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Dependência, desenvolvimento e ideologia

ARTIGOS

Dependência, desenvolvimento e ideologia

Fernando Henrique Cardoso

Diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP

Este artigo é parte de um trabalho mais amplo, no qual são analisados alguns aspectos da ideologia dos empresários industriais argentinos e brasileiros. A análise se fêz com base em investigações de campo realizadas em 1965 e 1966 sob o patrocínio do Instituto Latinoamericano de Planicificación Económica y Social (ILPES), da Organização das Nações Unidas, sediado em Santiago. O projeto geral foi orientado pelo autor deste artigo, porém, as investigações de campo realizaram-se no Brasil (em convênio com o Instituto de Ciências Sociais da antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro), sob a direção de Luciano Martins e na Argentina (em convênio com o Consejo Nacional de Desarrollo), sob a direção de Juan Carlos Marin. Parte do material então coletado foi analisado por Luciano Martins em seu livro Industrialização, Burguesia Nacional e Desenvolvimento, e uma primeira análise comparativa foi feita pelo autor deste artigo em Política e Desenvolvimento em Sociedades Dependentes, livro ainda inédito, do qual extraímos o presente trabalho. Aqui analisamos alguns dos aspectos contidos no questionário (elaborado no ILPES) que foi aplicado naquela ocasião a uma amostra de grandes empresários industriais argentinos e brasileiros, bem como a outra amostra de empresários nacionais médios.

Procuramos mostrar neste artigo como as empresas nacionais estão vinculadas ao mercado internacional e de que modo essa vinculação interfere em alguns aspectos da ideologia dos empresários industriais argentinos e brasileiros.

1. Dependência Estrutural

É desnecessário, para os objetivos deste artigo, fazer uma caracterização minuciosa do modo de vinculação das empresas controladas pelos informantes com o sistema industrial capitalista. Basta mostrar que quando se consideram somente empresários nacionais, a análise revela que é possível estabelecer uma graduação cumulativa pela qual vão-se constituindo na nação enlaces crescentes de interdependência entre o sistema produtivo internacional e a produção industrial. Os índices hierárquicos que se seguem, organizados em forma de uma escala de tipo Guttman, mostram a distribuição dos informantes quando se leva em consideração o tipo de vinculação nas empresas principais que eles controlam e algumas variáveis que indicam formas de ligação com o sistema internacional de produção.

No caso do Brasil, as perguntas foram semelhantes e o critério de contabilização dos pontos foi o mesmo. O resultado obtido se encontra no Quadro 2.


Advertimos inicialmente que não se trata de mostrar pelas escalas anteriores um processo de desnacionalização, ainda que tal processo exista, assim como existe a tendência no sentido de que os setores mais modernos e dinâmicos da economia sejam cada vez mais controlados por grupos internacionais ou pelo Estado.2 Os industriais não foram selecionados pelo critério de maior ou menor controle nacional de ações: os empresários analisados neste trabalho são todos nacionais. Entretanto, ainda assim, uma parte das indústrias controladas pelo setor nacional do empresariado (e ocorre o mesmo com mais forte razão com as que são controladas por grupos externos ou as que se associam a eles em proporções mais consideráveis que os empresários aqui estudados), estabelece relações com o sistema internacional de produção e começa a participar dele. Esse fenômeno, que implica na internacionalização do mercado interno, aparece nos índices apresentados, embora, como é óbvio, a intensidade do processo seja maior no caso das empresas que não são nacionais. As escalas mostram a proporção de empresas nacionais que se vinculam com o exterior mediante pagamento de gastos tecnológicos (royalties, patentes, know-how), a proporção das que recebem financiamentos através de fontes bancárias estrangeiras e internacionais e a proporção das empresas ou pessoas radicadas no exterior que têm participação no capital. Como os itens que proporcionam essas informações são escaláveis, lendo-se os resultados de baixo para cima, podemos comprovar que as empresas que são parcialmetne controladas acionàriamente por grupos estrangeiros tendem a receber financiamento externo e, recebendo esse financiamento, pagam gastos tecnológicos ao exterior. Porém, a recíproca não é verdadeira, isto é, nem todas as empresas que pagam gastos tecnológicos são financiadas pelo estrangeiro ou estão associadas a êle.

Como era de se esperar, as grandes empresas apresentam maior tendência do que as médias a se vincularem com o sistema internacional de produção e desta forma se modernizam mais do que as empresas médias.

Por outro lado, como também se esperava, ao verificarmos a distribuição dos tipos de vinculação com o exterior em função do ramo da atividade industrial - o que será exposto somente para o caso do Brasil, se bem que não ocorra de forma diferente na Argentina - notamos que existe uma clara tendência de associação entre setor moderno de produção (ou seja, o setor industrial que requer alta concentração de capital sob a forma de inversão tecnológica) e dependência estrutural do exterior (ver adiante Quadro 15).

Antes de prosseguirmos com a análise, convém registrar que as escalas revelam uma diferença significativa entre empresas argentinas e brasileiras no modo de vinculação com o exterior; enquanto as empresas argentinas tendem a estabelecer vínculos financeiros sem estar ligados por laços tecnológicos, nas brasileiras a vinculação tecnológica se verifica com maior freqüência e independentemente das vinculações financeiras. Esses resultados podem ser interpretados distintamente; tanto podem significar maior desenvolvimento tecnológico autônomo por parte do sistema industrial argentino, como, ao contrário, podem indicar que a participação financeira externa se dá inclusive nas empresas não dinâmicas, o que revelaria menor capacidade de autonomia do empresariado nacional. Por outro lado, comparando-se as informações sobre as grandes empresas brasileiras e argentinas, comprova-se que entre estas últimas somente 28,5% pagam gastos tecnológicos, enquanto 50% das grandes empresas pagam-nos. Essas tendências, do mesmo modo, tanto podem indicar um grande desenvolvimento tecnológico por parte do sistema industrial argentino, como podem significar que o setor nacional do empresariado controla os ramos menos modernos e dinâmicos. Até o momento não temos notícia de informações adicionais capazes de confirmar quaisquer das hipóteses. Essa limitação obrigou-nos a considerar globalmente apenas dois grupos de empresas: as que não apresentam nenhum vínculo com o exterior e as que estão de algum modo vinculadas com o exterior. Procedendo assim, além de poder supor - em vista das informações contidas no Quadro 15 - que o setor não internacionalizado da economia apresenta maior tendência a um baixo nível tecnológico e se concentra em ramos industriais menos dinâmicos, pode-se ordenar as empresas a partir da dimensão claramente estabelecida de possuir ou não vinculações com o exterior.

Os dados apresentados até agora, descrevem em parte a situação que pode ser conceitualmente concebida como de dependência estrutural. A descrição é parcial porque, em verdade, esse tipo de dependência aparece mais amplamente quando se concentra a atenção sobre o setor propriamente estrangeiro da economia industrial e sobre o setor nacional a êle ligado. Não obstante, justamente porque o setor analisado é menos permeável à internacionalização, a comprovação de que mesmo nele a dependência se verifica e incide sobre as orientações políticas dos empresários, como veremos adiante, constitui uma prova crucial das hipóteses que éste artigo sustenta. Convém repetir que a dependência estrutural, tal como é concebida neste trabalho, se distingue do conceito de dependência externa utilizada pelos economistas e da idéia de que existe um setor nacional e um setor estrangeiro nas economias subdesenvolvidas. Evidentemente, tanto existe uma dependência externa, com graus variáveis, como um setor econômico estrangeiro, nas economias subdesenvolvidas. Sem dúvida, a dependência externa se manifesta por dimensões econômicas como a relação entre o coeficiente de importação e o pnb, o crescente endividamento dos países subdesenvolvidos etc, fatores estes que não estão sendo considerados nesta análise. E, por outro lado, a distinção entre o setor estrangeiro e o setor nacional da economia supõe uma diferenciação no modo de comportamento das unidades produtivas e de quem as controla em cada um dos dois setores. Entretanto, essa diferenciação parece modificar-se quando a economia interna se internacionaliza, isto é, quando passa a operar estruturalmente vinculada ao modo de produção internacional industrial-capitalista, segundo suas técnicas, e mantendo relações financeiras com êle, independentemente do controle acionário ser nacional ou estrangeiro. A idéia de dependência estrutural sublinha que esses fenômenos se dão em um contexto social e político em que as solidariedades, as alianças entre os grupos e os sistemas normativos por eles compartilhados redefinem-se em função de novo corte estrutural significativo: pertencer ou não ao setor internacionalizado da economia nacional. Verifiquemos esta proposição começando com a análise da incidência da dependência estrutural sobre as orientações ideológicas caracterizadas em trabalho anterior.

2. Orientações Políticas e Dependência Estrutural

As diferenças percentuais indicam que existe uma associação entre os dois fenômenos considerados. Convém notar que quando se distinguem as graduações no modo de vinculação com o exterior, as diferenças se tornam mais significativas, pois, considerando-se somente as categorias extremas, isto é, quando não existe nenhuma vinculação com o exterior, por um lado, e quando ocorre o máximo de vinculações possíveis, por outro lado, têm-se os resultados constantes do Quadro 5.


Além disso, a relação entre dependência estrutural e orientação ideológica, medida pelos indicadores considerados, aparece delimitada em sua extensão quando se inverte a pergunta, para saber entre os que são favoráveis a cada tipo de aliança, como se distribuem as freqüências (veja Quadro 6).


Não há dúvidas quanto aos resultados: quanto mais vinculações com o exterior apresentam as empresas dos informantes, menos favoráveis são eles às alianças com os trabalhadores e vice-versa. Entretanto, aparece nesse nível da análise uma tendência no sentido de que existe um comportamento diferencial entre os que não são partidários de uma política populista: parte deles opta por uma visão política que exclui outros grupos sociais, enquanto que outro setor se manifesta favorável a alianças com os grupos que manipulam o Estado e as Forças Armadas.

Do mesmo modo, as orientações ideológicas medidas por índice hierárquico que considera os itens aliança com os trabalhadores, fortalecimento de bloco ocidental e outros, quando são analisados em função da situação estrutural, vão apresentar resultados que não fazem mais do que confirmar as interpretações acima. Para não exagerar na apresentação de tabelas que sustentam as mesmas interpretações, sem adicionar, contudo, mais força aos argumentos, basta que reproduzamos a tabela do Quadro 7.


Com menor nitidez, ainda que na mesma direção, a tendência à associação entre orientação populista e vinculação exclusiva ao sistema nacional de produção, também se manifesta no caso da Argentina. (Veja Quadro 8.)


Análises comparativas anteriores (ainda não publicadas) sobre o modo de vinculação do sistema industrial argentino e brasileiro com o exterior assinalam que, no caso da Argentina, a vinculação financeira é mais intensa que a tecnológica. Como esta última tem uma importância muito especial na etapa de industrialização restritiva, característica das sociedades industriais excludentes, é lícito indagar como se relacionam as orientações ideológicas quando se faz uma dicotomia na variável dependência estrutural agrupando os entrevistados que obtiveram scores 0 e 1, contra os que obtiveram 2 e 3 no índice hierárquico apresentado antes (veja Quadro 9).


O Quadro 9 revela com maior nitidez a tendência esboçada no quadro anterior: quanto mais dependente tecnologicamente, menos favorável às alianças políticas com os trabalhadores e viceversa.

Uma vez mais, convém chamar a atenção para o significado real dessa análise. Não é possível esquecer que os índices de orientação ideológica foram construídos a partir da suposição de que a tendência predominante se concentrava em respostas que foram classificadas como elitistas e isolacionitas. Atrás dessa tendência é possível recuperar certas dimensões da ideologia política da burguesia que revelam possibilidades latentes de diferenciação. São essas possibilidades latentes as que se expressam nas categorias populismo, internacionalismo, economicismo, apoliticismo etc. Por outro lado, o que demonstramos até agora neste artigo foi a existência de uma relação entre essas tendências e o modo de vinculação das empresas controladas por industriais nacionais com o sistema de produção. Portanto, os dados não significam que continue existindo uma burguesia nacional disposta a aliar-se com os setores populares, depois que a situação global de dependência assumiu conotações de uma internacionalização crescente do mercado; o que os resultados da análise permitem afirmar é que, no conjunto do empresariado nacional, existe um setor que não reorganizou seu modo de relação com o sistema de produção depois das modificações sofridas por este; nesse setor encontra-se, em comparação com os demais setores, uma proporção maior de industriais que orientam suas escolhas políticas, virtualmente ou de forma latente, pela aceitação de uma aliança de estilo populista.

3. A Ideologia Nacional-Populista

Sem dúvida, o significado real da opção por uma aliança política com os trabalhadores deve estar delimitada pela análise das variações entre essa escolha e opções que revelem outras dimensões do universo ideológico dos empresários.

Com efeito, para que a interpretação da tendência encontrada tenha sentido, convém verificar se os empresários favoráveis às alianças com os trabalhadores respondem às expectativas políticas de uma ideologia nacional-populista.

Comecemos com o problema dos conflitos de interesse entre o setor industrial e o setor agrário. Viu-se em outros trabalhos que os empresários que assumem uma ideologia do tipo populista não aceitam, em forma significativa, maior grau de conflito agroindustrial, em comparação com os empresários que assumem outros tipos de ideologia. Verificaremos agora, introduzindo a dimensão dependência estrutural, como se comportam os empresários. (Veja Quadro 10.)


Este quadro permite compreender um pouco melhor a relação entre ideologia e dependência na análise dos conflitos entre os grupos agrários e os setores industriais. É indiscutível que a maioria dos industriais não aceita a existência de tais conflitos, mas é também claro que os mais vinculados ao exterior são os que mais percebem essas oposições. No caso do Brasil, existe uma diferença percentual de 30% para comprovar que existe uma associação positiva entre depender estruturalmente do exterior e perceber oposições de interesses entre o setor agrário e o setor industrial.

A análise conjunta das três dimensões (orientação política, dependência estrutural e percepção dos conflitos agro-industriais) vai assinalar, entretanto, que a ideologia política se não determina a tendência à maior ou menor percepção dos conflitos intersetoriais na burguesia - pois a dependência estrutural pesa mais que ela - incide sobre essa percepção. Assim, entre os empresários que dependem estruturalmente do exterior, os populistas são os que menos percebem essa oposição, embora entre os empresários não vinculados ao exterior, a qualificação populista ou não populista seja praticamente inoperante (Veja Quadro 11.)


De qualquer modo, os resultados desta análise não conduzem à idéia de que existe uma relação entre desvinculação com o exterior - populismo - oposição aos setores agrários. Quando se indagou em trabalho anterior, se a escolha dos trabalhadores como aliados políticos corresponde a uma visão desenvolvimentista na avaliação do papel do Estado, os resultados tampouco permitiram afiançar a idéia de que os empresários de orientação populista eram mais desenvolvimentistas e agora é possível mostrar que a independência estrutural não está relacionada significativamente com a ideologia favorável ao Estado desenvolvimentista (Quadro 12).


Tampouco é possível sutentar, quase por definição (dado que a modernização exige maior know-how e este, como vimos, é estrangeiro) que o grupo sem vinculações com o exterior se caracteriza por uma orientação mais moderna ao nível interno da empresa, a julgar pelos indicadores de que dispúnhamos. Pelo contrário, no caso da Argentina, 61% dos empresários em vinculações com o exterior seriam tradicionais, contra 39% modernos, enquanto entre os empresários cujas empresas são vinculadas estruturalmente ao exterior, há 53% tradicionais contra 47% modernos.

Em suma, segundo estes dados, o setor do empresariado nacional que parece aceitar, ainda que apenas em forma latente, uma aliança política com os trabalhadores, aparece como pouco progressista. Trata-se de um setor que não tem uma visão de tipo moderno do processo do desenvolvimento, isto é, que não vê no Estado recurso importante para a transformação industrial, nem tende a um comportamento moderno no âmbito da empresa, além de manter uma visão conservadora sobre os conflitos de interesses com o setor agrário. Tudo isto, em aberta contradição com a ideologia que atribui a esse setor de empresariado a missão histórica de assumir a meta de realizar os destinos da Nação.

4. Sistema Produtivo, Mercado e Ideologia

Na realidade, é difícil aceitar a hipótese de que um grupo com essas características se proponha efetivamente a seguir uma política de transformações baseada em alianças policlassistas. Nesse sentido, seria conveniente inverter agora os termos da pergunta e indagar sobre o papel dos interesses puramente econômicos como eixo ordenador da visão do mundo dos empresários nacional-populistas. A predominância desses interesses implicará, na prática, em negar a validade dos adjetivos nacional e populista, como qualificativos aplicáveis a esse tipo de empresários .

Tomemos como ponto de partida analítico o mesmo critério que propusemos em outro trabalho para definir as conseqüências de desenvolvimento excludente, baseado na industrialização restritiva: as diferenças do tipo de demanda e de tipos de mercado. A primeira observação a fazer se refere à relação entre o modo pelo qual os industriais em questão se ligaram ao sistema de produção industrial e a importância atribuída por eles à ampliação do mercado para além das fronteiras nacionais. Com efeito, toda a teoria de um possível desenvolvimento nacional baseado na aliança de uma burguesia empresarial dinâmica com as massas se fundamenta na suposição de que a industrialização desejada por essa burguesia revolucionária requer a absorção, pelo mercado, de um número crescente de consumidores. Já temos visto, no plano ideológico, as limitações que essa política sofre como conseqüência da persistência na opinião dos empresários cujas idéias sustentam ser indiferentes os interesses de todos os setores da burguesia (rural ou urbana). Do mesmo modo, a oposição que os industriais manifestam a medidas como a reforma agrária e as políticas favoráveis à redistribuição da renda limitam o alcance do atributo populista como qualificativo de empresários nacionais. Vejamos nos Quadro 13 e 14 - com base em informações e não em opiniões - a relação que existe, por um lado, entre vinculação ou autonomia frente ao modo internacional de produção industrial e, por outro, quais são as medidas tomadas ante a ALALC - que, como se sabe, é a instituição na qual os empresários latino-americanos e seus governos discutem e resolvem quais devem ser os acordos preparatórios para uma integração econômica supranacional.



As tendências, nos dois países, são óbvias: quanto mais vinculada a empresa ao modo internacional de produção, tanto mais dinâmica atua para ampliar externamente o mercado. No caso dos empresários brasileiros, quando se isola, no conjunto dos que mantém alguma vinculação com o exterior, o grupo mais vinculado, e se verifica como agiu diante da ALALC, vê-se que todos tomaram algum tipo de medida - 25%, medidas passivas (do tipo procura de informação) e 75%, medidas ativas de integração das empresas ao mercado latino-americano através da ALALC. As análises anteriores demonstraram, por outro lado, que os grupos estruturalmente mais vinculados ao modo internacional de produção são os mais modernos, desenvolvimentistas etc., e demonstraram, ao mesmo tempo, que empresários desse tipo são reticentes quanto à ampliação do mercado interno. Parece que na prática, por outro lado, os setores mais dinâmicos da burguesia industrial preferem limitar o alcance revolucionário de sua atuação à consolidação de laços econômicos entre os núcleos industrializados e de consumo relativamente alto já existentes.

Quando se indaga como se distribuem os empresários por setor de produção, vê-se, por outra parte, como era de se esperar, que são justamente os industriais ligados aos setores tradicionais - alimentação, bebidas etc. - os que dependem menos de vinculações com o exterior. Pois bem, como esse fator incide sobre as escolhas de aliados políticos e sobre o comportamento efetivo no sentido de buscar ou não saídas para a expansão da produção através do mercado externo, percebe-se conseqüentemente que são os industriais vinculados ao consumo tradicional de massas os que, simultaneamente, mais apoiam medidas de alianças políticas com os trabalhadores e mantêm representações sobre o Estado, o Desenvolvimento e a Empresa, de tipo tradicional - isto é, não adaptadas às novas condições sociais da produção industrial.

Os resultados disponíveis que permitem confirmar essa interpretação se referem somente ao Brasil e são os que constam dos Quadros 15 e 16.



O quadro anterior mostra que os empresários das industrias que supõem um consumo moderno tendem a repelir as alianças políticas com os trabalhadores; entretanto, o fato de controlar industrias vinculadas ao consumo tradicional não é suficiente para explicar a menção aos trabalhadores como possíveis aliados, pois a relação é de somente 51% para 49%. Essa verificação exige comentários adicionais. Antes de mais nada, na categoria consumo tradicional de massas, estão incluídas empresas que provavelmente atendem a um mercado de baixas rendas, pois é evidente que as demais empresas, pelo menos as vinculadas aos transportes, as eletrodomésticas, as de metalurgia de consumo, também dependem da ampliação de mercado, mas de um mercado de rendas médias-altas e altas.

Por outro lado, parece que existem outros fatores que interferem na relação entre tipos de mercado e ideologia política. Os dados disponíveis permitem verificar, parcialmente, se a associação entre consumo ampliado de massas e ideologia política pode ser efetivamente precisada, quando se controla outra variável em questão, qualquer que seja o modo de vinculação com o exterior. Vimos que as empresas mais modernas são as que mais se vinculam ao exterior. Por outro lado, a maior vinculação com o exterior deve indicar, inclusive no caso das indústrias que têm sua produção orientada para o mercado tradicional ou de massas, quais as empresas que utilizam técnicas produtivas mais modernas, isto é, que se internacionalizam. É de se esperar que os industriais de empresas internacionalizadas sejam os menos favoráveis a alianças com trabalhadores, pois seu esquema de desenvolvimento suporá um tipo de relação política baseada mais no fortalecimento das alianças intraclasses e na expansão do núcleo econômico dinâmico-internacionalizado da economia, do que no populismo e na ampliação do consumo baseado no crescimento do número de consumidores. Esta interessaria mais aos industriais não ligados estruturalmente ao exterior, que buscariam consumidores capazes de absorver mercadorias produzidas em condições tecnológicas relativamente atrasadas. E, por outro lado, é de se esperar que a baixa relação entre setores industriais dinâmico-modernos e alianças políticas com os trabalhadores apareça ainda mais claramente determinada, quando se analisa em conjunto a relação entre dependência estrutural-tipo de indústria e orientação política, como se faz no Quadro 17.


O Quadro 17 confirma as hipóteses anteriores: o tipo de relação mantida com o sistema internacional de produção especifica e condiciona as escolhas políticas indicando quando se distingue empresas de consumo tradicional de massas das empresas de consumo moderno, quais são os empresários que se manifestam mais favoráveis às alianças com os trabalhadores. A relação entre consumo moderno e exclusão dos trabalhadores das alianças políticas, só tem sua significação especificada quando se separa as empresas estruturalmente dependentes das não vinculadas ao exterior. Neste caso, a associação entre consumo moderno e exclusão dos trabalhadores é forte. Em caso contrário, quando se trata de empresas não vinvuladas ao modo internacional de produção, existe predominância de opiniões favoráveis às alianças com os trabalhadores; é certo, por outro lado que, até esta altura da análise, essa preferência aumenta quando se trata de empresas que além de serem estruturalmente independentes fabricam mercadorias para o consumo que foi chamado de tradicional ou de massas.

Em conseqüência da análise do Quadro 17, depreende-se que objetivamente a categoria tipo de mercado depende da categoria relação estrutural (com as reservas assinaladas quanto aos indicadores disponíveis para caracterizar ambas). Entretanto, para que seja melhor interpretado o efeito que o tipo de mercado da empresa exerce sobre a ideologia política, convém considerar que subjetivamente, isto é, ao nível das representações mantidas pelos empresários, as expectativas que eles formam quanto às medidas que implicitamente supõem necessárias para a ampliação do mercado constituem-se em um dos pólos mais significativos de estruturação das ideologias empresariais. Assim, uma série de relações que foram analisadas no trabalho anterior e que revelaram organizarem-se em função das representações que os entrevistados mantêm sobre os outros agentes sociais podem ser reorganizados também em função dessa nova dimensão de sua representação do mundo, e ver-se-á que as preferências por cada forma particular de ação econômica relacionam-se com as represetnações anteriormente apresentadas. Em outras palavras, as escolhas de aliados políticos não são aleatórias quanto aos interesses puramente econômicos de classe dos empresários.

Para verificar essas afirmações, selecionamos dois tipos de respostas na pergunta relativa às medidas necessárias para a ampliação do mercado. Em um grupo juntamos os empresários que se manifestaram favoravelmente à reforma agrária e contra o auxílio à agricultura, mesmo que também fossem partidários e, indiscriminadamente, de algumas das demais medidas propostas como possíveis para a ampliação do mercado interno (redistribuição da renda, aumento de salários ou aumento da produtividade). No outro grupo foram reunidos os empresários que escolheram as demais categorias existentes no questionário, com exclusão da reforma agrária.

Supõe-se que deste modo se distinguem analiticamente dois tipos de orientação. Uma favorável à ampliação numérica ou quantitativa do mercado mediante a incorporação de novos consumidores e, outra, favorável a uma ampliação qualitativa do mercado pelo aumento do poder aquisitivo dos atuais consumidores. Os resultados das inter-relações desses dois grupos em função de algumas variáveis constam do Quadro 18.


Êste quadro, que permite ver como se distribuem as respostas em duas direções distintas, mostra que, inclusive em seu conjunto, os empresários tendem a se manifestarem fortemente contra a reforma agrária. Mostra ainda que dentre os que são favoráveis à reforma agrária, a maioria pertence aos setores industriais menos complexos. E, por outro lado, em comparação com os setores vinculados estruturalmente ao exterior, os setores independentes dessa vinculação são também os mais favoráveis à ampliação do mercado. Do mesmo modo, a análise do cruzamento entre as variáveis orientação política e as preferências sobre o tipo de ampliação do mercado confirmará as interpretações anteriores (Quadro 19).


Como se vê, entre os empresários favoráveis à ampliação numérica do mercado existe associação positiva com uma orientação populista em comparação com os demais, e, entre os populistas, também existe tendência maior para uma opinião favorável à ampliação numérica do mercado, ainda que todos os empresários, populistas ou não populistas, prefiram outras alternativas.

Comprovam-se tendências na mesma direção na análise de outras dimensões da ideologia empresarial que foram consideradas. Assim, com relação à visão do Estado, a preferência pela ampliação do consumo mediante a incorporação de massas estará associada a uma visão do Estado que pode ser qualificada de desenvolvimentista, mas não de liberal (72% versus 28%), em comparação com os que optaram por alternativas de ampliação qualitativa do mercado (41% versus 59%). Com relação à avaliação da conduta dos informantes no plano interno da empresa, verificou-se, também, que os favoráveis à ampliação do consumo de massas são modernos embora a maioria destes não seja favorável àquela política.

Diante destes resultados, não cabe dúvida de que a percepção do tipo de mercado considerado importante para o desenvolvimento - isto é, um mercado ampliado pela incorporação de massas ou um mercado ampliado pelo incremento das rendas de grupos reduzidos - se converte em eixo importante de orientação da estrutura ideológica dos empresários.

5. Interesses Econômicos e Poder

Os pólos propriamente políticos da organização e estruturação das ideologias que foram apresentados e discutidos no trabalho anterior levaram à verificação de que a burguesia industrial desenvolve ao nível das relações de poder, mais do que uma política, uma reação adaptativa. Os dados apresentados neste trabalho estão mostrando, entretanto, que quando se leva em consideração perguntas que se orientam para o nível das relações econômicas parece que, pelo contrário, as escolhas feitas pelos industriais permitem adivinhar - senão ler nelas - caminhos mais seguramente trilhados. A correspondência, nesse caso entre situação estrutural de dependência e tipo de mercado desejado e entre tipo de mercado e orientação política, revela que a conclusão parcial a que se havia chegado de que a burguesia industrial de países dependentes não têm vocação política hegemônica deve ser completada. Com efeito, essa verificação não significa que a burguesia industrial deixa de ter uma ideologia apropriada a seus interesses econômicos. Pelo contrário, estamos vendo neste trabalho que a imagem que os industriais formam sobre o tipo de mercado necessário para prosseguir no desenvolvimento e sobre seus interesses e aliados políticos não é aleatória com respeito às variáveis estruturais e econômicas que conformam a situação objetiva de seus interêsses.

Evidentemente, isso não quer dizer que as relações de poder deixam de incidir na conformação da visão do mundo da burguesia industrial dependente; quer dizer, somente, que essa influência é menor que o peso da situação de mercado, embora ela continue existindo e incida sobre as representações dos industriais.

Por outro lado, a inexistência de uma vocação hegemônica não significa que não exista uma política. Mas a política que se abre para as classes empresariais na situação de dependência é uma política de interesses divididos com as demais classes dominantes. Os conflitos e oposições entre os setores das classes dominantes se dão mais no nível econômico do que na esfera do poder. As ideologias analisadas mostraram que as visões sobre o desenvolvimento econômico e sobre o processo político mantidas pelos industriais, longe de deixar corresponder aos verdadeiros interesses da burguêsia industrial, correspondem aos reais interesses, não de qualquer burguesia industrial, mas sim aos de uma burguesia industrial particularmente situada, na qual um setor se orienta por valores de um tipo determinado (ampliação numérica do mercado, alianças políticas com os trabalhadores e, ao mesmo tempo, visão tradicional do Estado etc.) e outro setor, internacionalizado, tem seu pólo de referência voltado para outra direção. Por motivos distintos, esses dois setores, a julgar por suas ideologias, não se propõem ordenar à sua vontade a nação ou o espaço econômico em que agem: eles têm uma visão de grupo secundário na escala de poder- Em qualquer hipótese, porém, encontram justificações para uma orientação que é simultáneamente de subordinação política e de dinamismo econômico. Parece, portanto, que desenvolvimento econômico e dependência política surgem como situações compatáveis e mùtuamente implicadas.

Essa verificação já foi feita ao nível das sociedades globais: a internacionalização do mercado interno nos países periféricos abre a possibilidade estrutural para a compatibilidade entre dependência política e desenvolvimento econômico. O descobrimento de uma ideologia desse tipo entre os empresários industriais nacionais que participam do setor internacionalizado da produção industrial não faz senão proporcionar um degrau de mediação entre a análise estrutural que supõe possível a relação inferida e o comportamento político efetivo desse setor da burguesia industrial nos países dependentes. Ao proceder assim, essa análise valida, ao mesmo tempo, as interpretações teóricas que supunham transformações nas orientações da política empresarial na direção que se comprovou empiricamente neste artigo.

Evidentemente, como em toda a ideologia, o núcleo racional que a ideologia dos industriais encerra é relativo: freqüentemente, sobre a base de interesses reais, se constroem justificações e se formulam suposições enganadoras. Convém insistir que o tipo de investigação e de análise apresentados não permite prever o curso concreto da história. Esta conserva sua autonomia criadora, como praxis de classes que se enfrentam. Permite, entretanto, indicar os lineamentos da prática histórica. E permite estabelecer os nexos de significação da ação social: as ideologias elaboradas analiticamente na investigação mostram o conteúdo valorativo e os cortes de sentido que polarizam as orientações políticas dos empresários. O método de análise seguido não possibilita, naturalmente, determinar ou estimar as características do universo considerado em termos de uma inferência industiva. Por isso, não houve preocupação com a proporção ou o grau em que uma parte da burguesia industrial se orienta por valores nacional-populistas e está presa a uma situação nacional de produção, enquanto a outra parte se internacionaliza. Não obstante, foi possível fazer uma clara distinção entre esses pólos de referência como focos de estruturação das ideologias da burguesia industrial e pôde-se averiguar também que tipos de indústrias são as que se harmonizam estruturalmente com a sustentação de um ou outro tipo de orientação pelos empresários.

Como contraprova de interpretações propostas em outros trabalhos, esta análise permite ver também que, ao constituir-se um setor internacionalizado da produção nacional, as orientações políticas e a visão de desenvolvimento dos grupos vinculalados a esse setor se tornam homogêneas, independentemente das diferenças nacionais: o sentido e as proporções das freqüências entre as alternativas nas respostas dos empresários argentinos e brasileiros que pertencem à burguesia internacionalizada são os mesmos. Não é necessário repetir os quadros anteriores, nos quais se comprova esta afirmação. Basta relê-los para verificar o que afirmamos.

6. Conclusões

Este artigo supõe duas ou três idéias básicas. A primeira implica numa concepção do tipo de relação entre ideologias e estruturas. A segunda caracteriza, no plano estrutural, formas determinadas de relações entre as classes e alianças políticas possíveis em distintas situações de dependência. A terceira valoriza o conceito de sociedades industriais dependentes como elemento fundamental na interpretação de qualquer aspecto parcial - processo de diferenciação estrutural, processo político, ideologia etc. - nas relações entre as classes e no modo de orientação das classes nos países periféricos que conseguem levar adiante um processo de industrialização. A análise das ideologias do empresariado argentino e brasileiro permitiu que se verificasse o valor explicativo e as limitações dessas idéias.

Com efeito, sem recorrer em nenhum momento a expedientes metodológicos como os implícitos na transformação das ideologias em componentes funcionais de um sistema mais amplo, ou em reflexo de uma situação estrutural, foi possível recuperar analiticamente ao nível das próprias ideologias, a indicação da existência dos modos de relação que em trabalhos anteriores se havia suposto serem características do tipo de desenvolvimento industrial-dependente que prevalece na Argentina e no Brasil. Substantivamente, seria possível dizer que em termos de tendência predominante as ideologias do empresariado denotam a a existência de uma orientação política de fortalecimento do padrão convencional de distribuição de poder e orientação política das sociedades subdesenvolvidas. Entretanto, atrás dessa aparente conformidade, distinguem-se tipos de orientação que têm muito pouco a ver com a visão de uma classe industrial puramente conformista: é possível caracterizar, além de um grupo de orientação predominantemente econômica e apolítica, dois setores fortemente orientados por valores políticos. O sentido desses valores é distinto em cada um dos grupos. Enquanto um déles ainda aceita, de forma latente, a possibilidade de urna orientação política baseada no nacional-populismo, outro setor se orienta por valores internacionais-desenvolvimentistas.

Além disso, o conteúdo das orientações econômicas do setor nacional-populista não é necessariamente progressista e desenvolvimentista, assim como a uma posição de burguesia internacionalizante não corresponde, necessariamente, uma atitude econômica contrária à expansão do mercado interno, mas, sim, uma concepção particular do tipo de expansão requerida pelo mercado: a esse setor industrial interessa, mais que a incorporação de novos grupos ao mercado, a intensificação exponencial da capacidade de compra de classes sociais já integradas.

Assim, pois, se é certo que na análise reaparece a burguesia nacional, ela não surge provida ideologicamente dos objetivos e predisposições que lhe atribui a ideologia política vulgar. E, por outra parte, quando se relacionam as ideologias políticas com indicadores objetivos de dependência estrutural, verifica-se que os industriais que poderiam ser qualificados - com a liberdade de expressão e as limitações assinaladas no texto - de representantes de uma ideologia nacional-popular, são precisamente os que tendem a controlar os setores industriais tradicionais de baixa tecnologia e que dependem de um mercado de consumo de massas. Pelo contrário, os empresários da nação, mas não nacionais, que se orientam por uma visão internacionalizante, tendem a controlar os setores mais modernos e de maior desenvolvimento tecnológico.

Por outro lado, a correspondência entre o significado das ideologias e a situação estrutural não indica nada semelhante a uma falsa consciência da situação dos verdadeiros interesses de classe. Antes, assinala interesses de classe que não implicam politicamente numa visão hegemônica. A acomodação da burguesia industrial à forma particular de dependência em que ela vive não implica em incapacidade histórica para vislumbrar seus verdadeiros objetivos, mas sim no reconhecimento da impossibilidade histórica de uma política hegemônica. A falta de um projeto de dominação somente se revela como carência em comparação com uma suposta necessidade de existência de tal projeto. A análise da situação de dependência mostrou, entretanto, que a estrutura da situação não contém necessariamente um projeto político de hegemonia nacional a ser cumprido pela burguesia industrial.

Nessas condições, nem o setor ideológicamente nacional-populista, nem o setor internacionalizante, expressam em sua ideologia a vocação de domínio que caracterizaria uma classe ascendente que constrói uma nação. Pelo contrário, desenvolvem ideologias favoráveis a reações adaptativas no plano político, que os levam a aceitar em cada etapa compromissos com qualquer força politicamente vigorosa. Os limites para as acomodações possíveis são mais econômicos que políticos.

Isso leva à formulação de conclusões parciais que são aparentemente contraditórias: não só o grupo que se alimenta por uma ideologia nacional-populista é o menos apto estruturalmente para uma ação transformadora (dado à sua vinculação aos setores menos dinâmicos da economia), sendo o setor internacionalizante o economicamente mais progressista, mas também, em conjunto, ambos são politicamente acomodados. Têm, sem dúvida, uma politica econômica definida que se revela pela escolha de aliados políticos em função do tipo de mercado que lhes parece - e o é de fato - o mais adequado a seus interesses. Assim, a julgar por suas ideologias, não é no plano propriamente político de controle do poder, ao nível da sociedade global, que os setores industriais definem sua vocação à imposição, mas sim no plano econômico. Toda a literatura especializada destaca o fato de que nos países altamente industrializados, pelo contrário, os empresários modernos tornam-se cada vez mais ativos politicamente e mostra que o controle do Estado se transforma no instrumento decisivo da política empresarial.

Entretanto, essa contradição não resulta de uma simples inconsistência ideológica. Na realidade, ela expressa nada menos que um aspecto essencial da situação de dependência a que aludiu. Com efeito, desde o momento em que o sistema capitalista internacional de produção industrial se internacionaliza, deixa de existir nas nações dependentes uma relação necessária entre desenvolvimento, independência nacional e burguesa industrial. Nessas condições, encarada a partir do ângulo nacional, a política dos empresários locais parece ser simplesmente econômica porque não implica num projeto de controle hegemônico da nação. E, vista de seu verdadeiro ângulo de significação - a reorganização internacional das alianças políticas e a conseqüente redefinição do espaço econômico e político - essa política aparece como subordinada a interesses econômicos internacionais que freiam as veleidades de uma dimensão política hegemônica, à medida que restringem o Estado nacional. Por outro lado, à medida que o sistema econômico se internacionaliza, produz-se uma separação entre as aspirações políticas definidas nacionalmente e a ação econômica definida internacionalmente, bem como se manifesta uma crescente visão econômica do mundo por parte da burguesia internacionalizada, e uma crescente minimização do significado da política interna, entendida como o jogo de compromissos e oposições, entre classes sociais distintas, para realizar as reformas políticas que são de interesse desse setor da burguesia.

Nas sociedades dos países hegemônicos também se verifica uma separação entre economia e política, mas o processo tem sentido inverso: a expansão do sistema econômico nacional requer apenas secundariamente a expansão do mercado internacional e seu controle, enquanto o sistema político necessita cada vez mais de projetos e instrumentos de dominação internacional.

Isso indica, uma vez mais, a especificidade da situação das sociedades industriais e dependentes.

Como se pode ver neste e em outros trabalhos, não deixa de existir uma dimensão política no comportamento empresarial. Entretanto, a política da nova burguesia industrial dependente não pode desconhecer as condições econômicas em que atua. Como estas não exigem ampliação imediata do consumo de massas e requerem o fortalecimento dos laços econômicos entre as ilhas de desenvolvimento dos países dependentes e o sistema internacional de produção, a política da burguesia industrial dependente subordina as transformações internas e as alianças de classe ao objetivo prioritário do desenvolvimento dependente e internacionalizado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1970
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