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Pequenas e médias empresas: aspectos pouco analisados

NOTAS E COMENTÁRIOS

Pequenas e médias empresas - aspectos pouco analisados* * A RAE agradece a gentil autorização da direção da Revista Fundação João Pinheiro, de reproduzir este artigo, publicado originalmente no 9 (9): 648-52, set. 1979.

Cézar Manoel de Medeiros

Técnico da Diretoria de Planejamento da Fundação João Pinheiro

As potencialidades das pequenas e médias empresas têm sido largamente divulgadas. E os argumentos a favor de seu fortalecimento no cenário econômico nacional vêm sendo amplamente defendidos na forma de incentivos fiscais, de treinamento gerencial, de crédito subsidiado, e de outras medidas do gênero. Também os seus problemas vêm sendo bastante discutidos. Tem-se dado maior destaque à falta de capacidade e de organização empresarial dos proprietários daquelas empresas; ao seu imobilismo ou inércia na adoção de tecnologias apropriadas à sua escala de produção; e ao seu pouco acesso aos recursos financeiros e fiscais. Sem entrar no mérito da validade, ou não, das medidas de apoio propostas em face dos problemas potenciais apontados, e também sem pretender esgotar tema tão polêmico e importante no atual estágio de desenvolvimento nacional, gostaríamos de abordar alguns aspectos que julgamos da maior relevância, em qualquer tratamento da pequena e média empresa, em um país com as características do Brasil, que apresenta uma estrutura industrial bastante oligopolizada.

Em primeiro lugar, é estritamente necessário ter detalhado conhecimento dos vários aspectos que caracterizam a estrutura de mercado, tanto dos fatores produtivos (capital, mão-de-obra e matéria-prima) de que elas precisam, como o de colocação final de seus produtos. Como pode ser visto pelo diagrama, dependendo do setor, as possibilidades de crescimento da pequena e média empresa são bastante limitadas, devido à sua posição diante da grande empresa. As pequenas e médias empresas - concorrentes, suplementares ou complementares das grandes empresas - encontram na aquisição de matérias-primas estratégicas, na contratação de mão-de-obra especializada, de obtenção de crédito subsidiado e de máquinas e equipamentos, condições bastante desfavoráveis devido à forte concorrência dessas grandes empresas, que agem de forma bastante cartelizada (figura 1).


Na outra ponta do mercado - o consumidor de produtos da pequena e média empresa - vamos encontrar, novamente, a atuação das grandes empresas, organizadas de modo cartelizado e funcionando como verdadeiros oligopsônios na fixação de preços para os produtos por elas demandados as pequenas e médias empresas. Salienta-se aqui a não-efetividade de qualquer medida de apoio à pequena e média empresa ao estilo de incentivos fiscais e creditícios, já que tais estímulos serão fatalmente repassados para a grande empresa oligopolista em um ou dois segmentos do mercado.

Como estes recursos - crédito subsidiado e incentivos fiscais - são escassos e envolvem significativos custos sociais, algumas medidas paralelas e complementares se tornam necessárias para que o objetivo "fortalecimento da pequena e média empresa" seja alcançado. Entre elas, sugerimos a criação de centrais de formação de estoques de equipamentos e de matérias-primas afins a cada ramo, em que predominam as pequenas e médias empresas, que teriam a finalidade de evitar distorções nos preços impostos pela grande empresa fornecedora, dado a estrutura setorial de mercado (figura 1). Como resultado teríamos também a cartelização da pequena e média empresa como forma mais adequada de defesa de seus interesses. Acreditamos que a viabilização destas centrais dependerá da formação de cooperativas, ou de outros tipos de associações, que, inclusive, teriam maior acesso ao crédito e ao treinamento de mão-de-obra, e para tanto necessitam de irrestrito apoio do Governo.

Na outra ponta, sugerimos que também sejam criadas centrais de vendas de produtos comuns entre as pequenas e médias empresas, de modo que as suas associações adquiram maior poder de barganha na negociação com as grandes empresas. Neste segmento pode ser abrangente a atuação do Governo. Além de apoiar a formação de referidas centrais e/ou associações, o Governo poderia criar um "sistema de preços de garantia", ao estilo de como funciona o sistema de preços mínimos para o setor agropecuário. Ou seja, até que as pequenas e médias empresas obtenham melhor preço para seus produtos, o Governo, via esquema de preços mínimos, garantiria o crédito tipo EGF (Empréstimos do Governo Federal), ou compraria os bens produzidos pela pequena e média empresa, tipo AGF (Aquisição pelo Governo Federal), que teria a vantagem adicional de permitir a formação de estoques estratégicos (figura 1).

Em segundo lugar, chama-se a atenção para os setores em que predominam as pequenas e médias empresas e as suas diferentes características regionais. Uma grande empresa no Ceará pode ser uma pequena empresa em São Paulo, ou uma pequena empresa do setor de bens de capital pode ser considerada uma grande empresa do setor alimentício, dependendo, é claro, dos critérios de classificação (quadro 1).


Aqui cabe mostrar que, devido à dificuldade operacional de classificação do porte das empresas, em especial pelos bancos de fomento e outros órgãos de financiamento, têm sido adotados critérios bastante simplistas de classificação, o que, na verdade, vem comprometendo seriamente as medidas de apoio às pequenas e médias empresas, e os objetivos implícitos nesse apoio. Assim, é adotada isoladamente, ou a variável faturamento, ou o ativo imobilizado, ou a mão-de-obra empregada, ou outras variáveis, sem nenhuma diferenciação setorial e/ou regional quanto ao funcionamento da estrutura de mercado.

Além de sugerirmos que a adoção de critérios e de variáveis de classificação obedeça a minuciosa análise das condições setoriais e regionais da estrutura de mercado, onde predominam as pequenas e médias empresas, podemos propor como critério geral - que consideramos operacionalmente o mais adequado para classificar o porte da empresa -e conseqüente definição das medidas de apoio, uma combinação de pelo-menos três variáveis: faturamento, que representa o produto monetário da empresa, o ativo imobilizado, que representa o capital e a mão-de-obra.

Primeiramente, tomando as variáveis faturamento eixo horizontal -e o ativo imobilizado -eixo vertical - podemos definir o campo de atuação de cada grupo de empresas segundo o seu porte, conforme o quadro 1 e o gráfico 1, por exemplo:


A partir dessa classificação, segundo o faturamento e o ativo imobilizado, para efeito de crédito subsidiado e de incentivos fiscais à pequena e média empresa, aos setores e/ou regiões onde a empresa, sem perda de sua eficiência econômica, pudesse adotar processo tecnológico intensivo em mão-de-obra, tais estímulos somente seriam concedidos a partir de determinados coeficientes de absorção de trabalho. Assim, uma empresa, cuja classificação pelos critérios de faturamento e de ativo imobilizado não fizesse jus a qualquer incentivo, poderia passar a fazê-lo, se adotasse processo técnico intensivo de mão-de-obra. Para operacionalizar uma nova classificação, considerando a ponderação "mão-de-obra", basta incluir referida variável no denominador, tanto do faturamento, como do ativo imobilizado, no exemplo anterior.

Esta proposição implica que o critério que classifica como pequena empresa aquela que absorve até 50 empregados; como média aquela com mais de 50 e até 250; e como grande aquela que conta com mais de 250, seja conjugado com os demais critérios: faturamento e ativo imobilizado. Quer dizer, após exaustiva análise da tecnologia adequada, da estrutura de mercado de cada setor, e das características regionais, aqueles ramos, onde fosse possível estimular a absorção de mão-de-obra, os incentivos creditícios, fiscais e outros, estariam condicionados ao modelo apresentado no quadro 2 e gráficos 2 e 3.




Entre as vantagens esperadas com a adoção deste critério podemos citar, por exemplo, o caso de uma empresa cujo faturamento era de Cr$ 12 milhões e o ativo imobilizado somava Cr$ 3 milhões, absorvendo 300 empregados, portanto, não se enquadrando como pequena e média para efeito de benefícios fiscais e creditícios. Tal empresa, ao mudar seu processo tecnológico, passa a ser capaz de absorver 350 (50 de acréscimo) empregados, o que a coloca, para efeito de fazer jus aos benefícios, como média empresa.

Os gráficos 2 e 3 permitem verificar tal exemplo.

Finalmente, ressalta-se que o fortalecimento das pequenas e médias empresas no Brasil, além dos benefícios preconizados, ainda pode ser considerado como estratégico no combate à inflação e, ao mesmo tempo, na melhoria da distribuição de renda, além de ser pré-requisito básico para a consecução de ambos objetivos.

As pequenas e médias empresas predominam nos setores que utilizam tecnologia menos sofisticada, e o seu desenvolvimento implicará a expansão do nível de empregos. Além disso, como essas empresas se concentram nos setores essenciais para a população, o seu fortalecimento em muito contribuirá para a melhoria da distribuição de renda e, paralelamente, para evitar pressões inflacionárias provenientes do próprio aquecimento da demanda por bens essenciais conseqüentes da melhoria da distribuição de renda. Logo, se bem planejado, o apoio às pequenas e médias empresas constitui pré-requisito básico para que sejam solucionados importantes pontos de estrangulamento da economia brasileira - altas taxas de inflação e de concentração de renda - e, ao mesmo tempo, sejam alcançados os mais significativos objetivos nacionais: expansão do mercado interno, desconcentração espacial de atividades, elevação do nível de emprego, melhoria da distribuição de renda, redução das desigualdades regionais e maior facilidade de controle do nível geral de preços.

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    RAE agradece a gentil autorização da direção da
    Revista Fundação João Pinheiro, de reproduzir este artigo, publicado originalmente no
    9 (9): 648-52, set. 1979.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1982
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