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O treinamento de administradores em técnicas de antecipação

ARTIGOS

O treinamento de administradores em técnicas de antecipação

Henrique Rattner

Professor do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

O sistema econômico contemporâneo atravessa um período de crises, caracterizado por mudanças profundas na organização da produção e por freqüentes inovações de processos e produtos, com amplos efeitos sobre o nível de emprego, a distribuição da renda e, portanto, as possibilidades de expansão das próprias empresas.

Conhecer e compreender as tendências e sua dinâmica constitui um primeiro passo para uma antecipação, ainda que em termos probabilísticos, das possíveis alternativas de ação empresarial e administrativa, seja ao nível da empresa privada, seja ao da administração pública.

Convém assinalar, contudo, que antecipação não é sinônimo de predição, a qual requer um grau de certeza dificilmente alcançado na prática administrativa.

É compreensível o anseio dos policy or decision makers no governo, na indústria e em outras instituições, por uma antevisão quanto mais precisa e fidedigna do meio ambiente futuro, ao qual deverão ajustar seus planos e projetos.

Contudo, as premissas e as hipóteses sobre as quais são construídas as antecipações no futuro carecem freqüentemente do rigor e do suporte teórico-metodológico necessários para o bom êxito dos exercícios de previsão. Um dos problemas fundamentais parece residir na reificação da inovação tecnológica, como se fosse um processo autônomo, obedecendo às suas próprias leis e dinâmica, independentemente da evolução e interação do meio socioeconômico e cultural.

A partir dessa premissa, infere-se que a tecnologia teria condições de desenvolvimento espontâneo para responder às necessidades da sociedade, às oportunidades criadas em função dos recursos nela existentes ou, em outras palavras, identificando-se essas condições e recursos, seria possível prever o progresso técnico, como resposta às necessidades societárias.

Subjacente à premissa anterior, está outra que postula a antecipação bem sucedida de uma nova tecnologia a partir da compreensão e análise dos processos de evolução e inovação tecnológicas, geralmente de longa duração, à condição de que esses processos sejam suscetíveis de identificação antecipada e de seguimento de perto, mediante observações sistemáticas.

Como corolário, postula-se a consistência, regularidade ou um determinado padrão de mudança tecnológica, que serviria como base para a extrapolação de tendências, na qual os desvios ou irregularidades são de pouca relevância e facilmente superáveis.

As críticas mais freqüentemente formuladas alegam que:

1. As técnicas de antecipação inserem uma visão determinista da história; como se o ser humano fosse o objeto passivo da evolução técnica e social. Esta posição é expressa nitidamente em Schelsky (1965), segundo o qual o progresso técnico precipita e impõe inovações à sociedade para as quais esta deve encontrar aplicações adequadas posteriormente.

A premissa alternativa é a da evolução como processo aberto, em que os homens fazem sua própria história, embora em condições que impõem limites.

2. A tecnologia é apontada, geralmente, como variável independente ou fator determinante da evolução social. Bastaria, portanto, dominar ou controlar essa variável, para assumir a hegemonia do processo de desenvolvimento da humanidade. A premissa alternativa encara o progresso técnico como uma variável dependente das condições mais ou menos competitivas da economia capitalista.

3. Os arautos da inovação técnica - considerada fator de progresso - ignoram, via de regra, as situações de conflito existentes entre (e dentro de) as sociedades contemporâneas, em conseqüência das quais ciência e tecnologia são freqüentemente utilizadas como instrumentos de mistificação e de dominação. Baseando suas projeções ou antecipações numa visão sistêmico-funcionalista da sociedade, os futurólogos prevêem uma evolução harmoniosa que seria assegurada pelas leis (por analogia) da natureza.

Em oposição, postula-se o princípio da contradição e de conflito na evolução da sociedade humana, caracterizada por grupos ou camadas antagônicas, cuja luta pode resultar alternadamente, como de fato resultou em diferentes épocas históricas, em progresso, estagnação ou retrocesso.

4. A futurologia oficial assume os objetivos ou metas do progresso técnico como dados inquestionáveis, por serem derivados das leis da evolução natural. A realidade sociopolítica todavia, é complexa e contraditória, e mesmo os objetivos e planos puramente técnicos refletem valores e interesses de grupos particularistas.

5. As previsões e exercícios de antecipação se baseiam excessivamente em dados e manipulações estatístico-quantitativos, os quais seriam neutros e objetivos. Contudo, mais uma vez, diríamos que não existem propriamente dados, mas apenas tomados, ou, em outras palavras, os conceitos, as teorias e as técnicas pelos quais procuramos obter informações sobre os homens e sua vida social, política, econômica e cultural são carregados de valores subjetivos e ideológicos.

6. Finalmente, as técnicas de extrapolação e de modelos matemáticos pressupõem a famosa cláusula ceteris paribus, ou seja, uma consistência temporal e qualitativa imutável do contexto. Uma análise mesmo superficial dos principais acontecimentos atuais e das últimas décadas mostra a fragilidade dessa premissa e sua incapacidade para levar a antecipações socioeconômicas e, mesmo tecnológicas, mais fidedignas e acuradas.

Entretanto, se tomarmos em devida consideração a natureza probabilística e até arbitrária do futuro, especialmente em períodos de mudança social acelerada, nos quais as regras e normas de conduta e mudança não são claramente estabelecidas, compreende-se também que a sofisticação excessiva de técnicas quantitativas pode causar mais danos, criando a ilusão de exatidão e certeza, dificilmente alcançáveis. Estudos de antecipação, quando bem conduzidos, mais do que reduzir a incerteza, levarão eventualmente à estruturação da mesma, em termos objetivos.

Uma visão simplista do papel da antecipação na administração privada e pública apontaria a sua contribuição à tomada de decisão, prevendo as conseqüências prováveis das principais alternativas de ação. Entretanto, a variedade de contribuição dos estudos antecipatórios e sua relevância para a administração dependem:

a) das áreas em que são exercidas (por exemplo, tecnologia, economia, demografia etc);

b) dos objetivos com que são elaborados (por exemplo, treinamento em administração, mercadologia, viabilidade política de certas diretrizes e programas etc);

c) das dimensões temporais para as quais são formuladas (curto, médio e longo prazo);

d) do contexto sociopolítico em que são elaborados, variando de acordo com o grau de desenvolvimento e de estabilidade institucional de cada nação.

Com todas essas restrições, é mister aceitarmos a importância dos estudos do futuro para a administração, porque quase todas as decisões organizacionais são influenciadas por representações e imagens a respeito do futuro. As expectativas relacionadas com a evolução do meio ambiente sociopolítico têm ampla influência na formulação e aplicação de estratégias e diretrizes do desenvolvimento organizacional.

Se as ações dos administradores forem pautadas pelo pressuposto de que nada pode ser previsto ou conhecido a respeito do futuro, não teremos outra saída senão a improvisação casuística.

A admissão da possibilidade de prever e antever o futuro sob forma de incerteza estruturada, contudo, nos levará a um planejamento flexível, combinado com uma avaliação sistemática dos resultados alcançados. São esses procedimentos, de revisão e reformulação dos objetivos e técnicas dos planos, que tornam as antecipações indispensáveis para o administrador moderno. Em vez de se basear em imagens subjetivas e improvisações, os estudos de antecipação obrigam os administradores a explicitar as premissas de suas decisões, e, eventualmente, reexaminá-las com os melhores instrumentos e técnicas disponíveis.

É neste sentido que os estudos do futuro podem prestar uma contribuição significativa à administração, proporcionando as informações básicas e estimulando novas conclusões, como insumos para a tomada de decisão. Assim, as técnicas de avaliação e antecipação tecnológica e social, ao substituírem os critérios de certeza subjetiva por aqueles de incerteza objetiva, devem ser concebidas como instrumentos de análise e de apoio à tomada de decisão, visando reduzir a margem de erro e de incerteza quanto ao futuro.

Neste trabalho, não pretendemos apresentar uma relação completa de todas as técnicas de antecipação, tampouco de todas as possibilidades de sua aplicação nos problemas de inovação e mudança tecnológica e social. Nosso objetivo precípuo é introduzir, mediante análises, discussões e exercícios, a preocupação sistemática com o futuro, à teoria e pratica da administração pública e de negócios.

2. PREMISSAS, VALORES E PROBLEMAS

É possível prever a história futura?

Nenhuma predição sobre os acontecimentos futuros pode pretender a precisão e, portanto, a certeza sobre a evolução do fenômeno analisado. Essa afirmação peremptória deve-se ao fracasso de predições passadas, que não se sustentaram à luz dos fatos históricos (por exemplo, predições sobre o crescimento da população e do PNB, no Brasil e nos EUA etc). Acredita-se que a incerteza e, portanto, os erros de predição diminuirão gradualmente à medida que as técnicas de antecipação se tornarem mais sofisticadas e os dados sobre a situação corrente mais fidedignos.

Mas, postulando que o nosso conhecimento do mundo é, e sempre será, imperfeito e que qualquer representação científica sói ser sempre uma simplificação de tal conhecimento imperfeito, o objetivo de predizer com exatidão ultrapassa a capacidade intelectual do homem.

Nas ciências naturais, o pensamento probabilístico substitui o determinismo simplista, tendo em conta a intervenção de fatores aleatórios. Na antecipação de eventos sociais, todavia, a solução encontrada para as ciências naturais não pode ser aplicada facilmente, pois, por exemplo, qualquer que seja a probabilidade de continuidade e de intensidade crescente da poluição, sempre é, e será, possível a adoção de medidas de controle. Em outras palavras, a probabilidade de qualquer futuro antecipado está sujeita a modificações maiores ou menores, introduzidas por ações deliberadas e tomada de decisões, durante o período para o qual a predição deve prevalecer. Essas ações podem muito bem ser a conseqüência da predição feita, levando, assim, a uma self-defeating prophecy.

Não entraremos aqui na discussão filosófica sobre determinismo e livre-arbítrio. Procuraremos analisar o quadro dentro do qual decisões que afetam o futuro de grupos humanos são tomadas por homens conscientes e ativos e não por meros robôs passivos impulsionados por forças inexoráveis para cumprir seu destino. Esta imagem do homem não é a única passível de consideração neste contexto. Prevalece, atualmente, uma tendência fatalista nas análises do futuro entre os intelectuais (Forrester, Skinner, Heilbronner etc), talvez influenciados pelos horrores da última guerra, dos campos de concentração e pelas desigualdades crescentes entre as nações.

Consideramos perigosas as premissas que postulam a predição a partir de tendências tecnológicas, afirmando que progresso significa a substituição de uma tecnologia ou de um produto por outros e, sobretudo, que a ação dos homens é irrelevante e pode ser ignorada. Acreditamos e defendemos a necessidade de pensar e elaborar alternativas para o futuro, as quais poderão servir para a tomada de decisão coletiva e consciente.

Os seguintes pontos devem ser considerados numa abordagem sistemática de antecipação:

a) ênfase na necessidade de escolha de alternativas sociais e tecnológicas;

b) definição e elaboração de critérios éticos a serem aplicados à escolha de alternativas, num mundo em mudança;

c) ênfase em três fatores fundamentais da mudança: crescimento populacional, expansão econômica e mudança tecnológica;

d) análises setoriais, em vez de antecipar o futuro de forma geral. Isto nos leva ao estudo da interação entre os setores, como, por exemplo, a oferta de alimentos, de energia, de matérias-primas e de transportes;

e) o conceito de sistema sociotécnico, ou seja, a aglomeração de tecnologia física, da organização social e de instituições sociais, visando à satisfação das necessidades humanas. Este tipo de aglomeração permite uma análise sistemática dos diversos setores e de seu inter-relacionamento, bem como a construção de modelos projetivos para finalidades de antecipação;

f) o uso da técnica de modelos dinâmicos para explorar, testar e quantificar relações sugeridas por um raciocínio lógico e pela coleta de dados.

3. VALORES E OBJETIVOS

Antecipação não é, nem pode ser, um exercício puramente objetivo. O futuro não existe, os futurólogos tentam inventá-lo. Agindo dessa forma, nossos pressupostos sobre o que deve acontecer mesclam-se com premissas sobre o que pode acontecer e o que vai acontecer.

Antecipar - como tentativa de melhorar nosso nível de conhecimento - envolve premissas sobre o papel causal de eventos, coisas e de esforços para criar o futuro. Tal conhecimento depende de juízos de valor, que não são apenas expressões de emoção ou de exortação visando a uma conduta mais apropriada, mas são categorias suscetíveis de critica e de análises lógicas. Winthrop, num estudo da contribuição das ciências sociais à futurologia, descreve a noção da especulação livre de valores sobre o futuro como uma auto-ilusão complacente, e insiste para que os futurólogos selecionem e definam os valores aos quais suas pesquisas vão servir (Winthrop, 1968).

Se acreditamos que os homens produzem sua tecnologia e podem decidir se devem usá-la e como, então alguns métodos de avaliação dos diferentes caminhos ou meios para conseguir os objetivos societários são necessários, bem como algum procedimento, para analisar as premissas subjacentes aos próprios objetivos. Somente postulando os objetivos e compreendendo por que nós os escolhemos preferencialmente a outros é que poderemos avaliar as formas pelas quais as mudanças tecnológicas interagem com a sociedade - seja em larga escala, como mudanças radicais no sistema de transporte, seja em escala reduzida, tal como uma nova tecnologia para o motor de um meio de transporte específico. Necessariamente, esse tipo de avaliação exige alguma antecipação. Gostaríamos de saber não somente como a mudança corresponderá ou não aos nossos objetivos agora postulados, mas também como os afetará no futuro, ou seja, em uma, duas ou mais gerações. Para fazê-lo é necessário algum exercício de imaginação e a passagem do quantificável e verificável para o desconhecido.

A preocupação contemporânea pela qualidade de vida e do trabalho é uma continuação das críticas formuladas por reformadores e filósofos sociais no, século passado. Fourier, em 1822, criticou acerbadamente o uso do conhecimento para separar, de forma crescente, a maioria da população das responsabilidades nas decisões sociais. Tentando avaliar os efeitos da mudança tecnológica, estamos desenvolvendo a ciência dos mecanismos associativos, procurando, ao mesmo tempo, evitar os vieses historicistas e deterministas, que caracterizam a antecipação em economias capitalistas e socialistas. Na medida em que afirmamos objetivos sociais positivos, para os quais o progresso técnico deve servir, podemos desenvolver tecnologias úteis aos homens, em vez de extrapolar inovações técnicas e pensar em como adaptar os seres humanos aos seus requisitos (Freeman, 1970; Schelscky, 1965).

Popper (1945) e outros assinalaram a tendência despotista em todas as utopias. O sonhador está tão ansioso em impor a boa sociedade, que acaba mandando-a aparecer. Este perigo só pode ser evitado se as mais amplas parcelas da comunidade estiverem aptas a participar no processo decisório.

Pretendemos, portanto, analisar a interação entre tecnologias e processos sociais, e comparar os seus efeitos prováveis na sociedade e no ambiente natural.

Os objetivos sociais a serem examinados por uma equipe de antecipação poderiam incluir, entre outros, os seguintes:

a) a mudança social deveria ser dirigida para a redução das desigualdades, não somente as materiais, mas também dos valores imateriais tais como educação, recreação, e o acesso à participação na tomada de decisões públicas;

b) especificamente, diretrizes e programas sociais devem ser elaborados numa base internacional, visando à elevação do nível de vida nos países subdesenvolvidos e à redução das disparidades internacionais;

c) a seleção de tecnologias para atender à demanda social deve ser dirigida para aquelas cujo uso menos destruição causaria ao meio ambiente natural e à vida social;

d) mudanças sociais e tecnológicas devem incrementar, e não diminuir, as opções disponíveis para as comunidades, de modo a reduzir os esforços para ganhar a vida, ampliando, ao mesmo tempo, as oportunidades para o desenvolvimento de diversos estilos de vida, o cultivo de relações sociais gratificantes e a auto-realização individual.

Existe uma rica diversidade entre as diferentes culturas do mundo e seria uma perda irreparável se esta fosse sacrificada em nome de uma igualdade simplista. A pesquisa científica e a inovação tecnológica devem contribuir para o enriquecimento dessa diversidade em vez de eliminá-la.

Por outro lado, acreditamos que as diferenças em alimentação, habitação, saúde e renda, que persistem apesar de todos os esforços, se tornam cada vez menos aceitáveis, à luz dos conhecimentos e das potencialidades econômicas das nações.

A ênfase dada ao problema da desigualdade e à necessidade de reduzi-la e, futuramente, eliminá-la pode parecer excêntrica ou deslocada para uns, e indesejável, radical ou ingenuamente utópica para outros. Não pretendemos convencer a todos, mas, pelo menos, esperamos estimular a análise e os debates em torno do futuro da humanidade, dentro de uma perspectiva fundamentada no valor de redução das desigualdades e desequilíbrios internacionais e regionais.

4. TREINANDO OS ADMINISTRADORES EM TÉCNICAS DE ANTECIPAÇÃO

As sociedades contemporâneas atribuem importância crescente a antecipações sobre a natureza, intensidade e temporalidade das ocorrências no campo econômico-social. Previsões sobre o crescimento da população, da produção agrícola e industrial, das receitas e despesas do poder público etc, são consideradas essenciais para um planejamento eficaz tanto das empresas privadas quanto dos governos.

Convém distinguir entre a previsão tecnológica e as atividades antecipatórias gerais, sendo a primeira definida como "uma avaliação probabilística, num nível de confiança relativamente elevado, de criação ou transferência futuras de tecnologia". A antecipação tecnológica não nos fornece visões sobre o que o futuro trará, mas pretende prever a ocorrência de determinados desenvolvimentos técnicos, dentro de um período de tempo específico, à condição de que haja uma alocação de recursos adequados para tal fim.

A necessidade de antecipar a possível evolução tecnológica é evidenciada ao analisarmos sua importância sempre crescente na vida das nações e seu impacto direto ou indireto no estilo de vida das populações.

Essa percepção tem levado à criação de órgãos específicos para tratar da política científico-tecnológica na maioria dos países, bem como à alocação de recursos cada vez mais volumosos à pesquisa e ao desenvolvimento das potencialidades técnico-científicas, inclusive sua avaliação e antecipação.

Entretanto, o próprio conceito de antecipação tecnológica é freqüentemente não explicitado e, assim, pode induzir à confusão. Para as finalidades introdutórias deste trabalho, propomos as seguintes definições:

Antecipação - discurso sobre algumas condições futuras, às quais se chega mediante um raciocínio conscientemente aplicado pelo antecipado e explicitado publicamente.

Predição - discurso sobre uma condição futura, baseado num raciocínio que o antecipador não divulgou. Assim, um alto nível de confiança está implícito nas palavras, ações e/ou recomendações de quem faz a predição.

Especulação - um discurso sobre o futuro, no qual seu autor admite incerteza e/ou falta de um apoio lógico-racional, substituído por opiniões vagas e fértil imaginação.

Profecia - uma predição realizada sob inspiração ou influência sobrenatural ou mística, alegadas ou realmente experimentadas pelo vidente.

Neste sentido, a antecipação tecnológica pode ser considerada uma previsão quantificada da natureza e/ou do grau de certas mudanças tecnológicas, incluindo uma previsão do tempo necessário para sua efetivação, mediante um sistema de raciocínio específico e explicitado.

A percepção das mudanças extremamente rápidas, que ocorrem nos sistemas econômico e tecnológico da sociedade contemporânea, leva os administradores à procura de instrumentos e métodos capazes de auxiliá-los na tomada de decisões concernentes ao futuro de sua organização.

A necessidade de aprender os conceitos e as aplicações da avaliação e da antecipação tecnológica se reflete também no número crescente de seminários e cursos que vêm sendo oferecidos aos executivos, de nível médio a superior, por universidades, organizações profissionais e de consultoria.

A própria prática da administração de empresas, todavia, cria certas dificuldades para uma aprendizagem profícua de conceitos e técnicas da pesquisa do futuro. O administrador, por formação e necessidade, é muito mais um homem de ação do que um pensador propenso à especulação e ao desenvolvimento de conceitos abstratos. Ele dificilmente tolera a ambigüidade ou a complexidade e procura obter respostas rápidas para seus problemas. Afigura-se, portanto, tarefa bastante difícil treinar o administrador naqueles aspectos da antecipação, que mais se afastam de suas atitudes e crenças tradicionais.

A noção de vários futuros alternativos, a utilidade limitada da experiência como base para discernir o futuro, a possibilidade de mudanças sociais, a função de valores na criação do futuro, e a natureza multi e interdisciplinar do pensamento antecipatório, são todos exemplos de conceitos de difícil aceitação por parte de administradores pragmáticos. O mais difícil, todavia, parece ser a eliminação do preconceito de que pesquisa do futuro seja sinônimo de predição. Por isso, um programa eficaz de treinamento em antecipação tecnológica e pesquisa do futuro deve enfatizar, além da parte técnica e operacional, os aspectos mais fundamentais, ao nível de valores, crenças e filosofia. Assim, os objetivos básicos no treinamento de executivos para antecipação e pesquisa dó futuro devem incluir:

a) induzir o executivo a adotar uma postura positiva que valorize a antecipação ativa e a elaboração sistemática de diretrizes para o futuro da organização, em oposição a um comportamento de reação a mudanças que já ocorreram;

b) ajudar o executivo na percepção da organização como um sistema complexo, inserido e atuando num meio ambiente complexo e turbulento;

c) influenciar os executivos a tornarem-se mais abertos, mais experimentais e mais flexíveis em sua busca por estratégias organizacionais;

d) familiarizar o administrador com imagens correntes e emergentes do futuro, encorajando a pesquisa de novas imagens, por dentro e por fora de sua própria organização;

e) transmitir ao executivo métodos e estruturas que podem ser empregados para pensar o futuro.

Para conseguir esses objetivos, sugerem-se, além da carga normal de aulas, leituras e discussões em classe, uma variedade de outras técnicas didáticas.

Entre as técnicas de ensino mais efetivas figuram as que facilitam a auto-aprendizagem, mediante uma série de contextos experimentais cuidadosamente construídos e preparados.

Estudos de casos, jogos de simulação, relatos de experiências concretas por executivos proporcionam contextos significativos para programas de treinamento de executivos. Contudo, a situação é diferente quando se trata de estudos dó futuro. O administrador-estudante não pode ser levado a experimentar o futuro de forma direta e imediata. Neste caso, o instrutor deve lançar mão de técnicas menos diretas a fim de proporcionar um contexto adequado para pensar o futuro. As técnicas relatadas a seguir podem servir para criar uma pseudo-experiência do futuro, a fim de ajudar a administradores a romperem seus padrões costumeiros de pressupostos e a ampliarem o escopo da busca de opções alternativas. Vejamos, porém, em primeiro lugar, os principais elementos nos quais estão baseadas as técnicas de antecipação:

Intuição - Embora a intuição implique falta completa de explicação, o conceito, na prática, dificilmente pode ser separado de raciocínio, analogia etc. Diferentes formas de intuição podem ser distinguidas, relacionadas com assuntos importantes, sua viabilidade, ou os valores a eles subjacentes. A maioria das técnicas listadas mais adiante recorrem, de uma ou outra maneira, à intuição.

Imaginação - De difícil definição e distinção do conceito anterior, a imaginação está presente na seleção e/ou interpretação de dados; na seleção, aplicação e/ou modificação de técnicas e, talvez o mais importante, na detecção de pontos fracos.

Continuidade - O terceiro elemento é o conceito de continuidade das tendências. Por exemplo, se a população cresceu a 3% a.a., ela continuará a crescer à mesma taxa. Neste sentido, está sendo aplicado também em extrapolações e em cenários.

Associação - O uso formal da associação, ou seja, a pesquisa e posterior aplicação das relações quantitativas e qualitativas entre parâmetros, constitui o quarto elemento das técnicas de antecipação. A elaboração de modelos e de matrizes de dupla entrada representa um desenvolvimento mais complexo deste elemento porque as relações são identificadas e quantificadas. Extrapolações constituem formas operacionais mais simples, em que o tempo representa, geralmente, o parâmetro principal, e a analogia representa uma variação deste tema, empregando o conceito de similaridade, em vez da relação direta. (Por exemplo, a analogia entre padrões de crescimento biológico e social.)

Voltemos, portanto, a uma descrição resumida das principais técnicas de antecipação.

4.1 Exercícios de antecipação em pequenos grupos

Vários tipos desta técnica podem ser utilizados. Num deles, a um grupo de administradores é solicitado preparar uma lista de questões que gostariam de formular, sobre problemas que surgirão nas próximas duas décadas, se tivessem acesso a um vidente perfeito. Cada grupo é solicitado a enumerar cinco das perguntas mais importantes devendo, em seguida, defender as questões e sua importância em uma sessão de debates com os representantes dos outros grupos.

Um outro tipo deste exercido seria pedir a cada grupo que enumerasse cinco eventos, considerados com mais de 50% de probabilidade de ocorrerem na próxima década, e que tivessem impacto ímpar sobre a economia nacional ou sua própria organização, no caso de se concretizarem.

Outro exercício ainda, seria a distribuição de cópias de estudos do futuro (relatório do Clube de Roma etc), exigindo-se de cada grupo uma crítica ou uma análise de suas implicações para as organizações dirigidas por seus membros.

4.2 Extrapolação de tendências

Várias técnicas se enquadram nesta denominação (inclusive algumas abordagens de análise de regressão), mas os princípios subjacentes de continuidade e associação estão sempre presentes.

Dados quantitativos em séries históricas são coletados para um parâmetro; uma fórmula matemática o relaciona a um outro parâmetro (geralmente, tempo) e, inserindo valores futuros de tempo, um valor futuro do parâmetro original é obtido. Este pode constituir uma antecipação final ou um insumo para uma operação adicional. A premissa básica, portanto, é que uma relação matemática simples entre os dois parâmetros, admitida como existente no passado, continuará a existir durante o período previsto. Dificilmente a extrapolação poderá servir para antecipações a longo prazo.

4.3 Pesquisa de tendências

Geralmente, os administradores são colocados perante problemas que exigem uma decisão estratégica, tal como um novo e grande investimento ou a introdução de um novo produto. Neste caso, é importante identificar as tendências e eventos que influirão sobre a decisão, seu sucesso ou fracasso, num período de 10 a 15 anos. Aprofundando o exercício, pode-se indagar sobre quais as variáveis que devem ser utilizadas para medir as tendências e onde e como as informações pertinentes podem ser coletadas.

4.4 Estudos de caso do futuro

Da mesma forma que estudos de caso são disponíveis para descrever o meio ambiente em que foram tomadas decisões no passado, devem ser elaborados estudos de casos que descrevam o meio ambiente hipotético das decisões futuras. Conhecidos como cenários, estudos de casos do futuro servem para o treinamento de executivos, embora não tenham chegado ao nível de sofisticação e confiabilidade dos casos utilizados no treinamento tradicional.

4.5 Desenvolvimento de cenários

Da mesma forma que o estudo do caso ou cenário de treinamento pode ser uma técnica efetiva para desenvolver as capacidades do administrador de analisar possibilidades futuras, a elaboração do cenário pode contribuir para o desenvolvimento da capacidade de síntese. A criação de cenários pode também servir para ilustrar problemas de incerteza e, sobretudo, para revelar relações de causa-efeito.

Um administrador familiarizado com a necessidade de desenvolver um cenário não terá dúvidas quanto à multiplicidade de alternativas e sobre os possíveis efeitos, positivos ou negativos, que decisões tomadas hoje poderão exercer sobre os futuros prováveis de ocorrerem. Ademais, o desenvolvimento de cenário ajuda à definição e pesquisa de indicadores significativos para a antecipação. Contudo, corre-se o perigo de desenvolver uma tendência à autopersuasão, um viés na visão das relações futuras a partir das percepções atuais, e uma falta de ênfase no fato de que os parâmetros mais importantes hoje não o serão necessariamente amanhã. Cada uma destas falhas envolve juízos de valor sobre os parâmetros e as estruturas importantes, bem como sobre os objetivos a eles subjacentes.

4.6 Mini-Delphos

Pequenos exercícios de Delphos (cinco a 10 tendências ou eventos) têm sido utilizados como parte do treinamento em seminários sobre estudos do futuro. Essa técnica envolve os problemas de intuição e os determinantes sociopsicológicos do comportamento em grupo. Partindo do pressuposto de que o conhecimento sobre o futuro jaz no subconsciente coletivo de um grupo de indivíduos destacados em determinada área do saber, e, procurando minimizar a pressão decorrente do status mais elevado de alguns, a técnica Delphos procura reduzir este último problema, mantendo as contribuições individuais anônimas. Assim, um grupo de experts é escolhido, recebendo cada qual um questionário onde deverá enumerar, por exemplo, os possíveis desenvolvimentos tecnológicos na área em estudo. As questões versam sobre quando (se jamais) as tecnologias listadas serão desenvolvidas. Informações complementares sobre razões, níveis de probabilidades e pontos de vista sobre a desejabilidade da nova tecnologia podem ser incluídas.

Os coordenadores do Delphos sumarizam as respostas sob forma estatística (quartis, decis etc.) e apresentam eventualmente um resumo dos argumentos fornecidos pelos respondentes mais otimistas ou pessimistas. Este sumário é circulado entre os experts que podem, se assim o desejarem, revisar suas estimativas anteriores à luz do consenso evidenciado pelo sumário. Há possibilidade de se realizarem dois ou três turnos na circulação dos sumários, após os quais o rendimento marginal será decrescente.

4.7 Jogos de simulação do futuro

Jogos de simulação do futuro são úteis no treinamento de administradores, porque permitem a retro-alimentação (feedback) aos participantes e acrescentam um elemento dinâmico ao treinamento. O aspecto feedback permite ao administrador formular e testar estratégias alternativas para tratar de novas situações num contexto futuro. O elemento dinâmico é efetivo quando relacionado com planejamento a longo prazo e por demonstrar a necessidade de ajustamento constante a mudanças que já ocorreram ou que estão sendo antecipadas. Jogos de simulação são particularmente importantes por demonstrar aos executivos que decisões no presente podem limitar, guiar ou ditar decisões futuras.

4.8 Modelos de dupla entrada (cross-impact)

Estes exercícios permitem selecionar tendências e eventos importantes, relacionados com uma situação particular, para depois especificar o tipo de relacionamento entre eles, na forma de matriz de dupla entrada (cross-impact). Tais matrizes ajudam a explorar as implicações de diretrizes alternativas, quando confrontadas com a necessidade de decisões críticas. Seu princípio é simples: análise das relações atuais e potenciais entre eventos antecipados. O uso da matriz é uma conseqüência da classificação das interações entre dois eventos: se houver dez eventos antecipados, então haverá 102 (100) interações possíveis entre eles. O procedimento na elaboração é similar ao Delphos: especialistas são solicitados a classificar as interações entre eventos, especificando tanto o tipo de interação quanto sua força (A pode aumentar ou diminuir a probabilidade de ocorrência de B ou, ainda, não ter nenhum efeito sobre B).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É difícil argumentar de boa e sã consciência que o futuro pode ser previsto em suas linhas gerais e, mais ainda, em detalhes. Todavia, é este o objetivo de muitos exercícios e técnicas de antecipação.

Por outro lado, é fácil simpatizar com os decision-makers no governo e na indústria que procuram uma imagem fidedigna da situação futura, a qual sua decisão deve ser adequada. Afinal, a redução da incerteza constitui uma das forças dinâmicas no comportamento de indivíduo e de organizações.

Entretanto, às vezes são levantadas as questões erradas em exercícios de antecipação. Em vez de relações matemáticas ou indicadores quantitativos diretos, um conjunto de questões, sobre as circunstâncias ou condições em que certos eventos ou mudanças nas taxas se tornarão possíveis, deveria ser formulado (por exemplo, necessidades de consumo, recursos de P & D etc).

A pretensão a um único futuro é insustentável do ponto de vista tecnológico e, muito mais, do social. Existe, portanto, uma necessidade urgente de melhorar as técnicas de antecipação, conjugadas com imaginação criativa e comunicação social, das quais dependerá, em boa parte, a realização da antecipação, numa espécie de self-fulfilling prophecy.

Convém lembrar, todavia, que o antecipador não proporciona, necessariamente, uma visão exata das aspirações dos diferentes grupos que venham a ser afetados por sua antecipação. Isto implica, por um lado, a necessidade de coordenação entre os antecipadores que atuam em setores econômicos e sociais diferentes (por exemplo, em diferentes ramos da indústria energética), e, por outro, significa que as antecipações podem ser utilizadas para propagar os pontos de vista de cliques e elites e como um meio para impedir o debate sobre uma ampla gama de futuros alternativos. Cabe, portanto, aos principais interessados na antecipação, a avaliação crítica dos interesses e prioridades daqueles que contribuíram para sua elaboração.

O antecipador deve estar atento e aberto a críticas internas e externas. Internamente, pontos de vista minoritários, quando presentes, devem ser incluídos no relatório final da antecipação, enquanto, externamente, comentários de grupos profissionais e do público em geral devem ser acolhidos e considerados.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1979
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