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Teoria Z: como as empresas podem enfrentar o desafio japonês

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Kurt Ernst Weil

Professor titular no Departamento de Administração da Produção de Operações industriais (POI, da EAESP/FGV

Ouchi, William G. Teoria Z: como as empresas podem enfrentar o desafio japonês. Trad. Auriphebo Berrance Simões. São Paulo, Fundo Educativo Brasileiro, 1982. Brochura, sumário, índice analítico, bibliografia. XII + 293 p.

Ouchi conseguiu entrar no Brasil na lista de best-sellers (campeões de vendagem) com sua obra que procura explicar o que os japoneses têm que os norte-americanos não possuem, como características pessoais e de trabalho. Para isso, o autor entra não só num estudo administrativo-produtivo-comparativo, mas também apresenta estudos sobre hábitos, traços sociais e étnicos que moldam o caráter de um e outro povo. Se estamos em presença de estudos científicos sociais de um nível de Margaret Mead ou de um Seleções do Reader's Digest não cabe a este resenhista decidir. Para exemplificar: o japonês é colaborador, porque o arroz tem de ser cultivado em grupos, o solo é valioso, assim as casas estão uma em cima da outra nos vilarejos; o norte-americano é individualista, porque as fazendas do meio-oeste distam três ou mais quilômetros uma da outra, e no inverno não é possível recorrer ao vizinho, porque a distância soma-se a neve. De qualquer maneira, todas as justificativas são interessantes, fáceis de serem entendidas e lidas; quanto à sua profundidade político-social não há necessidade de pesquisar, pois a teoria serve para decidir como o norte-americano deve se comportar para igualar-se ao japonês.

O sumário é o seguinte:

Parte 1 - Aprendendo com o Japão.

Introdução: Por que precisamos aprender?

Capítulo 1: O que podemos aprender?

Capítulo 2: O funcionamento de uma empresa japonesa

Capítulo 3: Comparação entre empresas japonesas e norte-americanas.

Capítulo 4: A organização Z

Parte 2 - Fazendo funcionar a teoria Z

Capítulo 5: De A a Z - os passos.

Capítulo 6: De A a Z - esquemas para uma filosofia.

Capítulo 7: Quem tem sucesso? Algumas histórias de casos Z

Capítulo 8: Uma cultura Z

Conclusão: A sobrevivência do empreendimento AMERICANUS

Apêndices: Filosofias de Companhias Z

O círculo C - Q

Na orelha do livro encontra-se a seguinte informação: "O Dr. Ouchi obteve seu grau de mestrado em administração de empresas na Stanford University e o doutoramento na Universidade de Chicago. Atualmente, é professor na Graduate School of Management na Universidade da Califórnia, em Los Angeles."

A passagem de Ouchi pela Universidade de Stanford deve ter dado origem a suas menções de McGregor com X e Y, e ao quadro da p. 59, chamado "O constraste".

Este quadro foi publicado há alguns anos no boletim que é remetido aos antigos alunos da Stanford Graduate School of Business Administration, entre os quais se encontra o resenhista. A tabela enumerava os contrastes e as semelhanças da teoria de McGregor (X e Y) com aquilo que se supunha ser a base do procedimento japonês naquela época. Ouchi, subseqüentemente, deve ter reavaliado McGregor, a quem faz rápida menção no livro presente, sem maior ênfase na semelhança da teoria Y com o que propõe.

Uma das grandes contribuições de Ouchi é a parte 1, na qual, por exemplo, se encontra o fato de que somente 35% dos japoneses têm a estabilidade (presumida) de emprego nas grandes empresas, o elitismo inerente ao preparo das crianças para entrar nas escolas, do jardim de infância até a universidade, e a existência (como em todo o mundo, socialista ou capitalista) de universidades de elite que abrem as portas do emprego. Também trata do fato de aposentadoria no Japão ocorrer aos 55 anos, provocando a necessidade de pessoal não vinculado às grandes empresas viver com os filhos. O autor não diz, mas para mim isso significa que no Japão a aposentadoria deve ser insuficiente para uma vida digna na velhice, como também em muitos outros países.

O resenhista foi informado por um formado pela Universidade de Tóquio (superelite) que Ouchi - filho de japoneses, nascido nos Estados Unidos - é fluente em japonês, o que deve ter melhorado sua sensibilidade e facilidade de acesso às fontes japonesas, comparado com Athos e Pasquale. E isso se nota na parte 1. Considero a descrição da maneira como o trainee no Japão entra em rodízio entre as diversas seções uma fascinante diferença ao trainee norte-americano. O primeiro passa por tantas seções quantas tiver a empresa, aparentemente e lentamente. O segundo passa o suficiente para ser apresentado, para conhecer o que faz. Ouchi frisa que daí vêm os japoneses generalistas e os norte-americanos especialistas - derivando uma estrutura de organização industrial baseada na colaboração e na competição.

O norte-americano entra na empresa como especialista, após sair de outra, no mesmo lugar, produzindo imediatamente. O japonês não sai, conhecendo na estrutura todo mundo e todos os ofícios. O norte-americano então é avaliado pela produção, objetivamente, como especialista; o japonês, como pessoa humana, subjetivamente.

Neste ponto, tenho uma das maiores críticas ao livro. Na Alemanha o "aprendiz" passa pelos mesmos estágios que o trainee japonês, sendo treinado em toda empresa e talvez seja de interesse aqui uma apresentação a que assisti numa grande empresa germano-brasileira: "O Sr. Diretor Fulano, um aprendiz nosso", disse o apresentador, "o Sr. Vice-presidente, um aprendiz de nossa matriz, o Diretor de Produção, um aprendiz de nossa matriz e o Sr. Diretor Comercial, um APRENDIZ (nome do concorrente na Alemanha) e mesmo assim", prosseguiu o apresentador, "um bom homem". Essa identificação do homem com a carreira, a "tolerância" para com o estranho, é simplesmente desconhecida para Ouchi - e apesar disso, a Alemanha sofre tanto quanto os Estados Unidos com o Japão. Na Alemanha atendem círculos REFA parecidos com os CQ dos japoneses, mas a diferença persiste. E a REFA antecede com suas reuniões a 1920. Algo, portanto, falta ao livro de Ouchi. Acredito que a falha está numa visão mais larga do problema; o Japão tem disciplina, colabora porque é útil e antes de tudo é, nas palavras de Carl Rogers, centrado na pessoa e não na atividade, característica alemã e norte-americana.

Ouchi falha, na minha opinião, quando não considera a ausência de pressão e tempo no Japão, no desenvolvimento de produtos ou nas melhorias (simplificação) do trabalho; também devia levar em conta o empréstimo feito pelos bancos, com juro subsidiado, e a fundo perdido, eventualmente, para o desenvolvimento de produtos, ou melhoria de procedimentos. Mas, considerada como um todo, a parte 1 é muito boa.

Na parte 2, a implantação da teoria Z, o autor começa a falhar, pois quando um professor dá receituário industrial ele entra, em área escorregadia, isto é, lugares-comuns patinam pelas páginas. Inicialmente, uma verificação sem cura: a empresa Z (e a japonesa) tem mais preconceitos que as outras - são contra estranhos (xenofobia, como diz Ouchi). E, assim, nada de mulheres, negros etc. em empresas Z. A minoria não se entende, não entra em consenso, complica, em uma palavra, a vida.

Agora, na parte 2, prefiro dar algumas das conclusões para demonstrar minha tese de que analisar é mais fácil que aconselhar.

1. Compreender a organização Z e o seu papel - desenvolver a confiança dos outros.

2. Dar respostas integradas aos problemas (the big picture, na Harvard).

3. Fazer auditoria da filosofia de sua empresa.

4. Definir a filosofia de administração desejada e envolver o líder da empresa.

5. Implantação da filosofia pela criação de estruturas e incentivos.

6. Desenvolver habilidades interpessoais - escutar mais do que falar.

7. Reconhecer padrões de interação.

8. Dar incentivos não-monetários e monetários, tipo plano Scanlon (mutual Mears).

9. Usar o método científico - testar à si mesmo e ao sistema. Usar auditor ou observador.

10. Envolver o sindicato.

11. Estabilizar o emprego.

12. Decidir-se por um sistema de promoção e avaliação lentas.

13. Ampliar ao desenvolvimento e à trajetória da carreira.

14. Na implantação começar por baixo (operário). (vide General Motors).

15. Procurar áreas para implantar participação.

16. Permitir o desenvolvimento de relacionamentos holísticos.

É empresarialmente possível fazer tudo acima, mas um leve odor de déjà vu invade essa parte do livro - e de bons conselhos, afinal, se nutriram todos os sistemas administrativos desde que entrei no campo, em 1954 - desde o TWI (Training Within Industry) até a administração por objetivos (que procurava envolver a todos).

Ouchi procura tornar paralela a boa administração (ou a melhor administração norte-americana - IBM, Exército, Hewlett-Packard etc.) ao tratamento de pessoal o mais aproximado ao japonês. O fato é que a última parte do livro é dedicada ao "credo" da Hewlett-Packard e de outras empresas, e assim, de paralelo em paralelo, chega-se ao uso da teoria Z nos Estados Unidos. Essa parte, de casos práticos, é de fácil leitura e interessante - mas nada tem de extraordinário, isto é; corresponde ao ordinário, ou o comum, nas empresas bem administradas. Talvez o caso da General Motors seja o mais extenso, mas o conteúdo é incidental, quando um autor escolhe casos para mostrar algo deve informar se existem casos contra. E isso não acontece. Encontramos até alguns conceitos estranhos: em lugar de APO (Administração por Objetivos) o livro nos leva à APD (Administração por Deslocamento), isto é, o gerente, ou quem for, se desloca fisicamente para a área-problema (pôr a mão na massa). O sistema parece estranho, pois caso o indivíduo tenha de resolver simultaneamente mais de um problema precisa deslocar-se de seção para seção.

Em resumo, Ouchi escreveu um livro interessantíssimo, meio pesquisa fascinante, meio conselhos acadêmicos, de utilidade, que faz pensar, e que, de qualquer maneira, deve ser lido, e que dará, senão uma melhoria de produtividade, ao menos uma satisfação de entender melhor o que faz funcionar o Japão de hoje.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1983
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