Acessibilidade / Reportar erro

Mercado de trabalho: abordagens duais

ARTIGOS

Mercado de trabalho: abordagens duais

Maria Cristina Cacciamali de Souza

Meste em economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEAUSP); Professora do Departamento de Economia da mesma

1. INTRODUÇÃO

A teoria da segmentação do mercado de trabalho (MT) comporta diferentes abordagens. Cada enfoque parte de hipóteses específicas que condicionam a segmentação e procura explicar os diferentes tipos de emprego existentes no MT.

Cada tipo de emprego caracteriza-se por diferentes critérios de recrutamento, seleção, treinamento e promoção da mão-de-obra, bem como apresenta diversas formas de supervisão, condições de trabalho e níveis salariais. São, por outro lado, preenchidos por diferentes grupos de trabalhadores que constituem a força de trabalho.

Os diferentes segmentos do MT são denominados na literatura1 1 Gordon, Reich & Edwards. A theory of labor markets segmentation. AER, May 1973; Piore, M. The dual labor market: theory and implications. In: Gordon, David. Problems in political economy: an urban perspective. DC Heath, 1971; e Doeringer & Piore. Internal labor market and manpower analysis. Heath Lexington Books, 1971. primário independente, primário dependente e secundário.

Os empregos que compõem o mercado de trabalho primário caracterizam-se por período integral, estabilidade, e salário e produtividade relativamente altos. As promoções e os salários são determinados por regras e procedimentos administrativos determinados no interior da empresa.2 2 Doeringer & Piore definem o mercado interno de trabalho como governado por um conjunto de regras e procedimentos administrativos, enquanto o mercado externo de trabalho (da teoria econômica convencional), no que se refere a salários, alocação de mão-de-obra e treinamento, é controlado diretamente por variáveis econômicas. Ambos os mercados são inter-relacionados, e a conexão se dá em algumas ocupações influenciadas diretamente pelo mercado externo, que constituem portas de entrada e saída ao mercado interno. Doeringer & Piore. Internal labor market... cit. Estes empregos são típicos de empresas de grande porte, que apresentam alta relação capital-trabalho, às vezes oligopolistas. Parte considerável do custo de mão-de-obra, neste segmento do mercado de trabalho, pode ser considerada para a empresa como custo fixo.

O segmento do mercado de trabalho denominado primário dependente, ou rotineiro, compreende ocupações na linha de produção das grandes empresas, geralmente oligopolistas, da indústria de transformação e do setor de serviços (transporte e comunicações), ocupações rotineiras de escritório e burocráticas da administração direta e indireta do governo. A produtividade destes empregos é determinada por uma série de atributos da mão-de-obra, tais como: hábitos de trabalho estáveis, responsabilidade, respeito à hierarquia e aceitação de metas de produção. A qualificação específica é obtida no próprio emprego, mediante o desempenho na função e a experiência adquirida.3 3 Doeringer & Piore. op. cit.

As ocupações que compõem este segmento estão sujeitas a promoções, por meio de critérios e cadeias de promoções bem definidas pela empresa. O elo inicial de tais cadeias constitui-se na porta de entrada da empresa, sendo preenchido por elementos do mercado externo de trabalho mediante critérios de seleção, que envolvem, além dos citados, escolaridade, sexo, idade, raça.4 4 Doeringer & Piore enfatizam os critérios vinculados a características de estabilidade, enquanto Gordon, Reich e Edwards enfatizam critérios vinculados a variáveis de discriminação. Ver Gordon, Reich & Edwards. op. cit. Os elos seguintes das cadeias de promoção são preenchidos geralmente por elementos da própria empresa, isto é, por meio de elementos do mercado interno de trabalho, mediante treinamento. Enfatiza-se aqui a diferença entre os conceitos de on-the-job-training e training-on-the-job. O primeiro processo consiste em aprender a executar uma tarefa trabalhando sobre ela; o segundo em aprender uma tarefa enquanto se executa uma outra.5 5 Esse conceito pode ser visto em maior detalhe em Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. Evidências sobre o mercado interno de trabalho em um processo de crescimento rápido. CNRH-Ipea/PNUD-OIT, 1976. "A principal diferença entre os dois processos reside em seus custos relativos; training-on-the-job é essencialmente um subproduto do processo de produção, um bem livre para a empresa , apesar de que talvez não o seja para o empregado".6 6 Id., ibid. O processo de training-on-the-job, como se verá adiante, prevalecendo constantemente nas empresas, tem grande influencia na determinação das seqüências de promoção.

A estabilidade do trabalhador é incentivada pelo sistema de promoções, que considera, no processo de avaliação do desempenho do indivíduo, o tempo de casa como um dos critérios relevantes para percorrer os vários degraus da escala promocional.

A estrutura da cadeia de promoção determina a manutenção do trabalhador no mercado de trabalho no segmento em que se inseriu, e legitima as desigualdades de autoridade e controle.7 7 Gordon, Reich & Edwards. op. cit.

A estrutura hierárquica e rígida dos salários e o sistema de promoções baseado em tempo de casa incentivam a não-competição entre trabalhadores novos e antigos, e estes se sentem menos ameaçados em transmitir sua experiência ao longo do desempenho da função. Representa esse um fator favorável à manutenção e à continuação das relações de trabalho vigentes na sociedade.

O segmento designado por primário independente, ou criativo, é privilegiado dentro do mercado de trabalho. Compreende ocupações ligadas a gerência e/ou supervisão administrativa, de planejamento ou financeiras das grandes empresas, geralmente oligopolístas, da indústria de transformação, do setor serviços (bancos, grande comércio, transportes, comunicações), e da administração direta e indireta do governo. Compõe-se de empregos que exigem iniciativa própria e criatividade por parte do trabalhador.

As ocupações do segmento primário rotineiro exigem aceitação de normas impostas. Os trabalhadores, no desempenho das funções dessas ocupações, detêm pequeno poder de decisão sobre regras e procedimentos da empresa, seja a nível administrativo, seja na própria linha de produção. As ocupações do primário criativo, em contraposição, tornam as regras e procedimentos da empresa como um dado existente e inovam sobre as normas internas. As funções que envolvem as ocupações do segmento não podem ser desempenhadas por mera repetição e prática adquirida no exercício da função.

A produtividade destes empregos é determinada por uma série de atributos da mão-de-obra, tais como raciocínio dedutivo, aplicação de raciocínio abstrato a problemas imediatos, liderança, capacidade e rapidez em tomar decisões, segurança pessoal, ambição, formação e treinamento formal profissional. Como grau de escolaridade exige-se, normalmente, segundo grau completo, universitário incompleto ou completo.

As camadas superiores do segmento primário do mercado de trabalho, apesar das cadeias de promoção, estão sujeitas a maior influência do mercado externo, no que se refere a salários, alocação e treinamento. Estas decisões são tomadas entre firmas, caso contrário a rotatividade aumentará,8 8 Barbosa et alii. op. cit.; Doeringer & Piore. op. cit. implicando custos indesejáveis para as empresas. Isto é, quando o trabalhador necessita de qualificação específica para desempenhar certas funções em uma empresa, esta suporta os custos de treinamento, seja formal, training-on-the-job, ou on-the-job-training,9 9 O treinamento formal implica custos relativamente superiores aos demais; o processo training-on-the-job custos relativamente inferiores aos demais. dado que os trabalhadores, em geral, não estariam interessados em arcar com custos de treinamento, cujo acréscimo de conhecimento seria somente aplicável a uma empresa determinada. Dessa forma, a empresa não está disposta a perder trabalhadores que detém conhecimentos específicos, pois além de ter que arcar com os custos de treinamento de novos trabalhadores, perde o nível de produtividade daqueles já treinados e adaptados às funções.

Os empregos compreendidos no segmento secundário do mercado de trabalho requerem mínima qualificação, propiciam o mínimo de treinamento10 10 Nenhum treinamento formal e on-the-job-trainings. Em algumas ocupações permite um mínimo de training-on-the-job, por exemplo, trabalhadores não-qualificados da construção civil, servente geral de apoio na linha de produção, etc. e não estão inseridos em cadeias promocionais. Os salários e produtividade são relativamente baixos, os hábitos de trabalho não são estáveis, a rotatividade é alta, e mudanças de emprego não correspondem à melhoria salarial.11 11 Os trabalhadores saem devido a outros fatores, como adaptação à função, bom relacionamento com o chefe e com os colegas de trabalho, etc. Ver Gordon, D. Theories of poverty and underemployment. DC Heath, 1972. O contrato formal de trabalho é quase uma exceção. Os empregos do mercado secundário são oferecidos, em grande parte, por pequenas firmas competitivas que atuam em mercados restritos, e apresentam demanda instável, tendo ainda como agravante pouco acesso a capital e tecnologia, devido à pouca geração de lucros.12 12 Piore. op. cit.

Entretanto empregos característicos do mercado secundário são oferecidos também em grandes empresas industriais. A segmentação do MT é uma das respostas do sistema capitalista aos movimentos e reivindicações dos trabalhadores.13 13 Gordon et alii. op. cit. Compartindo a classe trabalhadora, compromete-se sua solidariedade enquanto classe. Geram-se conflitos internos na medida em que o trabalhador do mercado primário não se identifica com o do secundário, e às vezes pode vê-lo como concorrente em potencial.

Obviamente, não existe neste segmento mercado interno de trabalho, visto que o trabalho é aparentemente homogêneo, e o custo de rotatividade de mão-de-obra é nulo ou próximo disso. Os salários, dessa forma, não refletirão geralmente variações nas características individuais da mão-de-obra, mas serão determinados pela oferta e demanda agregadas de trabalho no mercado.

Excetuando-se os casos em que o mercado secundário representa um papel importante para quem não quer, ou não pode, inserir-se no mercado de trabalho por vínculo formal e regular (donas de casa com filhos pequenos, estudantes, etc.),14 14 Doeringer & Piore. op. cit. a condição dos trabalhadores neste mercado, sujeitos a hábitos não estáveis de trabalho e de emprego, sem possibilidade de aprendizagem e treinamento, é a de um círculo vicioso. Isso decorre de que, ainda que fatores aleatórios lhe proporcionassem condições de alterar sua situação de emprego, as características do passado constituem forte empecilho a esta mudança, seja por hábitos adquiridos, seja por preconceito social.

2. TEORIA DA SEGMENTAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO

A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas.

Inicialmente, Doeringer e Piore15 15 Doeringer & Piore. op. cit.; Piore. The dual labor market... op. cit. apresentam o surgimento da segmentação do mercado de trabalho, entre primário e secundário, como resultado da crescente especificidade das funções nas firmas,16 16 Define-se aqui especificidade de função como conjunto de conhecimentos e habilidades úteis somente em determinadas funções que caracterizam uma ocupação de determinada firma. do on-the-job-training para adquirir as qualificações necessárias a seu desempenho e da influência das leis consuetudinárias em vigor no interior da firma.

Cada estrutura de mercado interno de trabalho reflete um ajuste alocativo, que satisfaz o empregador no que se refere à alocação de custos de treinamento e rotatividade de mão-de-obra; satisfaz também os trabalhadores do mercado interno, no que se refere a sua estabilidade no emprego, vantagens adquiridas e possibilidade de promoção (ascensão, maiores salários, etc).

Este raciocínio, aplicado ao mercado secundário, indica que o empregador, nesse mercado, não deseja investir em treinamento, e que os empregados, devido a suas características, tais como raça, sexo, condição socioeconômica própria e da família, escolaridade, experiência profissional, etc, só podem inserir-se nesse segmento.

A alocação inicial do trabalhador em um emprego, normalmente, irá determinar a evolução de suas características pessoais e suas futuras inserções no mercado de trabalho. Os hábitos de trabalho adquiridos pelo trabalhador em empregos intermitentes e instáveis e reproduzidos no meio social em que vive o condicionam, e posteriormente tenderão a condicionar seus filhos, a permanecer no segmento secundário do mercado de trabalho.

Fatores de discriminação social também são incluídos na análise de Doeringer e Piore. O enfoque apresentado sobre esse problema, no entanto, leva a analisar a discriminação mais como fator cultural, um dado existente no sistema social, que como a evolução histórica do sistema capitalista e, conseqüentemente, do processo da divisão do trabalho.

Vietorisz e Harrison17 17 Vietorisz & Harrison. Labor market segmentation: positive feedback and divergent developments, AER, May 1973; Harrison, B. Education and underemployment in the urban ghetto. In: Gordon, David. Problems in political economy... op. cit. apresentam outra justificativa para a segmentação do mercado de trabalho. A produção básica, nesse trabalho, reside nas diferenças tecnológicas da estrutura industrial, entre as principais atividades que compõem os segmentos primário e secundário do MT. A organização do sistema industrial, que condiciona a estrutura da demanda de trabalho, cerceia os mais pobres na realização de suas potencialidades.

O dualismo tecnológico, fruto da concentração do sistema capitalista, induz e reforça a segmentação do mercado de trabalho por meio de feedback positivo, ao invés de negativo, do ciclo técnico de produção. Isto é, no mercado primário, os altos salários induzem à adoção e inovação de técnicas intensivas de capital mas, ao invés de reduzir os salários via redução de demanda de trabalho (modelo neoclássico), os investimentos em capital humano acompanham os investimentos em capital físico. Estas reações acarretam aumentos na produtividade, devido ao acoplamento entre o capital moderno adotado pela empresa e a qualificação da mão-de-obra e, conseqüentemente, aumentos nos salários.

No mercado secundário de trabalho, em contrapartida, a persistência na utilização de técnicas intensivas de mão-de-obra e a não existência de investimentos em capital humano mantêm a produtividade e os salários estagnados.

Vietorisz e Harrison, baseados nesse argumento, negam a hipótese neoclássica de feedback negativo, isto é, de desenvolvimento convergente do ciclo técnico de produção, que equaliza os salários entre atividades. Admitem, por outro lado, que o mercado de trabalho é dominado por mecanismos de feedback positivo, isto é, de desenvolvimento divergente do ciclo técnico de produção, que implica segmentação e divergências salariais entre atividades.

Estas duas interpretações sobre a segmentação do mercado de trabalho provêem explicações sobre a persistência de pobreza, subemprego e desemprego nas classes menos favorecidas da sociedade. Tais interpretações, entretanto, giram ao redor das condições tecnológicas predominantes na estrutura do sistema econômico vigente. Explicitando: os menos favorecidos reproduzem as relações sociais (de família, educação e emprego) no seio do segmento populacional em que vivem, e seus filhos têm grande probabilidade de adquirir estes comportamentos e reproduzi-los. Por isso, são vistos com desconfiança pelos empregadores em geral e, em particular, pelos do segmento primário do mercado de trabalho. Os menores índices de contratação dos menos favorecidos devem-se ao nível de educação e qualificação profissional e as suas características gerais, adquiridas no segmento populacional em que estão inseridos. Para o empregador esse tipo de mão-de-obra implica maiores custos de treinamento em serviços, associados a custos de rotatividade de mão-de-obra, e em maiores riscos devido a seus hábitos de instabilidade de trabalho e emprego.

Em contraposição a esses autores, Reich, Edwards e Gordon,18 18 Gordon et alii. op. cit. estudando a história dos Estados Unidos, apresentam a origem e manutenção da segmentação do mercado de trabalho na evolução das forças políticas e econômicas inerentes ao sistema capitalista, na passagem do capitalismo competitivo ao capitalismo monopólico. A segmentação do mercado de trabalho corresponde a um esforço consciente dos capitalistas industriais no sentido de dividir e conquistar a força de trabalho. Os capitalistas e o Estado organizam a produção e as instituições de apoio à produção (escolas, sindicatos, etc.), de forma a manter o controle sobre o sistema produtivo e reduzir o poder de barganha salarial dos trabalhadores.

O controle sobre o sistema produtivo e sua manutenção são favorecidos, em grande parte, quando a força de trabalho é dividida em grupos de interesses opostos; e quando os interesses dos trabalhadores mais qualificados, de mais difícil reposição devido ao treinamento incorporado, identificam-se com os dos capitalistas e organizadores da produção. Esta linha de estudo enfatiza, não a dualidade do mercado de trabalho, mas a funcionalidade de sua segmentação na evolução e manutenção do sistema capitalista.

Dividindo os trabalhadores, diminuindo-lhes o poder da barganha frente aos empregadores e impondo barreiras entre segmentos, limitando suas aspirações, institui-se um sistema de controle que ratifica e mantém as diferenças entre os diversos segmentos do mercado de trabalho, favorecendo os capitalistas e os organizadores de produção.

3. COMENTÁRIOS SOBRE A TEORIA

A dualidade ou segmentação do mercado de trabalho pode ser originada devido:

a) à necessidade de uma forma operacional mais flexível no dinamismo do processo produtivo (Doeringer e Piore);

b) ao dualismo tecnológico resultante da concentração capitalista (Vietorisz e Harrison);

c) ao processo histórico de estratificação dos trabalhadores imposta pelos capitalistas, e/ou organizadores da produção, ao longo da evolução do sistema capitalista (Reich, Edwards e Gordon).

Qualquer que seja a origem, as barreiras existentes no mercado de trabalho coíbem a mobilidade dos trabalhadores entre os segmentos primário e secundário. Mesmo no primário, existem barreiras entre o independente e rotineiro. Os empregos do primário independente não podem ser preenchidos pelos trabalhadores somente por maior experiência ou melhor desempenho na função, uma vez que são qualitativamente diferentes,19 19 Gordon et alii. op. cit. e os trabalhadores também deverão possuir características diferentes para passar de um segmento a outro.

O dualismo do mercado de trabalho, do lado da demanda, é influenciado: a) pelo tipo de empresa; b) pela característica do emprego em que o indivíduo trabalha. Empresas competitivas (empresas pequenas, tanto industriais como comerciais) tendem a oferecer empregos do tipo secundário, enquanto empresas oligopolistas (grandes empresas, tanto industriais como comerciais) tendem a oferecer empregos do tipo primário. Isto deve-se ao fato de as empresas competitivas estarem sujeitas a variações sazonais nas vendas e no processo produtivo. Grande parte dos empregos oferecidos por essas empresas é instável e, como o processo produtivo utiliza intensivamente a mão-de-obra, obsorve relativamente mais trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação. A taxa de lucro é baixa, o que implica pouco ou nenhum investimento nos trabalhadores, ou gastos em melhores condições de trabalho. Tendem a pagar menos que as grandes empresas, ou que os níveis de mercado, e empregam trabalhadores com menos escolaridade e experiência, em geral relativamente mais jovens e mulheres.

As grandes empresas (por exemplo, grandes indústrias de transformação, grandes empresas de serviços, empresas estatais, etc), por outro lado, detêm um mercado estável, que absorve regularmente o escoamento da produção, e necessitam manter estável uma grande parte do quadro de pessoal, reduzindo o custo de treinamento e rotatividade de mão-de-obra. Tendem a oferecer maiores salários e benefícios, e melhores condições de trabalho. O processo produtivo é mais complexo, exige maior treinamento e parte considerável do custo de mão-de-obra corresponde a custos fixos para a empresa.

A organização administrativa, nessas empresas, é mais complexa, envolve diversos níveis hierárquicos, que constituem canais de comunicação entre os escalões superiores e inferiores da empresa. As grandes empresas lançam mão de estímulos pecuniários, ou de promoções, para manter seus empregados, e os incentivam a seguir carreira dentro da empresa, absorvendo-lhes a experiência acumulada. Os empregados com maior tempo de casa são importantes dentro do processo de renovação do quadro de pessoal da empresa, ensinando os mais novos.

Assim, a análise sobre o mercado dual de trabalho apresenta o mercado de trabalho bisseccionado: de um lado, as grandes empresas oligopolistas, tendendo a oferecer empregos primários; do outro, empresas competitivas, tendendo a oferecer empregos secundários. Dentro das empresas os empregos primários são mais bem remunerados e obedecem a uma escala organizacional que oferece mobilidade via promoções especificadas por critérios definidos. Requerem maior grau de escolaridade para ingressar no emprego e oferecem maior treinamento em serviço relativamente aos empregos secundários. Estes últimos, por sua vez, apresentam características opostas do tipo primário: são instáveis, não apresentam mobilidade, exigem escolaridade mínima e oferecem pouco treinamento.

A análise sobre o mercado dual de trabalho envolve o estudo das barreiras que restringem as possibilidades de emprego nesse mercado. A primeira barreira é a de seleção para certas funções que exigem requisitos específicos dos trabalhadores para seu desempenho. A segunda é representada pelos critérios de mecanismos de promoção internos à empresa, que coíbem a mobilidade da mão-de-obra.

Do lado da oferta de trabalho podem-se identificar certas características da mão-de-obra que preencherão os empregos do tipo primário e secundário. Status socioeconômico, sexo, escolaridade, idade, experiência no serviço são características que determinam a inserção do trabalhador em um dos dois tipos de emprego.

Os indivíduos homens de maior status socioeconômico, escolaridade e experiência profissional obterão os melhores empregos do primário, e os indivíduos homens e mulheres, entre os menos favorecidos da sociedade, desempenharão os empregos do secundário.

A dualidade do mercado de trabalho, dessa forma, pode ser vista como conseqüência da necessidade de estrutura produtiva mais funcional, resultante do aprimoramento tecnológico e sua contrapartida em mão-de-obra. Esses elementos, por sua vez, qualificam uma etapa do processo histórico da evolução do sistema capitalista.

4. EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS SOBRE MERCADO INTERNO DE TRABALHO

Como se viu, define-se o mercado interno de trabalho como a unidade administrativa em que a alocação da mão-de-obra e a fixação de salários é regida por um conjunto de regras e procedimentos internos.20 20 Doeringer & Piore. op. cit. Diferencia-se do mercado externo de trabalho, da teoria convencional, onde a alocação de mão-de-obra, salário e treinamento é controlada diretamente por variáveis econômicas.

A complexidade da estrutura produtiva, organizada de uma forma hierárquica, implica que a força de trabalho externa à empresa se defronte com barreiras, seja devido à própria organização da empresa, seja às características pessoais de seus componentes. E o acesso ao mercado interno se dá em alguns elos inferiores das cadeias ocupacionais e de promoções que constituem portas de entrada ou saída da empresa.

A força de trabalho interna tem preferência para preencher as vagas que surgem. Esses trabalhadores, além de terem passado pelo crivo dos critérios de seleção da empresa, quando da admissão, ainda adquirem, ao longo do tempo de sua permanência no serviço, conhecimentos específicos por meio dos processos de treinamento.21 21 Id., ibid. São protegidos, assim, da concorrência da força de trabalho externa.

Os critérios de ingresso na empresa reagem ao mercado externo de trabalho, e dependem do nível de desemprego, salário oferecido por competidores e das características da oferta de trabalho local. Os critérios de demissão e promoção são fixados internamente, se baseiam na adaptação e habilidade pessoal e nos anos de casa dos trabalhadores já funcionários da empresa. Estes critérios ajustam-se ao longo do tempo mas não reagem ao mercado externo de trabalho, o que explica, em parte, a permanência, a médio e longo prazos, de estruturas rígidas de salários e diferenças salariais, dentro de certas empresas, diferenças salariais inter e intra-atividades e setores, e também os critérios e cadeias de ocupações e promoções para os funcionários dentro de cada empresa.22 22 Barbosa et alii. op. cit.

A origem do mercado interno de trabalho situa-se no acoplamento entre a crescente especificidade da tecnologia e os requisitos específicos de qualificação da mão-de-obra, visualizados na evolução do modo de produção capitalista.

As vantagens decorrentes da existência e manutenção do mercado interno de trabalho abrangem tanto os trabalhadores nele inseridos como os capitalistas e/ou organizadores da produção. Os primeiros obtêm segurança e estabilidade no emprego, remuneração fixa sujeita a aumentos via promoções ou anos de casa, e recebem também os benefícios decorrentes do contrato formal de trabalho, e outros vinculados à organização interna da empresa; sentem-se protegidos da concorrência da força de trabalho externa à empresa devido às barreiras existentes à entrada de novos funcionários e às cadeias de promoções bem definidas. Os últimos, por sua vez, reduzem os custos de rotatividade, seleção e treinamento de mão-de-obra, mantêm maior controle sobre os empregados e aumentam a eficiência do processo produtivo.

Nesse sentido, apresentam-se a seguir alguns mecanismos internos à empresa, detectados em uma amostra de estabelecimentos industriais pesquisados no município de São Paulo, em 1976.23 23 Esta parte do trabalho provém de um estudo maior realizado por Barbosa, Morley e Cacciamali de Souza para o CNRH-Ipea e PNUD-OIT: Evidências sobre o mercado interno de trabalho e um processo de crescimento rápido. 1976.

As variáveis pesquisadas são contratações externas em relação a promoções, rotatividade, cadeias de promoção, treinamento e salários, desagregados por tamanho de estabelecimento e classes ocupacionais.

As classes ocupacionais, em número de oito, foram assim definidas:

1. TNS - Técnicos de nível superior (engenheiros, químicos, administradores de empresa, analistas, etc).

2. TNM - Técnicos de nível médio (calculistas, desenhistas, técnicos em contabilidade, em eletricidade etc).

3. SONM - Supervisores de operações não manuais (chefes de seção de pessoal, supervisores em geral, etc).

4. FAD - Funções administrativas de rotina (secretárias, perfuradores, telefonistas, recepcionistas, almoxarifes, ocupações de escritório rotineiras como auxiliares de contabilidade, de seção de pessoal, etc).

5. SOM - Supervisores de ocupações manuais (mestres e contramestres, encarregados na linha de produção).

6. MQ - Manuais qualificados (operadores de máquinas na indústria, operários qualificados).

7. MNQ - Manuais não-qualificados (vigias, trabalhadores de apoio aos qualificados na linha de produção, ajudantes gerais, pessoal de limpeza, etc).

8. Ap - Aprendizes.

4.1 Contratações, rotatividade e promoções

As ocupações de supervisão (SOM e SONM) são as que mais evidenciam a existência do mercado interno. Em contrapartida, como esperado, as ocupações não-qualificadas são as menos sujeitas a esse mercado.

As funções de supervisão dentro da empresa exigem qualificação específica, isto é, um conjunto de conhecimentos técnicos e desenvolvimento de habilidades que são úteis somente em determinadas funções. No Caso de supervisão de determinada firma, esse conjunto é adquirido principalmente mediante processos de treinamento em serviços e promoções consecutivas. Dessa forma, entende-se o porquê da grande incidência de promovidos para essas funções dentro da empresa (quadro 1).


Os SONM provém em maior número das ocupações de escritório (quadro 2), isto é, 33% das empresas entrevistadas responderam que a origem de mais de 50% de seus supervisores administrativos é interna, promovidos de ocupações de escritórios. Cabe perguntar por que os técnicos de nível médio e superior não são promovidos para essas funções. Os técnicos de nível médio nas empresas industriais situam-se em sua grande maioria no setor de produção, e possuem contatos limitados com os procedimentos, rotinas e tomadas de decisão que caracterizam as funções administrativas. Em outras palavras, têm oportunidades restritas para se treinarem nessas funções, e demonstrarem seus conhecimentos e habilidades para desempenhá-las.


Os técnicos de nível superior situam-se nos estabelecimentos industriais, principalmente nestas posições: no elo superior da cadeia de promoções para supervisor, desempenhando funções de segundo ou terceiro escalão imediatamente inferior a esse, como por exemplo subgerente, subchefe, etc.; como trainee, recebendo treinamento específico para desempenhar funções na administração superior; ou como assessor, isto é, apoio à linha executiva da administração. Dessa forma, a maior parte dos TNS em uma empresa industrial desempenha funções de SONM, exercendo apenas funções de técnico, sendo relativamente pouco promovida.

Os SOM provêm, em sua grande maioria, dos manuais qualificados em contraposição aos técnicos de nível médio (quadro 3). Acredita-se que isso ocorra devido às pessoas alocadas na linha de produção, em ocupações manuais, estarem diretamente ligadas a um supervisor, tendo com isso maiores chances de aprender essas funções que os técnicos vinculados geralmente ao setor de administração.


Esses fatos corroboram a importância da proximidade física e funcional na determinação das cadeias de promoção, e são uma indicação das barreiras existentes entre as diferentes classes ocupacionais, inibindo a mobilidade dos funcionários: dificilmente um funcionário chegará a supervisor, a não ser que esteja diretamente vinculado a um supervisor. Ainda mais, dificilmente um trabalhador passará de uma classe ocupacional para outra dentro da mesma empresa (quadros 4 e 5). As promoções ascendentes se referem à mobilidade dentro da classe ocupacional e não entre classes ocupacionais.



Dessa forma, um indivíduo, de acordo com suas características pessoais, uma vez inserido em uma classe ocupacional de uma certa empresa, dificilmente alterará sua situação.

A classe ocupacional que mais se ressente desse problema é a dos não-qualificados, cuja probabilidade de se tornarem qualificados é pequena, pois os aprendizes dentro da cadeia de promoções são os favorecidos (quadro 6).


Esses resultados são consistentes com as evidências sobre rotatividade, advindas deste e de outros estudos. A hipótese aqui discutida prende-se ao fato de o custo de substituição de pessoal ser maior quanto mais elevado o nível, ou especificidade, da função na escala hierárquica. Espera-se, assim, que a rotatividade de pessoal seja maior nos níveis ocupacionais inferiores.

O quadro 7 mostra que o grau de rotatividade é maior nas ocupações de baixa qualificação, e menor nas ocupações de supervisão (SOM, SONM) que requerem qualificação e conhecimentos específicos na função. As ocupações técnicas, em contraposição, cujos requisitos de conhecimentos situam-se mais a nível geral que específico, apresentam maior grau de rotatividade que as de supervisão, principalmente nos pequenos estabelecimentos. Isto leva a crer que é grande a probabilidade de os técnicos das pequenas empresas treinarem-se parcialmente, e passarem para uma grande empresa que ofereça maiores salários e oportunidades de treinamento e promoção. As grandes empresas que detêm um mercado interno de trabalho mais vigoroso apresentam menor rotatividade no que se refere aos técnicos, seja porque os trabalhadores estão mais satisfeitos, seja porque parte deles está sendo preparada para galgar postos na estrutura hierárquica.


Voltando ao problema da alta rotatividade dos não-qualificados, ressalte-se que esse pessoal tem pouca motivação para permanecer no emprego pois além de não estar sujeito a treinamento e promoções, incorpora conhecimentos gerais que podem ser aplicados em qualquer empresa. A baixa remuneração e as más condições de trabalho conduzem o trabalhador à mudança de emprego na medida em que exista um pequeno aumento em sua renda real (um emprego mais perto de casa, por exemplo), ou perspectiva de melhores condições de trabalho.

4.2 Treinamento

O gasto direto em treinamento como percentagem do custo total representa, para as empresas pesquisadas, em torno de 1% (quadro 8), o que leva a crer que a empresa evita incorrer em custos diretos de treinamento (treinamento formal). Para resolver os problemas decorrentes da adequação entre os requisitos de qualificação das funções existentes na empresa e as habilidades e a qualificação dos trabalhadores, a empresa adota os processos training-on-the-job e on-the-job-training (quadro 9). Enfatiza, ainda, a experiência profissional anterior do trabalhador como critério de seleção de novos empregados.



Quando inquiridas sobre a mais importante fonte de treinamento na empresa, muitas firmas responderam: nenhuma. Essas respostas foram agrupadas em treinamento em serviço (quadro 9), que constitui a fonte mais importante de transmissão de conhecimentos gerais e específicos dentro da empresa.

A defasagem existente entre a importância atribuída pela empresa ao processo de treinamento e a grande ênfase dada ao sistema de promoções internas leva a repensar os processos de treinamentos utilizados pela empresa, para transmitir os conhecimentos específicos e gerais que habilitam seus funcionários ao desempenho das funções.

Detectou-se, ao nível da empresa, que uma das mais importantes fontes para aquisição de conhecimentos reside no que se denominou aqui training-on-the-job (TOJ), complementar ao on-the-job-training (OJT). Este último processo consiste em aprender a executar uma série de tarefas, que caracterizam uma função, trabalhando sobre elas; o primeiro implica aprender uma série de tarefas enquanto se executam outras. A principal diferença entre ambos reside em seus custos relativos. OJT é relativamente mais caro, recai sobre o empregado, que recebe um salário mais baixo enquanto aprende as tarefas, ou sobre a firma, que paga ao treinando um salário acima de sua contribuição à empresa, durante o período de treinamento, esperando recuperar esse investimento com o desempenho futuro do empregado. TOJ, entretanto, é essencialmente um subproduto do processso de produção, um bem livre para a empresa, apesar de não o ser para o empregado.24 24 A discussão dessas definições encontra-se em Barbosa et alii. op. cit.

Os indivíduos treinam-se na empresa, desempenhando suas tarefas específicas e observando os outros no desempenho de suas funções. No processo de produção operam as máquinas de sua atribuição e aprendem, paulatinamente, a lidar com outras inseridas na linha de produção; aprendem, também, as funções dos trabalhadores hierarquicamente superiores que se situem física e funcionalmente próximos. No escritório aprendem a maior parte das tarefas que compõem as funções características das ocupações administrativas, assimilando conhecimentos mediante observação, ou desempenhando parte de uma tarefa maior, delegada pelos supervisores a seus subordinados.

Dessa forma, os trabalhadores aprendem tarefas vinculadas a outras funções que não as suas. Programas formais de treinamento, geralmente, são implementados apenas quando surge um conjunto de tarefas novas, que vão compor novas funções ou caracterizar uma ocupação nova na empresa. Por exemplo, na indústria de contrução civil, durante a construção do metrô ou o início da implantação de um novo processo produtivo devido a alteração tecnológica.

4.3 Salários

Os gerentes de relações industriais detêm grande controle sobre os salários, seja por meio de associações formais, onde determinam as diretrizes de política de pessoal e salarial a serem seguidas pelos associados, seja por pesquisas formais sobre o nível dos salários no mercado.

Entre as grandes empresas, 75% e 24% entre as pequenas, realizam pesquisas formais sobre salários. As restantes usam outros métodos, sendo o mais usual a pesquisa informal, por meio de troca de informações entre os responsáveis pela política de pessoal das empresas (quadro 10).


A empresa geralmente reluta em tomar medidas administrativas que envolvam aumentos salariais. Poder-se-ia pensar que, em caso de escassez de mão-de-obra para a empresa, nenhuma firma, mesmo aquela que detém algum grau de poder de monopólio, ou mesmo em uma situação em que os sindicatos não sejam fortes, poderia evitar aumentos salariais. Entretanto, essa relutância reflete-se em outras medidas adotadas, além de acréscimos salariais, para aumentar a oferta de trabalho, tais como horas extras, aumento de anúncios de vagas e treinamento.

A resistência em aumentar os níveis salariais, principalmente dos menos qualificados, deve-se, em parte, ao fato de que o simples aumento de salário, quando disseminado, isto é, envolvendo todos os indivíduos da mesma ocupação, eleva os custos sem elevar a oferta de mão-de-obra. Além disso, aumentos de salário, quando disseminados, implicam geralmente a elevação dos salários das outras classes ocupacionais hierarquicamente superiores, o que levaria a mudanças de toda a estrutura salarial da empresa. Ressalte-se ainda que principalmente as grandes empresas, com poder monopsonístico no mercado de trabalho, podem manter o mesmo nível salarial sem perder empregados para as outras, porque a concorrência salarial é considerada entre elas indesejável, isto é, uma forma de concorrência desleal.

Considere-se ainda que, em uma dada ocupação, ocorrendo disparidade entre o salário de mercado e o fixado internamente, a maior parte das empresas nada faz de imediato, e geralmente resolve caso por caso, dependendo da qualificação e do conhecimento incorporado pelo empregado. A preferência é dada e exceções são feitas às ocupações de alta qualificação, pois o custo de perder um funcionário nestas condições é alto, o mesmo não ocorrendo na perda e substituição de funcionários menos qualificados. Estes sofrem influência do mercado externo e seus salários não devem variar significativamente entre empresas (quadro 11).


Esse comportamento não é consistente com a teoria neoclássica, segundo a qual cada empregado aufere o valor de seu produto marginal na empresa. Se válida essa hipótese, a empresa seria indiferente à perda de um trabalhador de maior qualificação.

Pode-se argumentar que a resposta para esse problema situar-se-ia na qualidade do treinamento (OJT) incorporado pelo empregado mais qualificado.25 25 Becker, Gary. Human capital. NBER, 1964; Mincer, Jacob. On the job training: costs, returns and some implications. JPE, Oct. 1962; Mincer, Jacob. The distribution of labor incomes: a survey with special reference to the human capital approach. JEL, Feb. 1970. Se o custo do treinamento (OJT) recair sobre a empresa, esta remunerará o empregado abaixo de sua produtividade marginal logo após o treinamento, de forma a recuperar o custo deste. As evidências sobre a importância do treinamento nas empresas industriais, entretanto, foram relativamente pouco significativas. Uma explicação alternativa decorre da teoria do mercado interno de trabalho, particularmente no que se refere às diferenças de especificidade de conhecimentos necessários para as diversas ocupações dentro da empresa. Ressaltou-se em outros itens deste trabalho que as promoções internas prevalecem sobre as contrações externas, à medida que a especificidade de conhecimentos necessários ao desempenho das funções que caracterizam uma ocupação seja maior.

As ocupações de alta qualificação e conhecimentos específicos, como as de supervisão, estão mais vinculadas às regras estabelecidas pelo mercado interno que pelo externo. O salário é fixado, nesse caso, por meio de um processo de barganha entre empregado e empregador em que cada um detém um certo poder. O poder da empresa deriva do fato de saber que o trabalhador, devido a seu conhecimento específico sobre certa função, recebe um salário maior na firma do que em qualquer emprego alternativo. O trabalhador, sob essa ótica, receberia um salário menor caso mudasse de emprego. Por outro lado, o trabalhador detentor de conhecimentos específicos sobre uma certa função pode pedir um salário maior do que receberia em um emprego alternativo, devido ao custo de treinamento que recairia sobre a empresa caso esta o substituísse. Além disso, o trabalhador pode ter adquirido conhecimentos sobre outras ocupações hierarquicamente superiores, por meio de training-on-the-job (TOJ), que se perderiam com sua saída. Este fato poderia representar uma restrição para a empresa, no caso de expansão, se vários trabalhadores se encontrassem nesta situação e ressolvessem mudar de emprego.

A questão aqui envolvida reside em como dividir um rent sobre um bem de capital, o conhecimento específico da função, possuído por um ou mais trabalhadores, e aplicável somente em uma determinada empresa.

O resultado final é indeterminado, e dependerá do relativo poder de barganha de cada lado. A magnitude da indeterminação será determinada pela diferença entre o custo de recrutar, selecionar e treinar o novo empregado, no caso de este ingressar na empresa, ou treinar o empregado, no caso em que já pertença ao quadro de pessoal da empresa, e a melhor alternativa de salário que poderia receber em outro emprego. Quanto maior o conhecimento específico incorporado pelo trabalhador, e quanto maior o nível hierárquico da ocupação, maior a diferença.

Quando consideramos as ocupações caracterizadas por funções e tarefas que requerem conhecimentos gerais, independente do nível hierárquico, os salários tendem a ser iguais entre firmas, e a se aproximar do valor da produtividade marginal do trabalhador.

A empresa, dessa forma, obterá um ganho líquido maior sobre as ocupações caracterizadas por maior conhecimento específico e nível hierárquico, mesmo que a essas se atribuam maiores salários. Isso acontecerá desde que a empresa remunere os trabalhadores que detêm conhecimentos específicos e alto nível hierárquico abaixo do valor de sua produtividade marginal, e aqueles que detêm conhecimentos gerais no valor de sua produtividade marginal. Enfatiza-se aqui, novamente, que a saída de um trabalhador que detenha maior conhecimento específico e nível hierárquico representa para a empresa um custo maior que a saída de um trabalhador que detenha conhecimentos gerais.

BIBLIOGRAFIA

Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. Evidências sobre o mercado interno de trabalho em um processo de crescimento rápido. CNRH-Ipea/PNUD-OIT, 1976.

Becker, Gary. Human capital. NBER, 1964.

Carnoy, Martin. Can educational policy equalize income distribution in Latin America? ILO, 1973, mimeogr.

Castro, C. M. & Mello e Souza, Alberto de. Mão-de-obra industrial no Brasil. IPEA, 1974.

Doeringer & Piore. Internal labor market and manpower analysis. Heath Lexington Books, 1971.

Gordon, D. Theories of poverty and underemployment. DC Heath, 1972.

______. Reich & Edwards. A theory of labor markets segmentation. AER, May 1973.

Harrison, B. Education and underemployment in the urban ghetto. In: Gordon, David. Problems in political economy: an urban perspective. DC Heath, 1971.

Lima, Ricardo. Capital humano e segmentação no mercado de trabalho. UNB, 1975.

Mincer, Jacob. On the job training: costs, returns and some implications. JPE, Oct. 1962.

______. the distribution of labor incomes: a survey with special reference to the human capital approach. JEL, Feb. 1970.

Oi, Walter. Labor as a quasi-fixed factor. JPE. Dec. 1962.

Piore. M. The dual labor market: theory and implications. In: Gordon, David. Problems in political economy... op. cit.

Velloso, Jacques. Human capital, segmented markets and the distribution of earnings in Brazil. UNB, 1975.

Vietorisz & Harrison. Labor market segmentation: positive feedback and divergent development. AER, May 1973.

  • Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. Evidências sobre o mercado interno de trabalho em um processo de crescimento rápido. CNRH-Ipea/PNUD-OIT, 1976.
  • Becker, Gary. Human capital. NBER, 1964.
  • Carnoy, Martin. Can educational policy equalize income distribution in Latin America? ILO, 1973, mimeogr.
  • Castro, C. M. & Mello e Souza, Alberto de. Mão-de-obra industrial no Brasil. IPEA, 1974.
  • Doeringer & Piore. Internal labor market and manpower analysis. Heath Lexington Books, 1971.
  • Gordon, D. Theories of poverty and underemployment. DC Heath, 1972.
  • ______. Reich & Edwards. A theory of labor markets segmentation. AER, May 1973.
  • Lima, Ricardo. Capital humano e segmentação no mercado de trabalho. UNB, 1975.
  • Mincer, Jacob. On the job training: costs, returns and some implications. JPE, Oct. 1962.
  • ______. the distribution of labor incomes: a survey with special reference to the human capital approach. JEL, Feb. 1970.
  • Oi, Walter. Labor as a quasi-fixed factor. JPE. Dec. 1962.
  • Velloso, Jacques. Human capital, segmented markets and the distribution of earnings in Brazil UNB, 1975.
  • Vietorisz & Harrison. Labor market segmentation: positive feedback and divergent development. AER, May 1973.
  • 1
    Gordon, Reich & Edwards. A theory of labor markets segmentation.
    AER, May 1973; Piore, M. The dual labor market: theory and implications. In: Gordon, David.
    Problems in political economy: an urban perspective. DC Heath, 1971; e Doeringer & Piore.
    Internal labor market and manpower analysis. Heath Lexington Books, 1971.
  • 2
    Doeringer & Piore definem o mercado interno de trabalho como governado por um conjunto de regras e procedimentos administrativos, enquanto o mercado externo de trabalho (da teoria econômica convencional), no que se refere a salários, alocação de mão-de-obra e treinamento, é controlado diretamente por variáveis econômicas. Ambos os mercados são inter-relacionados, e a conexão se dá em algumas ocupações influenciadas diretamente pelo mercado externo, que constituem portas de entrada e saída ao mercado interno. Doeringer & Piore. Internal labor market... cit.
  • 3
    Doeringer & Piore. op. cit.
  • 4
    Doeringer & Piore enfatizam os critérios vinculados a características de estabilidade, enquanto Gordon, Reich e Edwards enfatizam critérios vinculados a variáveis de discriminação. Ver Gordon, Reich & Edwards. op. cit.
  • 5
    Esse conceito pode ser visto em maior detalhe em Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza.
    Evidências sobre o mercado interno de trabalho em um processo de crescimento rápido. CNRH-Ipea/PNUD-OIT, 1976.
  • 6
    Id., ibid.
  • 7
    Gordon, Reich & Edwards. op. cit.
  • 8
    Barbosa et alii. op. cit.; Doeringer & Piore. op. cit.
  • 9
    O treinamento formal implica custos relativamente superiores aos demais; o processo
    training-on-the-job custos relativamente inferiores aos demais.
  • 10
    Nenhum treinamento formal e
    on-the-job-trainings. Em algumas ocupações permite um mínimo de
    training-on-the-job, por exemplo, trabalhadores não-qualificados da construção civil, servente geral de apoio na linha de produção, etc.
  • 11
    Os trabalhadores saem devido a outros fatores, como adaptação à função, bom relacionamento com o chefe e com os colegas de trabalho, etc. Ver Gordon, D.
    Theories of poverty and underemployment. DC Heath, 1972.
  • 12
    Piore. op. cit.
  • 13
    Gordon et alii. op. cit.
  • 14
    Doeringer & Piore. op. cit.
  • 15
    Doeringer & Piore. op. cit.; Piore. The dual labor market... op. cit.
  • 16
    Define-se aqui especificidade de função como conjunto de conhecimentos e habilidades úteis somente em determinadas funções que caracterizam uma ocupação de determinada firma.
  • 17
    Vietorisz & Harrison. Labor market segmentation: positive feedback and divergent developments,
    AER, May 1973; Harrison, B. Education and underemployment in the urban ghetto. In: Gordon, David.
    Problems in political economy... op. cit.
  • 18
    Gordon et alii. op. cit.
  • 19
    Gordon et alii. op. cit.
  • 20
    Doeringer & Piore. op. cit.
  • 21
    Id., ibid.
  • 22
    Barbosa et alii. op. cit.
  • 23
    Esta parte do trabalho provém de um estudo maior realizado por Barbosa, Morley e Cacciamali de Souza para o CNRH-Ipea e PNUD-OIT:
    Evidências sobre o mercado interno de trabalho e um processo de crescimento rápido. 1976.
  • 24
    A discussão dessas definições encontra-se em Barbosa et alii. op. cit.
  • 25
    Becker, Gary. Human capital.
    NBER, 1964; Mincer, Jacob. On the job training: costs, returns and some implications.
    JPE, Oct. 1962; Mincer, Jacob. The distribution of labor incomes: a survey with special reference to the human capital approach.
    JEL, Feb. 1970.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1978
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br