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Capitalismo, socialidade, participação

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Fernando Cláudio Prestes Motta

Fanfani, Amintore. Capitalismo, socialidade, participação. Lisboa, Editora Notícias, s.d. 172 p.

Pelo menos três partidos políticos defenderam, através de seus porta-vozes, na última campanha eleitoral paulista, teses ligadas à descentralização e à vida comunitária, Um desses partidos, o PMDB, elegeu o novo governador, que defende há um bom tempo essas idéias. Neste particular, PMDB, PT e PDT parecem ter pelo menos uma preocupação comum. Essas considerações chamam a atenção para a oportunidade do livro do democrata-cristão italiano Amintore Fanfani, que leva o título deste artigo e que foi publicado em Portugal.

Fanfani entende que uma ação eficaz, tendente a superar os efeitos desastrosos do avanço capitalista, precisa orientar-se pela análise dos ideais e dos instrumentos do sistema capitalista. A distinção entre ideais e instrumentos se justifica pelo fato de que se é bem verdade que uma exasperação individualista está no âmago do próprio sistema, não é menos verdadeiro que, para se defender e se afirmar, o capitalismo acabou favorecendo a passagem para regime de nível bem mais elevado de liberdade. A democracia que se conhece hoje é bem por isso a democracia burguesa. Deixar de lado essas conquistas é algo que nenhuma reforma social pode pretender. Alargá-las, evidentemente, é o espírito da ação de transformação razoável e socialmente relevante.

O autor entende que várias tentativas têm sido feitas com a intenção de superar a crise do capitalismo e que a história dessas tentativas é em grande medida a história para maximizar a sociedade do sistema. A maior parte delas, entretanto, descuidou de algo fundamental: a participação de todos na condução ou no controle desse sistema.

Entretanto, essa participação precisa ser cuidadosamente pensada para que não se torne apenas mais um instrumento a serviço do individualismo capitalista, É evidente, por exemplo, que não é uma solução adequada para a questão de participação a presença dos dirigidos na administração nesta ou naquela empresa ou instituição a título consultivo. O problema coloca uma questão de fundo, exigindo soluções de ordem muito geral, que dizem respeito a todo o sistema econômico. A idéia é que a participação de todos nos momentos da produção e da distribuição ofereceria uma garantia de respeito à justiça e à sociedade em relação a todos os participantes da atividade econômica.

Outra questão importante onde a participação se fez absolutamente necessária é a da tutela de liberdade. A democracia convencional garantiu ao cidadão alguma participação no momento em que lhe deu o direito de voto, bem como o direito de ser eleito. Todavia, o parlamento trata das formas de defesa das liberdades que se referem ao desenrolar da vida econômica. Decorre que aqueles que promovem essa vida, que nela agem, que dela tiram os bens para existirem, precisam participar nas decisões de modo mais decisivo do que podem fazê-lo como membros do corpo eleitoral ou como seus representantes diretos. A mesma coisa é válida para as câmaras locais. A forma de tornar esses órgãos políticos mais participativos precisa ser muito bem pensada, como na verdade já vem ocorrendo em alguns países.

Numa perspectiva declaradamente reformista - quer certamente desagrada à esquerda, mas que não pode ser ignorada agora que a democracia cristã obteve algumas vitórias (Alemanha e São Paulo) - Fanfani entende que em qualquer sistema econômico que pretende se empenhar em garantir total e livre desenvolvimento à pessoa humana, utilizando e retribuindo de forma justa todas as capacidades de trabalho de que ela é titular, deve-se dispor, mesmo que variando de Estado para Estado, de setor para setor, de empresa para empresa, de participação direta ou indireta do titular de capacidade de trabalho na definição dos modos, tempos, lugares, indenização e continuidade de emprego.

De modo mais amplo, não é difícil identificar alguns dos campos em que a participação se faz necessária: controle sobre aplicação da justiça, especialmente no campo de trabalho; controle sobre a preparação de planos e programas econômicos nacionais, regionais e locais, bem como planos e programas empresariais; prevenção de distúrbios ambientais; controle de execução de planos econômicos e de preservação ambiental; participação na gestão de instituições de previdência e assistência, e controle sobre a educação, especialmente na instrução profissional e nos cursos especiais de atualização.

É evidente que a lista evocada por Fanfani poderia ser irrestritamente ampliada, embora alguns pontos nodais tenham sido trocados. Todavia, permanece a questão da organização da sociedade para a participação. Os sindicatos e as associações de bairro talvez representem o quadro natural para essa organização. Nesse sentido, todas as áreas tradicionais de atuação da administração pública deveriam estar sob o controle político da população a que, em princípio, servem. É essa a idéia dos conselhos populares, que, em princípio, visam garantir que desvios próprios ao capitalismo burocrático não aumentem ainda mais a distância já grande entre dirigentes e dirigidos. Por esse motivo, conselhos populares a nível da sociedade e comissões de fábrica a nível da empresa ou estabelecimento fabril obedecem ao mesmo tipo de lógica, à lógica que Fanfani chama de sociabilidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1983
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