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Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina

RESENHAS

Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina

Carlos Osmar Bertero

Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina - por CELSO FURTADO, Rio de Janeiro, GB: Editora Civilização Brasileira, 1966, 127 páginas, brochura.

É o último livro do autcr e o resultado de suas reflexões, cursos e conferências realizados nc Chile e nos Estados Unidos, desde sua saída do País.

Sua tentativa é explicar o singular fenômeno da "estagnação" latino-americana após a euforia que caracterizou a fase em que a industrialização procedia à "substituição" dos itens até então importados (1945-1955) e que diminui de intensidade para atingir um plateau no fim da década dos 50 e que perdura até os nossos dias.

O livro está dividido em cinco capítulos:

1) Em busca de uma ideologia do desenvolvimento;

2) Obstáculos externos ao desenvolvimento;

3) Fatores estruturais internes que impedem o desenvolvimento;

4) Análise do caso do Brasil;

5) Aspectos operacionais da política de desenvolvimento. Capítulo Primeiro - Após esboçar rapidamente as grandes linhas do capitalismo "clássico" que conduziu à industrialização ncrte-americana e dos principais países europeus, e do socialismo, também de raízes européias, e aplicado com graus diversos de sucesso a vários países europeus e à União Soviética, o autor conclui pela inaplicabilidade de ambos os modelos à realidade latino-americana. A inaplicabilidade do socialismo, particularmente do marxista, torna-se clara dada a ausência de "classes" que seriam os móveis desencadeadores do processo revolucionário. Não há na América Latina uma classe operária, com as características descritas per Marx no "18 Brumário de Luís Napoleão" e as massas que se aglomeram nas grandes concentrações urbanas não estão imbuídas de outros objetivos e não aspiram mais que a participação nos benefícios da industrialização. A chamada "classe média" urbana, tendo assegurado posição privilegiada na distribuição da renda, só busca perpetuar tal situação e transferir, se possível adicionados, os privilégios a seus descendentes.

Por outro lado "... a análise do processo histórico latinoamericano leva à conclusão de que, abandonados ao laissez-faire as economias da região tendem à estagnação. .." "... caberia indagar que opções se apresentam à ação política orientada para a satisfação das aspirações coletivas, sabidamente polarizadas pelos ideais do desenvolvimento econômico e da modernização social" (pág. 14).

No segundo capítulo o autor retoma a análise de tipo conjuntural, localizando a América Latina no contexto internacional com seus poios de poder, e respectivas esferas de influência. Não deixa de parte a revisão de relações Estados Unidos-América Latina particularmente as grandes linhas da política externa norte-americana para com essa parte do hemisfério. O êrro fundamental da ação empreendida pelos Estados Unidos para acelerar o crescimento econômico latino-americano consiste em querer entregá-lo à ação das grandes emprêsas norte-americanas. Éste êrro responde pela inoperância da Aliança para o Progresso, elaborada e iniciada pela administração Kennedy, pois não foi capaz de livrar-se daquele pressuposto liberal. Na verdade, a Aliança prenuncia investimentos em alguns setores infra-estruturaís (transportes, eletricidade, moradias, etc.) mas o setor secundário e terciário deverão ser objeto de investimentos privados norte-americanos.

As premissas do liberalismo têm conduzido os Estados Unidos ao paradoxo de manter o statu quo latino-americano, com suas formas políticas e sociais obsoletas, pois tais estruturas, pelo menos não criam vários problemas à segurança nacional americana, tal como foi definida e enunciada no pós-guerra e até hoje mantida pelas administrações que sucederam a de Truman.

O capítulo terceiro é o de entendimento mais difícil, e também o mais importante do livro, pois aqui encontramos o grande esforço teórico de CELSO FURTADO para equacionar matemáticamente o mecanismo que resulta na estagnação econômica do continente, ou em outros têrmos, o que faz com que haja um aumento constante no nivel geral de preços, "principalmente nos países em que o desenvolvimento se vem fazendo, ou vem sendo tentado, em condições de declínio no coeficiente de importações" (pág. 51). O segundo índice de estagnação e o diminuto e deficiente aumento da renda real per capita que no período 1960-63 foi de 0,4%.

Êstes obstáculos internos são na verdade os mesmos que se originaram no processo de formação sócio-econômica, no período colonial e que em nossos dias ainda se mantêm substancialmente inalterado. A desigualdade na distribuição da renda continua prevalecendo quando um setor agrícola pré-capitalista e de caráter semi-feudal coexiste com um setor industrializado, de tecnologia avançada e que apresenta um coeficiente de capital crescente, mas que não logra criar um mercado "nacional" faltando desta forma as possibilidades de eficiência do próprio sistema. Tal situação não nos permite ver no modêlo latino-americano de desenvolvimento, nos últimos cem anos, nada que se possa comparar com a transição gradativa de um sistema précapitalista, para um capitalista que deterministicamente atingiram dentro de certo tempo a Europa Ocidental e nos Estados Unidos.

O conteúdo do terceiro capítulo é a nosso ver de importância para consideração da gênese do próprio pensamento de CELSO FURTADO que até o momento sempre se mostrou confiante num modêlo neocapitalista de tipo Keynesiano como solução para os problemas do crescimento econômico do continente. For outro lado, é pelo menos criticável sua generalização que não cremos seja mais do que a projeção para a América Latina de uma problemática propriamente brasileira.

O capítulo quarto analisa especificamente o caso do Brasil e após algumas considerações de natureza puramente econômica que tiveram lugar a partir de 1930, onde a crise do café conduziu à industrialização para substituição dos itens anteriormente importados. O autor julga ser o Brasil país típico do processo de industrialização por substituição. Após constatar que o processo de industrialização levou à aceleração do processo de urbanização e à formação do que chama "classes médias" urbanas, que todavia não têm as mesmas características da "classe média" européia. Daí passa a considerações de natureza política, observando que a concentração industrial estando localizada no sul, particularmente São Paulo, portanto, sofrendo grande restrição geográfica, fará com que os grupos industriais não se encontrem representados nas instituições políticas nacionais, mormente o Congresso, que permanece em grande parte dominado pela oligarquia agrária, resistente ao processo de industrialização e de modernização das instituições. Isto explica o imobilismo institucional que coexiste com o moderno sistema industrial situado no centro-sul do País. As "classes médias" urbanas não são dotadas do espírito reivindicatório e não sentem a necessidade de autoafirmação que caracterizou a própria gênese da classe média européia, uma vez que têm vínculos agrários e vê a sua inclusão no nôvo sistema industrial uma simples oportunidade para aquisição de status e elevação dos seus padrões de consumo. (Isto explica o caráter conservador e acomodaticio de nossa população urbana.

Todavia, a urbanização levantou um sério problema ao tradicional equilíbrio existente no seio do próprio govêrno. Normalmente, o sistema eleitoral e a Constituição permitiam à oligarquia agrária controlar tanto o legislativo como o executivo, As grandes concentrações urbanas, num país onde os chefes de executivo são eleitos por voto universal e direto, passaram a constituir áreas importantes para os aspirantes àqueles cargos, que não encontraram outra solução a não ser o populismo demagógico onde o que se prometia durante a campanha deveria ser sistematicamente desmentido pelas ações tão logo o poder íôsse assumido. Isto conduziu a tensões e ares de atrito entre chefes do executivo federal e os respectivos Congressos, bem como outras áreas de pressão que na última década levaram a um suicídio, uma renúncia e uma deposição violenta, saldo nada favorável para a viabilidade política do sistema. As alternativas seriam a adoção de um regime parlamentarista onde o chefe do poder executivo ficasse permanentemente submetido ao controle do legislativo', ou a subordinação do legislativo ao executivo, o que implicaria numa forma qualquer de ditadura. A segunda solução parece ter sido, pelo menos por ora a adotada. Não acredita, todavia, o autor que o "fermento" lançado na vida política e social da nação pelo processo de industrialização possa permitir mantenha-se o sistema vigente por prazo muito dilatado.

No quinto e último capítulo o autor principia pelo reconhecimento do próprio caráter tautológico de implantar uma política e uma ação do estado em prol do desenvolvimento em países da América Latina porque "Um dos problemas mais difíceis com que se enfrentam os países subdesenvolvidos consiste em aparelhar o Estado para o desempenho de múltiplas e complexas funções, quando a eficácia da ação estatal somente foi alcançada, historicamente, como resultado do próprio desenvolvimento" (pág. 111).

Seria desnecessário relembrar o ponto básico do autor Represente obra de que o desenvolvimento latino-americano através do sistema capitalista de livre empresa provou-se inviável e a mobilização para o desenvolvimeto tem de ser feita pelo próprio Estado. O arrolamento de objetives estratégicos a serem perseguidos por um Estado que buscasse o desenvolvimento incluiria:

"a) elevação da taxa de inversão;

b) reorientação dessas inversões;

c) intensificação na utilização da capacidade produtiva existente;

d) modificação na composição das importações;

e ) aumento ou diminuição do coeficiente de importações;

f) aumento relativo, no produto social, da participação do setor público;

g) aumento do consumo coletivo em detrimento do privado;

h) aumento relativo de gastos em formação de pess: especializado e no levantamento de recursos naturais;

i) redução do sub-emprêgo da mão-de-obra, mediante utilização mais intensiva do capital disponível" (pág. 121).

A colimação de tais objetivos só seria possível a partir dc momento em que se abandonasse a idéia liberal do Estado pois o desenvolvimento que ocorreu nos países capitalistas hoje desenvolvidos não se deveu à presença de um Estado Liberal, mas a uma poderosa iniciativa privada que tornou o Estado desnecessário enquanto prestador de serviços ou coordenador e propulsor do processo de desenvolvimento. Na América Latina a simples presença de um Estado Liberal não seria capaz de desencadear uma vigorosa ação empresarial privada e a evidência no caso é simplesmente histórica. O abandono do Estado Liberal e a sua transformação no propulsor e realizador efetivo do desenvolvimento é o que hoje se faz necessário em tôda a América Latina e para tanto dois passos deveriam ser dados. Em primeiro lugar, o abandono dos marcos jurídicos que sancionam o statu quo e a sua subordinação à racionalidade inerente ao processo de desenvolvimento e em segundo lugar à implantação de reformas de naturezs administrativa que permitissem ao Estado não apenas coordenar a ação da incipiente iniciativa privada, bem como a sua estimulação, mas ainda o seu ingresso no domínio econômico como produtor de bens e serviços.

Para tanto é importante que se implantem técnicas adequadas de planejamento e orçamentos-programa, tanto a nível central como nos regionais e locais, que permitam a coordenação e o respectivo controle. Em adição, avulta como instrumento indispensável a necessidade de criação de um serviço civil apoiado na racionalidade administrativa e no mérito que permita ao Estado dispor de um "corpo de funcionários" que sigam uma carreira, sejam competente, leais e honestos na sua dedicação à causa pública.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1967
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