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Apresentação

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Apresentação

Alkimar Ribeiro Moura

Professor do Departamento de Economia da EAESP, FGV

Em fins de abril próximo passado, com o súbito falecimento do Prof. Ary Bouzan, perdeu a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) um de seus mais ilustres professores. Ligado à instituição desde os seus primeiros e mais difíceis momentos, o Prof. Bouzan serviu-a com lealdade e dedicação exemplares, não apenas como mestre competente que sempre foi, mas também como administrador incansável, constantemente chamado a ocupar postos de responsabilidade dentro da EAESP. Em 1958, serviu-a como assistente da Diretoria; no ano seguinte, ocupou a posição de Secretáriogeral da Escola. Foi o primeiro chefe do Departamento de Ciências Sociais em 1963; vice-diretor de 1964 a 1967, cargo esse que viria a ocupar novamente no período 1970-71. Dirigiu a Revista de Administração de Empresas em 1968-69. Foi um dos idealizadores da criação do Departamento de Economia da EAESP e seu primeiro chefe, desde fevereiro de 1971 até o dia do seu falecimento. Em todos esses postos, foi o Prof. Bouzan capaz de exercer uma visão objetiva, necessária nas decisões administrativas cotidianas sem, contudo, perder o sentido de grandeza que ele sabia dever existir em projetos educacionais voltados mais para a construção do futuro, do que para a preservação do passado.

Economista, realizou cursos de especialização na London School of Economics and Politicai Science e na Universidade de Nova Iorque. Como articulista e pesquisador, deixou artigos publicados em revistas especializadas, além de dois livros em co-autoria.

Em toda essa obra, pode-se observar que o Prof. Bouzan manteve fidelidade a uma linha de preocupação intelectual e acadêmica voltada, predominantemente, para o estudo e debate dos problemas que afetam a realidade econômica brasileira. Daí sua preferência em lecionar cursos de política econômica e de economia brasileira, onde podia combinar a utilização do instrumental analítico da teoria econômica com a reflexão histórica, tão necessária para situar os fenômenos econômicos dentro de uma perspectiva cultural social e política. Esta mesma fidelidade explica a escolha do tema ao qual ele se dedicou para a elaboração de tese de doutoramento, apresentada à Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, em novembro de 1972. A tese, intitulada "Os bancos comerciais no Brasil: uma análise do desenvolvimento recente, 1965-71" procura examinar as relações entre concentração e eficiência do sistema bancário brasileiro, e como tal, representa uma contribuição importante para o estudo de um dos aspectos menos discutidos da recente experiência brasileira de política econômica.

A Revista de Administração de Empresas decidiu publicar, neste número, parte da introdução e o último capítulo da tese do Prof. Ary Bouzan. Esperamos que a divulgação desse artigo possa contribuir para suscitar os debates em torno do problema da concentração bancária no Brasil e que esses debates sejam realizados nos mesmos níveis de excelência acadêmica que o Prof. Ary Bouzan tanto prezou.

Pode-se dizer que é bem recente a preocupação dos economistas acadêmicos no Brasil com a questão da concentração dos bancos comerciais. Os primeiros trabalhos sobre esse tema datam de 1967 e coincidiram com o início de um processo de fusões de estabelecimentos bancários, envolvendo bancos de relativo porte. Sem dúvida alguma, o elemento catalizador mais importante de todo esse processo de fusões e incorporações parece ter sido a legislação fiscal, criadora de incentivos para a aglutinação de dois ou mais bancos. Da mesma forma, a modificação na estratégia da política de combate à inflação - observada a partir de 1967 - contribuiu para acelerar o processo de incorporações bancárias. Com efeito, datam dessa época os primeiros pronunciamentos econômicos oficiais que apontam os altos custos bancários, como um dos fatores que explicariam a persistência de altas taxas nominais de juros, em face de uma taxa de inflação declinante. Para que a taxa de juros experimentasse uma diminuição era, pois, necessário reduzir os custos dos bancos comerciais. E uma das maneiras de se conseguir menores custos bancários - de acordo, ainda, com o ponto de vista governamental - seria o de incentivar-se a criação de bancos maiores, que pudessem experimentar os benefícios oriundos das economias de escala.

Sob o ponto de vista formal, a argumentação de que os maiores bancos deveriam ser mais eficientes parece ser impecável e não ofende nenhum dos princípios elementares da teoria microeconômica convencional. De outro lado, entretanto, as tentativas que foram feitas para corroborar estatisticamente aquela proposição teórica não permitem uma conclusão tão explícita quanto seria de se desejar. Numerosas pesquisas, realizadas nos Estados Unidos, tentando medir economias de escala nos bancos comerciais, algumas das quais analisadas na tese do Prof. Bouzan, deixam ampla margem de indeterminação a respeito da existência de uma correlação positiva entre eficiência e tamanho.

No Brasil, foram, também, realizados alguns estudos, objetivando testar a hipótese da presença de custos médios decrescentes, no sistema bancário comercial. Entre as mais importantes contribuições, vale a pena mencionar as seguintes:1 1 Uma revisão extensa das pesquisas que foram feitas nessa área pode ser encontrada no trabalho a ser publicado: Economias de escala e a estrutura do sistema financeiro: o caso brasileiro, de A. C. Meirelles, São Paulo.

a) tese de doutoramento do Prof. Antonio C. Meirelles, apresentada à Universidade de Stan¬ ford, Califórnia. Utilizando-se de dados estatísticos referentes ao primeiro semestre de 1967, o Prof. Meirelles analisou a relação entre o quociente custo/produto e o tamanho do banco, para uma amostra de 128 bancos comerciais brasileiros. Seus resultados parecem indicar que a atividade bancária se caracterizava pela presença de economias de escala. O autor procurou, também, captar esse mesmo fenômeno ao nível das agências bancárias, estudando uma amostra de 4 000 agências. Observou, então, um declínio na relação custo/produto das agências, à medida que estas aumentavam seu tamanho, o que seria também indicativo da presença de economias de escala;

b) monografia apresentada à Escola de Pós-Graduação em Economia, da Fundação Getúlio Vargas, pelo Prof. Sebastião Marcos Vital. A amostra estudada nesse trabalho compôs-se de 103 bancos e os dados estatísticos referiamse a junho de 1970. Na primeira parte da pesquisa, o autor estudou a evolução da relação custo/produto para os bancos componentes da amostra, ordenando-os por volume de depósitos e estratificando-os em privados e oficiais. A seguir, procurou observar a existência de economias de escala, através do ajustamento de uma função de produção, tipo Cobb-Douglas, a cada urna das cinco classes de bancos, em que foi dividida a amostra. Os resultados de ambos os tipos de análise levaram o Prof. Vital à conclusão de que rendimentos crescentes de escala se materializavam para bancos com depósitos superiores a Cr$ 200 milhões (em 30-6-71). Abaixo dessa última cifra, previne-nos ainda o autor, os resultados não permitiram nenhuma conclusão rigorosa a respeito da presença de economias de escala.

Procuramos apresentar, de maneira muito resumida, as principais conclusões contidas em dois dos mais importantes trabalhos que pretendiam verificar a existência de economias de escala nos bancos comerciais brasileiros. Enquanto isso, nos três últimos anos, acelerava-se o processo de concentração bancária, o qual, ao abrigo de uma modificação na política oficial, ocorrida em 1971, passa a orientar-se para a formação de grupos financeiros mais complexos, estruturados organicamente em torno dos bancos comerciais.

A tese do Prof. Ary Bouzan retoma a temática da associação entre concentração bancária e rendimentos crescentes de escala, analisando-a de forma mais abrangente, de modo a verificar, também, os efeitos da concentração sobre a taxa de juros, a estrutura de capital e a composição dos ativos dos bancos. As informações estatísticas utilizadas no trabalho provieram dos demonstrativos financeiros dos estabelecimentos bancários, após sofrerem, esses demonstrativos, um cuidadoso ajustamento, a fim de torná-los mais apropriados ao tipo de análise desenvolvida pelo autor.

A metodologia utilizada para detectar a presença de economias de escala obedeceu aos seguintes passos:

1.º Na parte 2 da tese, o Prof. Bouzan realizou um exaustivo exame, tipo cross-section para uma amostra de 57 bancos, classificados em cinco categorias, de acordo com o volume de depósitos em 31.12.71, excluindo-se os bancos com depósitos abaixo de Cr$ 30 milhões. Selecionada a amostra, as seguintes alternativas de análise foram empregadas, para a verificação da hipótese de custos decrescentes:

a) tentativa de obtenção de uma curva de custos médios, através de uma análise de regressão múltipla, onde se utilizou a relação custo total/ativo total como variável dependente. Como variáveis independentes, foram relacionadas, praticamente, todas as contas relevantes do ativo e passivo dos bancos;

b) tentativa de obtenção de uma função de produção Cobb-Douglas, como já o fizera o Prof. Sebastião M. Vital. O ajustamento foi tentado para cada um dos estratos da amostra, tomando-se as receitas totais como variável dependente e as contas do ativo e despesas com pessoal como variáveis independentes;

c) em vista do reduzido poder de explicação dos modelos anteriores, o autor tentou uma nova abordagem, utilizando-se de análise do comportamento de vários indicadores de eficiência bancária, tais como os quocientes despesas/ativo total, despesas/receitas totais e despesas totais por agência/depósitos totais por agência. Com esse último índice, procurava-se neutralizar o que o Prof. Bouzan chamou de "efeitoagência", isto é, diferenças na eficiência relativa de utilização das agências, em cada grupo de bancos.

2.º A fim de complementar a análise anterior seguiu-se, na parte 3 da tese, uma investigação sobre as principais alterações observadas na estrutura patrimonial dos bancos, no período de 14 semestres, compreendidos entre o primeiro semestre de 1965 e o segundo de 1971. Selecionou-se uma nova amostra, com 24 bancos, que também foram divididos em cinco estratos, de acordo com o volume de depósitos. Isto permitiu que se realizasse uma análise do fluxo de origens e aplicações de recursos pelos bancos, bem como possibilitou um exame das principais modificações nas contas de ativo e passivo dos bancos componentes da amostra. Finalmente, a mesma metodologia foi aplicada aos demonstrativos de resultados, objetivando captar as alterações observadas nos índices de desempenho operacional, lucratividade e taxas nominais de juros cobradas pelos estabelecimentos comerciais.

O artigo que se segue, extraído da introdução e do capítulo final da tese do Prof. Ary Bouzan, resume os principais resultados obtidos na análise da experiência brasileira de concentração bancária. Uma dessas conclusões, particularmente relevante para o caso brasileiro, é de que não se deve esperar necessariamente uma relação de causalidade entre concentração e economias de escala. Os custos do sistema bancário brasileiro dificilmente sofrerão uma queda relativa apenas através do procedimento atual de fusões e incorporações. Se alguma coisa pode ser dita a respeito de tal processo, no entender do Prof. Bouzan, é que ele conduz a custos mais elevados. Para que a concentração não ocasione aumento de custos, duas condições deverão ser satisfeitas: a) crescimento real do volume de recursos dos bancos; b) congelamento do número atual de agências bancárias.

Os demais capítulos da tese estão escritos na mesma linguagem clara e concisa, reveladora de uma preocupação constante do autor em submeter-se, quase que monásticamente, à análise dos fatos observados. No entanto, esta obediência nunca chega ao ponto do tolher a imaginação, nunca vai tão longe de modo a impedi-lo de explorar todas as alternativas que a imaginação sugere para a explicação de um fenômeno, por mais contraditórias que elas possam parecer, ou por mais afastadas de opiniões profundamente arraigadas.

No início de maio do corrente ano, a banca de professores, encarregada de julgar a tese do Prof. Ary Bouzan, reuniu-se em uma cerimônia simples, na Reitoria da Universidade de São Paulo. Em razão da alta qualidade do trabalho, a banca resolveu, por unanimidade, considerá-la aprovada com distinção.

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    Uma revisão extensa das pesquisas que foram feitas nessa área pode ser encontrada no trabalho a ser publicado:
    Economias de escala e a estrutura do sistema financeiro: o caso brasileiro, de A. C. Meirelles, São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1973
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