Acessibilidade / Reportar erro

A unificação da previdência social

ARTIGOS

A unificação da previdência social

Dante de Souza Gondim

Técnico de Administração do INPS e Assessor de Treinamento da Superintendência Regional da Bahia

Continua na ordem do dia a unificação da previdencia social, em todos os setores da opinião pública. Atualmente, quase não há quem não se interesse pelo assunto, pois é raro quem não esteja ligado à previdência social, como empresário ou segurado, financiando-a ou a ela recorrendo. O interêsse é, portanto, legítimo e natural. Só que o INPS, entidade resultante da unificação decretada, transformouse numa espécie de "cabeça de turco", onde todos, empregadores, sindicatos e segurados, procuram fazer alguma força, numa vasão incontida de agressividade nem sempre justificada.

As críticas ao INPS e suas potencialidades abrangem, com efeito, uma gama variadíssima de aspectos da previdência, que vão desde os estritamente técnicos e administrativos, até os de caráter mais nitidamente social e político. E em tôdas essas críticas vislumbra-se uma desinformação patente, quando não o preconceito manifesto. Senão vejamos.

O Fortalecimento Técnico-Atuarial da Previdência

Desconhecem, por exemplo, os opositores da unificação que a reunião da previdência social brasileira no Instituto Nacional de Previdência (INPS), era um imperativo de ordem econômica e administrativa inelutável. Sobretudo, motivos de ordem técnico-atuarial a impunham.

Sendo a atuária uma ciência, a técnica dos seguros - de que é instrumento necessário - não pode deixar de impor diretrizes científicas à correta administração dos órgãos seguradores. O seguro, seja êle privado ou social, voluntário ou obrigatório, de coisas ou pessoas, lida com o que na terminologia específica, se chama, não muito adequadamente aliás, de sinistros e que não são senão os riscos ou eventos potenciais cobertos pelo sistema, já ocorridos ou realizados. Êsses fenômenos, conquanto singularmente imprevisíveis, nem por isso prescindem da lei dos grandes números ou da sua observação em massa, para determinação da sua freqüência e formas de apresentação estatística. Requer, portanto, a técnica securitária, grandes coletividades seguradas para ensejar estudos tão exatos quanto possíveis no que respeita à previsão dos sinistros e determinação dos recursos financeiros necessários à cobertura dos encargos dêles decorrentes.

No caso específico do seguro social brasileiro, o seu fracionamento em seis entidades seguradoras representava fator de enfraquecimento econômico de algumas delas, devido à pequena massa de segurados que, em alguns casos, apresentavam. Ora, o INPS, reunindo todas as categorias profissionais numa única massa segurada, tem, por isso mesmo, uma maior capacidade de resistência técnica e financeira, do que cada uma das entidades que absorveu.

O PROBLEMA DO CUSTO OPERACIONAL

Os custos operacionais, por outro lado, são, inelutável e proporcionalmente, sempre mais altos em entidades seguradoras pequenas, pois qualquer máquina administrativa, por menor que seja, requer tôdas as complexidades das similares grandes, principalmente se tiver de seguir um padrão organizacional estabelecido em lei. Não há prodígio de organização e eficiência que consiga evitar isso.

Há, com efeito, uma proporcionalidade inversa entre a massa segurada compreendida no âmbito de ação do órgão segurador e os seus custos operacionais. Quanto menor essa massa, maiores, proporcionalmente, as suas despesas administrativas. Tome-se, por exemplo, a razão funcionário-segurado, que dá uma boa idéia da mais ponderável rubrica de custeio administrativo, isto é, a de pessoal, e ter-se-á uma visão nítida do problema. Assim, cotejando-se a relação funcionário-segurado, prevalecente na que foi a maior instituição de seguro social do País anteriormente à unificação, o antigo IAPI, com a mesma relação existente na menor de tôdas, o ex-IAPM, verifica-se que, enquanto o ex-IAPI mantinha um servidor para cada 109 segurados, o antigo IAPM apresentava um funcionário para cada 16 contribuintes. Isso significa que as despesas de pessoal do ex-IAPM, admitindo-se um custo funcional médio idêntico nos dois órgãos, seriam proporcionalmente, quase sete vêzes superiores às do ex-IAPI. Não se diga que o ex-IAPM teria sido prêsa do empreguismo e do esbanjamento de recursos, porque a verdade é que, a despeito de todos os percalços, consideradas as deficiências econômicas, culturais e sobretudo as práticas políticas do País, as Instituições de previdência eram tôdas, de modo geral, satisfatòriamente administradas.

Embora a Lei Orgânica da Previdência Social previsse limite de sobrecarga para as despesas de administração dos antigos IAP, limite êsse considerado dos mais altos do mundo (2,5% da fôlha de salários de contribuição), o quadro dos custos operacionais absorventes que os mesmos apresentavam não pôde, até hoje, ser obviado.

É natural, entretanto, que se espere da nova entidade previdenciária única melhoria da eficiência administrativa e correlata baixa do custo operacional da previdência social brasileira. Isso resultará, necessàriamente, de um correto aproveitamento dos efetivos funcionais unificados, anteriormente disseminados em meia dúzia de órgãos empenhados na realização sextuplicada de atividades da mesma natureza, bem como da padronização e simplificação das rotinas e da racional utilização do seu material, instalações e recursos financeiros. As primeiras providências para implantação do INPS já deixam antever claramente isso, ainda para os mais céticos e descrentes, pois as sobras de pessoal são patentemente visíveis nos setores já unificados.

PLANOS INTEGRADOS

Uma análise sumária da ação administrativa das extintas entidades levaria, por outro lado, os opositores da unificação a conclusões francamente desfavoráveis aos planos de atividades daquelas. Os antigos Institutos se empenhavam, com efeito, por fôrça de sua autonomia legal, em planos que compreendiam atividades fragmentárias, num patente desperdício de recursos e esforços. Daí resultavam, não raro, serviços pouco eficientes, decorrentes, principalmente, da insuficiência de recursos disponíveis, isoladamente, pelos IAP, para realizar algo realmente completo e satisfatório.

No campo da assistência médica isso era particularmente notório. Em alguns lugares, muitas das extintas entidades mantinham serviços médicos paralelos e deficientes, quando a reunião dos seus recursos poderia conduzi-los a programações comunitárias mais produtivas.

A possibilidade de planos únicos, com aproveitamento global dos recursos da previdência e cobrindo integradamente todo o campo de suas atividades, resulta, por outro lado, noutra e mais promissora perspectiva da nova Entidade.

CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO. PRINCÍPIOS ESTABELECIDOS PELA REFORMA ADMINISTRATIVA

Nem se diga, como já tem acontecido, que o INPS, por ser talvez a maior entidade da administração pública indireta do País, se tornaria, por isso mesmo, num pesado mastodonte administrativo, super-centralizado e de lentos movimentos. Êsse é apenas um dos muitos equívocos da opinião leiga sôbre o assunto. Unificação e centralização não são características necessàriamente correlatas. Órgãos pequenos podem ser excessivamente centralizados e emperrados na sua mecânica e desempenho, enquanto que grandes máquinas, não raro, são modelos de descentralização e flexibilidade administrativa. Alguns exemplos podem dar idéia nítida do problema. Assim, a fôlha de pagamentos do pessoal do antigo Instituto dos Bancários na Bahía, aínda há pouco, era feita no Rio de Janeiro(!). Isso pode ser considerado o máximo de centralização em relação a um interêsse estritamente local e que poderia ser localmente muito bem cuidado e resolvido, para maior satisfação, inclusive, dos servidores do ex-IAPB lotados na Bahia. Já o ex-IAPI, que era uma das maiores máquinas administrativas do País, despachava, sistemáticamente, processos de benefício nos níveis de execução. Essa entidade era, assim, um exemplo salutar de descentralização administrativa e num dos setores fundamentais de suas atribuições legais.

Escassa delegação de competência e descentralização de atividades eram, podemos afirmar, uma das características dominantes da previdência social fracionada, apesar de exceções apontáveis. E os seus efeitos junto à clientela eram, de modo geral, sabidamente negativos. Processos que poderiam ser normalmente resolvidos sem quaisquer prejuízos, em órgãos periféricos e nos níveis de apresentação dos requerimentos, seguiam uma verdadeira via crucis de passos, variados e supérfluos, subindo e descendo a escala da hierarquia administrativa. Tempo precioso perdia-se nesse percurso, não raro com penoso sacrifício das partes.

Os princípios da delegação e descentralização parece que se incorporaram definitivamente, como fundamentos básicos, às nossas práticas administrativas. A recente Lei de Reforma Administrativa preceitua-o formalmente, ao estabelecer que as atividades da administração federal serão amplamente descentralizadas. Estipula êsse diploma legal que a "administração casuística, assim entendida a decisão de casos individuais, compete, em princípio, ao nível de execução, especialmente aos serviços de natureza local, que estão em contato com os fatos e com o público" ( § 3.º, do artigo 10, do Decreto-lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967). Reitera-o, ainda, no artigo 11, ao estabelecer que a "delegação de competência será utilizada como instrumento de descentralização administrativa, com o objetivo de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender". Essa, aliás, a lição de TAYLOR, experimentada, principalmente, nas atividades privadas, sempre mais premidas pela necessidades de poupar recursos, ganhando tempo.

Os órgãos de cúpula e comando, dentro dessa fisolofia administrativa, ficariam adstritos às funções que lhe são inerentes, isto é, ao planejamento, à supervisão, à coordenação e controle, ficando "liberados de rotinas de execução e de tarefas de mera formalização dos atos administrativos".

Quanto à atividade de controle, que constitui uma verdadeira obsessão de certa categoria de administradores menos avisados, determina a aludida lei que devem ser simplificados e mesmo suprimidos, sempre que sejam puramente formais ou de custo superior aos prejuízos e falhas que procuram evitar. Não cabe, portanto, a observação que já se tem feito, de que o programa de descentralização em que está empenhada a administração do INPS fá-lo-ia, fatalmente, diluir os controles e perder, em conseqüência, o comando da máquina administrativa. O mérito da descentralização, com efeito, é uma mera questão de medida e bom senso, podendo ela ser sempre aumentada ou diminuída, conforme a conjuntura ou o comportamento da engrenagem o imponham.

Vê-se, assim, que a Lei de Reforma Administrativa formula regras de ação verdadeiramente revolucionárias, que sacudirão, certamente, se convenientemente aplicadas, a velha máquina de nossa administração pública, adaptandolhe o ritmo de funcionamento à dinâmica desta era tecnológica a que nos havemos, aliás, decididamente incorporado, pelo esforço de industrialização em que estamos empenhados, para nos incluirmos no rol das nações desenvolvidas.

Desde que se impregne da filosofia gerencial adotada pela Lei de Reforma Administrativa, não vemos porque não augurar ao Instituto Nacional de Previdência Social o êxito que tem tôdas as posibilidades de alcançar e a curto prazo. Pensar o contrário, à base de argumentos inconsistentes e razões especiosas, equivale a aferrar-se o pessimista a preconceitos e ao saudosismo de situações superadas, por incompatíveis com os ideais de progresso e desenvolvimento.

OUTRO EQUÍVOCO DA OPINIÃO LEIGA. OS FINS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Apresentam, ainda, alguns, como fator contra-indicante da unificação, peculiaridades da problemática securitária de algumas categorias profissionais que constituíam a massa segurada específica das extintas entidades.

Acham, por exemplo, que determinados grupos profissionais, menos carentes de recorrer ao seguro social, passariam a custear, por isso mesmo, os encargos resultantes dos que mais solicitassem os serviços do sistema. Isso é verdade, porque essa é, aliás, a filosofia da previdência social. Longe de ser um mal, portanto, é uma de suas decorrências mais naturais e desejadas. Por essa forma, alcança-se, inclusive, um dos seus objetivos fundamentais, isto é, a redistribuição a um tempo geográfica e social da renda nacional. Os que podem mais pagam para os que podem menos e das regiões ricas fluem os recursos para cobrir os encargos sociais emergentes nas regiões pobres, de baixa arrecadação. Representa, portanto, o seguro social, por êsse prisma, um fator importante de reequilíbrio social e de manutenção da capacidade econômica da parte da população atingida por eventos que lhe afetam o poder de consumo. Ora, o INPS é um instrumento mais adequado e potencialmente mais eficiente para o alcance dêsse objetivo, visto que os seus recursos constituem uma universalidade a ser utilizada de acordo com planos globais.

O INPS UM ESTADO DENTRO DO ESTADO? UMA AFIRMATIVA RETÓRICA

O INPS seria, talvez, hoje, a maior e mais poderosa entidade pública do País, depois da pessoa do próprio governo federal, pois engloba no seu âmbito jurisdicional 6 milhões de segurados, 12 milhões de dependentes, num total de 18 milhões de beneficiários, cujos interêsses seriam atendidos por 90 mil funcionários. O seu orçamento, que atinge a cifra de 3,5 trilhões de cruzeiros velhos, viria logo em seguida ao da União.

Muitos vêem nisso um mal, pois entidades demasiado poderosas pelo vulto de suas disponibilidades financeiras constituir-se-iam, no final das contas, em verdadeiro Estado dentro do Estado. É que haveria o risco de êsses recursos serem utilizados como instrumento de alcance de interêsses outros que não os previstos na legislação própria. Como mecanismo de ação e pressão política, essa máquina gigantesca seria, pois, particularmente perigosa.

Esses são, entretanto, exageros, com escassa comprovação prática, mesmo entre nós, que ainda somos uma democracia incipientemente estruturada.

A demissibilidade ad nutum de sua administração; a fiscalização e controle jurisdicional exercido pelas categorias profissionais e econômicas interessadas, através do Conselho Fiscal e das Juntas de Recursos da Previdência Social - um e outras de composição paritária; a vigilância exercida pela administração federal através do Departamento Nacional da Previdência Social e do Tribunal de Contas, para não mencionar a fiscalização genérica mantida por toda a coletividade nacional que, cada vez mais, se politiza e toma consciência dos problemas que lhe afetam os interêsses mais diretamente - tudo isso haveria de minimizar a ação eventualmente prepotente e prejudicai de administrações menos cônscias dos seus verdadeiros encargos e responsabilidades.

Acolher-se, pois, êsse argumento seria, apenas, negar ao Estado a sua característica mais fundamental, isto é, a de poder superior e incontrastável dentro da comunidade política, o que redundaria, em última análise, na negação mesma da ordem jurídica.

Não passa, portanto, a afirmativa de que o INPS seria um Estado dentro do Estado, de uma frase de conteúdo meramente retórico.

ADMINISTRAÇÃO COLEGIADA E SINGULAR

A lei que criou o INPS retomou o critério de comando singular para a previdência social, repudiando a forma colegiada dos Conselhos Administrativos previstos pela Orgânica da Previdência Social para a direção executiva das extintas entidades. Substituiu-os, na nova Entidade por um Presidente de livre nomeação do Presidente da República. Muitos consideram isso um retrocesso, pois acham a administração colegiada, sobretudo, uma conquista das categorias econômicas e profissionais interessadas no seguro social, visto que participavam, por intermédio de seus representantes nos citados Conselhos, da direção dos seus órgãos executivos.

Entretanto, o princípio da unidade de comando que FAYOL sintetizou muito bem na fórmula "um só chefe, um só proprograma, para um conjunto de operações que visam ao mesmo objetivo", continua a ser uma regra prática básica de administração. Em tôda a parte onde o executivo assumiu a forma colegiada, o rendimento administrativo foi sempre inferior às expectativas mais modestas. Adota-se, com proveito, o colegiado em órgãos consultivos ou de mero controle administrativo e jurisdicional. Essa, a lição vivida na experiência diuturna dos mais variados tipos de organização em tôda a parte.

Nem estariam as classes interessadas ausentes na mecânica administrativa do INPS, pois continuam a participar da composição do seu Conselho Fiscal e de suas Juntas de Recurso, de uma forma partidária, como nas estruturas fragmentárias extintas.

O EXEMPLO DO SETOR PRIVADO

A fusão de emprêsas no setor privado, mesmo entre nós, que ainda estamos na infância de um capitalismo propriamente dito, tem sido prática freqüente. Sobretudo a necessidade de manter custos operacionais baixos, para que possam enfrentar as rudezas de uma economia cada vez mais competitiva, tem comandado essa diretriz no mundo dos negócios particulares. E isso sem comprometimento da dinâmica de um mercado livre, para desencanto dos que rezam pelo catecismo marxista, que vêm no processo, apenas, uma marcha inexorável para o monopólio econômico em proveito de um número cada vez menor de privilegiados.

Mas a verdade é que a concentração de emprêsas em unidades maiores tem assegurado a manutenção do nível de emprêgo, pois garante a continuidade de entidades que apresentam debilidades econômicas; assim, conserva ocupada a mão-de-obra e concorre para a melhoria dos níveis de preços de bens e serviços, pois possibilita a manutenção dos seus custos em limites compatíveis com a capacidade de consumo e, finalmente, tem assegurado a indispensável remuneração dos investimentos - apoio e razão de ser da economia capitalista.

Infelizmente, porém, o exemplo das fusões e incorporações no setor privado, pouca impressão causa a certa categoria de administradores públicos. Êles acham que o serviço público não precisa se preocupar tanto com o problema dos custos operacionais porque, via de regra, não tem objetivos econômicos, como sói acontecer, normalmente, com a atividade privada. Atender ao público, seja a que preço fôr, seria o alvo principal da atividade estatal.

Essa é, entretanto, uma visão primária e, sobretudo, inconseqüente da questão. Os que a perfilham não atentam para as profundezas do problema e muito menos lhe alcançam os efeitos danosos.

Na verdade, se os serviços públicos são custeados por tributos que afetam a economia de todos, pois que todos os pagam, há, obviamente, influência da atividade estatal na economia do País. Essa influência é tão decisiva que, se o custeio dos serviços públicos fôr demasiado absorvente dos recursos coletivos, poderá ocasionar estagnação ou mesmo uma recessão na economia nacional. Porque, ainda que se possa argumentar com o fato de que todo o dinheiro arrecadado pelo poder público é devolvido à coletividade através de salários, compras de material, pagamentos de serviços e demais encargos orçamentários, importa ressaltar na espécie que um fiscalismo absorvente representa a institucionalização de um processo confiscatório em relação à coletividade contribuinte. Ora, um sistema econômico sadio é, sobretudo, um sistema de equilíbrio, onde não haja grupos beneficiados com a espoliação de outros.

Serviços públicos que, portanto, operam a custos demasiado onerosos para o contribuinte equivalem a um verdadeiro processo de autofagia da Nação.

Cumpre, pois, trazer o mesmo espírito gerencial da emprêsa privada para o serviço público. Há de haver, portanto, da parte dos líderes da administração pública, um propósito permanente de racionalizar as estruturas organizacionais, de simplificar métodos de trabalho, de modernizar enfim os serviços estatais, aproveitando-lhes, principalmente, da maneira mais eficiente possível, os recursos materiais, financeiros e, principalmente, os seus efetivos funcionais. Isso porque, se a ineficiência e o desperdício, no setor privado, são punidos com a falência, no serviço público essa mesma condição resultaria noutro tipo de insolvência, de efeitos não menos danosos para a coletividade e que se traduzHa no empobrecimento, sem contraprestação equivalente, dos contribuintes. Ora, um govêrno que empobrece o seu povo perdulariamente empobrece e enfraquece a si mesmo.

Não se pode censurar, portanto, o atual govêrno, quando, imbuído de uma sadia política gerencial, haurida, também, nos exemplos da atividade privada, promoveu a unificação da previdência social brasileira, num órgão potencialmente muito melhor capacitado para alcançar os objetivos sociais do sistema previdenciário.

O EXEMPLO ESTRANGEIRO. O SEGURO SOCIAL NORTE-AMERICANO

Para os que usam o argumento da existência de exemplos estrangeiros de previdência social administrada fragmentàriamente, à moda da nossa anterior ao INPS - argumento êsse que nada prova por si mesmo, de vez que êsse mesmo sistema de administração pode, alhures, apresentar os mesmos defeitos que apresentava entre nós e ser, por isso, tão condenável no estrangeiro quanto o era aqui - a êsse argumento podemos opor o de numerosos grandes países que geram o seu seguro social de uma forma unificada.

Com efeito, as grandes nações industriais do mundo; com seus amplos planos de seguro social que abrangem, em muitos casos, tôda a população ativa, administram-nos unificadamente. Citemos por exemplo a Inglaterra, que o faz através do Ministério do Seguro Nacional (Ministry of National Insurance).

Já os Estados Unidos, desde 1935, com a promulgação do social security act, gera o seu sistema de seguro social unificadamente, através da Administração do Seguro Social (Social Security Administration), cuja sede é em Baltimore. O sistema abrange, pràticamente, tôda a população ativa, envolvendo mais de sessenta milhões de pessoas. Ainda que os ferroviários, por exemplo, conservem peculiaridades no que respeita a direitos, o mecanismo administrativo para sua outorga, ainda nesse caso, é o mesmo.

O fato de o sistema de seguro social norte-americano utilizar-se muito do mecanismo administrativo dos Estados para alcance dos seus objetivos, admitindo inclusive, no particular, legislação estadual supletiva, êsse fato, repetimos, não tira ao sistema o sentido de unidade administrativa que o caracteriza. Queremos afirmar com isso que o sistema de seguro social norte-americano não acolhe a pluralidade de órgãQs executivos, segundo um critério de divisão meramente profissional da massa segurada, como era o nosso antes do INPS, nem tampouco admite uma variedade de mecanismos administrativos, fracionados segundo um critério meramente geográfico, como sói acontecer em alguns países.

Ora, quando essas nações líderes do mundo, que têm, realmente, uma experiência maciça de problemas administrativos de tôda sorte, optaram por uma administração unificada, não foram certamente levadas por uma preferência imotivada, mas pela necessidade imperiosa de obter um bom rendimento do órgão executivo, visando a que atinja os seus objetivos com eficiência e, sobretudo, com economia.

IDENTIDADES BÁSICAS ENTRE O INPS E OS EX-IAP A ATUAL ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Nem foram tão profundas assim as modificações sofridas pela previdência social brasileira com a nova entidade previdenciária. Houve, apenas, básicamente, uma absorção das personalidades jurídicas das extintas entidades, com o objetivo de sua integração administrativa numa unidade organizacional superveniente, o INPS.

A forma de administração autárquica, com ampla autonomia administrativa e financeira do órgão executivo, foi mantida. Os planos de benefícios e a forma do seu custeio são os mesmos previstos na Lei Orgânica da Previdência Social e no seu recente regulamento, aprovado pelo Decreto 60.501/67. A participação das categorias interessadas nos órgãos de controle jurisdicional e administrativo, internos e ministeriais, foi também respeitada.

Procurou-se, evidentemente, dar ao INPS uma estruturação mais compatível com os seus encargos que são enormes, de modo a que possa cumpri-los com presteza e economia. Delegação e descentralização, coordenação e controle racional, são princípios que devem, por isso, permear a sua filosofia administrativa, dando-se ênfase à concentração de tarefas executivas em órgãos periféricos. Aí, precisamente, reside a maior fonte de êxito do INPS. Se falharem nesse propósito, os administradores do INPS terão, apenas, substituído sete entidades pouco eficientes, por uma única dificilmente melhor do que elas.

O sistema unificado de previdência acha-se, atualmente, estruturado da seguinte forma:

• Órgãos de planejamento, orientação e controle administrativo ou jurisdicional, integrantes do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) e que são:

- Departamento Nacional de Previdência Social (DNPS);

- Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS); e

- Serviço Atuarial ( SAt).

• Órgãos de controle administrativo ou jurisdicional integrantes do INPS e que são os seguintes:

- Conselho Fiscal (CF); e

- Juntas de Recursos da Previdência Social (JRPS).

• Órgão executivo, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), administrado por um Presidente de livre escolha do Presidente da República e assistido por uma Comissão de Coordenação Geral.

Essa Comissão de Coordenação Geral, presidida pelo Presidente do INPS, integra-se de Chefes de Órgãos Centrais. Funciona como órgão consultivo e de assessoramento no melhor sentido técnico moderno, de vez que o Presidente se reserva todo o encargo de dirigir o INPS. Assim, preserva-se, de maneira muito nítida, o princípio da unidade de comando, na administração previdenciária.

A estruturação horizontal do INPS, ou seja a distribuição geográfica do seu aparelhamento administrativo, mantém o sentido da regionalização, por Estados, onde operam Superintendências Regionais, organizadas similarmente ao Órgão Central.

Essas Superintendências são hoje, todavia, órgãos de atividade amplamente descentralizados, o que implicou em intensa dinamização administrativa da previdência social brasileira.

FALHARÁ O INPS EM SEUS OBJETIVOS ESPECÍFICOS? AS DEFICIÊNCIAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

As Cassandras da burocracia negativista auguram, inclusive, o fracasso do INPS, no que respeita ao alcance dos seus objetivos específicos. Entretanto, se a nova Entidade, como ocorria já com as antigas, não alcança as metas legais do seguro social, com a plenitude que todos esperamos, isso não será sempre, necessàriamente, uma falha de sua dinâmica administrativa. Em todo caso, o INFb nunca será - disso estamos certos - menos eficiente ou mais dispendioso do que qualquer dos órgãos por ele absorvidos.

Aliás, podemos afirmar, com sobra de razões, que as possíveis falhas do INPS não serão sempre imputáveis de plano e em todos os casos à sua forma de operar o sistema previdenciário. Essas deficiências serão, é quase certo, atribuíveis, no que respeita ao cumprimento dos seus encargos específicos, principalmente, às carências sociais e, sobretudo, econômicas do País.

Com efeito, um País que tem apenas 30 mil médicos e que necessita de, pelo menos, 90 mil para atender a sua população em condições mínimas de eficiência, nao pode, evidentemente, prestar, por exemplo, uma assistência medica previdenciária sequer sofrível aos seus beneficiários, em tôda a extensão do território nacional. A 50% dos municípios brasileiros não poderia, mesmo, ser levada a mais elementar forma de assistência médica, pois ascendem a cêrca de duas mil as comunas que não possuem sequer um médico residente nos seus limites geográficos.

O quadro econômico geral, por outro lado, ainda não assegura possibilidades de um total cumprimento de planos assistenciais previdenciários, devido ao seu custo necessàriamente elevado.

A nossa economia continua sendo, com efeito, dominantemente agrária, como o atesta a concentração maciça de mão-de-obra no setor primário ou agro-pastoril, onde moureja, em condições de elementar produtividade, em níveis, ao mais das vêzes, de mera subsistência, uma fôrça de trabalho que alcança o coeficiente de 17 milhões de trabalhadores.

Êsse quadro econômico que apresentamos, a despeito do esforço de industrialização e patente progresso verificado em algumas áreas, é o exemplo clássico das economias primárias e subdesenvolvidas. Nelas a ação governamental dificilmente vai além das áreas urbanas e a capacidade de desembolso do contingente populacional ativo, para o custeio das despesas públicas e dos encargos assistenciais, é limitada àqueles grupos já incorporados à economia monetária de maneira decisiva, ficando os demais à margem dos benefícios da civilização e do progresso, por não poderem concorrer para o seu custeio de maneira substancial.

Assim, o êxito de qualquer plano de alcance social depende básicamente do realismo e objetividade com que foi formulado, em função dêsse condicionamento econômico. E o nosso sistema previdenciário não haveria de ser exceção a essa regra. Se, portanto, muita coisa que foi prometida à massa segurada não tem sido alcançada na medida sequer do razoável - a despeito do esforço que se tem feito para cumprir a lei - é que, entre almejar ideais de justiça social e a possibilidade de alcançá-los com êxito, vai, na prática, uma distância não raro muito grande.

Mas, apesar disso, cumpre afirmar que a previdência social brasileira, a despeito de tôdas as suas deficiências, já é uma irrecusável realidade jurídica e social, patenteada pelo milhão e meio de pessoas a que atende mensalmente, com suas prestações pecuniárias e assistenciais, fato que explica o interêsse manifesto por todos os grupos profissionais e econômicos em contribuir para a mesma. Ademais, o INPS tem, comprovadamente, maiores possibilidades de suprir-lhes as falhas, à medida que o progresso sócio-econômico do País se verifica, do que as entidades fragmentárias extintas.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA UNIFICAÇÃO CONCLUSÕES

Mas a necessidade de robustecer atuarial e administrativamente o seguro social brasileiro vinha determinando a fusão paulatina dos seus órgãos. O que ocorreu com as antigas Caixas, instituídas por emprêsas ou de âmbito estritamente regional, na fase incipiente de nossa previdência, é um exemplo vivo. Delas, chegou a haver mais de cem, que foram sucessivamente integradas em unidades maiores, até que, em 1953, cêrca de trinta remanescentes, tiveram de ser fundidas num órgão único, a CAPFESP, depois denominada IAPFESP. Já se vê, portanto, que o processo de fusão da previdência social brasileira está longe de ser, como acreditavam alguns, uma novidade. E a previsão de um Instituto único não é nova também, pois chegou a ser objeto de ato promulgado em 1945, a Lei de Serviços Sociais, que criava o Instituto de Serviços Sociais do Brasil. As modificações políticas da época, impediram, entretanto, que essa Entidade chegasse a se tornar uma realidade.

Vem, por conseguinte, com atraso de vinte e dois anos, em relação ao plano inicial, o atual Instituto Nacional de Previdência Social. A identidade de fins dos órgãos da previdência social, a unidade de sua legislação e os problemas resultantes da fragmentação administrativa de há muito vinham determinando a diretriz ora seguida.

As potencialidades do nôvo órgão são imensas e os fatos o confirmam sobejamente. A ampla recuperação financeira da previdência, devida irrecusavelmente à fórmula unificatória consubstanciada no INPS, atesta-o cabalmente.

Não há, portanto, o que temer pelo futuro da previdência social no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1968
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br