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Olhares Refletidos

RESENHAS

José Carlos G. Durand

Professor Titular do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV

OLHARES REFLETIDOS

JOAQUIM PAIVA

Rio de Janeiro, Dazibao, 1989.

As pessoas que se declararam, fotógrafos profissionais nos recenseamentos do IBGE eram 13 mil em 1960, 25 mil em 1970 e 48 mil em 1980. Assim, quase dobrando a cada década, devem hoje andar pela casa de uns cem mil. Isso sem contar os amadores, muitas vezes mais numerosos.

E claro que a grande maioria compõe-se de honestos profissionais da documentação: o pessoal dos retratos 3x4, dos batizados e dos casamentos. Mas há naquelas cifras uma quantidade imponderável (mas certamente não desprezível) dos que querem algo mais da fotografia. Ou seja, sair do anonimato por meio de um trabalho reconhecido como obra de arte.

Á grandeza dos números acima aponta para um considerável mercado para fotógrafos e até mesmo para literatura acerca de fotografia. Suficientemente amplo e diversificado a ponto de justificar, Olhares Refletidos é um interessante livro de Joaquim Paiva, em edição da Dazibao, do Rio de Janeiro.

Paiva entregou-se a um trabalho engenhoso. Percorreu o pais durante quase toda a década dos oitenta e entrevistou meia centena de fotógrafos. Usa no livro - segundo assegura - apenas a metade do material/ decompondo vinte e cinco depoimentos em partes conforme o tema tratado. São histórias de vida de fotógrafos já com boa bagagem profissional, a média de idade de 44 anos.

O autor explora, de forma adulta e despretensiosa, o material recolhido, lançando luz sobre várias dimensões da atividade: a iniciação, a formação, o arquivo, o trabalho de edição, o tema etc, A melhor prova do bom astral na escolha dos informantes e no manejo dos depoimentos é o tom ameno, substanciosamente informativo e muito útil para o principiante. Em um país, como o nosso, em que muito sociólogo da cultura vive de ler e especular sem jamais sair a campo e confrontar o documento vivo, é notável o cuidado de Joaquim Paiva em colher e apresentar suas entrevistas.

Mas o livro também preenche várias outras lacunas. Lembre-se a propósito que não há antologias de fotógrafos brasileiros, faculdades ou academias que celebrem valor e imponham hierarquias nesse gênero cultural. Em suma, a "comunidade fotográfica" - no Brasil, como fora dele - é, em grande parte, invisível, atomizada em redações de jornais e revistas, agências de publicidade, ateliês, lojas de material e clubes de fotografia. E a carreira de fotógrafo é ainda muito pouco conhecida. Um meio assim exige forçosamente telas panorâmicas.como as de Olhares Refletidos, que por isso valem por uma exposição coletiva.

Quanto às condições de iniciação, é notável o número dos filhos de artistas plásticos e/ou dos que freqüentavam um curso de arquitetura quando se sentiram "irresistivelmente" predestinados à fotografia. Tudo se passa como se um "chamamento" superior levasse aqueles jovens, já com um pé metido no campo artístico, por origem familiar, a renunciarem à arquitetura (cujo mercado de trabalho anda demasiado concorrido) e partir para uma carreira alternativa.

O sentimento de desenraizamento do cotidiano e da percepção cotidiana das coisas mostra-se algo comum quando são descritas as viagens de iniciação: mergulhar no Brasil "mundo-cão", transitar pela Europa a fim de ver a obra de grandes mestres, treinar na rua aquela espécie particular de contemplação, que consiste em ficar "o tempo todo olhando com o olhar, fotografando instintivamente com a cabeça, mesmo sem máquina". Tudo isso faz parte do métier de fotógrafo. Melhor dizendo, dos hábitos mais profundos nos quais se apóia a prática fotográfica.

Revelado em múltiplas narrativas de experiências pessoais, o campo fotográfico brasileiro de hoje em dia vai aos poucos assumindo um contorno que desautoriza excessos de pessimismo. Em suma, hoje é mais fácil comprar material, encontrar um local para expor, dialogar com iniciados, descobrir um editor de fotografia que seja ele próprio fotógrafo etc. Ao final do livro de Paiva, há uma sugestiva constatação:

"O fotógrafo, para ser reconhecido corno artista, precisou copiar pintura, para entrar no universo da arte, Agora que a própria pintura começa a seguir a fotografia mais do que a fotografia segue a pintura, a fotografia está buscando o reconhecimento através da linguagem escrita. Está precisando do aval daqueles que dominam a retórica, a palavra escrita".

Se o exemplo desse atraente livro for seguido, pode-se supor que tal legitimação será alcançada, por que não?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1990
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