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Aspectos políticos e sociais da criação de emprêsas multinacionais

ARTIGOS

Aspectos políticos e sociais da criação de emprêsas multinacionais

Arpad Von Lazar

Professor na Fletcher School of Law and Diplomacy,Medford, EUA

"Todo Estado, inclusive o próprio Estado capitalista, por força de sua função específica, tem de utilizar a economia apenas como um instrumento para sua ação peculiar." HERMANN HELLER

O principal objetivo dêste artigo é apresentar e discutir o papel e a importância potencial das emprêsas multinacionais no processo de integração latino-americano. Tratase essencialmente de uma análise que resultou das reflexões do autor, bem como as impressões e opiniões recolhidas em conversas com homens de negócio, políticos, técnicos e pessoas de destaque no setor público e privado de vários países latino-americanos. É, portanto, uma compilação de pontos de vista e seu propósito fundamental é traçar caminhos para discussões e pesquisas posteriores, e para servir como guia em futuros programas de ação.

Finalmente, é necessário dizer que êste artigo reflete o estilo do pensamento bem como as posições de seu autor, que se considera bàsicamente um cientista político.

Foi nossa decisão dividir o que vai aqui exposto em duas partes principais. Numa primeira se apresentam os pontos de vista divergentes com relação ao papel e à importância potencial das emprêsas multinacionais no processo de integração. Também são examinadas as principais posições favoráveis e contrárias à integração, dando especial destaque ao problema das conveniências e compensações. Na segunda parte examinamos o papel dos administradores e dos técnicos, ressaltando suas potencialidades, enquanto agentes catalizadores no processo de integração. Adicionamos uma conclusão e os anexos que incluem cinco quadros que resumem os principais pontos de vista e o arcabouço teórico do artigo.

A INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA

O conceito da integração latino-americana é considerado por muitos como a principal alternativa para evitar a estagnação econômica e o atraso social do hemisfério. Desta forma a integração converteu-se nos últimos anos não apenas num objeto central de preocupações para os economistas e demais estudiosos, mas também recebeu amplo reconhecimento público como uma solução significativa para os problemas latino-americanos. Indiscutivelmente a integração latino-americana permitiria a reestruturação econômica do hemisfério. Para muitos implicaria na revitalização e no fortalecimento das capacidades e potencialidades econômicas de todos os países da América Latina no seu conjunto e os efeitos benéficos seriam transferidos para cada um, permitindo a superação da maioria dos problemas do continente. Uma das maneiras de torná-la realidade seria a unificação de interesses e recursos, de capacidades e potencialidades de tôdas as emprêsas latinoamericanas para constituição de organizações e emprêsas multinacionais. Tal posição implica no reconhecimento de que, a menos que se criem emprêsas multinacionais latinoamericanas, a integração poderá ser um processo autêntico e dinâmico ou simplesmente um amálgama de unidades fracas e improdutivas, ou ainda um processo que beneficiará as grandes emprêsas estrangeiras, de porte internacional e que já estão radicadas nos vários países latino-americanos e que monopolizaram uma parte substancial da produção e do mercado na maioria dos países em questão. Essas emprêsas estrangeiras são particularmente fortes na área em que os processos integradores latino-americanos deverão lograr êxito para que a idéia da integração se possa tornar realidade, ou seja, no setor industrial. Na mineração também encontramos grande intervenção estrangeira em tôda a América Latina e tais emprêsas dominam e controlam certas mercadorias e recursos básicos para a estrutura econômica global. No setor de serviços de utilidade pública, a intervenção estrangeira tem diminuído e está desaparecendo lentamente. No setor de transportes quase não existem mais capitais estrangeiros. Ao mesmo tempo, há grande probabilidade de fracasso para qualquer emprêsa que esteja relacionada com o setor de transportes.

Se desejarmos resumir algumas das atitudes básicas com relação à integração latino-americana e à criação de emprêsas multinacionais, chegaremos a posições bem mais simples. Os latino-americanos aceitam sem resistência a idéia como uma proposição básica, sem todavia chegar-se a uma apreciação realista de sua aplicação nem a uma avaliação real de suas potencialidades. Do ponto de vista dos Estados Unidos e da Europa a idéia é aceita em princípio, sem que se façam todavia muitos comentários, quer negativos, quer positivos, exceção feita aos franceses, que apoiam entusiasticamente a idéia de formação de emprêsas multinacionais como oposição tanto às inversões estrangeiras já realizadas, como medida para fortalecimento da fraca estrutura empresária da América Latina.

Passemos agora à análise dos principais aspectos do problema em função de suas características, alternativas e fontes potenciais de oposição. Nos seus aspectos fundamentais o problema da criação de emprêsas multinacionais englobam aspectos políticos, econômicos e sociais. Todos êsses problemas se encontram em interação no interior do sistema econômico, político e social do hemisfério. Em têrmos econômicos, os principais aspectos do problema estão na organização e na administração dos recursos, na questão das habilidades e aptidões e no estabelecimento de sistemas de mercado. Politicamente as principais categorias são a consideração de atitudes nacionalistas, o protecionismo e o grau de comprometimento e participação de estrangeiros relacionados com os assuntos políticos. As principais considerações sociais residem na aceitação da idéia de integração, isto é, de maneira mais específica, na criação de emprêsas multinacionais, tanto a nível societal como nacional, e na capacidade da sociedade para integrar a idéia de tal estrutura econômica no esquema operacional de um meio ambiente individual. (Vide Anexo 1 Anexo 1 , pág. 46)

Naturalmente se considerarmos as diversas maneiras de manipular os fatores positivos e negativos implicados na criação de uma emprêsa multinacional, teremos que considerar certos fatôres sociológicos básicos para obtenção do consenso na sociedade, mediante a manipulação de diversas pressões e forças.

No interior de determinado sistema social, teriam que uer considerados os usos básicos do poder para discernir a possibilidade de criação de entidades que sejam essencialmente novas para a estrutura. Assim, dentro de qualquer sistema social dado, é possível distinguir entre usos do poder que são coercitivos, utilitários e de identificação.

• O poder coercitivo significa o uso da fôrça como elemento principal para obtenção do consenso, ou seja, paia o estabelecimento de um certo tipo de estrutura nova. Existe aqui uma relação curvilínea, isto é, a aplicação do poder acima de certo nível acaba convertendo-se numa barreira para a aceitação popular da unificação ou da integração, sempre que todos os outros fatores permaneçam constantes.

• O uso utilitário do poder é uma forma bem mais positiva de tentar-se a cristalização da integração. Neste caso, as unidades individuais do processo integrador teriam suas vantagens aumentadas com relação aos outros e, portanto, desejariam integrar-se por interêsse próprio.

O terceiro uso básico do poder, o de identificação, é a maneira mais positiva e útil de realizar a integração. Nesse sentido, as unidades ou fatores individuais acéitam uma premissa básica que é essencialmente integradora e a concebem não somente como algo que as beneficia no mais elevado grau, mas que também se constitui em interêsse da comunidade. (Vide Anexo 2 Anexo 2 , pág. 47)

Quando se trata de estimar e avaliar as possibilidades e as repercussões da idéia de criação de emprêsas multinacionais, teremos que considerar o processo de "realimentação" (feedback) em têrmos das respostas tanto nos níveis internos como nos externos da sociedade na América Latina.

Primeiramente, no plano das respostas internas de cada país latino-americano seria necessário levar em conta as atitudes dos empresários, dos grupos sindicais, dos partidos políticos, talvez o papel dos militares, e finalmente, quiçá o mais importante, o papel e a atitude dos governos e dos organismos governamentais.

No plano das respostas externas, seria necessário estimar a resposta dos Estados Unidos, em função de sua comunidade empresária e em função de seu govêrno; a da Europa Ocidental e de seus grupos de interêsses e por último, a resposta dos países socialistas com relação a êsse processo. (Vide Anexo 3 Anexo 3 , pág. 48)

Os efeitos acumulados dessa resposta nos sugeririam que na realidade, qualquer pessoa que tente avaliar ou promover a criação de emprêsas multinacionais na América Latina, deveria deter-se nos seguintes aspectos:

• a relação entre o govêrno e os setores empresariais;

• a relação do govêrno com o meio ambiente externo;

• as relações do meio externo com o meio empresário latino-americano. O efeito acumulado e o impacto dessa tríplice relação a dois níveis provàvelmente determinaria - se não predeterminasse - o êxito ou o fracasso do esforço para criar emprêsas multinacionais na América Latina com o propósito de utilizar esta fôrça econômica recentemente criada no processo de integração.

Um aspecto importante na avaliação da viabilidade e da aceitação das emprêsas multinacionais na América Latina seria a consideração das recompensas eventuais que poderiam ser utilizadas como incentivos para que as comunidades econômicas e empresárias criassem êsses tipos de emprêsa.

Existem diferenças consideráveis com relação às gratificações, isto é, as recompensas num futuro previsível mas muito distante, que serão aceitáveis para as grandes unidades das companhias latino-americanas existentes, no caso de ser aceita, em princípio, a idéia da criação de emprêsas multinacionais no cenário latino-americano.

Para as pequenas emprêsas do hemisfério, a gratificação posterior pode ser aceitável se as compensações forem suficientemente elevadas, líquidas, mas não muito distantes.

A gratificação futura não será aceitável para as pequenas emprêsas latino-americanas se as recompensas potenciais forem remotas e muito longínquas, e os riscos atuais forem grandes.

Por outro lado, a gratificação imediata é aceitável para todos. Isto significa que a criação de emprêsas multinacionais implicará em recompensas imediatas e elevadas, que se constituiriam em motivação excelente para que um grande número de interêsses econômicos diversos aderisse ao projeto.

A gratificação imediata pode não ser aceitável para algumas das grandes emprêsas latino-americanas, especialmente as que possuem fortes vínculos com o mercado internacional, se tais gratificações imediatas não forem economicamente justificáveis ou sensatas para projetos a longo prazo.

Em nosso entender freqüentemente as grandes emprêsas não são os "verdadeiros tubarões", com interêsses exclusivamente egoístas no cenário econômico internacional, mas constantemente atuam com grande cautela e expressam sua preocupação pelo futuro efeito boomerang das decisões vantajosas a curto prazo, que envolvem perigo num período mais longo. Mas é necessário admitir que em geral um aspecto importante, talvez o principal neste processo, seja a avaliação e apreciação adequada do fator gratificação. (Vide Anexo 4 Anexo 4 , pág. 49)

Consideremos em seguida algumas das hipóteses principais concernentes ao estilo de oposição e os cursos de ação alternativos que são prováveis ou que podem ser previstos no caso de se estabelecerem e começarem a funcionar emprêsas multinacionais.

Em primeiro lugar, reconhecemos como possível, mas não muito provável que se produza um ressentimento por parte dos interêsses estrangeiros que podem chegar a opor-se ao processo anterior. Nesse caso, a alternativa será a competição com as novas emprêsas multinacionais latino-americanas ou abandonar totalmente o mercado. (Vide Anexo 5 Anexo 5 , pág. 50)

Levando-se em consideração a estrutura e a natureza dos interêsses financeiros estrangeiros na América Latina as perspectivas de que se retirem são muito pequenas, e pode-se prever que se atirarão ao processo adotando um padrão de elevada competição para com as emprêsas multinacionais. Em segundo lugar, podemos considerar alguns problemas específicos da competição. Dêsses, um seria o temor das companhias menores, via de regra geridas por pequenos empresários, de se verem envolvidas na rêde de gigantescas operações. Nesse caso, ao pequeno empresário resta a alternativa de ater-se a um competidor estrangeiro e adotar o mesmo tipo de atitudes de uma emprêsa estrangeira.

A seguir, poderia existir uma ausência de disposição por parte de algumas emprêsas grandes e pequenas na América Latina para levar avante o projeto de emprêsas multinacionais devido a considerações de natureza econômica peculiares. Existirá aqui, pressão em prol de uma atitude ou resposta independente e de tipo mais nacionalista. Em função dêsses ressentimentos e respostas, o estilo da oposição à idéia de criar empresas multinacionais consistirá, antes de tudo, em enfatizar a fraqueza do projeto com argumentos nacionalistas e hipernacionalistas que vão desde as preocupações de cunho ideológico até as considerações econômicas mais pragmáticas. Tal tipo de atitude pode ser adotado tanto pelas grandes emprêsas como pelas pequenas que se oponham ao movimento de integração.

Finalmente, outra forma de oposição seria tornar as exigências tão grandes que se tornariam inaceitáveis para os potenciais participantes. Exemplos dessa atitude seriam:

• Exagerar o custo da medida de integração e realçar os sacrifícios, isto é, sugerir que poderiam causar danos à economia nacional.

• Dar destaque às possibilidades de fracasso e colocar em foco o porte e a intensidade da "punição" que poderia resultar de uma iniciativa fracassada no campo da empresa multinacional.

De qualquer forma, o homem de negócio latino-americano já é bastante cauteloso na consideração de novas iniciativas. Assim o segundo aspecto seria um dos fatores mais importantes que trabalhariam contra a idéia, podendo até impedir o processo de integração.

O motivo que sustenta o anterior, ou seja, a oposição à integração, deve ser minuciosamente estudado e analisado a fim de que se possa saber o que lhes opor quando fôr chegado o momento de concretizar o projeto de emprêsas multinacionais.

Consideraremos agora os principais argumentos favoráveis e contrários à criação de emprêsas multinacionais. Os comentários que seguem constituem simples reflexões sôbre o esboço mais sistemático, encontrado no apêndice dêste artigo. Antes de mais nada, vejamos as posições em contrário. (Vide Anexo 6 Anexo 6 , pág. 51)

No que diz respeito ao empresário latino-americano a oposição às emprêsas multinacionais poderia apoiar-se nos fundamentos seguintes:

O processo pode ser encarado como propondo objetivos distantes e pouco claros. Desta forma poderá questionar da utilidade de confiar em algo distante, de cuja propriedade participará apenas parcialmente, em oposição a uma emprêsa concreta que dirige e controla presentemente. Fator especialmente negativo a êste respeito é que, em geral os dividendos minoritários são pequenos na América Latina. Além do mais existe uma adesão, sentimental ou real, às pequenas emprêsas e às que atuam a nível regional ou nacional.

Estreitamente vinculado ao que acabamos de expor é o desejo de direção e controle pessoais, ao qual é particularmente sensível o homem de emprêsa que se identifica com o poder e com as possibilidades de exercer comando.

A maioria dessas características poderão ser percebidas por um observador atento, sensível e capacitado para avaliar os fatos e situações. Assim sendo, será possível compensar os possíveis efeitos negativos por trabalho de relações públicas e pela coleta de informações adequadas e pertinentes. Outras questões, como as incertezas generalizadas quanto a dividendos e à posse de ações são problemas mais difíceis de controlar. A êste respeito teceremos comentários ao longo do artigo.

A nível governamental continua sendo verdade que freqüentemente os problemas territoriais e as considerações políticas recebem atenção prioritária e suas soluções estão condicionadas às preferências dos que manipulam as alavancas do processo político. Ao mesmo tempo é necessário muito cuidado ao avaliar as idéias de vários governos latino-americanos sôbre as emprêsas estrangeiras face às emprêsas multinacionais. O que importa é distinguir entre estimativas reais e estimativas feitas com objetivos propagandísticos.

Temos grandes suspeitas de que a maioria dos governos latino-americanos inconscientemente, ou ao menos acobertadamente, aceitem e reconheçam o papel atual ou potencialmente benéfico, desempenhado pelas emprêsas estrangeiras. Se tal é o caso, considerarão com muita cautela a criação de emprêsas multinacionais e a situação potencialmente complexa que poderá surgir como conseqüência do processo. Naturalmente se os governos tiverem que escolher entre as emprêsas estrangeiras existentes e as futuras e potenciais emprêsas multinacionais rivais, a nível propagandístico, pelo menos, optariam pela emprêsa multinacional latino-americana, mas em têrmos pragmáticos optariam pelas recompensas imediatas e atuais que resultam das grandes operações das emprêsas estrangeiras. Não nos esqueçamos, entretanto, que, de acordo com as probabilidades, as grandes emprêsas existentes, isto é, as estrangeiras, adotarão uma atitude de neutralidade ou até favorável com relação à criação de emprêsas multinacionais latino-americanas. Conseqüentemente, o resultado será uma posição oscilante por parte dos governos que considerarão prioritàriamente os seus próprios interesses. Tal não significa que os governos latino-americanos não venham a cooperar; acreditamos que o façam e de maneira ativa, se as recompensas forem elevadas; e provàvelmente cooperarão de qualquer maneira no plano da propaganda.

Poderíamos intercalar uma observação sôbre opinião muito difundida na América Latina a de que é mais valioso possuir uma emprêsa situada no próprio país, e desta forma usufruir todos os benefícios decorrentes dessa presença, do que contemplar os benefícios indiretos oriundos de acordos multilaterais entre vários países. Tentaremos exemplificar: se vier a se estabelecer uma indústria conjunta, resultado de investimentos chilenos, argentinos e uruguaios, cuja fábrica principal esteja situada na Argentina, mas com acordos de compensação especiais que beneficiem os demais países participantes, os benefícios diretos que tal fábrica geraria (utilização de mão-de-obra, fatores de ocupação e desocupação, etc.) acabariam por gerar a impressão de que as vantagens seriam grandes para a Argentina e muito menores para os demais países participantes.

Mas em que outros setores importantes poderiam estabelecer-se empresas multinacionais, além do setor industrial? Um dêles seria o estabelecimento de estruturas bancárias comuns, provàvelmente através de uma união latino-americana de pagamentos que seria uma das características essenciais de um tal acordo. Outro setor seria o de seguros, no qual também poderiam ser criadas empresas multinacionais. As companhias de seguros latino-americanas habitualmente estão resseguradas por alguma grande agência estrangeira (por exemplo, Lloyd's da Inglaterra) e seria possível inverter tal esquema, criando uma emprêsa de seguros multinacional que absorveria o risco internamente, exceto nas primas secundárias - que teriam de ser pagas a uma companhia de seguros estrangeira e investidas num Holding latino-americano de seguros que por sua vez poderia também participar com empréstimos, especialmente para o setor da construção civil a fim de solucionar o problema habitacional.

Outro campo potencial poderia ser o estabelecimento de uma estrutura unificada para o mercado de ações em tôda a América Latina.

Como é natural os mercados de ações latino-americanos desfrutam forçosamente de menor influência, independência e são menos ativos, enquanto organização de tipo econômico - do que os seus similares dos Estados Unidos. Contudo, a vinculação com o mercado de ações de Nova Iorque, para dar apenas um exemplo, e o estabelecimento da "intercambialidade" entre os diversos mercados latinoamericanos, poderia se constituir num primeiro passo em direção à harmonização dos vários mercados de ações e para o estabelecimento da cooperação multinacional neste campo. Poderiam também ser ampliados os acordos existentes sôbre os embarques (ALAMAR), bem como os acordos relativos ao turismo e ao transporte aéreo. Dadas as dificuldades que cercam os acordos sôbre linhas aéreas que se baseiam nos regulamentos da IATA, ao menos se poderiam estabelecer coordenação e cooperação a nível de ajuda técnica, horários e para a criação de uma linha mais sistemática de passageiros e fretes dentro dos diversos países latino-americanos.

Gostaríamos ainda de mencionar um aspecto cuja importância freqüentemente se desconhece ou quando muito se subestima. Trata-se da atitude e do papel dos militares na medida em que se relacionam com o processo integrador. Não é nosso propósito estendermo-nos sôbre êste assunto, mas simplesmente apontar alguns aspectos potencialmente negativos. Em nossa avaliação de alguns problemas estratégicos importantes, por exemplo, o aço, que tem implicações para a defesa e ao mesmo tempo serve como medida objetiva e subjetiva de poder e prestígio nacionais, os militares provàvelmente reagirão a que se entregue a exploração e o controle de tais atividades a emprêsas multinacionais, preferindo manter o seu controle em mãos nacionais, obviamente o próprio Estado. Isto se deveria ao fato de que o nacionalismo e as atitudes nacionalistas dos militares colocariam a propriedade interna de tais tipos de indústria num nível prioritário, afastando para uma segunda e terceira alternativas a propriedade multinacional das mesmas.

Assim, em última instância, o resultado desta estimativa, forçosamente apressada e breve, é a impressão de que o principal apoio para a criação de emprêsas multinacionais na América Latina será encontrado na emprêsa de porte médio, ou seja, nas emprêsas que ocupam um papel intermediário entre a pequena emprêsa de tipo familiar ou de um único proprietário e a grande emprêsa impessoal, que provàvelmente se acha ligada por vínculos muito fortes com os interêsses estrangeiros - poucos dos quais serão latino-americanos. Isto não significa que a integração deva ignorar os outros dois tipos de emprêsas citados, ou seja, a pequena e a grande, mas implica simplesmente em que os primeiros passos devam ser empreendidos a nível da emprêsa de tamanho médio, especialmente no setor industrial e também, com grande probabilidade em setores como os seguros e a atividade bancária. Naturalmente será necessário uma pesquisa de campo bastante intensa e mais ampla para determinação dos possíveis fatores determinantes e para a verificação de algumas das hipóteses avançadas durante esta breve estimativa.

O PAPEL DOS TÉCNICOS E DOS ADMINISTRADORES

A característica geral do desenvolvimento social, econômico e político é o fato de implicar na mudança que se insere como fator em todo o sistema social, com rapidez e grande intensidade. A mudança por si só é considerada a chave do desenvolvimento e o instrumento para a criação de uma sociedade moderna, com condições que reflitam adequadamente a imagem do que se considere como moderno. Essa imagem e essa realização de uma sociedade e de um estilo de vida modernos têm uma conotação específica para uma parte dos atuais diretores do processo produtivo.

O grupo em que pensamos é o conglomerado de administradores e técnicos. São pessoas que detêm um monopólio definido sôbre certos tipos de conhecimento e habilidades fundamentais para a execução de tarefas que constituem os pré-requisitos básicos da modernização, do desenvolvimento e da eficiência industrial. Nossa tese é que a utilização das potencialidades, das capacidades e o pêso social dêsse grupo de pessoas são absolutamente necessários no processo de integração.

A elite técnico-administrativa moderna (de agora em diante designaremos os membros dessa elite pelo nome de tecnocratas, que de certa forma é um reflexo adequado da posição social dessa nova aristocracia industrial) se preocupou com a definição e em dar caráter principalmente operacional a tudo o que parecesse moderno, nôvo e avançado. Sem dúvida ser moderno sugere estar na moda e possui atrativos, inclusive, emocionais para um tecnocrata, pôsto que êle próprio de certa forma, é a encarnação da mudança e da modernização. Êsse fato é plenamente evidente num meio social e econômico de países que estão em processo de desenvolvimento, nosso caso, e o dos países da América Latina.

Tendo-se em conta a afirmação anterior, devemos compreender que, embora o tecnocrata possa parecer o elemento-chave da modernização, sua definição e o conceito operacional do que é moderno, reveste-se da maior importância para todos os que estão envolvidos no processo de integração.

O raciocínio básico é que se a modernização, como processo e como conceito, pode ser identificada com a integração (também esta como conceito e como processo), então a "batalha pela mudança de mentalidade" está quase vencida. Se a idéia de integração pudesse chegar a ser sinônima do conceito de modernização, isto é, de eficiência, crescimento e mudança, teríamos diante de nós um catalizador importante dentro da sociedade que impulsionaria certo curso de ação seguindo o caminho da racionalidade.

Que pretendemos com a afirmação anterior? Em têrmos gerais o atrativo da modernização indica uma preferência geral pelo pensamento de tipo científico e o reconhecimento total da importância da ciência, da tecnologia e da análise sistemática numa sociedade moderna.

Naturalmente uma orientação generalizada, tendente à cultura técnico-científica (cientificismo), e o atrativo por essa cultura traz consigo o germen de um conflito crescente de valores no interior de vários grupos de uma sociedade essencialmente tradicional. Freqüentemente os tecnocratas da América Latina se encontram, nesse conflito, na posição mais avançada no que diz respeito às questões econômicas.

Na maioria das economias e das emprêsas em processo de modernização, seja ela rápida ou lenta, o tecnocrata julga, a partir de um senso crítico altamente desenvolvido, os impulsos e exemplos pragmáticos provenientes das nações mais desenvolvidas ou industrializadas do mundo. Ao avaliar um modêlo projetado de desenvolvimento, o pêso fundamental da avaliação repousará na percepção individual, enquanto na percepção da natureza e no método de aplicação dos modelos projetados e nas vias de desenvolvimento residirá o fator decisivo que determinará sua preferência e, em última instância, suas decisões.

Desta maneira para promover a aceitação da idéia de integração e para facilitar sua operacionalidade parece essencial que se apresente e se esboce a idéia e o processo de integração para o tecnocrata como um modêlo de desenvolvimento e de modernização e que se projete a idéia e o processo de integração como uma proposição de tipo pragmático que implique em eficiência, potencialidade de desenvolvimento e recompensas.

Para tanto deverão ser empregados meios objetivos e subjetivos de identificação e de projeção. Naturalmente dadas as limitações da realidade latino-americana o fator subjetivo será preponderante. Infelizmente os elementos existentes capazes de sugerir fracassos ou sucessos em têrmos de integração são ainda escassos. Por isso o tecnocrata terá que acreditar e supor que o processo de integração no futuro combinará os benefícios com um processo de modernização e conseguirá obter os primeiros através do segundo. Só então, e sublinhamos a afirmação, o tecnocrata assumirá o papel considerado por nós fundamental que poderá conduzir à integração latino-americana através da criação de emprêsas multinacionais.

Dirijamos agora nossa atenção para os prováveis esquemas de atitudes preferenciais que podem ser característicos do tecnocrata ao longo do processo de integração.

Podemos supor que a característica aplicável com maior generalidade seja uma "orientação executiva" e um atrativo generalizado pela idéia e pela prática da modernização. Mas, além dessas generalizações é necessário reconhecer que quanto mais complicada fôr a estrutura sócio-econômica e quanto mais prementes forem as exigências em prol da modernização, mais diversos serão os estímulos e as respostas dos indivíduos. A razão pela qual êsses padrões de atitude são importantes no processo de integração é que pode fornecer-nos uma "orientação útil" para abordar não só o problema da integração mas também o da criação de emprêsas multinacionais a um nível que represente o máximo de recompensas com um mínimo de riscos de fracasso.

Desejamos deixar claro que tememos a "vulgarização" do conceito de integração e suas repercussões para sua própria realização. Não devemos esquecer o que sucedeu com a Reforma Agrária, tanto ao conceito como à sua implementação na América Latina, onde todo mundo é a favor da Reforma, tanto a direita como a esquerda, e os indiferentes. Todos a apoiam porque se transformou em verdadeira moda. Até certo ponto, o mesmo pode ser dito da integração. Se alguém desejar estar na moda, deverá falar de integração e manifestar-se favorável a ela.

Sabemos perfeitamente, no entanto, que o necessário é que se aceite realmente, com inteligência e que haja uma identificação consciente com o processo integrativo, sobretudo entre os tecnocratas.

Assim, enfatizamos os tipos de aceitação utilitário e de identificação, ênfase que se insere no conceito mais amplo de modernização e desenvolvimento. Nesse sentido os poucos esquemas de atitude esboçados adiante nos servirão de pontos de partida aos quais poderemos nos ater com mais facilidade e dar atrativo à argumentação em prol da integração.

O interêsse das pessoas que detêm em suas mãos o processo de desenvolvimento, isto é, os tecnocratas, por causa da riqueza material em si e pela sua acumulação. Tal interêsse pela riqueza material constitui também uma questão de percepção e de preferência individuais.

Do ponto de vista do interêsse pessoal do tecnocrata a riqueza material implicará tanto os aspectos pessoais da aquisição e desenvolvimento de símbolos de status, como a determinação dos padrões e a medição na distribuição da riqueza recentemente adquirida pela sociedade como um todo. Para êles os padrões de riqueza material constituem mais uma questão de interêsses criados, segundo dois critérios: um para o que tem em suas mãos o processo econômico e outro para o próprio sistema integrado.

O interêsse do tecnocrata no futuro e as tarefas que é necessário realizar. O desejo geral de identificar-se com o futuro, como símbolo das "aspirações e a potencial execução de tarefas", supõe uma percepção do "modêlo" que se projeta para êsse mesmo futuro. Isto implica em que os tecnocratas possuem uma imagem e uma preferência com relação ao modêlo de desenvolvimento e com relação ao futuro "moderno".

Por outro lado, coloca-se a questão de saber em que medida tal imagem do futuro é idealizada ou realista. As preferências derivam de enunciados políticos, pragmáticos e de "côres" ideológicas intensas ou são objetivos específicos indicados como meio para facilitar ao mesmo tempo a aplicação e a aceitação políticas?

A "imagem do futuro" se altera e se diversifica à medida que aumenta a especificidade devida à crescente complexidade das tarefas que é necessário desempenhar. À proporção que aumentam a especificidade e a complexidade, aumenta também a recompensa que será obtida pela solução de problemas específicos. Daqui decorre a necessidade crescente de uma orientação para a "solução de problemas", atitude que não exclui necessàriamente as considerações ideológicas em favor de preferências e opções pragmáticas.

É bem possível que as considerações ideológicas possam ser ajustadas ainda num sistema ideológico de crenças que o englobem, sempre que haja suficiente flexibilidade ideológica para ajustar as modificações em têrmos da imagem em mutação do futuro e do conceito de ser moderno. Ao mesmo tempo a atitude de "solução de problemas" deve incluir a compreensão de que a racionalidade na adoção de decisões é limitada: as melhores decisões, via de regra, são as exeqüíveis.

A predisposição do tecnocrata para assumir riscos no curso da execução de suas tarefas. Aqui se coloca a questão de estabelecer se os tecnocratas são conscientes das limitações de sua ação e de suas possibilidades em têrmos de considerações políticas, assim como dos riscos, quer pessoais quer grupais, implícitos no esquecimento dessas mesmas limitações.

Cabe também perguntarmos se a disposição para assumir riscos se mede em função do indivíduo ou do sistema.

Existe algum ponto da ordenação integradora ou do desenvolvimento no qual não se assuma nenhum risco, seja pela natureza do funcionamento do sistema, seja porque o status social do tecnocrata é tal que se prevêm recompensas máximas através da adaptação de uma orientação temporária ao status quo?

A disposição para assumir riscos também pode implicar na noção de projeção de riscos compartilhados pelo grupo, enquanto na realidade, trata de obviar riscos por meio de sacrifícios que afetam primordialmente os "outros", isto é, às massas ou a certos grupos da sociedade.

Também se faz necessário considerar os efeitos das recompensas tanto em têrmos de status como no campo econômico. Se os riscos são interpretados em função de sacrifícios, freqüentemente, a falta de imediatas recompensas perceptíveis pode sugerir que existe uma hierarquia de meios e fins, e que é preferível optar-se por uma gratificação postergada.

É ainda possível que os tecnocratas não estejam interessados nas recompensas econômicas imediatas, pois essas virão de qualquer forma, numa proporção maior de que para o conjunto da sociedade, uma vez que o que mais lhes importa é o status e sua posição na vida pública.

O interêsse do tecnocrata pela tecnologia e por suas aplicações e aperfeiçoamentos. Parece igualmente importante o fato de que os tecnocratas estejam interessados no papel real e potencial que a tecnologia desempenhará no processo de desenvolvimento e que estejam igualmente conscientes dêsse papel. A tecnologia pode ser considerada, em têrmos de sua influência sócio-econômica, como um instrumento, ou como um guia do processo de modernização. O atrativo da integração como possibilidade de facilitar a adoção de inovações tecnológicas poderá desfrutar de grande importância.

A atitude aberta do tecnocrata às novas idéias e à sua aceitação. A idéia anterior implica na aceitação da discrepância dentro do sistema, assim como da necessidade de mediação e de uma espécie de "fórum de debates" para a resolução de conflitos no interior da sociedade.

A modernização e o processo de industrialização contribuem para criar uma ordenação social diversa que se baseia em valores e status sociais novos. Por outro lado, as noções de moderação e de "mentalidade aberta" não são necessàriamente características concomitantes do fenômeno do desenvolvimento. Se a "moderação" significa apenas que alguém deve adquirir o hábito de realizar freqüentes adaptações de menor importância e não mudanças bruscas e violentas pelo impacto, as "tendências do momento", ou esporádicamente, com o tempo, e dado um mínimo de estabilidade política, o desenvolvimento e a integração no plano econômico poderão permitir o aparecimento dos referidos hábitos. Mas ao mesmo tempo, existem os problemas-tabus da sociedade, problemas identificados tão profundamente com os dogmas operacionais da ideologia que estão simplesmente além de tôda consideração no que diz respeito à mudança. Um dêsses problemas-tabus poderia ser o nacionalismo latente de muitos tecnocratas supostamente pragmáticos e seus preconceitos latentes para com outras nações latino-americanas.1 1 ) Os estudos recentes destacam que pràticamente todo país latino-americano tem um vizinho que é "um agressor mais fraco". Como exemplos, citaríamos no caso do Chile, a Bolívia; para o Peru seria o Equador, etc., para todos existe a imagem de "vizinho agressor forte". Na verdade tal imagem constitui um quadro patético do nacionalismo do século XIX combinado com tendências agressivas destinadas a distrair a atenção dos problemas sócio-políticos urgentes.

A disposição do tecnocrata de trabalhar àrduamente e de cooperar com os outros em seu ambiente. A noção de que o trabalho árduo e a capacidade de cooperar são requisitos característicos implica em que os tecnocratas tenham que se ocupar do ambiente em sua totalidade, incluindo as subculturas, tendo de adotar uma atitude de mediação, imbuídos de grande senso pragmático e disposição para aceitar e compreender os "desvios" econômicos e sociais.

O trabalho árduo é por si mesmo um compromisso de execução de tarefas e de paciência; mas, por outro lado, pôsto que os tecnocratas também se convertem em atores políticos, ao longo do processo de integração, o fator êxito não pode ser menosprezado. A realimentação política deve ser engendrada, vez por outra, pelo êxito e pela aceitação no âmbito político.

A capacidade e a disposição do tecnocrata para fazer uma análise dos fenômenos complexos. As características anteriores supõem a presença de uma consciência básica da complexidade, ou seja, de que o processo de integração produz fenômenos complexos que por sua vez, criam obstáculos imprevistos e imprevisíveis, exigindo uma possível revisão total das preferências e das práticas, noção que sugere a negação dos esquemas e modelos de ação simplistas.

Quanto mais característica do tecnocrata se faz a atitude de solução de problemas, maior será a importância que assumem os temas específicos face à contemplação dos objetivos gerais. De outra feita, é concebível que mesmo os temas específicos e a atitude de solução de problemas, em certa medida, serão determinados por considerações marcadas pelos ditames de uma orientação ideológica e pelas necessidades da política pragmática.

Após ter identificado o tecnocrata como um elemento importante, enquanto catalizador no processo de integração e de mudança e desenvolvimento tecnológico, passaremos às observações sôbre pressões e barreiras potenciais ao ideal prático da integração que terão de enfrentar o tecnocrata e o empresário.

As pressões que favorecem a integração são:

• o declínio gradativo das alternativas;

• a incidência das pressões tanto políticas como sociais;

• a tentativa de escapar ao isolamento dentro do meio ambiente.

O primeiro fator, ou seja, o declínio gradativo das alternativas em face das perspectivas e das necessidades de integração, parece igualmente significativo e eficaz tanto para o tecnocrata como para o empresário. Contudo de um ponto de vista estritamente técnico, o tecnocrata estará mais predisposto a considerar a integração de maneira favorável, e numa etapa anterior ao processo, do que o empresário. Isso sugere que o tecnocrata possivelmente aderirá à idéia da integração e a considerará como uma necessidade objetiva bem antes que o empresário o faça.

No que diz respeito ao segundo ponto devemos reconhecer que o manejo hábil das políticas governamentais favoráveis podem estimular tanto o técnico como o empresário para que considerem a integração como uma alternativa pragmática.

Essas políticas governamentais que devem incluir medidas sôbre os impostos e até sôbre a aplicação de políticas superficiais e sütilmente coercitivas no setor econômico podem criar uma pressão política que ajude a formação de um vínculo entre o próprio interêsse, a necessidade de progresso e a ação comum. Evidentemente trata-se de uma zona na qual caminhamos sôbre uma fina camada de gêlo e com bases inseguras, pôsto que em muitos casos os estímulos governamentais não podem ser antecipados e as ações e políticas que se podem prever seriam, precisamente de natureza negativa.

O terceiro ponto se refere às pressões, tanto sociais, como econômicas e políticas que podem surgir para um determinado país e para sua economia se vários países avançarem com maior velocidade em seu processo integrativo. Portanto, se um ou alguns países latino-americanos ficarem atrás dos demais no que respeita ao desenvolvimento econômico, e se esse desenvolvimento fôr obtido graças à integração, poderemos ter como certo que os países que permaneceram atrasados com relação aos demais do hemisfério por não se terem integrado, experimentarão forte tendência para aderirem ao processo. Tal se dará especialmente quando se criar a imagem do "obscurantismo" internacional e da estagnação interna que funcionarão como argumentos poderosos tanto para o tecnocrata como para o empresário. Para fugir à sensação de "obscurantismo" e ao esquecimento internacionais por meio da integração, será necessário que o próprio processo integratório seja colocado de maneira a deter monopólio sôbre a solução de problemas relacionados com a situação real.

Com relação a alguns dos obstáculos que é necessário considerar gostaríamos de sublinhar três em especial:

• a falta de conhecimento sôbre as alternativas para o desenvolvimento nacional;

• a perspectiva de descontinuidade nos sistemas sociais;

• a perspectiva de "oposição subjetiva".

Sôbre o primeiro dos obstáculos, ou seja, a falta de conhecimentos sôbre as alternativas, geralmente se expressa em função dos seguintes padrões de atitude: há um grau pequeno, quase desprezível, de ignorância e falta de conhecimento no "sentido absoluto", o que significa que a maioria dos tecnocratas e empresários têm conhecimento da integração, chegando talvez até a conhecer minuciosamente no que consiste e que objetivos se propõe, mas não chegam a um entendimento da racionalidade do processo, não chegando, conseqüentemente, a identificar-se com o fenômeno da integração.

Todavia, generaliza-se a ignorância sôbre os pormenores da integração, resultado da ausência de identificação e de adesão ao processo. Por isso torna-se difícil nessa etapa inicial do processo especificar detalhes a respeito de possíveis recompensas sem penetrar no perigoso campo da conjectura e da criação de um efeito em cadeia que é o "crescimento de expectativas". Parece-nos, contudo que a falta de pormenores obstacularizará grandemente a identificação de empresários, tecnocratas, homens de govêrno, etc., com a idéia de integração.

O segundo aspecto, relativo à descontinuidade nos sistemas sociais, exprime o temor de perder a segurança, as práticas e identificações tradicionais por algo que ainda é indefinido, na melhor das hipóteses, ou mesmo utópico optarmos por uma posição de maior pessimismo.

Naturalmente, tôda a questão se relaciona com nossas considerações sôbre a percepção das alternativas. Os temas específicos a que aludimos sob o nome de "oposição subjetiva" incluem uma série de problemas relativos à psicologia social do tecnocrata e ao comportamento do empresário. Uma característica fundamental freqüente nos empresários latino-americanos é sua falta de disposição para que atuem verdadeiramente como "latinos", no sentido de que suas orientações psicológico-culturais e sociais não estejam dirigidas para um ambiente alheio à América Latina. Via de regra, seus pontos de referência estão na Europa e nos Estados Unidos, sendo talvez a única expressão digna de nota a do moderno empresário brasileiro.

Essa falta de disposições para ser latino produz comumente um grande bloqueio nas comunicações entre os próprios latino-americanos. Como conseqüência dêsse bloqueio são retardados os esforços para que se inicie a reflexão sôbre os problemas da indústria latino-americana como um todo.

Um segundo elemento da oposição subjetiva é a ausência de compreensão sôbre a natureza exata do processo de integração, particularmente por parte dos empresários. Tal falta é, em parte, a causa de uma educação falha e também de deficiência nas atividades de Relações Públicas por parte dos organismos internacionais que têm a seu cuidado a tarefa de realização das funções de esclarecimento e de fornecimento de informações.

A percepção conseqüentemente se vincula à formulação de opiniões baseadas em duas fontes principais de impulsos, ou seja, a utilização de dados que são essencialmente secundários, isto é, que são transmitidos por outros, e pela formação de imagens por meio de estereótipos. O problema se agrava ainda mais pelo fato de que uma pessoa só pode receber e absorver uma determinada quantidade de dados. Como estereótipo, a integração ainda se apresenta como um conceito indefinido e um pouco idealizado. Portanto, onde deve ser realizado o trabalho mais intenso é justamente no campo da comunicação direta que inclui tanto indivíduos como instituições.

Finalmente, devemos mencionar nessa categoria o que chamaríamos de fenômeno de "capitalismo de objetivos" que se apresentam em muitos países da América Latina onde os empresários locais entendem suas atividades econômicas simplesmente como uma espécie de operação de tipo holding. Acabam por se proporem objetivos monetários específicos sem uma visão de desenvolvimento a longo prazo fator que, supomos, provoca, juntamente com a instabilidade política a fuga de capitais da América Latina para as contas numeradas dos bancos suíços e ao refúgio seguro que são as inversões em ações de sociedades anônimas norte-americanas. Aqui temos outro aspecto no qual a integração da América Latina não apenas pode dar confiança e uma sensação de segurança, mas também modificar de maneira significativa as atitudes e as maneiras de pensar sôbre o sistema econômico e social como um todo.

Com objetivos de abrir o debate e a reflexão gostaríamos de anexar a esta observação final algumas idéias expressas por DONALD P. KIRCHER sobre o que êle mesmo designou de emprêsas "transnacionais". Sua proposição consiste na apresentação de modêlo ideal de emprêsa transnacional ideal, no sentido de que incorporaria tôdas as características ótimas de um empreendimento multinacional.

Segundo Kircher, a versão idealizada de uma emprêsa multinacional se caracterizaria pelos seguintes fatores:

1.º) seria propriedade de acionistas de vários países;

2.º) seria administrada por cidadãos de vários países;

3.º) seria dirigida por um executivo acostumado a considerar o mundo como uma unidade econômica (em nossa opinião, a condição mais importante);

4.º) praticaria a diversificação tanto em seus produtos como em seus campos de interêsse, sem sacrificar, todavia, os princípios e interêsses unificadores que são responsáveis e necessários à manutenção dos vínculos organizacionais. Assim, a organização anterior seria propriedade de grupos multinacionais e também controlada por êsses mesmos grupos. Até que ponto o modêlo de Kircher se fundamenta no exemplo das grandes emprêsas transnacionais existentes na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, (Royai Dutch Shell, Unilever, Phillips, Nestlé, Singer, etc.) é uma questão diversa.

Pode-se discutir em que medida tal modêlo poderia ser aplicado na América Latina e como solução ao problema da integração latino-americana, mas ao menos em nossa opinião os fatores segundo, terceiro e quarto são pertinentes, em nossas considerações a respeito da América Latina.

Ao mesmo tempo talvez compense resumir de maneira rápida alguns dos fatores econômicos que criam obstáculos para o estabelecimento de tais emprêsas multinacionais. Sem nos adentrarmos em cada ponto específico, gostaríamos de indicar que atribuímos a todos igual importância.

Os obstáculos seriam:

• a incompatibilidade entre as leis tributárias nacionais e a criação de tal tipo de emprêsa;

• o estado caótico das leis sôbre sociedades anônimas;

• as atrasadas práticas contábeis predominantes nas emprêsas latino-americanas;

• a inexistência de um sistema verdadeiramente internacional de intercâmbio de títulos; e finalmente, as políticas econômicas de tendências nacionalistas.

No que diz respeito às leis sôbre propriedade de títulos, a primeira consideração que deve ser feita é que freqüentemente se torna impossível para os cidadãos de um país latino-americano possuir títulos estrangeiros em condições de paridade com os nacionais, fator que se agrava ainda mais pela falta de um sistema internacional de bolsas de valores - observe-se que as leis locais sôbre sociedades anônimas apresentam outro obstáculo, pois a prática tributária que pressupõe a dependência de rendas obtidas localmente criam um ordenamento complexo no qual a determinação das práticas tributárias para uma emprêsa multinacional aumenta de maneira gigantesca.

As normas contábeis que asseguram a confiança fiscal e os problemas monetários que surgem da praga inflacionária e da instabilidade cambial são apenas alguns dos problemas que compõe a sombria cadeia de obstáculos.

CONCLUSÕES

Anteriormente procuramos abordar problemas que são específicos na aparência, mas de grandes conseqüências no que diz respeito às suas implicações e ao seu alcance. Contudo, temos a sensação de que o exame do papel e da natureza da emprêsa multinacional, da atitude do tecnocrata, e de seu papel potencial na integração deixou sem resposta a principal questão, talvez a fundamental: a que se refere à relação entre o desenvolvimento econômico, a mudança político-social e o progresso de integração.

Sem sermos severos com os economistas seria necessário dirigir-lhes algumas palavras de cautela e admoestá-los. Acreditamos que os economistas se preocupam em demasia com a glorificação do aspecto técnico do desenvolvimento econômico e da integração, a qual para nós é um problema sócio-político, incluindo naturalmente também aspectos econômicos.

Mas, se menosprezarmos o fato de que a integração da América Latina tem de ser um fenômeno político, podemo-nos ver conduzidos ao perigoso jôgo de contrapor as propostas de desenvolvimento econômico às propostas de mudança político-social no hemisfério.

Acreditamos que o desenvolvimento econômico por si só carece de sentido se não fôr acompanhado de mudanças na estrutura institucional da sociedade e não se manifestar nas atitudes e nos valores dos indivíduos dessa mesma sociedade.

A história recente de alguns dos países mais importantes da América Latina pode servir de triste exemplo de uma lição aprendida demasiadamente tarde. Na verdade, as soluções aos males do hemisfério freqüentemente poderiam ser exclusivamente econômicas nas suas manifestações, mas as decisões a respeito de como e quando eliminar tais males são e continuarão sendo de natureza política. Passar por cima do fato só servirá para engendrar a desesperança e a frustração em todos os trabalhos pela realização de um hemisfério integrado.

Já se observou que originàriamente foram os grupos políticos responsáveis pela tomada de decisões e os governos da América Latina, os que deram o impulso inicial à idéia de integração. Portanto, quando os técnicos e os empresários aceitaram o papel de promotores da idéia e do processo, os governos caíram numa atitude de neutralidade, passividade e, muitas vêzes, até de hostilidade.

Em que medida isso resulta de causas objetivas e em que medida são meramente reflexos da natureza da sociedade e do processo político continuam sendo objeto de conjecturas.

Mas acreditamos que existe uma responsabilidade básica de que se descuidou ou à qual, por vêzes, abdicaram os empresários e os técnicos: influir na opinião pública e sôbre os que tomam decisões políticas reafirmando suas posições.

O empresário não usou de sua influência interna para pressionar, nem o técnico ofereceu alternativas atraentes e aceitáveis de um ponto de vista político, a partir da idéia de integração. Por isso não há alternativas, a não ser que a integração apareça como um processo linear, onde a falta de imaginação e de iniciativas criadoras poderão converter-se no sepulcro da integração latino-americana.

Em nossa opinião a classe média já perdeu, em seu conjunto, a oportunidade de ser a fôrça dirigente da reforma sócio-política na América Latina. Se agora dentro dessa classe os empresários e os técnicos também renunciarem às suas responsabilidades frente à integração, devemos estar preparados para o prosseguimento da anarquia social da esquerda ou da farsa política da direita.

Nesse contexto devemos compreender que embora o significado específico da integração possa diferir de grupo para outro e de indivíduo para indivíduo, há alguns componentes básicos que podem acentuar o que se poderia chamar de sentido de solidariedade o sentido mínimo de identificação. Êsses componentes surgem sob o aspecto do planejamento, da racionalização e da necessidade de reformas.

A integração deve significar tôdas e cada uma dessas coisas, sempre que aceitemos a premissa de que a integração é também um processo de reforma da sociedade como um todo incluindo as atitudes e valores das pessoas em particular, conteúdo e o estilo da vida política.

Por outro lado, já é tempo de os técnicos e empresários exigirem do Estado e dos que tomam as decisões políticas que alcancem o nível de eficiência que se quer dos setores privados.

As reformas estruturais devem começar no setor público, e justamente porque os que acatam as decisões políticas também sabem que êsse é um requisito fundamental para a integração, e por ser do ponto de vista político uma proposta explosiva, tendem a opor-se abertamente à realização de tais necessidades.

Em política o fator êxito depende da habilidade para exercer influências e da compreensão da necessidade do compromisso. Mas "os espectadores" não podem exercer influência nem ter a possibilidade de realizar compromissos. Tal argumento deveria ser suficiente para levar o técnico e o empresário à "esfera ativa" da participação política.

Mas, em última instância, nem o técnico, nem o empresário, nem o político, nem os argumentos de ordem econômica, social ou política, bastariam por si só para realizar a integração. É a interação concentrada e coordenada de todos êsses fatores que se deve cristalizar através do conflito e de sua solução, para formação do ambiente e criação de condições objetivas de integração.

E seja-nos permitida a colocação da pergunta formulada por O. HENRY , aos que aderem à intepretação puramente econômica, como aos partidários da interpretação puramente política do processo de integração: "A estatística é mais bela do que um poema?" admitamos que tudo depende do ponto de vista e dos objetivos de cada um.

ANEXO 1 Anexo 1

ANEXO 3 Anexo 3

ANEXO 4 Anexo 4

ANEXO 5 Anexo 5

ANEXO 6 Anexo 6

Anexo 1

Anexo 3

Anexo 4

Anexo 5

Anexo 6

Anexo 2

  • 1
    ) Os estudos recentes destacam que pràticamente todo país latino-americano tem um vizinho que é "um agressor mais fraco". Como exemplos, citaríamos no caso do Chile, a Bolívia; para o Peru seria o Equador, etc., para todos existe a imagem de "vizinho agressor forte". Na verdade tal imagem constitui um quadro patético do nacionalismo do século XIX combinado com tendências agressivas destinadas a distrair a atenção dos problemas sócio-políticos urgentes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1968
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