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Planos de estabilização e instabilidade nos mercados acionários

ARTIGO

Planos de estabilização e instabilidade nos mercados acionários* * Os autores desejam expressar um agradecimento especial ao Conselho Editorial da Revista de Administração de Empresas, cujas oportunas sugestões enriqueceram sobre-maneira o presente artigo.

Hélio de Paula LeiteI; Antonio Zoratto SanvicenteII

IProfessor Assistente do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da EAESP/FGV

IIProfessor Titular em Finanças da FEA/USP

RESUMO

O papel de índices representativos do mercado de ações é explicado com a descrição dos principais índices existentes no mundo e uma discussão de aspectos metodológicos de construção de índices.

As variações reais do índice da Bolsa de Valores de São Paulo são analisadas, desde sua implantação em janeiro de 1968 até fevereiro de 1991. Essa análise descreve a série, verifica a normalidade da distribuição de retornos, e avalia o seu comportamento no período mais recente, caracterizado por planos de estabilização econômica.

Constata-se que o mercado se tornou mais instável com os planos de estabilização tendo sido prejudicado o desempenho geral de carteiras diversificadas com o aumento de riscos e a ampliação dos tipos de risco.

Palavras-chave: Planos de estabilização, índices de mercado de ações, índice BOVESPA, diversificação de carteiras, normalidade da distribuição de taxas de retorno.

ABSTRACT

The role of stock market indices is explained with a description of the major stock exchange indices found in various countries, as well as with a discussion of index computation methodologies.

The series (January 1968 to February 1991) of real changes in the São Paulo Stock Exchange Index is described, tested for normality, and examined for changes in the more recent period, marked by economic stabilization plans.

The results herein reported show that the market has become more unstable, and that the process of risk reduction through portfolio diversification has been adversely affected, with the adoption of the so-called stabilization plans: existing risks have increased and new types of risk appear to have been introduced.

Key words: Stabilization plans, stock market indices, São Paulo stock exchange index, portfolio diversification, normality of rate of return distributions.

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INTRODUÇÃO

Os índices (médias) do mercado acionário exercem uma considerável influência sobre a economia porque, essencialmente, eles representam o desempenho de uma carteira de ações bastante diversificada na qual estão representados os empreendimentos mais importantes do sistema econômico nacional servindo, assim, como um barômetro da economia. Desde logo, é importante ressaltar que a imagem mais apropriada para a Bolsa de Valores não é a de "termômetro da economia", como se ela refletisse as condições do ambiente econômico; mais adequado seria descrevermos o mercado secundário de ações como um "barômetro da economia", ou seja, como um instrumento capaz de antecipar as futuras condições ambientais da economia. Não é por outro motivo que, freqüentemente, a Bolsa vai bem e a economia vai mal, ou vice-versa.

Apesar dos recursos que diariamente transitam pelas Bolsas de Valores não fazerem parte do fluxo monetário que alimenta o investimento real da economia, as flutuações que as cotações das ações registram a cada momento desempenham papel nuclear no processo decisório do investimento nacional. Deve-se compreender a relevância dessas instituições não apenas como um ponto de liquidez para as ações (o que representa um pré-requisito indispensável para a existência do mercado primário de ações), mas, também, como fonte de informações instantâneas a respeito do estado de espírito dos agentes econômicos: é através de suas constantes reavaliações sobre os investimentos em operação que se revelam seus julgamentos sobre a performance desses empreendimentos (condenando ou condecorando os administradores); é por aqui que se manifesta com alta fidelidade e transparência a angústia ou a euforia dos agentes econômicos em relação ao futuro.

John Maynard Keynes analisa magistralmente esse relacionamento entre as flutuações do mercado secundário de ações e o nível e as variações do investimento real na economia. No capítulo 12 da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda ("O Estado da Expectativa a Longo Prazo"), diz o eminente economista: "... as decisões de investir em negócios privados do tipo antigo eram, em grande parte, irrevogáveis não só para a comunidade em geral, como também para os indivíduos. Com a separação entre a propriedade e a gestão que prevalece atualmente com o desenvolvimento de mercados financeiros organizados, surgiu um novo fator de grande importância que, às vezes, facilita o investimento, mas, que, às vezes, contribui sobre-maneira para agravar a instabilidade do sistema. Na ausência de Bolsas de Valores, não há motivo para se procurar, com freqüência, reavaliar os investimentos que fazemos. Mas a Bolsa de Valores reavalia, todos os dias, os investimentos e essas reavaliações proporcionam a oportunidade freqüente a cada indivíduo (embora isto não ocorra para a comunidade como um todo) de rever suas aplicações. É como se um agricultor, tendo examinado seu barômetro após o café da manhã, pudesse decidir retirar seu capital da atividade agrícola entre as dez e as onze da manhã, para reconsiderar se deveria investí-lo mais tarde, durante a semana. Todavia, as reavaliações diárias da Bolsa de Valores, embora se destinem, principalmente, a facilitar a transferência de investimentos já realizados entre indivíduos, exercem, inevitavelmente, uma influência decisiva sobre o montante do investimento corrente. Isso porque não há nenhum sentido em se criar uma empresa nova a custo maior, quando se pode adquirir uma empresa similar existente por um preço menor, ao passo que há uma indução para se aplicarem recursos em um novo projeto que possa parecer exigir uma soma exorbitante, desde que esse empreendimento possa, ser liquidado na Bolsa de Valores com um lucro imediato. Destarte, certas categorias de investimento são reguladas pela expectativa média dos que negociam na Bolsa de Valores, tal como se manifesta no preço das ações, em vez de expectativas genuínas do empresário profissional."1 1 . KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, S.P., Editora Atlas, 1982, pp.125-6.

Verifica-se, portanto, que as Bolsas de Valores assumem relevante função nas modernas economias desenvolvidas, qual seja a de servir como plano de referência para o processo decisório do investimento real, fornecendo parâmetros tanto para a taxa média de retorno dos investimentos sujeitos a risco, como para a avaliação do próprio nível de risco médio assumido pelos investidores. Afinal, é nos pregões das Bolsas que a oferta e a procura por ações se manifestam livremente, fornecendo um precioso subproduto da liquidez desses títulos, ou seja, uma fonte privilegiada de informações sobre os julgamentos realizados pelos agentes econômicos mais especializados e experientes na administração de investimentos. E através desse democrático sistema de participação popular no processo decisório do investimento nacional que passamos a conhecer o estado de espírito da comunidade em relação ao futuro da economia e, certamente, até agora, não foi desenvolvido um mecanismo que substituísse as Bolsas de forma mais eficiente, transparente e barata para a avaliação dessas expectativas. Ao contrário, como antecipa John Maynard Keynes, a tendência é as Bolsas de Valores substituírem, com a vantagem da transparência pública de suas decisões, o tradicional "empreendedor profissional" na tarefa de produção das expectativas de longo prazo. Não é por outra razão que a reinserção dos países do leste europeu e da Rússia na economia de mercado tem tido como pressuposto a organização dos mercados acionários.

Em 3 de julho de 1884, Charles Henry Dow iniciou a divulgação da primeira "média de ações" através do boletim de notícias financeiras Customer's Afternoon Letter: tratava-se da cotação média de um conjunto de onze ações por ele selecionadas (nove ferrovias e duas indústrias) como representativas do mercado acionário de New York. Costuma-se creditar a Charles Dow a descoberta do movimento conjunto para o qual tendem as flutuações das cotações das ações (Teoria Dow), justificando-se, portanto, o estudo das "médias" do mercado como uma síntese das expectativas de longo prazo nutridas pelo público investidor como um todo. Com efeito, esses índices (ou "médias") fornecem os dados primários para que possamos avaliar a taxa média de retorno auferida pelos investidores em aplicações sujeitas a risco, funcionando como um representante legítimo (proxy) da carteira total do mercado (market portfolio). Em outras palavras, conhecendo-se o retorno médio da carteira de ações mantida pelo público investidor, pode-se avaliar o "prêmio pelo risco" que o sistema econômico oferece, subtraindo-se desta taxa a taxa de juros livre de riscos. Além disso, é pelas séries históricas dos índices de mercado que podemos chegar a quantificar o risco de cada ação presente no pregão e, por extensão, de cada empreendimento existente no sistema econômico.

As séries históricas dos índices de mercado não são apenas de interesse para os analistas da escola Técnica ou Grafista que estão principalmente envolvidos com o estudo e a antecipação da trajetória do mercado acionário como um todo. Essas séries são fundamentais para os analistas macroeconômicos, para os usuários dos modelos de precificação de títulos desenvolvidos pela escola Fundamentalista e, de uma forma geral, para os analistas financeiros que se dedicam ao diagnóstico e avaliação de investimentos. São dessas séries históricas que se extrai o desvio padrão das taxas médias de retorno do mercado que funciona como uma espécie de "régua de risco" para toda a economia, ou seja, como unidade de medida do risco total (relação entre o desvio padrão das taxas de retorno de um determinado investimento e o desvio padrão das taxas de retorno do market portfolio). Ao desmembrarmos o risco total em seus componentes sistemático e não sistemático, também as séries históricas dos índices de mercado serão úteis, pois essas taxas médias de retorno servirão como variáveis independentes nas regressões que são realizadas com as séries históricas dos retornos de investimentos ou ações individuais, a fim de se conhecer a correlação entre esses pares de retorno e se estimar o coeficiente "beta" que mede a volatilidade dos investimentos individuais (risco sistemático). De particular importância para o analista, é o desvio padrão apurado para as taxas médias de retorno do mercado acionário através do estudo das variações do índice de mercado. Afinal, esse desvio padrão dá uma clara idéia da variabilidade de retorno desta carteira de ações suficientemente diversificada e representativa da economia como um todo, porque ela inclui os mais importantes empreendimentos nos mais variados segmentos e setores da economia nacional. Na verdade, essa carteira é um verdadeiro "caldeirão" de riscos e o seu desvio padrão pode servir de unidade de medida para os riscos de investimentos individuais, porque o seu grau de diversificação nos garante a virtual anulação do risco não sistemático.

Para o mundo acadêmico, em particular, as Bolsas de Valores e os índices do mercado têm servido como campo de pesquisa, porque a transparência das transações fornecem preciosos dados e informações de forma abundante e precisa sobre os mais relevantes investimentos da economia nacional. É aqui que os pesquisadores encontram a base empírica e quantificada para apoiarem e testarem seus modelos. Assim ocorreu com os três autores clássicos da teoria financeira que, em 1990, repartiram o prêmio Nobel de Economia (Harry Markowitz, William Sharpe e Merton Miller) e, certamente, por muito tempo no futuro os novos pesquisadores virão buscar no mercado acionário a inspiração e a comprovação de suas teorias.

Mais recentemente, as médias do mercado de ações ganharam ainda relevo maior em função do desenvolvimento do "mercado futuro de índices" e dos fundos mútuos de ações ancorados a médias de mercado e que, portanto, rendem suas respectivas taxas de variação. A virtual interligação dos mercados acionários internacionais, viabilizada pelos modernos sistemas eletrônicos de computação e transmissão de dados (Mercado 24 Horas), ampliou ainda mais a importância dos tradicionais índices de mercado de cada país do Primeiro Mundo: em 19 de outubro de 1987, por exemplo, quando o índice Dow Jones Industrial despencou 508 pontos (-22,6%), esse declínio foi instantaneamente transmitido para outros índices de longínquos países. A interdependência dos países desenvolvidos ficou imediatamente comprovada pela instantaneidade com que se esparramou pelo mundo a "Segunda Feira Negra". A quantificação desse efeito somente pode ser atingida através dos vários índices de mercado de cada país envolvido.

A idéia do presente artigo surgiu em função da reduzida literatura nacional sobre o significado e os métodos de construção das médias do mercado de ações, sendo a intenção de seus autores contribuir para expandir o conhecimento e o debate sobre o assunto. De forma especial, dedicar-nos-emos à análise da série histórica das taxas de retorno mensais do mercado paulista de ações fornecidas pelas variações do índice da Bolsa de Valores de São Paulo - o Bovespa. Procuraremos discutir, também, a metodologia de construção desse índice, comparando-a com a de outros índices existentes nos principais mercados do Hemisfério Norte. O período abrangido pelo presente estudo é suficientemente longo (janeiro de 1968 a fevereiro de 1991) para incluir diferentes fases da recente trajetória da economia brasileira (milagre econômico, choques do petróleo, planos Cruzado, Verão, Brasil Novo, Collor II etc). É realmente interessante observar a forma pela qual a Bolsa de Valores tem reagido a essa série de pronunciados câmbios no ambiente econômico e, especialmente, ao fenômeno da hiperinflação persistente que caracteriza a economia brasileira nos últimos dez anos.

METODOLOGIAS ALTERNATIVAS

A maneira mais simples de se computar uma média consiste em se dividir a soma dos elementos da amostra pelo número de elementos que a integram. Suponhamos um mercado formado por quatro ações cujas cotações em determinado dia sejam A = Cr$56, B = Cr$80, C = Cr$120 e D = Cr$186. A cotação média desse grupo de ações seria então:

Onde: = cotação média

Ci= cotação das ações (A, B, C e D)

n = número de ações

Nesse caso, a cotação média representa o valor central da amostra e poderia ser encarada como representativa das cotações do dia, apesar de nenhuma das quatro ações consideradas ter obtido uma cotação de Cr$ 110,50. Mas, o objetivo principal das médias do mercado não é o de retratar o nível médio das cotações, mas, sim, o de avaliar a variação média das cotações de um momento para o outro. Suponhamos, então, que no dia seguinte a ação D tenha se elevado em 10% (de Cr$186 para Cr$ 204,60), mantendo-se as cotações das demais ações constantes. A nova cotação média seria de Cr$ 115,15 registrando-se uma elevação de, aproximadamente, 4,21% na cotação média. Se a mesma elevação de 10% tivesse ocorrido com a ação A, em vez da ação D, e mantendo-se as demais constantes, teríamos uma nova média de 111,90 (uma variação de, aproximadamente, 1,27%). Percebemos, portanto, que a variação da média de um dia para outro reflete a média ponderada das variações individuais servindo como peso a participação percentual da cotação da ação na somatória das cotações na data base (peso da ação A é de 12,67% e da ação D é 42,08%). Verifica-se, portanto, que, subjacente à metodologia da média aritmética simples, está a hipótese de uma carteira de ações cuja variação de valor global representa a média ponderada das variações individuais: para que o valor da carteira se expanda em 1%, é necessário que a ação A suba 1,97%; em contrapartida, a mesma elevação da média é alcançada com a subida de apenas 0,59% na ação D. Em outras palavras, essa metodologia equivale à montagem de uma carteira com uma ação de cada, o que quer dizer que quanto mais cara for a ação, maior será a sua influência na variação média.

Alternativamente, poderíamos calcular a média geométrica das cotações das quatro ações consideradas:

Observe-se que o resultado obtido é inferior àquele calculado pela média aritmética simples: esta é uma característica da média geométrica, cujo resultado tende a ser inferior ao da média aritmética na proporção do intervalo existente entre os valores dos elementos da amostra. Mas, como o objetivo principal é avaliar as variações médias das cotações, a média geométrica tem a vantagem de retirar a ponderação existente na média aritmética simples. Com efeito, aumentos de 10% em qualquer das quatro cotações consideradas (mantendo-se as demais constantes) produzirão o mesmo aumento na média, independentemente do nível das cotações das ações (a média passará de 100,00 para 102,41 em qualquer das hipóteses).

O Dow Jones Industrial Average (DJIA) segue a metodologia da média aritmética simples. Em 31 de julho de 1990, por exemplo, o peso da IBM na média de 30 ações era de 7,60%; as dez ações mais caras nessa data representavam 53,08% do valor total da carteira. E surpreendente constatar que o mais tradicional e usado índice de mercado em todo mundo apresente tal grau de concentração.

O índice DJIA, que está prestes a comemorar o seu primeiro centenário, foi publicado pela primeira vez em 26 de maio de 1896 e se constituía na média aritmética simples de doze ações escolhidas por Charles Dow. A partir de 7 de outubro de 1896, é iniciada a publicação diária de duas médias distintas: 1) DJIA; e 2) uma média específica para ações de ferrovias com uma amostra de vinte ações. A lista de doze ações componentes do DJIA foi expandida para vinte ações em 1916 e para trinta ações em 1928, sendo que uma nova média (utilities) começa a ser calculada na mesma metodologia a partir de janeiro de 1929.

A média simples de cotações é, na verdade, uma metodologia singela demais para se avaliar a rentabilidade média do mercado acionário e, talvez, nem o próprio Charles Dow poderia prever que aqueles seus cálculos feitos à mão tornar-se-iam a base do índice mais conhecido mundialmente no século XX e hoje responsável por grande parte dos câmbios de direção no fluxo de capital pelo mundo. De qualquer forma, entretanto, o índice DJIA não poderia ser computado indefinidamente pela soma de cotações dividida pelo número de ações componentes da amostra em virtude dos splits. É fácil compreender a necessidade de algum ajuste na média quando tais eventos ocorrem, se quisermos manter a continuidade do índice. Para entendermos esse ajuste, vamos imaginar um índice similar ao DJIA, calculado a partir de uma média de cotações de três ações. Suponhamos que, no início da série, os preços das três ações sejam de Cr$50, Cr$100 e Cr$150, respectivamente; a média das cotações na data base, assim, será Cr$100 (Cr$300 : 3). Imaginemos, agora, que no dia seguinte o mercado continue absolutamente estável, mas, a ação cotada por Cr$100 sofra um split de 2 para 1, ou seja, cada possuidor de uma ação recebe mais uma gratuitamente. A cotação dessa ação, após o split, será ajustada pelo mercado, definindo-se uma cotação de Cr$50, não representando nenhuma perda para os seus possuidores. Se a média for calculada após o split, teremos como resultado a média Cr$83,33 (Cr$250 : 3) e uma "queda" do mercado em 16,66%, apesar de sua estabilidade. Se o mesmo split ocorresse com a ação anteriormente cotada por Cr$150, a falsa queda ainda seria maior (-25%).

O resultado falacioso, entretanto, pode ser corrigido por um ajuste no divisor da fórmula. Se a ação anteriormente cotada por Cr$100 sofresse um split de 2 para 1, bastaria dividir o numerador da fórmula não por 3, como no dia anterior, mas, sim, por 2,5, restabelecendo-se a continuidade do índice, após a ocorrência do split. É curioso observar que se somarmos as cotações de hoje das trinta ações componentes do DJIA e dividirmos esse total por trinta não chegaremos ao índice de fato calculado e publicado: em virtude dos inúmeros splits e stock dividends ocorridos nos últimos anos, a soma das cotações terá que ser dividida por um número inferior à unidade (desde 27 de maio de 1986, o divisor do DJIA se tornou menor do que 1,0). Na verdade, não se trata mais de um divisor e, sim, de um multiplicador a ser aplicado à soma das cotações. O "divisor" do índice também tem que ser alterado a cada substituição de ações na carteira. Aliás, tais substituições são processadas a critério dos editores do Wall Street Journal (jornal do qual Charles Dow foi o primeiro editor). E curioso se observar que a ação da IBM somente entrou para a carteira do DJIA em junho de 1979, malgrado a sua posição de destaque no mercado norte-americano nas décadas de 60 e 70.

Na realidade, a IBM foi incluída no DJIA em maio de 1932, mas, em março de 1939, ela foi retirada da amostra para ceder o seu lugar para a American Telephone & Telegraph. Durante quarenta anos, a IBM deixou de fazer parte da carteira do DJIA, precisamente, no período em que ela se converteu na empresa de maior valor de mercado dos Estados Unidos.

É importante salientar que o DJIA não inclui os ganhos referentes a dividendos pagos pelas ações integrantes da carteira, o que o torna um índice exclusivamente de preços. Os índices mais modernos não apenas abrangem variações de preço e ganhos com dividendos, como também são ponderados pelo valor de mercado das empresas componentes. Além disso, esses índices têm critérios impessoais de inclusão e eliminação de ações em suas carteiras e estão baseados em amostras de centenas de ações. Em outras palavras, esses índices são mais adequados como indicadores do market portfolio. Esse é o caso, por exemplo, do The New York Stock Exchange Composite Index que inclui todas as ações listadas nessa Bolsa (cerca de 1600) e abrange 46 setores econômicos e vem sendo calculado diariamente desde 28 de maio de 1964. O Standard & Poor's Index (S&P 500) também é um índice de base ampla (500 ações listadas na NYSE), cuja composição se fundamenta na classificação setorial, tamanho da empresa, volume transacionado nos pregões e, naturalmente, no valor de mercado ou capitalização das companhias emitentes. O antigo índice da Standard & Poor's começou a ser publicado em 1923, incluindo 233 ações. A partir de 1957, esse índice passou a abranger 500 ações. Vale a pena ressaltar, também, que o S&P 500 é um dos doze índices componentes do Index of Leading Indicators, publicado pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Há nos Estados Unidos atualmente cerca de 45 índices de mercado acionário. Os mais conhecidos, além dos já citados, são o NASDAQ Composite Index (formado por cerca de 4.300 ações transacionais no mercado eletrônico de balcão norte-americano), o AMEX Mar¬ ket Valué Index (composto por cerca de 800 ações, certificados de ações estrangeiras e warrants listados na American Stock Exchange-AMEX) e o Value Line Composite Index (média geométrica de aproximadamente 1.700 ações negociadas na NYSE, AMEX e no mercado de balcão cobrindo cerca de 95% do valor de mercado de todas as empresas emissoras norte-americanas). A variedade de índices no mercado norte-americano é tal que um dos índices mais curiosos é o NYSE Beta Index que é calculado a partir de uma amostra de 100 ações listadas na NYSE, que apresentam os mais elevados índices "beta". Há, também, o Wilshire 5000 Equity Index, cuja base em 31 de dezembro de 1980 foi fixada em 1.404,596 por ser este o valor de mercado (em US$ bilhões) das 5.000 empresas componentes de sua carteira naquela data.

Fora dos Estados Unidos, os índices mais conhecidos são o Financial Times 30 Index (média geométrica de preços de trinta ações líderes do mercado londrino), o Nikkei Stock Average (de metodologia idêntica ao DJIA, baseando-se num conjunto de 225 ações líderes do mercado japonês) e o Compagnie des Agents de Change - CAC-240 - (principal índice da França que é baseado em 240 ações de maior capitalização listadas na Bourse de Paris e é ponderado pelos respectivos valores de mercado). Um aprimorado levantamento das metodologias de mais de 200 índices do mercado financeiro em 25 países pode ser encontrado no manual de Howard M. Berlín2 2 . BERLIN, Howard M. The Handbook of Financial Market Indexes, Averages, and Indicators. Homewood, III., Dow Jones-Irwin, 1990. e maiores detalhes sobre a história e a metodologia do Dow Jones Industrial Index podem ser obtidos no manual editado por Phyllis Pierce3 3 . PIERCE, Phyllis (org.). The Dow Jones Investor's Handbook. Homewood, III., Dow Jones-Irwin, 1987. .

Os fatores tradição e credibilidade parecem ser determinantes na representatividade dos índices de mercado. Apesar de se constituir num alvo fácil para a artilharia do mundo acadêmico, a frágil metodologia do DJIA parece não abalar o seu grau de representatividade. Num estudo de taxas mensais de retorno de 1973 a 1983, citado por Jack Clark Francis4 4 . FRANCIS, Jack Clark. Investments: Analysis and Management. 4ª edição. New York, N. Y, McGraw-Hill Book Company, 1986, p.182. , o DJIA revelou um coeficiente de correlação de 0,963 com o S&P 500 e 0,949 com o índice da NYSE. O coeficiente de correlação com o Center for Research on Securities Prices Index, o mais reputado índice na comunidade acadêmica, surpreendentemente atingiu 0,934, apesar das profundas diferenças metodológicas entre o CRSP e o DJIA (o índice CRSP abrange todas as ações listadas na NYSE e cada uma tem igual peso na carteira). Esses resultados estão a indicar que o DJIA efetivamente comanda o mercado, em vez de apenas refletir suas variações. Uma queda nessa "cesta" de trinta ações (concentradas, na verdade, em torno de apenas dez ações) parece ter o poder de provocar uma queda praticamente proporcional em todas as dezenas de milhares de ações que integram o mercado norte-americano e, também, em milhares de ações negociadas em outras Bolsas do mundo.

O ÍNDICE BOVESPA

O índice Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) é uma carteira de ações mais negociadas no mercado à vista da Bolsa paulista. A sua base está situada no dia 2 de janeiro de 1968 quando o valor dessa carteira foi igualado a 100,00. Nestes últimos 23 anos, em várias oportunidades, procedeu-se à divisão do índice por dez, a fim de se reduzir o número de dígitos que o compõe, pois as altas taxas de inflação registradas nesse período causaram um inchaço no valor do índice e, como o principal objetivo é a avaliação da variação do valor da carteira, seria inútil a manutenção de mais do que três ou quatro dígitos antes da vírgula.

O critério de inclusão de ações nessa carteira, teórica é extremamente simples e razoavelmente objetivo se considerarmos as características próprias do nosso mercado acionário (predominância de ações preferenciais, poucas ações participantes do pregão em termos regulares e diferentes graus de liquidez entre as ações): entram para a carteira as ações que, nos últimos dozes meses, apresentaram os maiores índices de negociabilidade (participação percentual de uma ação no total negociado pela Bolsa de Valores de São Paulo em cruzeiros). O peso de cada ação na carteira é diretamente proporcional à sua negociabilidade. De quatro em quatro meses, são apurados os índices de negociabilidade de cada ação listada na Bolsa paulista, selecionando-se para a carteira do índice aquelas que representarem uma negociabilidade acumulada mínima de 80%. Assim, o número de ações da carteira é variável e depende essencialmente do grau de concentração do mercado. A primeira carteira teórica do índice Bovespa incluía dezoito ações; um ano mais tarde, a carteira se ampliou para trinta ações e, em 1970, esse número atingia 45. Atualmente, a quantidade de ações tem flutuado em torno de 70/100 ações.

Os freqüentes splits e bonificações gerados pelas ações componentes da carteira do índice são absorvidos através de ampliações das quantidades teóricas das respectivas ações, compensando, dessa forma, as quedas nominais das cotações das ações "ex-bonificações". O pagamento de dividendos e/ou a distribuição de direitos à subscrição são incorporados à carteira, também, pela ampliação das quantidades teóricas das respectivas ações geradoras desses rendimentos. Dessa forma, o índice Bovespa é um índice de "retorno total" e não apenas de variação de preços das ações porque sua metodologia prevê a reaplicação de todos os ganhos realmente auferidos pelos investidores no mercado, além das variações dos preços das ações.

Muito se tem criticado o índice Bovespa, em virtude do alto grau de concentração de sua carteira, onde, geralmente, oito ou dez ações representam 50% do valor da carteira. Apesar de justo o argumento, é preciso lembrar que a "culpa" não é da metodologia de construção do índice e que ela somente está a refletir uma realidade de nosso mercado acionário. Por outro lado, a concentração em torno de ações líderes das Bolsas é um fenômeno presente na maioria dos índices mais tradicionais e respeitados do mercado mundial. Cremos que essa crítica ao índice Bovespa somente seria válida se o índice fosse concentrado e o mercado fosse desconcentrado. Infelizmente, esta não é a realidade.

Nas próximas seções deste artigo, teremos a oportunidade de conhecer mais de perto o comportamento do índice Bovespa ao longo do tempo. A análise desta longa série histórica do retorno médio do mercado de ações paulista poderá nos ajudar a descobrir se o investimento em ações tem sido um jogo justo, ou seja, se os retornos têm compensado o risco envolvido nessas aplicações.

OBJETO DE ANÁLISE E DADOS UTILIZADOS

A série analisada do índice Bovespa compreende o período iniciado com a construção do índice, isto é, desde janeiro de 1968 até fevereiro de 1991.

Além disso, para tornar a análise mais relevante, foram efetuados dois ajustes à série. Em primeiro lugar, em vez de trabalharmos com o valor da carteira Ibovespa, utilizamos as variações relativas mensais do valor dessa carteira, ou seja, as suas lucratividades. Em segundo lugar, já que o investidor racional não deve ter "ilusão monetária", e está na verdade interessado na lucratividade real, a série foi deflacionada por um índice de preços. Nesse caso, o deflator empregado foi o índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas.

Conseqüentemente, a série descrita e analisada a seguir é:

Onde: t = final do mês t. (t=fev/68 a fev/91) IBVSPt = valor deflacionado da carteira Ibovespa no mês t

Portanto, a variável Rt , neste trabalho, é a lucratividade mensal real da carteira Ibovespa, sendo freqüentemente referida pela expressão "taxa real de retorno".

Para fins de cálculo, foi sempre utilizado o valor do Ibovespa no fechamento do último pregão de cada mês do período, conforme a publicação Informe Técnico da Bolsa de Valores de São Paulo.

VISÃO GERAL DO COMPORTAMENTO DA SÉRIE DE Rt

As figuras 1, 2 e 3 nos permitem visualizar, de uma maneira ampla, o comportamento do índice e da variável Rt ao longo de todo o período.




A figura 1 (valor deflacionado do Ibovespa) destaca claramente:

a) três picos nítidos: o célebre boom de 1971, a "euforia" com o Plano Cruzado, no início de 1986, e a alta registrada em março de 1988;

b) um longo período no qual o mercado, com seu desempenho representado pelo índice, andou virtualmente "de lado", entre meados de 1972 e o início de 1985.

Os dados numéricos que serviram de base para a figura 1 mostram que, do início até o final do período do estudo (ou seja, "de ponta a ponta"), envolvendo um lapso de 23 anos, o valor real do Ibovespa sofreu uma elevação de 141,8984%.

A figura 2 (série de taxas reais de retorno) parece destacar dois aspectos:

a) a média da série é aproximadamente constante e próxima de zero;

b) pelo menos visualmente, há um aumento da variância a partir do início de 1985, coincidindo com o período da "Nova República .

Já a figura 3 (distribuição tri-dimensional de freqüências) mostra realmente que, enquanto a grande maioria das observações ficou situada na faixa central (entre -30% e +30%), a freqüência de valores extremos, ou seja, fora dessa faixa central, tendeu a aumentar no último subperíodo da série, que vai do início de junho de 1986 a fevereiro de 1991.

COMPORTAMENTO DA SÉRIE HISTÓRICA DA TAXA REAL DE RETORNO EM DOIS SUBPERÍODOS: ANTES DA "NOVA REPÚBLICA" E A PARTIR DO INÍCIO DE 1985

Para que o conhecimento a respeito da variável tenha alguma utilidade para o investidor, bem como descreva melhor o que tem ocorrido em nosso mercado, apresentamos, em primeiro lugar, os parâmetros calculados para a série amostral de Rt (ver tabela 1).

Os resultados da tabela 1 apresentados indicam que:

a) a média dos retornos mensais reais é positiva (2,0029%);

b) a mediana da amostra é inferior à média, o que parece revelar um certo grau de assimetria à direita, com maior freqüência de taxas de retorno abaixo da média;

A observação feita anteriormente, a respeito das figuras 2 e 3, pode levar à suspeita de que houve uma "mudança fundamental" no comportamento do mercado, a partir do início de 1985, particularmente sob a forma de maior variabilidade de retornos, por sua vez causada por aumento do nível de incerteza no mercado. Entretanto, é melhor avaliar a significância estatística dessa possível inferência do que simplesmente julgar "a olho".

Para esse fim, portanto, a série foi dividida em duas partes: de fevereiro de 1968 até fevereiro de 1985, inclusive ("antes"), e de março de 1985 até fevereiro de 1991 ("depois"). A partir daí, foram feitos alguns testes envolvendo possíveis diferenças de comportamento entre os dois subperíodos. Os dados para esses testes são apresentados na tabela 2.

Os resultados apresentados na tabela 2 mostram o seguinte:

a) de fato, como se observa visualmente nas figuras 2 e 3, houve um aumento de variabilidade de taxas de retorno: o desvio-padrão, "depois" do início da "Nova República", um período que inclui diversos planos com fortes intervenções nos mercados financeiro e de capitais, é mais de duas vezes superior ao que se observava "antes". Para verificar a significância dessa mudança, foi aplicado o teste F ao quociente entre as variâncias, conforme Kazmicr5 5 . KAZMIER, L.J. Basic Statistics for Business and Economics. New York, N.Y., McGraw-Hill Book Company, 1979, p.138. . O resultado indica que deve ser rejeitada a hipótese nula de igualdade de variâncias, em favor da alternativa de aumento da variância: com 71 e 204 graus de liberdade, F calculado é igual a 5,8763, contra F crítico de 1,33 a 5% de significância.

b) correspondendo a um aumento de variabilidade, como é normal cm qualquer tipo de mercado de ativos financeiros, e de acordo com a noção de que o maior risco deve corresponder maior recompensa em termos de retorno, a média de Rt também se elevou. Contudo, o teste de diferença de médias mostra que essa elevação não foi significante: o nível de significância do teste divulgado na parte inferior da tabela é de 21,9414%. Assim, a hipótese nula de igualdade de médias, contra a hipótese alternativa de média anterior abaixo da média posterior não pode ser rejeitada.

Tomando-se, pois, a carteira diversificada do índice Bovespa como uma oportunidade admissível de investimento, esses resultados poderiam indicar que os investidores teriam sofrido perdas de bem estar: com risco maior, estariam ainda obtendo o mesmo retorno médio.

Contudo, a carteira diversificada poderia ainda continuar a ser objeto de demanda, graças à sua contribuição ao risco e ao retorno esperado de outras carteiras mais amplas, ou "macrocarteiras", na expressão de Brito & Brito6 6 . BRITO, Ney R.O. & BRITO, C.T. de. "Macro-carteiras de Investimento: relação e composição". In: BRITO, Ney R.O. de (org.). Gestão de Investimentos. São Paulo, Editora Atlas. 1989. pp.105-22. . Além disso, é importante lembrar que, no subperíodo de maior variância, novos mercados organizados foram criados, permitindo ao investidor cobrir riscos de carteiras de ações, particularmente o contrato futuro de índice da Bolsa Mercantil e de Futuros, surgido no primeiro semestre de 1986.

Brito & Brito, em suas conclusões, também chamam a atenção para o fato de que o Plano Cruzado (e o mesmo ocorreu em outros planos), sendo uma tentativa de eliminar a correção monetária, teria quebrado o vínculo e as conseqüentes oportunidades de arbitragem entre caderneta de poupança, overnight e certificados de depósito bancário. Por sua vez, isso teria tendido a aumentar a importância do segmento "ações" em macrocarteiras.

Portanto, a elevação de variância desacompanhada de aumento de média de retornos só pode ter feito com que esses novos mercados de derivative securities se tornassem ainda mais importantes para a manutenção do nível de bem estar dos investidores.

NORMALIDADE DA DISTRIBUIÇÃO AMOSTRAL DE Rt

Um dos aspectos mais importantes do comportamento de taxas de retorno no mercado de ações diz respeito ao tipo de distribuição de probabilidade da qual as taxas observadas poderiam ter vindo. E sabido7 7 . Ver FAMA, E. F. & MILLER, M. H. Theory of Finance. New York. N. Y., Holt. Reinehart & Winston, 1972 pp. 259-60. que, quando as taxas de retorno possuem distribuição normal, os benefícios da formação de carteiras diversificadas podem ser obtidos mais rapidamente, isto é, com o menor número possível de ativos, comparativamente a outras distribuições. Além disso, do ponto de vista de modelos de formação de preços (como o capital asset pricing model), a normalidade de taxas de retorno é importante porque, como hipótese, se costuma supor que os investidores se preocupam com apenas dois parâmetros da distribuição de retornos. Se essa distribuição fosse normal, essa hipótese seria adequada, já que a distribuição normal pode ser descrita por apenas dois parâmetros: média e variância.

Na realidade, dois fenômenos podem afastar a distribuição amostral de retornos do ideal de distribuição normal: a existência de assimetria (freqüência de retornos mais concentrada num dos lados da média do que no outro), e um grau de curtose superior ao existente na distribuição normal (maior freqüência do que o esperado nas caudas da distribuição, ou ainda, maior freqüência de "valores extremos").

No caso da distribuição amostral de Rt, já foi visto, na tabela 1, que a mediana é inferior à média do período fev/68 a fev/91, o que é um indício de assimetria. Além disso, o aumento de variabilidade com a "Nova República", particularmente causado pelos momentos de introdução dos chamados "planos de estabilização" (Cruzado, Bresser, Verão e Collor I e II), sabidamente gerou alguns retornos extremos que podem, no final das contas, levar à rejeição da hipótese de normalidade da distribuição de Rt.

Essa hipótese foi aferida com a aplicação de dois testes: Kolmogorov-Smirnov e Qui-quadrado8 8 . Ver, para uma descrição desses testes, PFAFFEN-BERGER, Roger C. & PATTERSON. James H. Statistical Methods for Business and Economics. Homewood, III., 1987, pp. 1025-32; 994-6 .

Como já foi verificado, segundo os resultados da tabela 2, as séries "antes" e "depois" não podem ter vindo de uma mesma distribuição de probabilidades. Dessa forma, esses testes de normalidade foram aplicados a cada um dos subperíodos. Os resultados obtidos estão demonstrados na tabela 3.

Os resultados obtidos estão a indicar que em nenhum dos casos a hipótese de normalidade de Rt pode ser rejeitada, ao nível de 5% de significância. Além disso, tal hipótese até parece mais robusta no período mais recente. Paradoxalmente, a hipótese de normalidade se fortalece num mercado que, à primeira vista, poderia ser considerado normal.

NORMALIDADE DA DISTRIBUIÇÃO DOS LOGARITMOS NATURAIS DE (1 + Rt)

Também é sabido que, dadas as características dos ativos financeiros, que jamais podem ter valor ou preço negativo, a distribuição log-normal é mais apropriada, pois ela possui o valor zero como seu limite inferior. Assim sendo, como o máximo que pode ser perdido pelo investidor é 100%, não pode haver probabilidade de retornos negativos inferiores a essa taxa: portanto, a distribuição de retornos Rt não pode realmente ser normal.

Além disso, conforme é apontado por Lee, Finnerty e Wort9 9 . LEE, Cheng F.; FINNERTY, Joseph E. & WORT, Donald H. Security Analysis and Portfolio Management. Glenview, III., Scott, Foresman/Little, Brown Higher Education, 1990, pp. 8-9 e 40-2. :

a) a distribuição log-normal não é simétrica;

b) logo, se houver assimetria a distribuição log-normal será mais apropriada como descrição da distribuição de retornos.

Em vista dessas observações, transformamos a série Rt em rt :

Note-se que rt corresponde a uma taxa de retorno de "capitalização contínua", exatamente como as utilizadas nos modelos de avaliação de opções10 10 . HULL, J. Options, Futures and Other Derivative Securities. Englewoods Cliffs, N.J., Prentice Hall, 1989. . Nesse caso, é a taxa mensal contínua (rt) equivalente à taxa mensal capitalizada uma única vez por mês (Rt).

Como também é verdade que, se uma variável tem distribuição log-normal, a sua transformação pelo operador logaritmo natural passa a ter distribuição normal, pareceu-nos lógico que o passo seguinte seria testar a normalidade de rt .

Foram aplicados os mesmos testes de hipótese do item anterior às séries de rt dos dois subperíodos, encontrando-se resultados análogos aos anteriores, ou seja, a não rejeição da hipótese de normalidade. O nível de significância mais baixo obtido foi de 0,169439 no teste Qui-quadrado para o primeiro subperíodo.

CONCLUSÕES

A título de comparação com a experiência brasileira, podemos citar as tentativas das autoridades norte-americanas e seus efeitos sobre o mercado de ações, com especial destaque para o final da década de 1970, quando a economia dos Estados Unidos apresentou o fenômeno de double-digit inflation.

Conforme o próprio relatório do Presidente Cárter ao Congresso11 11 . ECONOMIC Report of the President, Transmitted to the Congress, January 1980. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1980. em relação ao ano de 1979, em sua página 51: "O principal objetivo da política monetária em 1979 foi ajudar a conter a aceleração da inflação limitando o crescimento da oferta de moeda e crédito. Num ambiente de demanda de moeda e crédito em rápido crescimento, a implantação dessa política exigiu uma elevação pronunciada de taxas de juros".

Mais adiante, às páginas 54 e 55 do mesmo relatório, o Conselho de Assessores Econômicos do Presidente Cárter notava que em 6 de outubro de 1979 o FED tinha anunciado "uma mudança significativa de sua técnica para implantar a política monetária".

Até então, havia se procurado controlar a expansão dos agregados monetários com a adoção de uma meta para a taxa de federal funds; o novo enfoque consistia em usar as operações de mercado aberto para fornecer o volume de reservas bancárias compatível com as taxas desejadas de crescimento da oferta da moeda. Adiante, nota-se o seguinte: "As taxas de juros elevaram-se a níveis recorde nas primeiras semanas que se seguiram a 6 de outubro, mas caíram até o final de novembro".

Pode ser acrescentado que, ao mesmo tempo, os principais índices do mercado de ações sofreram as seguintes variações (do final de setembro ao final de outubro de 1979): o índice Dow Jones caiu 4,34%, enquanto o índice Standard and Poor's 500 sofreu uma baixa de 3,80%.

Dadas as constatações de diversos autores de que há uma correlação negativa entre retornos em ações e inflação, ao contrário do que se acreditou por muito tempo (isto é, que ações seriam um bom hedge contra a inflação), alguns estudiosos procuraram explicar tal tipo de constatação com a construção de modelos que ligassem retornos de ações, inflação e política monetária como instrumento de estabilização. Por exemplo, Kaul12 12 . KAUL, G. "Stock Returns and Inflation: the role of the monetary sector". Journal of Financial Economics, 18, 1987, pp.253-76. mostra que a relação entre retornos de ações e inflação depende da natureza da política monetária: isto é, precisamos saber se a oferta de moeda pelas autoridades monetárias é procíclica ou anticíclica, em relação a choques de atividade real.

Isso quer dizer que, por exemplo, quando a política monetária é usada para combater a inflação através de restrições à oferta de moeda ("enxugamento") para esfriar a demanda agregada, ela seria anticíclica. Segundo Kaul, o comportamento do mercado de ações, nesse caso, seria o de sinalizar (ou antecipar) esse tipo de política, com as elevações esperadas das taxas de juros, e daí a correlação negativa observada entre retornos de ações e inflação. Para o mesmo autor, ainda, quando a política monetária é pró-clítica, como na década de 1930, tende-se a observar correlação positiva.

No Brasil, o que se tem notado, a cada tentativa de estabilização da economia, é que há enormes saltos da oferta de moeda, as taxas de juros caem, e surgem pressões de demanda (a experiência do Plano Cruzado talvez seja a mais clara nesse sentido). Além disso, vale a observação de Brito & Brito, já mencionada, a respeito da quebra da vinculação entre segmentos de mercado de renda fixa, e a maior demanda por ações. Pelos resultados dessas tentativas, poder-se-ia julgar que a correlação entre retornos de ações e inflação é negativa: a cada plano, visando forçar uma queda dos preços, nota-se uma alta significativa das cotações no mercado acionário. Entretanto, não está claro que a política monetária seja realmente anticíclica, já que a oferta de moeda e as taxas de juros são alteradas muito ao contrário do que seria feito numa política dessa natureza.

Portanto, é mais razoável concluir que o efeito mais forte de cada programa de estabilização está ligado às vinculações entre os segmentos dos mercados financeiro e de capitais, como apontado por Brito & Brito.

Dizíamos na abertura deste artigo que o desvio padrão das taxas de retorno da carteira de ações do índice Bovespa representa um padrão de risco para a economia como um todo: é contra essa "régua de riscos" que as incertezas que cercam todas as oportunidades de investimento presentes no sistema econômico devem ser contrastadas. Se aceitamos essa carteira que inclui as principais empresas do país e onde estão representados seus principais setores de atividade como um proxy de toda a atividade econômica nacional, podemos afirmar que os planos de estabilização acabaram por ampliar a instabilidade e os riscos que predominam na decisão e administração dos investimentos brasileiros. O estudo descrito nas seções anteriores deixa claro o aumento do desvio padrão do índice Bovespa sem, aparentemente, compensá-lo com uma proporcional elevação da esperança de retorno do mercado paulista de ações.

Tal constatação não nos deve surpreender. Afinal, nos últimos seis anos, temos teimosamente adotado estratégia de combate à inflação que tenta atacar os efeitos desse processo - os aumentos de preço - desprezando suas causas: o aumento do meio circulante muito acima da expansão real da produção nacional. Nesse período, a inflação brasileira mudou de patamar, indiferente aos choques, congelamentos, tabelas, tablitas, bloqueio de poupanças, decretos e medidas provisórias. O efeito final desta série de artificialismos foi o aumento da inflação, maior instabilidade e ampliação da incerteza. As conseqüências sobre o nível do investimento real são óbvias. Pior do que tudo, a hiperinflação brasileira, coincidindo com a estagnação da economia, tem retirado dos agentes econômicos a noção de longo prazo, encurtando dramaticamente seus horizontes temporais. Maior propensão à especulação, estancamento dos programas de investimento real e fuga de capitais do setor produtivo constituem reações de defesa ao aumento da incerteza, redução de oportunidades de investimentos produtivos e perda da noção de longo prazo.

A esperança é que, finalmente, tenhamos aprendido com essas custosas experiências. Afinal, de Hamurabi a Sarney, há uma volumosa evidência histórica acumulada de que a economia não obedece ao artificialismo e aos caprichos do governante.

  • 1. KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, S.P., Editora Atlas, 1982, pp.125-6.
  • 2. BERLIN, Howard M. The Handbook of Financial Market Indexes, Averages, and Indicators. Homewood, III., Dow Jones-Irwin, 1990.
  • 3. PIERCE, Phyllis (org.). The Dow Jones Investor's Handbook. Homewood, III., Dow Jones-Irwin, 1987.
  • 4. FRANCIS, Jack Clark. Investments: Analysis and Management. 4Ş edição. New York, N. Y, McGraw-Hill Book Company, 1986, p.182.
  • 5. KAZMIER, L.J. Basic Statistics for Business and Economics. New York, N.Y., McGraw-Hill Book Company, 1979, p.138.
  • 8. Ver, para uma descrição desses testes, PFAFFEN-BERGER, Roger C. & PATTERSON. James H. Statistical Methods for Business and Economics. Homewood, III., 1987, pp. 1025-32; 994-6
  • 9. LEE, Cheng F.; FINNERTY, Joseph E. & WORT, Donald H. Security Analysis and Portfolio Management. Glenview, III., Scott, Foresman/Little, Brown Higher Education, 1990, pp. 8-9 e 40-2.
  • 10. HULL, J. Options, Futures and Other Derivative Securities. Englewoods Cliffs, N.J., Prentice Hall, 1989.
  • 11. ECONOMIC Report of the President, Transmitted to the Congress, January 1980. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1980.
  • 12. KAUL, G. "Stock Returns and Inflation: the role of the monetary sector". Journal of Financial Economics, 18, 1987, pp.253-76.
  • *
    Os autores desejam expressar um agradecimento especial ao Conselho Editorial da Revista de Administração de Empresas, cujas oportunas sugestões enriqueceram sobre-maneira o presente artigo.
  • 1
    . KEYNES, John Maynard.
    A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, S.P., Editora Atlas, 1982, pp.125-6.
  • 2
    . BERLIN, Howard M.
    The Handbook of Financial Market Indexes, Averages, and Indicators. Homewood, III., Dow Jones-Irwin, 1990.
  • 3
    . PIERCE, Phyllis (org.).
    The Dow Jones Investor's Handbook. Homewood, III., Dow Jones-Irwin, 1987.
  • 4
    . FRANCIS, Jack Clark.
    Investments: Analysis and Management. 4ª edição. New York, N. Y, McGraw-Hill Book Company, 1986, p.182.
  • 5
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    Basic Statistics for Business and Economics. New York, N.Y., McGraw-Hill Book Company, 1979, p.138.
  • 6
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  • 7
    . Ver FAMA, E. F. & MILLER, M. H.
    Theory of Finance. New York. N. Y., Holt. Reinehart & Winston, 1972 pp. 259-60.
  • 8
    . Ver, para uma descrição desses testes, PFAFFEN-BERGER, Roger C. & PATTERSON. James H.
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  • 9
    . LEE, Cheng F.; FINNERTY, Joseph E. & WORT, Donald H.
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  • 10
    . HULL, J.
    Options, Futures and Other Derivative Securities. Englewoods Cliffs, N.J., Prentice Hall, 1989.
  • 11
    . ECONOMIC Report of the President, Transmitted to the Congress, January 1980. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1980.
  • 12
    . KAUL, G. "Stock Returns and Inflation: the role of the monetary sector".
    Journal of Financial Economics, 18, 1987, pp.253-76.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1991
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