noção de ontologia política em Mol (1999)Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1_suppl), 74-89. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x
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diz respeito, de modo ampliado, à implicação da política no mundo e do mundo na política. Isso pode ser explicado porque as condições dessas conexões ocorrem na medida em que são também fabricadas, não existem condições de possibilidades dadas de antemão.

Essa noção de realidades múltiplas (e não plurais – pois trabalhamos aqui com ideia de sobreposição, e não de paralelismo) constitui-se a partir de entendimento processual da realidade. Ao considerar essa construção, temos dois conceitos que evoluíram ao longo de diferentes movimentos da TAR: translação e enactment. O conceito de translação foi relacionado, nos textos clássicos da TAR, ao processo de ordenamento e estabilização, mesmo que temporário, de redes e suas relações, deslocando diferentes associações de modo sequencial, resultando em um processo mecânico e estruturado de se compor uma rede e lhe atribuir significado. Tal conceito fora revisitado no movimento TAR e Depois, a partir de um novo entendimento de que a ideia original não dava conta de acompanhar a dinamicidade e a complexidade do mundo real, “trata do predominante e enfatiza a compreensão de como as redes de relações e os objetos se tornam estáveis” (Camillis & Antonello, 2016, p. 61Camillis, P. K. D., & Antonello, C. S. (2016, Janeiro/Março). Da translação para o enactar: Contribuições da Teoria Ator-Rede para a abordagem processual das organizações. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 61-82. https://doi.org/10.1590/1679-395131412
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).

A inclusão do conceito de enactment resgata a ideia de produção de realidades múltiplas, de organização como resultado e produto de processos que continuadamente acontecem – “contribuindo para o estudo dos processos e práticas do organizar”, reposicionando a ênfase “na ideia de organização funcional” (Camillis & Antonello, 2016, p. 62Camillis, P. K. D., & Antonello, C. S. (2016, Janeiro/Março). Da translação para o enactar: Contribuições da Teoria Ator-Rede para a abordagem processual das organizações. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 61-82. https://doi.org/10.1590/1679-395131412
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). Mol (2002)Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press. explica que o termo enactment foi selecionado para dissociar a ideia teatral de atuação ou performatividade, atrelada a outros conceitos de ciências sociais. Sublinhamos, com isso, a noção de que as ações e relações sociomateriais criam as realidades. Nesse sentido, o conceito de enactment pode ser aproximado, conforme explica Law (2004)Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. Psychology Press., ao conceito de performance, uma vez que diz respeito à cronicidade com que as relações se formam, caracterizado por um continuado processo de produção e reprodução. As entidades são reversivelmente performadas por meio das relações, pois não existe, para essa lente de entendimento, um atributo fixo para quaisquer entidades da rede; elas encontram forma, pois, nas relações que estabelecem. As relações, aqui, podem ser entendidas por tudo aquilo que se transporta, que se desloca. – o que é circulante, Nessa esteira, a heterogeneidade do que circula foi definida por Callon (2008)Callon, M. (2008). Entrevista com Michel Callon: dos estudos de laboratório aos estudos de coletivos heterogêneos, passando pelos gerenciamentos econômicos. Sociologias, 302-321 https://doi.org/10.1590/S1517-45222008000100013
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por agenciamento sociotécnico: “os agenciamentos que existem e que são capazes de fazer, de pensar e de dizer, a partir do momento em que se introduz nestes agenciamentos, não somente o corpo humano, mas os procedimentos, os textos, as materialidades, as técnicas, os conhecimentos abstratos e os formais”, para citar alguns (Callon, 2008, p. 309Callon, M. (2008). Entrevista com Michel Callon: dos estudos de laboratório aos estudos de coletivos heterogêneos, passando pelos gerenciamentos econômicos. Sociologias, 302-321 https://doi.org/10.1590/S1517-45222008000100013
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).

Dessa forma, uma realidade implica a existência de um outro/outra, impreterivelmente. Tal ideia esboça a noção de alteridade (“Se algo existe, é enactado, é porque um 'outro' (alteridade/ otherness) também é enactado”) (Camillis & Antonello, 2016, p. 62Camillis, P. K. D., & Antonello, C. S. (2016, Janeiro/Março). Da translação para o enactar: Contribuições da Teoria Ator-Rede para a abordagem processual das organizações. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 61-82. https://doi.org/10.1590/1679-395131412
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). Nessa esteira, importam tanto actantes quanto ação, mesmo que haja predominância, prevalência de algo em determinado momento. O enactar emerge como uma forma de artesanar o real na medida em que produz, modela, remodela os diferentes tipos de actantes (Law, 2009Law, J. (2009). Actor network theory and material semiotics. In B. S. Turner (Ed.), The new Blackwell companion to social theory (pp. 141-158). Hoboken, NJ: Wiley.), sustenta o processo e constitui o coletivo, abrangendo fluidez, reversibilidade e multiplicidade nas diferentes versões de realidades que competem e se sobrepõem, dialogando, assim, com as críticas endereçadas ao conceito de translação, especialmente com a necessidade de uma abordagem processual que transcende o predominante e estável preconizado pelo conceito de translação. Então, Law (2004)Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. Psychology Press. resume que as entidades assumem diferentes formas, atributos, características, porque são performadas em um contexto incerto com objetivo de alcançar certa estabilidade, mesmo que momentaneamente.

PRESSUPOSTOS DA TEORIA ATOR-REDE PARA "OPERACIONALIZAÇÕES" METODOLÓGICAS

Cartografia das Controvérsias

Entre as formas de conduzir pesquisas quando a TAR é ponto de partida, podemos destacar a cartografia e a posterior análise de controvérsias. As controvérsias podem ser definidas como aquilo que está sendo debatido entre os diferentes atores envolvidos na ação (Venturini, 2010Venturini, Τ. (2010). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. https://doi.org/10.1177/0963662509102694
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). Latour (2005)Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press. explica a importância “de rastrearmos conexões entre as próprias controvérsias ao invés de tentar resolvê-las” (p. 44). Consideramos, assim, que os atores negociam diferentes interesses tentando fixá-los em um movimento compreendido como translação, conceito já descrito na seção anterior (Camillis & Antonello, 2016Camillis, P. K. D., & Antonello, C. S. (2016, Janeiro/Março). Da translação para o enactar: Contribuições da Teoria Ator-Rede para a abordagem processual das organizações. Cadernos EBAPE.BR, 14(1), 61-82. https://doi.org/10.1590/1679-395131412
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). Isso ocorre quando o pesquisador passa a seguir os atores em campo e inicia o mapeamento de controvérsias.

A Cartografia de Controvérsias trata de um processo descritivo que aborda múltiplas perspectivas e atores (Venturini, 2010Venturini, Τ. (2010). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. https://doi.org/10.1177/0963662509102694
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). Essa descrição presta-se a dar voz ao campo, iluminando diferentes pontos de vista de maneira simétrica, planificando a agência de atores humanos e não humanos em torno de negociações e conflitos que se estabilizam temporariamente. Situações em que diferentes pontos de vista precisam coexistir e diferentes influências sociomateriais que reificam essas realidades são de especial interesse. Neste ponto, é importante destacar que esse processo não se presta a encerrar ou resolver os conflitos encontrados em campo (Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.).

O posicionamento ontológico da TAR avança no sentido de aceitar que as controvérsias pertencem aos atores e, portanto, os pesquisadores “não têm o direito de impor suas soluções” (Venturini, 2010, p. 268Venturini, Τ. (2010). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. https://doi.org/10.1177/0963662509102694
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). Isso não impede que o pesquisador expresse suas ideias, contudo a técnica implica cuidados para que as opiniões do pesquisador não silenciem a voz e os modos de agir dos demais atores. Ao mesmo tempo, não se deve assumir o que os atores dizem como a metalinguagem da descrição (Latour, 1997Latour, B. (1997). Trains of thoughts-Piaget, Formalism and the Fifth Dimension. Common Knowledge, 6(3), 170-191.). Esses cuidados relacionam-se intimamente com a crítica ao essencialismo e ao reducionismo presentes na TAR. A Cartografia deve, de maneira análoga a um atlas, permitir a observação dos diferentes debates, devolvendo aos atores a possibilidade de explorar essas negociações e pontos de tensão de modo amplo, dando visibilidade a elementos não capturados pelas epistemes tradicionais (Venturini, 2010Venturini, Τ. (2010). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. https://doi.org/10.1177/0963662509102694
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).

O alargamento de perspectivas e metodologias em ciência da segurança

Na ciência da segurança, em exercício de deslocamento pelo interior desse campo, predominam estudos com vieses de engenharia de sistemas ou modelos funcionalistas que esquadrinham as unidades de análise, dissociando o social (frequentemente o humano) do técnico (frequentemente o sistema operado) (Dekker, 2014aDekker, S. (2014a). Safety differently: Human factors for a new era. CRC Press.). O viés cartesiano-newtoniano impõe uma perspectiva dualista de separação entre sujeito e objeto, e entre humanos e sistemas técnicos. A efeito disso, as disciplinas técnicas (e.g. física, química, engenharia, computação) exercem um olhar técnico e de engenharia para o projeto e avaliação dos sistemas, tomando um humano médio, tipicamente caracterizado por medidas antropométricas e por um quadro de limitações fisiológicas e psicológicas, como referência para o desenvolvimento e aplicação dos seus princípios e métodos. Ao mesmo tempo, as disciplinas sociais (e.g. sociologia, antropologia, psicologia e gestão) tipicamente restringem as análises aos indivíduos e fenômenos humanos e organizacionais instituídos, tais como os comportamentos pressupostamente seguros e a cultura de segurança enquanto componentes da ordem do comprometimento com os valores profissionais e organizacionais. Essa separação entre sujeito e objeto, entre social e técnico, acaba por circunscrever os desafios da ciência da segurança na ordem da pesquisa do social (i.e. dos humanos) ou do técnico (Haavik, 2014Haavik, T. K. (2014). On the ontology of safety. Safety Science, 67, 37-43. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2013.09.004
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).

Continuando nesse deslocamento pelo campo da ciência da segurança, temos que, nos últimos 50 anos, as abordagens sistêmicas, caracterizadas pelo movimento da sociotecnia (Amir & Kant, 2018Amir, S., & Kant, V. (2018). Sociotechnical resilience: A preliminary concept. Risk Analysis, 38(1), 8-16. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2017.08.019
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), pela perspectiva da engenharia de sistemas cognitivos e dos sistemas cognitivos correlacionados enquanto unidades de análise (Hollnagel & Woods, 1983Hollnagel, Ε., & Woods, D. D. (1983). Cognitive systems engineering: New wine in new bottles. International Journal of Man-machine Studies, 18(6), 583-600. https://doi.org/10.1016/S0020-7373(83)80034-0
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), têm buscado superar as limitações do dualismo humano-sistema na ciência da prevenção. De modo mais recente, são as contribuições da perspectiva da complexidade à ciência da prevenção, experimentando conceitos como localidade (Dekker, 2014aDekker, S. (2014a). Safety differently: Human factors for a new era. CRC Press., interações (Righi et al., 2015Righi, A. W., Saurin, Τ. Α., & Wachs, P. (2015). A systematic literature review of resilience engineering: Research areas and a research agenda proposal. Reliability Engineering &· System Safety, 141, 142-152. https://doi.org/10.1016/j.ress.2015.03.007
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) e acoplamento (Perrow, 1984Perrow, C. (1984). Normal accidents: Living with high risk systems. Princeton Univeristy Press.), influenciando tanto a perspectiva de estudo do social – e.g. os postulados sobre a incubação dos desastres de Turner e Pidgeon (1997)Turner, Β. Α., & Pidgeon, N. F. (1997). Man-made disasters. Butterworth-Heinemann. – quanto do técnico – e.g. a abordagem STAMP de pensamento sistêmico aplicado à investigação e prevenção de acidentes de Leveson (2003)Leveson, N. G. (2003, August). A new approach to hazard analysis for complex systems. In International Conference of the System Safety Society. Ottawa, Ontario, Canadá. – no sentido de investigar como acidentes ocorrem e como podem ser prevenidos.

Nesse sentido, argumentamos que as perspectivas sistêmica e da complexidade vêm reforçando a importância da agregação dos elementos de um sistema sociotécnico para a compreensão dos padrões que emergem de suas interações ao mesmo tempo que reconhecemos que nessa agregação falta a perspectiva do agenciamento das coisas. Ao permitir reagregarmos os elementos heterogêneos (humanos e não humanos, sociais e técnicos) numa perspectiva sociotécnica em que se busca, também, entender o agenciamento das coisas (i.e. discursos, artefatos, máquinas, líderes, valores instituídos), a TAR oferece a possibilidade de explorarmos o que está sendo enactado e os atores/actantes que performam múltiplas realidades e transformações organizacionais. A dinâmica da cultura de segurança, o seu significado enactado pelos atores em meio a controvérsias entre objetivos de produção, proteção, qualidade, cuidado e performatividade, por exemplo, poderiam se beneficiar da perspectiva e das abordagens metodológicas e analíticas da TAR no sentido de compreender dimensões políticas da prática na investigação, na prevenção de acidentes e na gestão de segurança.

Argumentamos, assim, que estudos empíricos com a TAR podem microfonar vozes silenciadas no campo, capturando outras realidades silenciadas pelas assimetrias políticas. A partir da identificação de novos atores, podem ser reconciliados à prática operacional e de gestão elementos importantes para as continuidades organizacionais, e atingimento de resultados profícuos, com segurança de seus integrantes. Entendemos que determinadas verdades simbólicas (como indicadores que podem deturpar a leitura da realidade e legitimar determinados discursos) solapam compreensões sobre o que de fato acontece nos agenciamentos negociados (controvérsias) na realidade prática dos sistemas complexos, na dimensão política do estar com.

A orientação política dos modelos e das teorias

A TAR convida (e ensina) os pesquisadores e praticantes da ciência da segurança a sair de sua zona de conforto, cercada por elementos regulatórios de conformidade, relatórios e homologações, e a caminhar pelo seu campo de prática buscando entendimento acerca do que acontece e, mais ainda, do que faz fazer. Uma importante contribuição via TAR pode ser relacionada com a análise da agência de elementos não humanos e a capacidade de analisar as entrelinhas de como os procedimentos, metas e métricas acabam impelindo a operação e os objetivos locais para caminhos inesperados.

Nessa esteira, exemplos são trazidos por Hopkins e Maslen (2015)Hopkins, Α., & Maslen, S. (2015). Risky rewards: How company bonuses affect safety. Ashgate Publishing Company. e Dekker (2018)Dekker, S. (2018). The safety anarchist. Routledge.. O primeiro discute como recompensas por bons números de segurança contratualizadas ou negociadas em campo acabam exercendo agências distorcidas nas operações, incentivando a descaracterização da realidade em prol das metas preestabelecidas. Eles exemplificam tais implicações com uma abrangente discussão sobre como metas de bônus contratuais para altos executivos, preconizando baixos números de acidentes em plantas industriais, levam à manipulação de dados estatísticos e descaracterização de acidentes como forma de preservação de regalias ou compensações financeiras. Essas práticas tendem a coisificar os operadores, uma vez que acabam condicionados a bater metas para não serem descartados. Essa não neutralidade, especialmente quando consideramos atores não humanos, é pouco discutida ou sequer considerada em outras abordagens comumente utilizadas em estudos organizacionais (Law & Urry, 2004Law, J., & Urry, J. (2004). Enacting the social. Economy and Society, 33(3), 390-410.).

Dekker (2018)Dekker, S. (2018). The safety anarchist. Routledge. ilumina vários aspectos como a criação de procedimentos operacionais pensados exclusivamente na proteção legal das organizações, deixando de fora as peculiaridades da operação; culturas tóxicas de punição e a castração organizacional de técnicos e especialistas que são relegados a executar cegamente as prescrições daqueles que não compreendem os constrangimentos e necessidades da operação – o que lacuna o aprendizado organizacional. Podemos notar forte tendência de autorreferenciação e hiperburocratização experienciada em sistemas sociotécnicos complexos – algo que mantém os gestores de segurança distantes dos problemas em campo, mas presos em suas salas produzindo relatórios e indicadores para auditorias e proteção legal de suas empresas. A TAR permite dar voz aos atores não somente a partir de instrumentos de conformidade, como treinamentos e relatórios obrigatórios, mas também por meio de suas ações e inações, de suas atitudes e constrangimentos.

Ao propor que a ciência da segurança seja reorientada politicamente, Haavik (2021)Haavik, Τ. Κ. (2021, February). Debates and politics in safety science. Reliability Engineering and System Safety, 210, 107547. https://doi.org/10.1016/j.ress.2021.107547
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busca possibilidade de diálogo com a perspectiva de ontologias políticas. Em ambientes de contínuas negociações e estabilizações provisórias, diferentes realidades, enactadas por diferentes atores, competem pela imposição de seus diagnósticos, soluções, em meio a translações que ocorrem constantemente em uma rede. Exemplos podem ser encontrados nas explicações concorrentes dos acidentes de Macondo (Hopkins, 2012Hopkins, A. (2012). Disastrous decisions. CCH.), o desastre de Mariana (Bussular et al., 2019Bussular, C. Z., Burtet, C. G., & Antonello, C. S. (2019). The actor-network theory as a method in the analysis of Samarco disaster in Brazil. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 15(2), 176-191. https://doi.org/10.1108/QROM-04-2017-1520
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) e até mesmo em casos amplamente estudados, como Chernobyl (Walker, 2004Walker, J. S. (2004). Three Mile Island: A nuclear crisis in historical perspective (Vol. 41). Univ. of California Press.) e Challenger (Vaughan, 1996Vaughan, D. (1996). The Challenger launch decision: Risky technology, culture, and deviance at NASA. University of Chicago Press.).

Há múltiplas interpretações da realidade competindo pela implementação de ações que consideram um ou outro caminho e descartam por completo toda uma rede associativa que conduziria a um percurso e a uma sequência de ações, que podem ser absolutamente opostas, diagonais, transversais, por exemplo. O estudo de como essas associações se consolidam e se mobilizam (como os atores vão ganhando identidade e voz ao enactarem realidades) para definirem cursos de ação é o objeto de interesse da TAR. A utilização do método da Cartografia das Controvérsias pode levar organizações a visualizarem a formação e operação dessas redes sociomateriais na cotidianidade, independentemente da ocorrência de um acidente, o que pode acrescentar à lógica restritiva de investigação de acidentes em análises retrospectivas, no caminho da aprendizagem organizacional.

Isso posto, a subseção que segue parte do trabalho de Venturini (2010)Venturini, Τ. (2010). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. https://doi.org/10.1177/0963662509102694
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e das contribuições de Turetta et al. (2021)Tureta, C., Américo, Β., & Clegg, S. (2021). Controvérsias como método para ANTi-história. Revista de Administração de Empresas, 61. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210105
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como uma porta de entrada para que possamos nos deslocar pelas heterogeneidades características dos sistemas sociotécnicos complexos. Dessa maneira, apresentamos a Cartografia das Controvérsias como um recurso aos pesquisadores em ciência da segurança, estudos organizacionais, para maior ênfase nos aspectos relacionais. A partir dessa possibilidade, podemos associar o social e o técnico para um melhor entendimento do porquê de as coisas acontecerem como acontecem nas realidades prática desses sistemas. Não se trata, portanto, de uma metodologia pronta para ser aplicada em um dado campo empírico (Venturini, 2010Venturini, Τ. (2010). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. https://doi.org/10.1177/0963662509102694
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), e essa distinção é bastante importante no âmbito do debate sobre a TAR, especialmente porque o estímulo para seguir os atores em campo (Latour, 2005Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.) remete à relevância do deslocamento, do fluxo, da importância de atentarmos “ao processo, o desenrolar das ações, das práticas e das controvérsias ali presentes” (Camillis et al., 2016, p. 78Camillis, P. K. D., Bussular, C. Z., & Antonello, C. S. (2016). A agência a partir da Teoria Ator-Rede: Reflexões e contribuições para as pesquisas em administração. Organizações & Sociedade, 23(76), 73-91. https://doi.org/10.1590/1984-9230764
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).

Análise das controvérsias: "etapas" da pesquisa em TAR

A sistematização das etapas da pesquisa em TAR, aqui proposta, não deve ser tomada como uma procedimentalização linear e definitiva da teoria. Trata-se de uma proposição de percurso, que deve ser sempre orientado pelos objetivos do estudo e desenvolvimento do trabalho de campo. Nesse sentido, apoiamos-nos na literatura sobre o assunto, em especial nos trabalhos de Turetta et al. (2021)Tureta, C., Américo, Β., & Clegg, S. (2021). Controvérsias como método para ANTi-história. Revista de Administração de Empresas, 61. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210105
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e Venturini (2010)Venturini, Τ. (2010). Diving in magma: How to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), 258-273. https://doi.org/10.1177/0963662509102694
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, a partir de interlocução com autores seminais da TAR como Mol (1999)Mol, A. (1999). Ontological politics: A word and some questions. The Sociological Review, 47(1_suppl), 74-89. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1999.tb03483.x
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, (2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press.), Law (1999)Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14. e Latour (2005)Latour, Β. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network-theory. Oxford University Press.. As etapas identificadas na Tabela 1 baseiam-se na sistematização de Turetta et al. (2021, p. 7-10)Tureta, C., Américo, Β., & Clegg, S. (2021). Controvérsias como método para ANTi-história. Revista de Administração de Empresas, 61. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210105
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para a anti-história da Cartografia das Controvérsias. Nesse trabalho, os autores propuseram um método para os anti-historiadores, partindo da análise de controvérsias.

Tabela 1
Etapas que podem ser seguidas para a análise de controvérsias

As controvérsias não são os objetos de estudo da pesquisa com TAR. O interesse constante no objeto da teoria direciona-se às relações entre os elementos heterogêneos das redes. O caminho, via análise de controvérsias, somente é possível a partir do que é enactado nas associações entre elementos técnicos e sociais que necessitam ser reagrupados nos sistemas sociotécnicos complexos.

DISCUSSÃO: TAR E CIÊNCIA DA SEGURANÇA

Em continuidade às problematizações apresentadas e evitando a relativização da complexidade e seus desdobramentos em sistemas sociotécnicos complexos, podemos, a partir da TAR, deslocar o foco do conhecimento para a prática. Entendemos, portanto, que perspectivas metodológicas funcionalistas e positivistas com frames predefinidos não dão conta dessa complexidade. Norteados pelo questionamento: O que faz fazer?, preconizamos uma visão associativa, em que organizações e seus sistemas são vistos como processos dinâmicos (e não como conjuntos definitivos e substantivos de artefatos e indivíduos capazes de performar circunscritos a normas e regulamentos). Com a TAR, elementos "estáticos" também possuem agência na medida em que, em relação com atores humanos, influenciam os fazeres e os processos organizativos da prática, influencia a agência humana em uma determinada rede. Essa dimensão ampliada de percepção de realidades permite que acessemos realidades que se sobrepõem. Exemplo disso são as visões sobre os problemas de segurança a partir da alta gestão, que, variadas vezes, repercutem números frios em planilhas, matrizes dissociadas dos processos e fatores que levaram àquelas construções. Na linha de frente, os significados para os mesmos dados frequentemente são outros. Muitas vezes, essas realidades são ocultadas por metas, prazos e contratos (e.g. Dekker, 2018Dekker, S. (2018). The safety anarchist. Routledge.; Hopkins & Maslen, 2015Hopkins, Α., & Maslen, S. (2015). Risky rewards: How company bonuses affect safety. Ashgate Publishing Company.).

Isso é ilustrado pelo acidente de Macondo, na indústria de óleo e gás: a celebração de excelentes números alcançados em indicadores de segurança na véspera do desastre constitui uma realidade dicotomicamente oposta aos relatos produzidos em retrospecto, com elevada pressão por produção, tomada de decisão com base em dados duvidosos e complacência sistêmica (Hopkins, 2012Hopkins, A. (2012). Disastrous decisions. CCH.). Outro caso ocorreu na barragem da Samarco em Mariana, no Estado de Minas Gerais, com laudos técnicos atestando a segurança do conjunto que colapsou (Bussular et al., 2019Bussular, C. Z., Burtet, C. G., & Antonello, C. S. (2019). The actor-network theory as a method in the analysis of Samarco disaster in Brazil. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 15(2), 176-191. https://doi.org/10.1108/QROM-04-2017-1520
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). Não há aqui um lado errado ou certo: essas realidades foram criadas e sobrepostas de maneira legítima e somente contrastam em restrospecto. Law (2004)Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. Psychology Press. retoma essa discussão e clarifica que relatos desse tipo não se referem à imperícia/descaso, mas, conforme originalmente proposto por Latour e Woolgar (1979)Latour, Β., & Woolgar, S. (1979). Laboratory life: The construction of scientific facts. (1st ed.). Princeton University Press., “diferentes práticas, enactadas de modos peculiares e através das associações de elementos distintos, acabam produzindo objetos diferentes, que se sobrepõem e engendram consequências” (p. 54). Em síntese, as realidades não são explicadas pelas práticas e culturas, mas produzidas por elas (Mol, 2002, pp. 53-54Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press.).

A não relativização da complexidade remete à realidade de sistemas de gestão de segurança operacional e de gestão da qualidade (Álvarez-Santos et al., 2018Àlvarez-Santos, J., Miguel-Dávila, J. Á., Herrera, L., & Nieto, M. (2018). Safety management system in TQM environments. Safety Science, 101, 135-143. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2017.08.019
https://doi.org/10.1016/j.ssci.2017.08.0...
; Grote, 2012Grote, G. (2012). Safety management in different high-risk domains: All the same? Safety Science, 50(10), 1983-1992. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2011.07.017
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). Nessa(s) realidade(s), constantemente são negociados agenciamentos, novas redes que se formam e deformam, a partir de translações e novas identidades para os atores. São esses significados, repertórios, é a abertura para o fluxo contínuo de informações, contestações, ideias que circulam entre as conexões da rede, que, argumentamos, permitirão que acessemos, de alguma maneira, a complexidade e a variabilidade presentes nas realidades que estão sendo performadas (Law, 1999Law, J. (1999). After ANT: Complexity, naming and topology. The Sociological Review, 47(S1), 1-14., 2004Law, J. (2004). After method: Mess in social science research. Psychology Press.; Mol, 2002Mol, A. (2002). The body multiple: Ontological medical practice. Duke University Press..

A Cartografia das Controvérsias presente numa dada realidade, desse modo, pode contribuir para fissurar a lógica dominante da linearidade analítica, presente nos modelos que orbitam o debate de segurança operacional, propiciando outras explicações sobre o as coisas serem como são. No campo prático, a tentativa de replicar soluções padronizadas para domínios múltiplos e realidade(s) operacionais diversos acaba impondo ferramentas de gestão que podem alcançar resultados mais profícuos em sistemas que são menos acoplados (linhas de produção, por exemplo), o que não acontece em sistemas com alto grau de complexidade e acoplamento (indústria de óleo e gás, por exemplo).

Outros trabalhos, como os de (Coze 2012Le Coze, J. C. (2012). Towards a constructivist program in safety. Safety science, 50(9), 1873-1887. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2012.03.019
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, 2013Le Coze, J. C. (2013). New models for new times. An anti-dualist move. Safety science, 59, 200-218. http://dx.doi.org/10.1016/j.ssci.2012.07.007
http://dx.doi.org/10.1016/j.ssci.2012.07...
, 2014Le Coze, J. C. (2014). The foundations of safety science. Safety Science, 67, 1-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.ssci.2014.03.002
http://dx.doi.org/10.1016/j.ssci.2014.03...
), Grote (2012)Grote, G. (2012). Safety management in different high-risk domains: All the same? Safety Science, 50(10), 1983-1992. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2011.07.017
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e Haavik (2014)Haavik, T. K. (2014). On the ontology of safety. Safety Science, 67, 37-43. https://doi.org/10.1016/j.ssci.2013.09.004
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, também criticam o uso funcionalista do ferramental de trabalho dos modelos e metodologias (como matrizes de risco, análise de causa-raiz, auditorias comportamentais e cursos e conceitos padronizados importados e distribuídos por meio de múltiplas indústrias) tradicionalmente utilizados para condução de pesquisa e trabalho envolvendo segurança operacional. Com relação a isso, podemos acrescentar que a lacuna não está necessariamente em um determinado modelo, mas no seu uso para redução estatística e as métricas (da complexidade presente em campo) que se avolumam em escala, mas pecam por sua pouca profundidade em seus domínios.

Ao tentarmos circunscrever a complexidade sociotécnica dessas e de tantas outras indústrias a números e gráficos em uma planilha, ou a metas e indicadores a serem batidos, negamos todo o enredo e peculiaridades que fazem o sistema se comportar assim. Esse entendimento dos "como e porquês", além dos "quês", é, talvez, o ponto em que a TAR pode contribuir de modo mais contundente, complementando as práticas em campo, potencialmente diminuindo a lacuna entre os entendimentos da alta gestão e linha de frente. Nesse sentido, a evolução da ciência da segurança não parece depender do abandono dos modelos e ferramentais de gestão que nos trouxeram até aqui, mas na sua complementação com abordagens que consigam iluminar aspectos que vêm sendo ocultados pelas lentes lineares e outros aspectos que as metodologias atuais não têm conseguido incorporar aos processos de gestão de segurança operacional; em especial, a dimensão social dos sistemas sociotécnicos complexos.

CONCLUSÃO

A ciência da segurança, de modo ampliado, é marcada pela dicotomia entre humanos e não humanos: máquinas e processos ou comportamentos e desvios. Tratar a complexidade de modo relacional é um desafio para a agenda de pesquisa desse campo. A partir da TAR, quando passamos a falar sobre ciências da segurança, precisamos considerar, para darmos conta da complexidade, a relação entre atores humanos de todas as especialidades que o campo exige (como psicólogos, geólogos, operadores da linha de frente, filósofos, sociólogos, engenheiros, mergulhadores, soldadores) e não humanos (como ciências, disciplinas, leis, regulamentos, técnicas, inéditos, indicadores, auditorias, embarcações, tecnologias, políticas, práticas) suspendendo a primazia de uma agência sobre a outra. Para tanto, a TAR contribui para novas conexões de pesquisa a serem produzidas à luz de deslocamentos que alcancem essa hibridez sociotécnica. Para transladarmos objetivos, interesses, dispositivos, seres humanos (Latour, 2000Latour, Β. (2000). Ciência em ação: Como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. Unesp.), precisamos reviver possíveis controvérsias associadas a pesquisas orientadas para soluções fundamentadas em objetos até então naturalizados, prontos e inquestionáveis. Tais processos podem contribuir para acessarmos os tensionamentos políticos nas realidades, provocados pelos diferentes atores que se associam nas redes formadas em sistemas sociotécnicos complexos.

Exploramos, pois, parte dessa trajetória epistêmica das pesquisas em ciência da segurança, a qual expõe lacunas importantes que dizem respeito à dimensão política desse campo, à relativização da complexidade e à simplificação das relações heterogêneas. A partir desse deslocamento pela ciência da segurança, identificamos possíveis colaborações da TAR para o alargamento do potencial analítico agenciado nessas redes, especialmente no que se refere à heterogeneidade e à complexidade que as compõem. Isso porque, a partir da problematização de possíveis controvérsias (passado, ocultas, frias, limitadas), podemos iluminar as diferentes realidades que se sobrepõem (multiplicidade e ontologias políticas) e que sustentam e criam, pelo menos temporariamente, a realidade do campo.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi realizado com apoio da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Brasil (ANP) associado ao investimento de recursos oriundos das Cláusulas de P,D&I - Regulamento n° 03/2015 (processos: 2016/00187-1 e 2019/00105-3).

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Editado por

Editor Associado: Diogo Helal

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Aceito
    05 Dez 2022
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