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Crítica da tolerância pura

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Crítica da tolerância pura

Por Robert Paul Wolff, Barrington Moore Jr. e Herbert Marcuse. Traduzido por Ruy Jungmann. Rio de Janeiro, Zahar Editôres, 1970.

Este livro reúne três ensaios: Além da Tolerância, por Wolff, Tolerância e o Ponto de Vista Científico, por Barrington Moore, e Tolerância Repressiva, por Marcuse. Já no prefácio indicam os autores o denominador comum aos três ensaios: "Concluímos todos, ao analisar as teorias e práticas predominantes da tolerância, que elas são, em graus variáveis, máscaras hipócritas a ocultar aterradoras realidades políticas".

No primeiro ensaio - Além da Tolerância - Wolff começa por identificar a tolerância como a virtude da democracia pluralista na América moderna. Depois de expor a forma pela qual o conceito de tolerância se relaciona com a teoria do pluralismo, o autor procura demonstrar quais os argumentos justificadores da tolerância, e como eles se relacionam com o conceito de pluralismo democrático. Finalmente, conclui o autor, considerando pluralismo "não como uma teoria totalmente errônea, mas como uma teoria que desempenhou uma valiosa função durante certa etapa do desenvolvimento americano, e que hoje se apresenta destituída de valor, seja como descrição, seja como prescrição".

Entre os pontos que merecem destaque, no desenvolvimento do raciocínio de Wolff, temos os seguintes:

1. O desenvolvimento da política de massa exigiu "arranjos permanentes e complexos a fim de transmitir a vontade do povo aos governantes eleitos. Multiplicam-se associações institucionais de tamanho médio que se tornam mediadores das relações entre o indivíduo e o Estado."

2. Quando se encara o Estado como agente controlador que limita, restringe e impede uma possível hegemonia de algum grupo sobre os demais, temos um dos tipos de teoria pluralista: a teoria do árbitro.

Quando se encara o Estado como reflexo e combinação das diferentes pressões oriundas de diferentes grupos, temos o outro tipo de teoria pluralista: a teoria da soma de vetores ou toma lá, dá cá.

3. Existem três tipos de justificativas para o pluralismo: a) é um mal necessário, devido aos altos custos sociais da repressão; b) é condição necessária para a realização do ideal democrático na grande sociedade industrial de massa; c) "a sociedade pluralista é natural e boa, e um fim que, por si mesmo, deve ser procurado". A cada defesa do pluralismo corresponde uma defesa da tolerância.

4. O pluralismo democrático americano pretende efetuar a unificação dos princípios liberais com a sociologia conservadora. Procura reunir "a combinação da tolerância pelos mais diversos grupos sociais e intolerância extrema pela idiossincrasia individual". Pede simultaneamente a tolerância coletiva e a intolerância individual.

5. A aplicação do pluralismo à sociedade americana envolve três tipos de distorção ideológica: a) favorece sempre os grupos existentes contra aqueles em processo de formação; b) favorece sempre os grupos mais fortes contra os mais fracos; c) ignora os problemas que se referem ao bem geral e não meramente à soma dos bens privados, não admitindo a possibilidade de uma reorganização geral da sociedade.

O autor do segundo ensaio, Barrington Moore Jr., procura demonstrar que o ponto de vista científico (secular e racional) é suficiente para entender e ajuizar assuntos humanos, pois aplica a tolerância na medida certa e da forma mais adequada. Isto porque rejeita, simultaneamente, a tolerância aguada, vinculada à covardia intelectual e ao escapismo, e a intolerância sectária, vinculada a fanáticas obstinações doutrinárias.

Há grande probabilidade de que a tolerância ocasione o desenvolvimento de concepções críticas da sociedade, pois "segundo o ponto de vista científico, todas as idéias, incluindo as mais perigosas e aparentemente absurdas, têm o direito de ter as suas credenciais examinadas".

De acordo com o autor, o ponto de vista científico pode contribuir para esclarecer questões relevantes e para desenvolver uma crítica radical da sociedade sem abdicar da racionalidade, e sem provocar um retorno a concepções religiosas ou quase religiosas. A adoção gratuita de qualquer conjunto de valores está condenada à frustração "porque nenhuma alternativa à racionalidade, nenhum apelo à fé, por mais disfarçados, podem, no fim, suportar os efeitos corrosivos da indagação racional". O ponto de vista científico é uma forma de superar este problema, não porque abandona os valores, mas porque os usa de maneira adequada e limitada. "Essencialmente, o procedimento equivale a demonstrar que os fatos sociais contêm a potencialidade de se tornarem uma coisa diferente do que são". .. e que esta potencialidade representa menos sofrimento do que aquilo que ocorre concretamente.

Barrington Moore Jr. conclui afirmando que a compreensão do funcionamento de qualquer sociedade será provavelmente o primeiro passo para a sua condenação, pois leva à identificação dos erros e equívocos, e à compreensão das possibilidades de melhoria. "A idéia de que a atitude científica em relação à sociedade humana necessariamente induz a uma tolerância conservadora da ordem existente, ou que priva os pensadores da intuição de importantes problemas do passado e do presente, parece-me inteiramente absurda... A ciência é tolerante com a razão e incessantemente intolerante com o irracional e o falso".

No terceiro ensaio, Herbert Marcuse procura mostrar que "o que se pratica e proclama hoje como tolerância serve em suas mais eficazes manifestações à causa da opressão". "Toleram-se políticas, condições e modos de conduta que não deviam ser admitidos porque impedem, se é que não destroem, as oportunidades de criação de uma vida sem medo e sem miséria". A tolerância determinada e definida pela desigualdade institucionalizada, isto é, pela estrutura de classes da sociedade, é uma tolerância viciada. A tolerância não partidária, abstrata, ou pura significa um compromisso com o status quo repressivo. Marcuse apresenta como alternativa contra este estado de coisas a prática da tolerância discriminatória, que se justifica pela existência da desigualdade institucionalizada". . . "As transformações das sociedades democráticas adiantadas, que solaparam as bases do liberalismo econômico e político, alteraram também a função liberal da tolerância".

Todavia Marcuse reconhece que, em uma sociedade fechada à mudança qualitativa, a crítica à tolerância se reduz a uma discussão abstrata e acadêmica.

"A lei e a ordem são sempre e em toda parte instrumento que defendem a hierarquia estabelecida".

Marcuse conclui, no pós-escrito de 1968, afirmando que a "tolerância, que constitui o elemento vital, o símbolo da sociedade livre, jamais será dádiva dos poderes constituídos. Poderá, nas condições predominantes de tirania da maioria, ser conquistada apenas pelo esforço permanente das minorias radicais, dispostas a derrubar a tirania e trabalhar pelo surgimento de uma maioria livre e soberana - em suma, de minorias intolerantes, militantemente intolerantes, e desobedientes às normas de conduta que toleram a destruição e a repressão."

JOSÉ PAULO CARNEIRO VIEIRA

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1970
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