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O administrador de recursos humanos e o planejamento empresarial

ARTIGO

O administrador de recursos humanos e o planejamento empresarial

Carlos Osmar Bertero

Professor no Departamento de Administração-Geral e Recursos Humanos, da EAESP/FGV

1. O PLANEJAMENTO EMPRESARIAL

A expressão planejamento empresarial (PE) vem sendo utilizada de maneira intercambiável com outras, como por exemplo, planejamento estratégico, planejamento corporativo, estratégia empresarial, para citar apenas alguns exemplos. Na presente exposição não nos deteremos em questões semânticas e, aceitando todas as expressões como sinônimos, passaremos à matéria substantiva. Assim, entendemos que o planejamento empresarial se ocupa de uma visão global da empresa, procurando estabelecer-lhe os objetivos, bem como indicando os meios operacionais necessários à sua consecução. Embora isso possa parecer muito abstrato, o é apenas num primeiro momento enquanto não indicarmos concretamente quais são os objetivos empresariais.

Por mais que se possa discutir e divergir em torno de objetivos empresariais, não há como negar que empresas são organizações voltadas para a produção de bens e prestação de serviços por meio dos quais obtêm lucros que lhes permitem que se tornem o agente econômico por excelência, e, como tal, responsáveis pela acumulação de capital. A questão do lucro, embora indispensável, jamais poderia ser vista como o fim da ação empresarial. O lucro é um instrumento que deve remunerar o capital investido e permitir o reinvestimento com o qual se manterá o crescimento empresarial. Portanto, o objetivo empresarial, visto da perspectiva estratégica, consistirá na maximização da taxa de crescimento da empresa, assegurando-se evidentemente uma taxa mínima de remuneração do capital investido.

Para que tudo isso possa ocorrer, é necessário que a empresa encontre um nicho na realidade sócio-econômica. Tal nicho se cria na medida em que a empresa estabelecelece uma ou várias equações, produto/serviço - mercado, que lhe permitem consolidar um processo de constante interação com o meio-ambiente, apoiado nos mecanismos do mercado.

Quando se trata de estabelecer um modelo de planejamento estratégico, costumamos apontar quatro fontes de insumos: os recursos empresariais, o meio-ambiente externo, os valores dos responsáveis pela formulação do plano e as expectativas da sociedade, onde evidentemente a empresa está inserida e é parte integrante.

a) Os recursos empresariais. A análise dos recursos empresariais é uma maneira muito conveniente de procetjer ao levantamento e avaliação de uma empresa. Já que ò planejamento estratégico procura estabelecer, entre outras coisas, os objetivos da empresa em termos de produtos/serviços e mercados, é indispensável que se avaliem os recursos de que a própria empresa dispõe. Nenhum planejamento pode ser bem precedido e elaborado se não soubermos com que recursos contamos, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos. Não são raros os planos que se transformam em peça do folclore administrativo exatamente porque os recursos foram mal avaliados.

1. Os recursos financeiros são os que mais comumente se percebem como recursos propriamente ditos. Quando se mencionam recursos empresariais, a maioria das pessoas pensa logo em recursos financeiros. Isto se explica porque são de todos os recursos empresariais os mais flexíveis. Em caso de dúvida, é sempre interessante e conveniente possuir recursos financeiros, pelo fato de sua grande flexibilidade. Recursos financeiros podem ser conservados sem que o seu valor se altere e podem ser convertidos em outros tipos de recursos. Tradicionalmente, sempre se associou aos recursos financeiros a idéia de escassez. Desde o fim da II Guerra Mundial, recursos financeiros eram tudo, menos escassos, e isso durou tanto tempo que muitos chegaram a propor que a economia deixasse de cuidar da escassez para ser a ciência da utilização, da afluência ou da abundância. Porém, a década de 70 deu os primeiros sinais de alerta e a abundância passou a ser vista novamente em risco, e a escassez prometia retornar. Atualmente, tanto nos países centrais desenvolvidos, como numa periferia em desenvolvimento, onde nos encontramos, parece que as dificuldades estão de volta, e pelo menos a curto e médio prazos é aconselhável continuar considerando os recursos financeiros como escassos.

Além de constituir um recurso em si mesmo, o recurso financeiro é dotado de um valor simbólico, ou seja, ele pode estar em lugar de outros recursos, na medida que outros recursos empresariais são representados através de seu valor pecuniário, assumindo, portanto, a forma de recurso financeiro.

2. Os recursos físicos são os que aparecem em sua maioria nas contas do imobilizado técnico no ativo das empresas. São terrenos e edifícios, equipamentos, veículos e maquinaria. Também podem ser englobados os estoques de matérias-primas e de produtos semi-acabados. Os recursos físicos habitualmente representam grandes imobilizações para as empresas, especialmente quando são empresas industriais e prestadoras de serviços de utilidade pública. Embora de grande valor, os recursos físicos são os que envolvem maior risco empresarial na medida em que são bem menos flexíveis do que os recursos financeiros. Freqüentemente, uma planta industrial, incluindo edifícios e equipamentos, pode servir tão-somente à produção de um único produto, sendo sua possibilidade de conversão praticamente nula, por pura impossibilidade ou por representar custo muito elevado.

3. Os recursos humanos são particularmente importantes para a empresa e apresentam especial interesse ao executivo da área de recursos humanos. A evolução do próprio conceito de recurso humano, do ponto de vista da estratégia empresarial, sofreu grandes alterações ao longo dos tempos.

4. Na teoria econômica clássica e nos primórdios da industrialização era considerado abundante e barato. A evolução tecnológica era vista como um processo de simplificação crescente, fazendo com que a qualificação do recurso humano o mantivesse permanentemente abundante e barato. Contava-se com a explosão demográfica, o que asseguraria o permanente "exército industrial de reserva" ao qual se referiu Marx. Neste contexto, e a partir de tal perspectiva, o recurso humano certamente nunca deveria ocupar seriamente os responsáveis pela estratégia da empresa.

Porém, o que não foi classicamente previsto foram as alterações nas evoluções da sociedade industrial e os caminhos do desenvolvimento tecnológico. Ao invés da crescente simplificação, que se imaginava seria o caminho inevitável das constantes divisões e subdivisões de tarefas, caminhou-se para o aumento da complexidade, com a conseqüente necessidade de aumento de qualificação dos recursos humanos. Além da sofisticação tecnológica, as empresas, ao aumentarem de tamanho e de complexidade organizacional, passaram a absorver contingentes crescentes de pessoas em tarefas de administração, controle e coordenação. O pessoal que passou a se ocupar das atividades administrativas (colarinho branco) evidentemente não se adequava às previsões de baixa qualificação e baixa remuneração. Ao contrário, tem sido capaz de alavancar para si próprio níveis elevados de ganhos, independentemente dos regimes políticos e econômicos onde exerce sua atividade.

No centro da economia industrial, a evolução das sociedades resulta em grande fortalecimento do operariado, congregado sindicalmente, não lhe faltando a representatividade política que lhe assegura voz e voto permanente nos congressos e parlamentos da maioria dos países industrializados ocidentais.

É claro que essa evolução nas posições dos recursos humanos não se repete num país como o nosso, cujo caminho para a industrialização e para o crescimento econômico não constitui uma repetição, século e meio depois, do que aconteceu na Europa e na América do Norte. Aqui subsistem enormes bolsões de pobreza que inegavelmente confirmam as sombrias profecias dos contingentes humanos de reserva, enquanto setores modernos da economia em diversos momentos lutaram com a escassez de mão-de-obra qualificada, técnicos de alto nível e mão-de-obra administrativa. Mesmo em períodos de elevadas taxas de crescimento econômico, a nossa economia nunca conseguiu eliminar o desemprego, o subemprego e o desemprego disfarçado, permanentemente presentes em nossa sociedade. Todavia, esses mesmos momentos de acelerado crescimento econômico, motivado principalmente pelo aumento do produto industrial, chegaram a gerar escassez de administradores, operários qualificados e técnicos de nível médio e superior. Em passado ainda recente, remontando ao qüinqüênio imodestamente batizado de "milagre brasileiro", o quadro descrito auxiliou ainda mais no processo de concentração de renda, devido ao grande aumento real que os salários dos profissionais mais escassos acabaram por ter em comparação com os que eram pagos à grande massa não-qualificada e semiqualificada.

Os dias atuais, com o seu quadro recessivo, impõem outras reflexões e considerações sobre o papel dos recursos humanos enquanto recursos empresariais necessários à formulação e à implementação da estratégia. Por ora, o que revimos nos permitiu identificar diferenças e dificuldades, mas não justifica conclusões. O tema será retomado mais adiante, uma vez que o recurso humano é que permite ao executivo de recursos humanos uma participação mais decisiva no processo de planejamento empresarial.

4. Os recursos tecnológicos são atualmente considerados altamente estratégicos para o sucesso empresarial. Isto se deve basicamente a duas causas. A primeira é a elevada taxa de inovação tecnológica dos últimos 50 anos, que aumentou a obsolescência de produtos e de processos, bem como foi responsável pelo aparecimento de novos produtos e serviços numa quantidade e velocidade sem precedentes. A outra causa é que o aumento da importância da tecnologia como recurso empresarial estratégico não foi seguido de sua colocação em domínio público, mas acabou levando ao seu domínio, posse e controle por um número reduzido de empresas. O mercado de tecnologia pode ser considerado como oligopolizado, o que coloca muitas empresas, e até mesmo países, em agudo estado de dependência tecnológica. O Brasil é um país que paga uma conta elevada detectável nos meandros de nosso balanço de serviços pela utilização de tecnologia. A importância da tecnologia no planejamento empresarial está em função de sua necessidade para que a empresa disponha de produtos e serviços com que possa viabilizar sua inserção numa economia de mercado.

Em nosso país não têm sido raras associações (jointventures) de empresas nacionais com empresas estrangeiras ou multinacionais por razões de acesso à tecnologia. A firma detentora da tecnologia, ao negociar com a empresa interessada em utilizar a tecnologia, pode não querer royalties ou pagamentos por assistência técnica ou licenciamento, mas fechar questão em termos de tornar-se sócia. Quando o detentor de tecnologia adota tal posição, a joint-venture é o que resta à parte que não possui tecnologia. E isto ocorre mesmo quando o capital não é, do lado da empresa tecnologicamente carente, um fator limitativo.

b) O meio-ambiente externo. Na medida em que a empresa não é uma realidade autárquica e que o planejamento empresarial visa, em ultima instância, a adequação (fit) da empresa ao seu meio-ambiente de forma a permitir-lhe o desfrute de uma operação rendosa, segue-se a impossibilidade de realizar o planejamento estratégico sem que nos detenhamos numa análise da realidade ambiental externa da empresa.

O grande risco que se corre ao analisar o meio-ambiente é fazê-lo de maneira tão genérica que a análise acaba por perder toda a sua utilidade. Assim, a realidade ambiental da empresa deve ser considerada pelos responsáveis pelo planejamento empresarial de maneira dedutiva, ou seja, do mais amplo e genérico para o mais próximo e especificamente colocado na esfera imediata das preocupações da empresa que está sendo considerada. A atenção deve estar voltada para a realidade ambiental pertinente à empresa, o que indicará desde questões amplas de conjuntura e política econômica, até especificidades sobre a indústria, o ramo, o sub-ramo, os concorrentes, o mercado de trabalho, o mercado de tecnologia, os consumidores, etc. É apenas na medida em que se dirige para tópicos específicos que a análise ambiental adquire relevância para o planejamento empresarial.

O objetivo de considerar-se o meio-ambiente externo como insumo à formulação de metas (equações de produtos, serviços e mercados) é localizar oportunidades potenciais a 'serem lucrativamente exploradas pela empresa. Portanto, a consideração da realidade externa pertinente à empresa assume um caráter indispensável.

c) Os valores dos planejadores. Os valores pessoais dos responsáveis peló planejamento têm importância no resultado, ou seja, nas próprias decisões que se tomam e nos objetivos que acabam sendo escolhidos. Isto porque o planejamento empresarial envolve matéria de natureza política, onde a esfera de pura objetividade não existe. Elementos subjetivos, que residem no íntimo dos planejadores acabam desempenhando inevitavelmente o seu papel. E não se pense que a importância dos valores pessoais dos planejadores pode ser imputada à falta de maturidade científica da área de planejamento. Para que se comprove o que afirmamos, bastaria que se contemplassem as enormes divergências entre economistas a respeito de política econômica. Certamente, os economistas estão concordes no que respeita à teoria econômica. Isto, todavia, não é suficiente para impedir que divirjam em matéria de política econômica. O mesmo exemplo poderia ser estendido ao campo de utilização da energia nuclear. Embora todos os físicos nucleares estejam de acordo sobre os pontos científicos fundamentais de sua disciplina, acabam por discordar quando têm que passar ao campo concreto das formulações de política nuclear. Tais diferenças em políticas ou objetivos a serem atingidos como resultado" do esforço de planejamento devem ser atribuídos aos valores pessoais, que são o resultado de fatores subjetivos, crenças, atitudes em face da vida que resultam de experiências de vida necessariamente singulares e que por isso mesmo não são generalizáveis.

Os valores pessoais que exercem impacto sobre o planejamento empresarial são os dos próprios planejadores, dos proprietários ou de seus prepostos ou representantes. Fatores como propensão a assumir maiores riscos, ou simplesmente evitar riscos; ater-se a uma certa linha de negócios porque já se habituou a ela; aceitar oportunidades de investimentos em determinadas áreas ou recusálas preliminarmente, são formas de comportamento freqüentemente explicáveis mais em função dos valores pessoais dos decisores do que em função de demonstrações, projeções e prospecções que buscam o respaldo da objetividade e da factualidade científica.

d) As expectativas da sociedade. Nenhum conjunto de insumos ao planejamento empresarial estaria completo se não fossem consideradas as expectativas da sociedade em que a empresa se acha inserida. É fato que reconhecemos que tal colocação coloca-se atualmente mais ainda na linha da desejabilidade do que no das práticas usuais de planejamento das empresas. Empresas ainda são organizações geradas em função de seus proprietários, e apenas secundariamente em função de interesses de outros grupos. Porém, as exigências, restrições e demandas que a sociedade vem fazendo com relação às atividades empresariais vêm crescendo. Nos países mais avançados há crescentes exigências com relação a produtos, cuidados ecológicos, consciência fiscal e atenção para com a comunidade em que operam. E inegável que no Brasil estas demandas ainda são incipientes, mas talvez sirva de consolo e advertência lembrar que já foram menores e que, com o passar do tempo, a tendência é para que aumentem. Há hoje, especialmente neste momento de recessão na economia, uma expectativa generalizada de que as empresas arquem com sua parcela de sacrifícios, uma vez que se espera que contribuam ao máximo para que mantenham o nível de emprego.

As expectativas da comunidade poderiam constituir insumos trazidos diretamente ao planejamento empresarial se empresas não fossem organizações inegavelmente oligárquicas e com o poder centralizado na cúpula. Isto faz com que as expectativas sociais e comunitárias cheguem ao planejamento empresarial através dos participantes em sua formulação, ou seja, proprietários e executivos em geral. Evidentemente, a qualidade e intensidade dos insumos dependerão quase que exclusivamente da sensibilidade, da abertura e mesmo da boa vontade dos decisores. Acreditamos, contudo, que empresas, mesmo que provavelmente privadas pelo seu estatuto de propriedade, conservam uma dimensão inegavelmente pública e, conseqüentemente, estarão sempre crescentemente sujeitas a ouvir e incluir entre os insumos de seus planejamentos globais as expectativas da sociedade.

2. O MEIO-AMBIENTE E O PLANEJAMENTO EMPRESARIAL

O planejamento empresarial adquiriu particular impulso com a sua abertura para a realidade externa da empresa. Diríamos mesmo que a preocupação e a consideração do meio-ambiente é que tornaram o planejamento empresarial uma atividade importante e que se torna cada vez mais usual para a maioria das empresas de certo porte.

A preocupação do administrador e dos empresários com o meio-ambiente aumentou; isto porque constataram ser impossível gerir com sucesso uma empresa se as preocupações se confinarem aos aspectos internos. Manifestações de interesse empresarial pela conjuntura política e econômica, tanto nacional como internacional, constituem hoje fatos absolutamente aceitos entre homens de negócios. Assim, é que nos dispomos a trazer à luz alguns fatos e tecer considerações que nos parecem mais pertinentes ao executivo da área de recursos humanos. Na medida do possível estas observações estarão diretamente relacionadas com o contexto brasileiro.

Economicamente é certo que devemos nos preparar para um crescimento, ao longo desta década, inferior ao registrado na década passada. Mesmo que retomemos o crescimento, ao final desta recessão, que todos desejamos breve, ele não se daria às elevadas taxas do período do milagre. Isto porque nem a conjuntura nacional, nem a internacional, tão importante para explicar o último "milagre", respaldariam expectativas de taxas elevadas de crescimento.

Primeiramente, porque o estrangulamento do setor externo é hoje um fato de dimensões preocupantes. Estima-se que terminaremos 1981 com um endividamento externo bruto de aproximadamente US$ 60 bilhões. Se é fato que as taxas de juros variam de empréstimo para empréstimo, estando este ano num pináculo sem precedentes de aproximadamente 22% a.a., graças à política econômica do governo Reagan, poderíamos tomar como taxa média 16% a.a., simplesmente para realizar uma simulação exploratória. Supondo-se que ao final de 1981 devêssemos US$ 60 bilhões e não amortizássemos nada do principal, e deixássemos que juros sobre juros de 16% a.a. fossem vencendo e sendo computados, ao início da próxima década teríamos a seguinte situação:

Se nenhum pagamento do principal fosse feito ao longo da década, teríamos em 1990 na dívida externa de US$228.174, que representariam então juros anuais de 36.507, computáveis a 31 de dezembro de 1990. A fim de pagar apenas os juros, a uma taxa de 16%, teríamos de desembolsar anualmente US$9.600. Se anualmente pagásssemos os juros, e não houvesse aumento ou diminuição da taxa, teríamos uma dívida de US$60 mil, permanentemente. Se admitirmos que para este ano de 1981 exportaremos US$23 bilhões, dado estimado, e se pagássemos os juros de US$9.600, baseados em nossa simulação, teríamos 41,73% da receita de exportação comprometida com os juros da dívida. Se adicionarmos mais US$9 mil de importação de petróleo, teríamos em apenas duas contas.US$ 18.600 gastos, ou seja, 88,7% de nossa receita total de exportação. Como a conjuntura econômica internacional a médio prazo desestimula qualquer aumento substancial em receita de exportações, será fácil entender como e por que o estrangulamento externo continuará limitando severamente as perspectivas de crescimento de nossa economia.

Em segundo lugar, dado o estrangulamento externo, que demorou, mas chegou, a economia deverá realizar uma série de readaptações e movimentos que a curto e médio prazos impedirão taxas elevadas de crescimento. Entre estas redefinições da economia poderíamos citar a redução da dependência com relação ao petróleo importado, o que nos está levando a desenvolver programa de prospecção intensificada de petróleo em nosso próprio território, e desenvolvimento de fontes energéticas alternativas ao petróleo, como eletricidade gerada hidricamente, álcool, carvão, óleos vegetais e biomassas. O atual perfil da indústria também deverá sofrer alterações, onde a indústria automobilística e a de autopeças continuarão sendo atingidas. Todo esse dinamismo industrial era altamente dependente, para o seu sucesso, de petróleo abundante e barato. As mesmas restrições se estendem à petroquímica, na década passada sede de grandes esperanças, e para onde se direcionaram enormes investimentos.

A fim de atender a uma população crescente e alimentarmente carente, sustentar programas energéticos alternativos e ainda gerar receita de exportação, o setor agropecuário tende a readquirir o prestígio que perdera há meio século, ou, mais exatamente, desde o momento em que se identificaram industrialização e desenvolvimento. Quase 50 anos foram necessários para que se descobrisse o equívoco. Esperamos que pelo menos não seja repetido.

É um corolário inevitável do que acabamos de dizer que há uma certa revisão do modelo econômico adotado durante quase três décadas. Isso levará a que aumentemos a poupança interna, uma vez que crescer através de empréstimos externos é medida que já parece ter-se esgotado. Como se fará para aumentar a taxa de poupança interna é assunto ainda não inteiramente solucionado pelos responsáveis pela nossa política econômica.

No que respeita ao tempo em que tudo isto ocorrerá, acreditamos que pelo menos até meados da década atual será difícil uma alteração substancial do quadro presente. Isso porque a conjuntura internacional não justifica prever movimentos favoráveis que indiretamente estimulariam nossa economia. No âmbito interno os possíveis desafogos já foram ativados, mas evidentemente têm seu período de maturação (Itaipu, Tucuruí, Carajás, programas energéticos vários, programas de desenvolvimento agrícola). Fica, todavia, sempre a incômoda sensação de que nossos formuladores de política econômica são bem mais criativos na fase de expansão do que na fase recessiva do ciclo. Conseqüentemente, as alternativas desenvolvidas ou simplesmente propostas são poucas e tem-se a impressão de que nossa política econômica vive com um horizonte temporal reduzido, inerte na sobrevivência do dia-a-dia. Felizmente, o responsável pelo planejamento econômico dispõe de diâmetro abdominal tranqüilizador para que se continue empurrando a economia.

Na área de oportunidade de negócios alguns tendem a surgir como particularmente promissores em tais perspectivas conjunturais. Agricultura, agroindústria, envolvimento em ramos e sub-ramos ligados aos vários programas energéticos, mineração, e talvez, tudo aquilo que se dirige ao consumo das classes C e D, uma vez que a política salarial não se alterará, num futuro previsível, para privilegiar os níveis mais elevados da classe média, inegavelmente entre os filhos preferidos do milagre e da concentração da renda ocorrida em passado recente.

Outro aspecto importante é o das repercussões que os movimentos e acontecimentos recentes geraram no mercado de trabalho e no próprio perfil dos recursos humanos nacionais. Em amplos termos demográficos, os primeiros resultados do censo de 1980 já permitem algumas observações. A população cresceu menos do que se previa, ou seja, cerca de 2,47% ao ano, o que situaria a população estimada em dezembro de 1981 em 122 milhões de pessoas. A queda na taxa de crescimento e o aumento da expectativa de vida levaram ao envelhecimento relativo de nossa população. Isso implica gente ficando mais tempo no mercado de trabalho e desfrutando dos benefícios da previdência social, se é que merecem tal nome, por mais tempo. Portanto, de um lado a oferta de mão-de-obra se reduz porque alguns permanecem mais tempo trabalhando, e de outro, pressões maiores sobre o sistema previdenciário que deverá efetuar desembolsos maiores.

A mão-de-obra economicamente ativa aumentou, chegando a 42 milhões de pessoas, ou seja, 35% de uma população de 120 milhões de pessoas. As mulheres aumentaram sua participação com relação aos censos anteriores num montante de 11.760.000, exatamente 28% do total. As mudanças de estilo de vida, as alterações no sistema patriarcal, a conquista da mulher por liberdades crescentes justificam a previsão de que continuará a aumentar sua participação no mercado de trabalho, bem como suas expectativas e lutas pelas posições de maior prestígio, status e rendimentos, até o momento privativas de homens. Até o presente a mulher tem ocupado posições subalternas e quase sempre na base da pirâmide organizacional. É previsível que passe a buscar posições executivas competindo em igualdade de condições com os homens.

A mão-de-obra brasileira em suas qualificações ainda continua manifestando uma sociedade de grandes desníveis. A diferença entre o topo e a base da pirâmide social é muito grande e contingentes enormes de brasileiros e brasileiras são funcionalmente analfabetos, sem qualificação profissional alguma, ou quando muito, semiqualificados. Todavia, tem havido alterações como dados recentes do Ministério de Educação e Cultura (MEC), que revelam na oferta de mão-de-obra qualificada formalmente portadores de grau universitário.

Os dados em questão foram retirados do Boletim Informativo da Secretaria de Ensino Superior do Ministério de Educação e Cultura (Sesu), de sua edição de março de 1981: Eles são clara indicação de que a enorme expansão do ensino superior brasileiro, verificável através de vários números e indicadores, ou o chamado processo de "massificação", conduziu a que se expandisse, de maneira sem precedentes em nossa história, a oferta de mão-de-obra com qualificação superior. Em 1970, tínhamos 516 instituições de ensino superior (IES) em todo o país. Em 1975, o número salta para 877 e em 1980 desce a 875. O alunado dos cursos de graduação era de 456.134 alunos em 1970, passa a 967.100 em 1975 e para 1.345.000 em 1980. Embora nem todos se formem, a evasão é fenômeno encontradiço também no ensino universitário, as conclusões são expressivas. Em 1970, 53.771 diplomaram-se em todos os cursos superiores oferecidos no país, passando a 157.600 em 1975 e, finalmente, a 231.000 em 1980.

Tão interessante quanto o aumento no número de diplomados é saber quais as áreas em que obtiveram formação superior básica. Os últimos dados disponíveis referem-se ao ano de 1979, quando se diplomaram em nosso país 212.414 pessoas assim distribuídas:

A grande maioria, quase 56%, está na área de ciências humanas, e apenas 2,58% em ciências agrárias. Se olharmos este quadro, desenvolveremos, se já não possuirmos, uma visão cética da expansão do ensino universitário brasileiro, pois ele cresceu distanciando-se da estrutura ocupacional da sociedade e, portanto, afastando-se do mercado de trabalho. Num país que concede à agricultura prioridade, não é encorajador encontrar em ciências agrárias apenas 2,58% dos diplomados. A área de ciências humanas, tradicionalmente detentora do maior número de matrículas, foi a que continuou sua expansão ainda mais vigorosa com a "massificação" do ensino universitário.

Tentando afunilar os dados para nossa realidade empresarial, tomemos os dados que se relacionam com as profissões que fornecem quadros para as empresas. Para o mesmo ano de 1979, tomamos os diplomados que têm nas empresas o seu campo de exercício profissional prioritário.

Se considerarmos que os diplomados ocuparão nas empresas posições administrativas e técnicas de nível alto, integrando o contingente de "colarinho branco", reconheçamos que sua absorção não é simples. Se para cada pessoa de "colarinho branco" admitirmos nove que estejam em outras tarefas, teremos que multiplicar o quadro anterior por nove, chegando a 496.071 empregos. É necessário uma economia razoavelmente dinâmica crescendo a taxas constantes e elevadas para poder absorver todo este pessoal que se diploma a cada ano. A conclusão que cabe, porém, do ponto de vista dos recursos humanos, é que tem havido - e aparentemente continuará a haver ainda por algum tempo - um aumento, a taxas aceleradamente altas, de mão-de-obra portadora de diploma universitário.

Se a teoria do capital humano serviu no passado para explicar as diferenças salariais e a concentração de renda, o atual aumento na oferta, que coincide com uma desaceleração no crescimento da economia, deverá levar à queda na remuneração deste pessoal e na sua perda de importância relativa no mercado de trabalho. O desemprego doutoral, já denunciado com espanto por muitos, deverá ainda continuar por algum tempo. É imperativo reconhecer que o sistema universitário se expandiu desmedidamente, distanciando-se das necessidades do mercado de trabalho e da estrutura ocupacional do país. Se oferta e demanda ainda estiverem funcionando, alunado, cursos e vagas deverão sofrer uma retração, como aliás já vem ocorrendo noutros países que nos precederam na fúria expansionista. As universidades americanas reduziram vagas ao longo da década de 70, e a França, em fins do ano passado, singelamente fechou a terça parte de seus cursos de pós-graduação porque, segundo a ministra das universidades, formavam pessoas para as quais não havia a mínima perspectiva de se empregarem em suas respectivas especialidades.

Por outro lado, o nosso mercado de trabalho assistiu a uma redução relativa da oferta de mão-de-obra técnica de nível médio. As razões para isso são várias. O período que coincidiu com a industrialização brasileira, grosso modo de 1930 até 1970, foi caracterizado também pela grande expansão do que nos habituamos a chamar de classe média. Todavia, esta aceleração é mais acentuada no período que vai de 1950 a 1973, quando chegamos ao fim do "milagre", ou do crescimento acelerado. O modelo econômico com crescimento acelerado e concentrador de renda favoreceu particularmente a classe média, formada, particularmente a classe média-alta, de portadores de diplomas universitários. Acoplada a esta desenvolveu-se uma classe média-média., formada por operários qualificados, técnicos de nível médio, bancários, enfermeiras, comerciários, balconistas, gerentes de lojas de porte médio e pequeno, etc , que adquiriram expressão numérica. No início da década de 70 e por inércia, provavelmente ainda hoje, a classe média responderia por aproximadamente 30% da população das principais áreas metropolitanas do país, indo 10% para a média-alta e 20% para a média-média e média-baixa.

A classe média-baixa e até certo ponto a média-média são os extratos que possivelmente ganharão com a redistribuição ocupacional, a oferta excessiva de diplomados em universidades e a saturação com os empregos típicos de classe média-alta (administradores, economistas, engenheiros, técnicos de alto nível). A recessão atual, que é fundamentalmente industrial (alguns setores) e metropolitana, atinge particularmente a classe média-alta. O setor público, administração direta, empresas estatais, autarquias e fundações públicas não estão admitindo portadores de qualificações universitárias porque já "inchados" de há muito. Além disso, o governo está sendo forçado a reduzir seus gastos.

Todavia, não estamos tão seguros de que o mesmo quadro contracionista se aplica aos segmentos da classe média-média e média-baixa. Qualificações profissionais como operários qualificados, mecânicos, eletricistas, sol-, dadores, encanadores, caldeireiros, enfermeiras (nível médio), balconistas, controladores de qualidades devem expandir a oferta relativa. Isso porque, de um lado, a oferta de portadores de diploma universitário aumentou muito mais do que a oferta de profissionais do tipo mencionado e, de outro, porque acreditam que os quadros administrativos e técnicos (colarinho branco) não retornarão tão cedo à taxa de expansão que conheceu até meados da década de 70.

Na área metropolitana de São Paulo é hoje perfeitamente aceito que um bom técnico de nível médio (encanador, pintor, eletricista, caldeireiro, gerente de supermercado) ganhe mais do que um engenheiro, contador, administrador ou economista no estágio inicial e intermediário de suas carreiras. A mudança já começou, só não se apercebem dela aqueles que por resistência se recusam. A escassez relativa de mão-de-obra de nível médio se deve ainda a questões de status, prestígio e perspectivas de ascensão social. A classe média, e mesmo a baixa, sempre buscou no diploma universitário o canudo que contém a chave do paraíso. Apesar dos constantes encómios ao ensino técnico e profissionalizante, como já lembrou uma autoridade federal em educação, ele é ótimo e conveniente aos filhos dos outros. Quando se trata de nossos próprios filhos e filhas, o que buscamos é o canudão universitário. As tentativas de conferir ao ensino médio ou de 2.0 grau um caráter profíssionali, zante, até o momento, fracassaram, esbarrando em obstáculos os mais diversos que vão de falta de docentes qualificados à falta de investimentos em edifícios, laboratórios e oficinas e até mesmo à pura fraude, como ocorre hoje com a maioria dos cursos de 2.0 grau, que deveriam ser, a rigor, profissionalizantes.

Outra característica importante do mercado de trabalho que precisa ser atentamente observada pelo profissional de recursos humanos preocupado com o planejamento empresarial é o da localização geográfica dos empregos. Do início do século até o momento, a população brasileira urbanizou-se, com particular aceleração a partir dos anos 50. Essa urbanização caracterizou-se pelo desenvolvimento de grandes áreas metropolitanas, que hoje contém parte substancial da população nacional. As áreas metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte estão com aproximadamente 23.700 habitantes e contêm quase 20% da população brasileira.

Atualmente, o indicador da economia que causa maior apreensão não é a inflação, mas o desemprego. E esse tem crescido e particularmente nas áreas metropolitanas. Nas três áreas que acabamos de mencionar, o quadro de desemprego é gerador de muita apreensão. Por outro lado, há projetos se desenvolvendo, fora do âmbito metropolitano, e que estão absorvendo enormes inversões, e certamente gerando empregos. Projetos hidrelétricos, agropecuários, agrícolas, de mineração e de.alternativas energéticas. As perspectivas econômicas brasileiras, e muito especialmente o estrangulamento do "setor externo", tornam esses projetos irreversíveis. É imperioso exportar, arcar com o serviço da elevada dívida externa, além de gerar poupança interna. Todos estes fatos implicam hoje, e mais fortemente ainda nos próximos anos, um deslocamento da oferta de empregos para fora das áreas metropolitanas em direção ao campo, à fronteira e em cidades menores.

3. O EXECUTIVO DE RECURSOS HUMANOS E O PLANEJAMENTO EMPRESARIAL

As características do planejamento empresarial e a natureza dos insumos necessários para que ele possa ser executado numa empresa tornam imprescindível a participação do profissional de recursos humanos. Curiosamente isto não vem acontecendo entre nós, o que nos leva a fazer algumas perguntas. Não vamos fazê-las agora simplesmente porque respondê-las nos distanciaria do tema que estamos abordando. Acreditamos que a exclusão do profissional de recursos humanos do grupo central que se ocupa da estratégia empresarial se deve às mesmas razões que respondem pela mesma importância relativa do profissional de recursos humanos entre nós. O assunto é clássico e não compensa retomá-lo aqui. O que importa é reconhecer que um conceito suficientemente realista e abrangente de planejamento empresarial não pode prescindir da colaboração dos profissionais de recursos humanos, o que equivale a afirmar o caráter essencialmente de cúpula da gestão de recursos humanos.

A participação efetiva do profissional de recursos humanos no planejamento empresarial implica a adoção de certas atitudes e perspectivas pelo profissional de recursos humanos que trataremos nesta parte final.

1. É indispensável que o profissional de recursos humanos adote uma perspectiva efetivamente administrativa, pondo termo às ambigüidades de que padece ao inserir-se no sistema de poder e decisão da empresa. £ comum que as áreas de produção, finanças e comercialização se autoproclamem o centro da gestão da empresa. Curiosamente, apesar dos protestos velados, os profissionais de recursos humanos tendem a respaldar essa autoproclamação, acatando-a, senão por palavras, pelo menos ao nível do comportamento que é o que efetivamente importa. Assim, o profissional de recursos humanos omite-se de participar ou de manifestar-se sobre questões fundamentais de objetivos empresariais, para reduzir o seu papel ao fornecimento de uma gama de serviços às demais funções que acabam por legitimar a célebre função-meio ou instrumental da área de recursos humanos.

O profissional de recursos humanos entre nós ainda é ambíguo com relação à assunção de um papel de administrador. Isso pode ter várias explicações, que incluirão o fato de que muitos sentem-se efetivamente inseguros enquanto administradores e bem mais seguros enquanto responsáveis pela prestação de um serviço interno, ou pela gestão de uma função-meio. A área ainda conta com muitos profissionais que não possuem formação e perspectivas administrativas, embora sejam bons gestores de uma função-meio ou de serviço.

O planejamento empresarial é uma perspectiva da cúpula empresarial. Embora as visões e pontos de vista dás várias áreas funcionais possam ser importantes, há um ponto central onde os objetivos das várias áreas funcionais perdem necessariamente relevância. Enquanto membros da cúpula empresarial, os profissionais de finanças, comercialização e produção não falam necessariamente de suas respectivas áreas, mas falam da empresa enquanto totalidade, de seus objetivos e dos meios para atingi-los. O profissional de recursos humanos manifesta exatamente nesse ponto a sua ambigüidade que acaba por excluí-lo do grupo central e da perspectiva de cúpula. Ele simplesmente se omite quando são tratados assuntos que não envolvem a área de recursos humanos enquanto área funcional da empresa.

2. O profissional de recursos humanos deve, portanto, adotar a perspectiva da cúpula administrativa. Entre nós a área de recursos humanos teve uma evolução muito diversa daquela que caracterizou a área nos EUA e na Europa. Embora tenhamos traduzido textos americanos e europeus e adotado a tecnologia administrativa de recursos humanos desenvolvida naqueles países, não há como negar que o contexto histórico, social, econômico e político da área de recursos humanos no hemisfério de cima é bastante diversa de tudo o que já aconteceu entre nós. Não se pode negar que a importância assumida pela área e pelo profissional de recursos humanos no hemisfério norte não se deveu, paradoxalmente, tanto aos seus próprios méritos e esforços, mas mais à existência de um movimento operário agressivo, mobilizado e, conseqüentemente, atuante. Entre nós tal movimento nunca existiu. Quando ameaçou esboçar-se foi seve amente reprimido ou simplesmente cooptado. Obviamente, a ausência de uma mão-de-obra articulada e mobilizada auxiliou bastante para que a área de recursos humanos se reduzisse a pura instrumentalidade. Esta redução à instrumentalidade afastou a área e os seus profissionais da cúpula empresarial. Se as empresas entre nós enfrentavam ameaças para sua sobrevivência, consolidação e avanço, no mercado, na área tecnológica e na gestão financeira, o mercado de trabalho sempre foi plácido e sem muitas turbulências, a não ser ocasionalmente. Isso ajuda a explicar por que enquanto os profissionais de produção, finanças e comercialização entravam no grupo central e desenvolviam uma visão de cúpula, o profissional de recursos humanos permanecia confinado à sua função e a uma visão parcial da empresa.

O momento atual entre nós é pelo menos incerto no que diz respeito à natureza das relações trabalhistas e sua evolução. Aparentemente, haverá mudanças inevitáveis que, de resto, já vêm ocorrendo há algum tempo. Estas mudanças indicam um aumento da importância de recursos humanos, talvez de uma forma sem precedentes entre nós. Aproveitar inteiramente estas oportunidades dependerá dos profissionais de recursos humanos.

3. Ainda no que diz respeito ao relacionamento da área de recursos humanos com as demais áreas, elemento fundamental para determinar sua inserção na cúpula administrativa e sua participação no planejamento empresarial, importa destacar o seguinte :é necessário abandonar a atitude partidária e reivindicatória visando apenas á área de recursos humanos e esforçar-se por entender o que se passa nas outras áreas e vê-las também Como instrumentos de ação empresarial.

A ambigüidade do profissional de recursos humanos freqüentemente lhe propicia o que há de pior em dois mundos. Junto à cúpula da empresa, no caso, junto aos responsáveis pelas áreas de produção, comercialização e finanças, o profissional de recursos humanos é visto como o portador das mensagens e o representante dos pontos de vista dos empregados. Junto aos empregados é visto com suspeita porque acredita-se que represente os interesses e a longa manu da cúpula empresarial. De qualquer maneira, prensado entre campos opostos, o profissional de recursos humanos não alça freqüentemente sua visão acima dos problemas operacionais de sua própria área, o que constitui atitude inadequada ao planejamento empresarial. A participação na formulação de estratégia empresarial implica desenvolver uma atitude de empatia para com as demais áreas da empresa. Afinal, a nível estratégico, os problemas não se esgotam na disputa por recursos, influência e poder entre as áreas funcionais. Há uma dimensão comum que transforma todas as áreas em instrumentos de ação empresarial e que implicam que cada área se esforça por adotar a perspectiva das demais. É reconhecer que ao nível estratégico todos devem esforçar-se para empatizar com a perspectiva, problemas, sugestões e soluções oferecidas por todos os outros. Esta empatia, se desenvolvida, fará muito para que ocorra participação, integração e uma perspectiva de cúpula.

4. O profissional de recursos humanos deve, enquanto participante do planejamento empresarial, desenvolver uma visão de objetivos empresariais. Entre nós desenvolveu-se uma falsa dicotomia a propósito do objetivo de uma empresa, uns centrando os objetivos em resultados econômicos, outros apelando às responsabilidades ou dimensões sociais da atividade empresarial. O profissional de recursos humanos é freqüentemente apanhado na teia desse falso dilema e pende para assumir o lado das responsabilidades sociais.

O dilema é falso porque a empresa é essencialmente uma organização de natureza econômica e a acumulação através de atividades bem-sucedidas o seu principal objetivo. Se uma empresa delinear mercados, desenvolver e manufaturar produtos, prestar serviços - e isso de maneira eficiente - seguramente o resultado econômico será de imediato lucro, e a médio e longo prazos o crescimento. Se este for o curso seguido por uma empresa saudável, ela terá dado o passo decisivo e percorrido a maior parte do caminho para que também se desincumba de suas responsabilidades sociais. A oferta de empregos, o pagamento de salários dignos, o oferecimento de perspectivas de carreiras aos seus empregados, bem como a estabilidade no emprego, só podem ser oferecidos por empresas economicamente bem-sucedidas, que tenham conseguido firmar-se no mercado e, evidentemente, cuja operação renda lucros. Não sejamos ingênuos imaginando que resultados econômicos favoráveis por si sós assegurem boas contribuições da empresa à dimensão social. Porém, sem o sucesso propriamente empresarial todo o mais automaticamente se inviabiliza. Portanto, é fundamental que o profissional de recursos humanos, enquanto integrante dos que planejam estrategicamente a empresa, se dedique a objetivos empresariais no sentido propriamente econômico, a saber, colaborar para que a empresa desenvolva produtos, serviços e mercados. Só depois disso é que outras demandas poderão ser suscitadas.

S. Dada a formação e os itinerários profissionais de vários executivos de recursos humanos, entre nós não é descabido, nem tampouco irreverente, sugerir que se dediquem a aprimorar o domínio sobre o instrumental administrativo, especialmente daqueles que são mais freqüentemente utilizados no planejamento empresarial. Dentre eles acredito fundamental o entendimento do funcionamento do sistema econômico como um todo. Não se trata de transformar todo administrador de empresa em economista. Evidentemente, não se pretende insistir que o administrador domine o complexo e abstrato campo da teoria econômica. Estamos pensando no entendimento do funcionamento da economia e como as várias partes agem umas sobre as outras - um pouco de análise das várias posições de mercado ou um entendimento sumário de análise microeconômica, noções de moeda e de funcionamento do sistema financeiro, noções sobre comércio internacional e conceitos fundamentais de macroeconomia.

Além da parte propriamente econômica, é importante que o profissional de recursos humanos não descuide da administração propriamente dita. É um fato da vida empresarial que uma linguagem comum na administração empresarial que se aplica a todas as áreas é a contábil-financeira. Planos, previsões de venda, planejamento de recursos humanos, desenvolvimento de produtos, reequipamento das fábricas, etc. devem se expressar finalmente em unidades monetárias. Quando passamos à linguagem do planejamento empresarial propriamente dito, será igualmente inevitável que alternativas, cursos de ação e objetivos acabem encontrando expressão em linguagem contábil e financeira. Além disso, o acompanhamento (foüow-up) da ação administrativa ou simplesmente a implementação dos planos e o desempenho empresarial são freqüentemente colocados em termos financeiros. A transformação de atos em suas conseqüências monetárias e o posterior relacionamento desses dados, de maneira a que se construam índices financeiros, constituem ainda a forma mais freqüentemente utilizada para avaliar o desempenho empresarial e, portanto, saber como os planos vão sendo implementados. Por isso, nunca será demais insistir na conveniência de que todos os que estão envolvidos no planejamento empresarial, inclusive o profissional de recursos humanos, se mantenham familiarizados com os elementos básicos da administração contábil e financeira.

Ainda convém lembrar que a empatia com relação aos problemas e objetivos das várias áreas funcionais só será plenamente desenvolvida através do conhecimento. Empatia por uma área que não leve a conhecê-la um pouco na intimidade nunca passará de uma manifestação de simpatia e boa-vontade. O aprofundamento da empatia levará necessariamente à curiosidade pela área e à busca de maiores informações a seu respeito.

Acreditamos termos conseguido, com o que foi exposto, levantar pontos interessantes não só quanto à reflexão e ao debate, mas especialmente para que se orientem as ações dos profissionais de recursos humanos, hoje mais do que no passado, desejosos de se integrarem ao âmago da gestão das empresas onde colaboram, entrosando-se nas práticas do planejamento empresarial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1982
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