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Antecedentes e fundamentos do acordo entre os bancos centrais da ALALC

ARTIGOS

Antecedentes e fundamentos do acordo entre os bancos centrais da ALALC

Laércio F. Betiol

Professor-Assistente do Departamento de Ciências Sociais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

O uso intensivo da cooperação internacional faz parte do novo aspecto que tomaram as relações internacionais após a Segunda Guerra Mundial. Suas origens são de caráter político, mas a sua aplicação tem-se estendido aos primeiros campos da atividade humana. Como movimento universal, ela existiu na Sociedade das Nações e continua na Organização das Nações Unidas (ONU). Depois ela se tornou também regional e como tal tem sido usada em todas as áreas do globo, ocasionando a formação de grupos de países que se unem em organizações regionais para a defesa de interesses comuns.

1. Tipos de Cooperação Monetária1 1 Para maior informação, veja-se nosso artigo Subsídios ao Estudo da Cooperação Monetária Regional Revista de Administração de Empresas, vol. 10, nº 3, setembro de 1970, p. 129-148.

No âmbito monetário podemos distinguir três tipos de cooperação: as zonas monetárias, a cooperação mundial, e a cooperação regional.

As zonas monetárias são conseqüentes do movimento colonizador. Atualmente há três zonas monetárias, que incluem países europeus e suas atuais ou antigas colônias: a Zona da Libra Esterlina, a Zona do Franco, e a Zona do Escudo, as quais têm como centros, respectivamente, a Inglaterra, a França e Portugal.

A cooperação monetária mundial é realizada através do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os países que dela participam comprometem-se a respeitar o acordo de constituição do Fundo o qual tem por objetivo promover a multilateralização das relações monetárias internacionais, através da estabilidade monetária e da não discriminação de tratamento entre os seus membros. A denominação específica mundial para esse tipo de cooperação monetária não é inteiramente própria pois há um certo número de países (os comunistas) que não fazem parte do Fundo. No entanto ela ajuda a estabelecer a distinção com relação aos dois outros tipos de cooperação.

A cooperação monetária regional teve extensivo uso na Europa do após-guerra e atualmente é conseqüência dos movimentos de integração econômica que estão sendo levadas a efeito em diversas áreas do mundo. Ela tem por objetivo tornar mais fácil o desenvolvimento do comércio entre os países membros de uma área de integração e, neste sentido, evitar que sejam aplicadas ao comércio regional restrições monetárias, tais como: tipos de câmbio múltiplos e flutuantes, moedas subvalorizadas e supervalorizadas, restrições quantitativas, depósitos prévios e devolução de diferenças. A cooperação monetária tem também uma fase ativa que é a da realização de reuniões entre representantes de bancos centrais, a troca de informações sobre políticas monetárias, a coordenação dessas políticas e a criação de entidades regionais para a canalização de créditos e a realização de compensações de saldos e pagamentos. Tais entidades podem tomar as formas de um mecanismo de compensação de saldos e pagamentos, de uma câmara de compensação e de uma união de pagamentos.

Em teoria não há ainda uma distinção bem nítida entre uma câmara de compensação e uma união de pagamentos, de maneira que se encontram conceitos diferentes sobre as mesmas expressões. Parece, no entanto, que a tendência é considerar a câmara de compensação como uma fase menos elaborada do que a união de pagamentos. Assim, uma câmara de compensação estaria apenas incumbida da concentração de dados e informações a respeito do comércio entre os seus membros e realizaria periodicamente a compensação dos saldos para a respectiva liquidação. Uma câmara de compensação pode ser com crédito ou sem crédito, segundo a manipulação deste esteja a seu cargo ou não. Uma união de pagamentos, por outro lado, envolveria uma câmara de compensação com crédito, seria provida de um fundo de trabalho e funcionaria como centro coordenador dos pagamentos referentes ao comércio entre os seus membros.

O tipo de cooperação monetária, objeto deste trabalho, é o regional. Como a região, objeto deste estudo, é a compreendida pela Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), onde a cooperação monetária regional foi nula até dez anos atrás, consideramos de grande importância a análise a partir dos primeiros passos naquele sentido, isto é, desde as reuniões ou conferências de troca de informações entre os órgãos incumbidos da elaboração da política monetária dos diversos países. Nesse sentido, as conferências de representantes dos bancos centrais, ou entidades correspondentes, desempenham o papel de arranque na cooperação monetária latino-americana. Dessas conferências tem resultado um conhecimento recíproco mais direto e profundo das diversas políticas monetárias, o empenho em promover certa coordenação entre tais políticas, bem como a assinatura de acordos, como o de padronização dos tratados bilaterais de comércio e pagamentos, o de compensação multilateral de saldos bilaterais e o de créditos recíprocos e compensação multilateral de saldos bilaterais.

2. Causas da Cooperação Monetária

Os países latino-americanos, principalmente aqueles que passaram por um rápido processo de industrialização, criaram uma estrutura de proteção às indústrias nacionais, a qual compreende impostos aduaneiros, restrições quantitativas à importação e restrições monetárias. A aplicação de restrições monetárias tornou-se prática comum devido à instabilidade econômica e conseqüentemente monetária que tem seguido pari passu com a industrialização, e ao caráter indireto de sua aplicação, se esse tipo de restrições fõr considerado como um imposto à importação .

As restrições monetárias criam obstáculos ao perfeito desenvolvimento da integração econômica, pois a barreira protecionista que é reduzida com as negociações tarifárias pode ser mantida através delas.

Os países latino-americanos são em geral possuidores de moedas fracas e freqüentemente inconversíveis. Esse fato, aliado à carência de divisas, cria dificuldades ao provimento de importações necessárias. Como a carência de divisas não pode ser superada a curto prazo, idealizou-se um processo de cooperação pelo qual se economizam divisas. Esse processo reduz o número de pagamentos, através da concessão de créditos recíprocos, da compensação de saldos e do pagamento em moedas fracas, com garantia de conversibilidade. Foi assim que a idéia da criação de uma união de pagamentos começou a tomar corpo na América Latina.2 2 A idéia inicial era criar um mercado comum compreendendo todos os pafses da América Latina e, neste sentido, a união de pagamentos seria única para toda a região. Com o desenvolvimento das negociações houve a separação da América Central, mas a idéia da criação do Mercado Comum Latino-Americano continua viva. As considerações que fazemos- sobre a união latino-americana de pagamentos incluem a América Central, portanto. Tal união visaria a resolver principalmente três problemas: a) melhorar o sistema de acordos bilaterais de comércio e pagamentos que restringiria o comércio entre os países latino-americanos; b) oferecer segurança aos países no sentido de que a liberalização do comércio não os conduziria a dificuldades de balança de pagamentos; c) encontrar um denominador comum entre os países de moedas estáveis do norte da América Latina e os países de moedas instáveis do sul.3 3 Veja DELL, Sidney S. Problemas de un Mercado Coman en América Latina. México, CEMLA, 1959, p. 133.

Assim como no caso da idéia de integração econômica da América Latina, a do estabelecimento de uma união de pagamentos na região foi fruto dos estudos e sugestões feitos pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), das Nações Unidas. Portanto, a idéia de integração e a de criação de um sistema de cooperação monetária na região foram basicamente exteriores à região, avançaram de fora para dentro. Não nasceram da vontade dos países se unirem para formar um grande bloco econômico e também político, como no caso europeu, mas da necessidade de estabelecer um esquema que previna o estrangulamento do processo de desenvolvimento econômico em que os países latino-americanos se encontram.

A formação de grupos econômicos internacionais tem sempre repercussão em áreas exteriores aos mesmos. No caso particular da América Latina, esse fato faz-se notar ainda mais salientemente devido ao estado de dependência econômica em que a região se encontra com relação aos países desenvolvidos do Ocidente. Por isso, na análise das negociações relativas à cooperação monetária realizadas entre os países latino-americanos não só se deve considerar as pressões internas como também as externas à área. Como se verá, foi entre as forças exteriores à região que se estabeleceu a grande controvérsia, embora não se possa dizer que houvesse pleno acordo entre os países latinoamericanos quanto ao processo pelo qual a cooperação monetária seria feita.

Nas páginas que se seguem, nosso estudo está dividido em três partes: a fase das negociações, o sistema de pagamentos da ALAL C e as considerações finais.

3. Fase das Negociações

O Tratado de Montevidéu que constituiu a ALALC não indica nenhum propósito dos países membros em estabelecer um sistema de pagamentos na Área, nem concede poderes específicos para seus órgãos desenvolverem a cooperação monetária regional. O motivo destas lacunas pode ser encontrado nos debates que precederam a sua assinatura e continuaram depois dela. O confronto deu-se entre as forças favoráveis e as desfavoráveis à criação de uma união de pagamentos na América Latina. Como foram diversos os elementos que entraram em conflito nessa disputa, resolvemos dividi-los em forças externas e forças internas à região. Entre os protagonistas externos consideraremos a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)4 4 Embora cientes de que a CEPAL é formada de uma maioria de técnicos latino-americanos, consideramo-la exterior à região porque ela é um órgão da ONU, situação, aliás, da qual retira sua influência e sua independência em relação aos países-membros. , o Governo dos Estados Unidos e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre os protagonistas internos à região consideraremos os bancos centrais, a secretaria da ALALC, a iniciativa privada dos países-membros, os partidos políticos e os sindicatos de trabalhadores.

3.1. FÔRÇAS EXTERNAS

A grande batalha pela criação de um sistema de pagamentos na América Latina e, posteriormente, na ALALC foi travada entre entidades que são exteriores à região, embora estejam ligadas a ela, quer por interesse específico (CEPAL), quer por interesses políticos e econômicos (Governo dos Estados Unidos), quer em razão do tipo de problema tratado (FMI).

3.1.1. POSIÇÃO DA CEPAL

A primeira sugestão oficial para a criação de um sistema que facilitasse os pagamentos interlatino-americanos foi feita pela CEPAL em 1949, num documento intitulado Compensación Multilateral y Pagos Internacionales.5 5 CEPAL. Compensación Multilateral y Pagos Internacionales. Santiago do Chile, CEPAL, 1949. Essa sugestão, entretanto, não teve aplicação principalmente devido à falta de condições propícias à cooperação, em voga na época. Entre as condições desfavoráveis podemos citar o emaranhado de contas bilaterais, controles de câmbio, e tipos de câmbio múltiplos de que se serviam os países na suas relações comerciais regionais. Não obstante, a CEPAL continuou a estudar o assunto e foi pouco a pouco angariando as simpatias e o apoio dos países latino-americanos. Já então havia o exemplo da bem sucedida União Européia de Pagamentos (UEP), o qual vinha a constituir um ponto positivo na argumentação da CEPAL.

A demanda pela necessidade da criação de uma união de pagamentos seguiu pari passu com o movimento em prol da formação de um mercado comum na América Latina. Mas também, concomitantemente, foram aparecendo as dissidências e salientando-se as oposições teóricas entre os técnicos da CEP AL, de um lado, e os do Governo dos Estados Unidos e do FMI, de outro.

A controvérsia pretendeu centrar-se dentro do caráter técnico e prático e por isso não houve na época muita divulgação a respeito e, quando houve, essa divulgação circunscreveu-se a livros especializados, em que os técnicos em economia internacional expunham suas opiniões, ou então a publicações de relatórios feitas pelas organizações internacionais, principalmente as Nações Unidas, somente consultados por especialistas.

O primeiro confronto direto a respeito do problema dos pagamentos deu-se na Segunda Reunião do Grupo de Trabalho dos Bancos Centrais, quando foi discutido um projeto para a criação de um sistema para a compensação multilateral de saldos bilaterais. Nessa ocasião, tanto os representantes do Governo dos Estados Unidos, como os do FMI manifestaram-se contrários à criação de tal sistema. Apesar disso, o sistema, foi aprovado e principiou a funcionar, embora por curto espaço de tempo, como se verá adiante.

Novos confrontos deram-se em maio de 1959 durante a Segunda Reunião do Comitê de Comércio da CEP AL na cidade do Panamá e, em janeiro de 1960, na Conferência das Partes Contratantes e dos Bancos Centrais, realizada em Montevidéu. Nestas duas últimas reuniões já se havia decidido quanto à separação do movimento integrativo centro-americano, de maneira que a controvérsia centrou-se apenas no sistema de pagamentos daquilo que viria a ser a ALALC. Na última conferência acima referida a CEP AL apresentou dois planos para a criação de um sistema de créditos, compensação, e pagamentos, que passaram a denominar-se plano I e plano II da CEPAL.6 6 UNITED NATTONS. Multilateral Economic Cooperation in Latin America, Vol. I, Text and Documente. Nova Iorque, United Nations, 1961, p. 87 a 106.

O plano I estabelecia um sistema de créditos a priori. Neste, as liquidações em moeda conversível seriam feitas somente no final do período de liquidação que poderia ser estabelecido pelas partes interessadas, entre 60 e 90 dias. No interior de cada país os bancos centrais liquidariam constantemente os saldos dos bancos comerciais membros do sistema.7 7 Idem, parágrafos 29 a 35, e 47 e 48. O plano II estabelecia um sistema de créditos a posteriori, isto é, as liquidações em moeda conversível seriam feitas diariamente pelo Banco Agente e dariam lugar ao reembolso a esse organismo ou por esse organismo dos dólares recebidos ou pagos, em quantidades que se mantivessem dentro das margens de créditos concedidos ou recebidos. No interior de cada país as operações se realizariam entre os bancos comerciais do sistema e a centralização pelo banco central seria somente estatística.8 8 Idem, parágrafos 36 a 40, e 47 e 48.

A diferença entre ambos os planos está na maneira de concessão dos créditos e no procedimento resultante desse fato. No mais, os dois sistemas seriam iguais. Sua organização seria a seguinte:

1. para manter o princípio de reciprocidade, ambos os planos tomam em conta a balança de pagamentos regional;9 9 Nessa época o princípio de reciprocidade era interpretado em termos de vantagens comerciais, isto é, de valor do comércio. Todos os países-membros deveriam desfrutar igualmente dos benefícios da criação do sistema. Dai a correspondência entre aquele princípio e a balança de pagamentos regional, que seria o meio utilizado para determinar a posição de cada país em rela ção aos outros e em relação a toda a região. Mais recentemente, devido às críticas feitas e à dificuldade em ser posto em prática, o princípio de reciprocidade passou a ser entendido como o estabelecimento do "equilíbrio entre as concessões tarifárias ou de outra ordem outorgadas por cada um dos países aos demais, visando a impulsionar as correntes de comércio recíproco". Veja INSTITUTO INTERAMERICANO DE ESTUDIOS JURÍDICOS INTERNACIONALES. Problemática Jurídica e Institucional de la Integración de América Latina - Ensaio de Sistematización. Washington, D. C, 1967, p. 228-231. [Edición Provisional] .

2. os créditos concedidos entre os países-membros seriam automáticos;

3. com base na média do comércio dos últimos cinco anos seriam estabelecidas quotas por país, as quais determinariam o crédito global concedido ou recebido por cada país;

4. seria criado um organismo regional - o Banco Agente - que se incumbiria da centralização de informações, realização de compensações e efetivação de pagamentos;

5. seria criado, dentro do Banco Agente, um Fundo, em ouro ou em divisas conversíveis, formado por contribuições dos países-membros.10 10 URI, Pierre. Los Problemas de Una Unión de Pagos para América Latina. In: Problemas de Pagos en América Latina. México, CEMLA, 1964, p. 225 a 227.

Ambos esses planos não obtiveram a aprovação do FMI que, consciente de sua posição de ascendência em relação aos países latino-americanos, se manteve firme em sua posição. Em vista desse fato, as partes contratantes resolveram eliminar do texto do Tratado de Montevidéu todas as referências diretas à criação de um sistema de cooperação monetária.11 11 WOINCZEK, Miguel S. Integración de América Latina - Experiencias y Perspectivas. México-Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1964, p. 71 a 75. Não obstante, os técnicos da CEPAL, juntamente com os dos governos-membros da ALALC, e os de outras entidades internacionais, tais como o Centro de Estúdios Monetários Latino-Americanos (CEMLA) continuariam trabalhando em busca de uma solução conciliatória que fizesse com que o FMI mudasse de posição. As reuniões do Comitê de Comércio da CEPAL continuaram a focalizar o problema dos pagamentos na ALALC e suas conclusões foram levadas às conferências dos bancos centrais e às dos bancos comerciais de região, embora nestas os técnicos da CEPAL participem apenas como cooperadores.

A evolução dos acontecimentos ajudou a reforçar a tese da CEPAL e dos governos-membros da ALALC. O ponto básico da argumentação do FMI, isto é, que as moedas de diversos países sul-americanos estavam a caminho da conversibilidade, caiu por terra quando, ao contrário do que o Fundo esperava, esses países começaram a sofrer fortes pressões inflacionárias. A palavra de acordo do FMI foi dada em 1963, durante a reunião dos bancos centrais levada a efeito no Rio de Janeiro. Daí por diante, o Fundo passou a trabalhar em mais estreita cooperação com os bancos centrais dos países-membros da ALALC, e dessa cooperação resultou o acordo assinado em setembro de 1965, de que trataremos na terceira parte deste trabalho.

3.1.2. POSIÇÃO DO FMI

O FMI tem certa ascendência sobre os países latino-americanos no que concerne ao estabelecimento de suas políticas monetárias por dois motivos principais: a) todos eles são membros do FMI, o que significa que se comprometem a cumprir o seu acordo de constituição; b) devido à constância com que os países do sul do subcontinente são afetados por problemas de balança de pagamentos, o Fundo é freqüentemente solicitado a emprestar vultosas somas para efeitos de estabilização a esses países. Assim sendo, as relações entre o Fundo e eles são de credor para devedor, o que fortalece grandemente as opiniões e posições que o primeiro toma.

As linhas básicas da posição do Fundo foram expressas na Segunda Reunião do Grupo de Trabalho dos Bancos Centrais Latino-americanos realizada no Rio de Janeiro em 1958. Os argumentos então usados referiam-se à adequação e aplicabilidade de uma solução européia - contida no exemplo da UEP - a problemas latino-americanos. Respondendo pela negativa, o representante do Fundo dizia que:

1. o comércio interlatino-americano era muito menor em magnitude do que aquele que se fazia na Europa logo depois da guerra;

2. se a suspensão do comércio bilateral poderia causar um alto grau de desemprego na Europa, não se seguia que o mesmo necessariamente aconteceria na América Latina;

3. o movimento recente em direção à conversibilidade total em países como a Argentina, a Bolívia, o Chile, a Colômbia, o Paraguai e o Peru, somados aos países que já possuíam moedas conversíveis, fazia desnecessário um sistema de compensação de saldos;

4. as facilidades de crédito que se haviam estabelecido nos acordos bilaterais existentes podiam ser substituídas por facilidades diretas, sem necessidade de acordos bilaterais de pagamentos;

5. o estabelecimento de uma união de pagamentos levaria facilmente à perpetuação do bilateralismo, "mesmo que esta não não fosse a intenção dos seus autores.12 12 ECLA. The Latin American Common Market. Nova Iorque, United Nations 1959, p. 123 & DELL, Sidney S. Problemas de un Mercado Común en América Ltitina. Op. cit., p. 133 a 151.

Os argumentos do Fundo foram vigorosamente combatidos pelos técnicos da CEPAL. Diziam eles que o fato de o comércio interlatino-americano representar cerca de 10% do comércio total dos países da região não invalidava a necessidade de uma união de pagamentos; se o desemprego na América Latina não tem as mesmas causas que na Europa, isso não era razão suficiente para que êle não fosse combatido na América Latina; a conversibilidade das moedas latino-americanas é ilusória pois ela é conseguida apenas com relação aos artigos do acordo constitutivo do Fundo, não significando isso, entretanto, que essas moedas passassem a ser aceitas irrestritamente como meio de pagamento; os créditos outorgados dentro de uma união de pagamentos são sempre automáticos, enquanto os bilaterais são facultativos e portanto não podem contar com a constância e a confiança necessárias na cooperação internacional; quanto à última afirmação, dizia a CEPAL, a dúvida também existiu antes de ser criada a UEP, cujo estabelecimento, aliás, também tinha sido combatido pelo Fundo. Era a prática que iria provar se os acordos bilaterais se manteriam ou não.

Essa posição do Fundo foi mantida em outras reuniões ou conferências promovidas quer pelos governos ou bancos centrais quer pelo Comitê de Comércio da CEPAL.13 13 Essas reuniões foram, pela ordem: Segunda Reunião do Comitê de Comércio da CEPAL, realizada em maio de 1959, na cidade do Panamá; Conferência das Partes Contratantes, realizada em janeiro de 1960 em Montevidéu; Terceira Reunião do Comitê de Comércio da CEPAL, realizada em maio de 1961, em Santiago do Chile. A mudança de posição do Fundo, como dissemos acima, deu-se em 1963, no Rio de Janeiro. Nessa ocasião, o representante do Fundo declarou que este estava disposto a estudar a possibilidade do estabelecimento de um organismo regional de pagamentos, sob duas condições: a) que se tratasse de um sistema voluntário tanto em relação à participação como ao seu âmbito de operação; b) que tal sistema não contivesse créditos automáticos.14 14 CEMLA, Problemas de Pago Op. cit., p. 203 a 205.

Ao analisar o atual sistema de pagamentos da ALAL C veremos que estas duas condições foram respeitadas.

3.1.3. POSIÇÃO DO GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS

A CEPAL bem cedo angariou as antipatias do Governo do Estados Unidos e, principalmente, durante toda a administração republicana, foi considerada como um elemento subversivo na América Latina, uma entidade criadora de revoluções. Por essa razão havia sempre uma tendência nas esferas oficiais norteamericanas, de considerar com reservas os estudos e proposições provindos dos técnicos daquela entidade. O movimento de integração econômica não fugiu a essa regra. Até por volta de 1960, sempre que se referiam à integração latino-americana, os documentos oficiais norte-americanos falavam em termos plurais, sendo a expressão mercados comuns a preferida. Havia também uma preocupação em envolver-se o quanto menos em pronunciamentos a esse respeito, atitude que dava a idéia de que os Estados Unidos consideravam a integração latino-americana como um assunto exclusivamente latino-americano. Não obstante isso, já na Primeira Conferência do Comitê de Comércio da CEPAL, o representante dos Estados Unidos, embora não tomasse posição definida quanto à integração econômica como um todo, manifestou-se contrário à criação de um sistema de pagamentos para a região.

Os pontos básicos da argumentação norte-americana eram a) estabilidade econômica; b) conversibilidade das moedas; c) eficiência do novo organismo a ser criado; d) inadequação da comparação entre o que aconteceu na Europa com a UEP e o que estava acontecendo na América Latina; e) aversão por barreiras protecionistas. No item estabilidade econômica, a argumentação norte-americana continuou a bater-se pela teoria de que não se pode ter desenvolvimento econômico sem estabilidade econômica. Nesse sentido, a integração latino-americana e seu primeiro propósito - o desenvolvimento econômico da região - seriam grandemente afetados, se não se fizesse antes um esforço no sentido da estabilidade. A questão da conversibilidade decorria do argumento anterior e era reforçada com as mesmas considerações feitas pelo FMI e referentes aos países possuidores de moedas conversíveis e aos em vias de obter a conversibilidade para suas moedas. Nesse contexto, a criação de uma união de pagamentos seria inútil, pois as condições que ela iria criar estavam para existir, sem a sua criação.

Quanto à eficiência da nova entidade a ser criada, argumentavase que o sistema que já existia havia dado provas de sua eficiência por longo tempo.15 15 O sistema a que se referia a argumentação norte-americana é o de pagamentos triangulares, isto é, o que tem um banco norte-americano ou europeu como intermediário nos pagamentos entre dois bancos latino-americanos. A facilidade de comunicação entre cada um dos países latino-americanos e os Estados Unidos tornavam rápida a realização das operações de pagamento. Além disso, segundo estudos feitos, os bancos norte-americanos que se incumbiam de tais operações nada cobravam e, se o faziam, tais gastos nunca iam além de 0,20 de 1%, o que representava um gasto ínfimo. Havia também preocupação quanto ao fato de que a criação de uma agência central num dos países da América Latina criasse diversos problemas, entre eles o dos gastos para a sua criação e funcionamento e o da demora causada pela deficiência nas comunicações.

O estabelecimento de uma união latino-americana de pagamentos com base nas experiências e no exemplo europeus parecia pouco realista ao representante norte-americano. As condições européias não eram as mesmas dos países latino-americanos. A situação difícil por que passavam os países europeus, a volta para si próprios e a preocupação em economizar moedas fortes eram conseqüência da guerra e não de um estado de subdesenvolvimento. A infraestrutura existia ou precisava ser reconstruída, na Europa; havia toda uma tradição de comércio intereuropeu, o que não existia na América Latina.

Os Estados Unidos viam na balança de pagamentos regional uma discriminação contra os países que se localizassem fora da região. Não lhes agradava a criação de um grupo fechado, pois esse protecionismo conflitava com a sua tradição de defensor do livre-cambismo. Ademais, temiam que a aplicação do princípio de reciprocidade a problemas monetários não funcionasse tão bem como estava planejado, causando deficits crônicos na balança de pagamentos de diversos países.1618

A posição do governo norte-americano modificou-se quando a administração Kennedy assumiu o poder. Em vez de opor-se à integração ou adotar um comportamento de indiferença em relação a ela, a nova política norte-americana foi de incentivar a integração, fazendo o possível para tirar dela o melhor proveito para os interesses econômicos norte-americanos. A criação da Aliança para o Progresso e a Declaração dos Presidentes da América feita ao final da Conferência de Punta dei Este de 1961 testemunham a nova linha da política norte-americana em relação ao desenvolvimento econômico da América Latina.

3.1.4. MONETARISTAS E ESTRUTURALISTAS

Ao lado da instabilidade econômica da maioria dos países da ALALC e da confluência de interesses que só por si tornariam difíceis as negociações, há também um outro fator: a oposição de teorias econômicas entre os técnicos envolvidos no estudo de um sistema de pagamentos para a América Latina, a princípio, e para a ALALC, posteriormente. Se considerarmos, como o fazem Ernst B. Haas e Philippe S. Schmitter,17 17 HAAS, Ernest B. e SCHMITTER, Phiíippe C. The Politics of Economics in Latin American Regionalism: The Latin American Free Traáe Association After Four Years of Operation. Denver, Univ. of Denver, 1965-66, p. 2. 18 Veja URI, Pierre. Una Política Monetária para América Latina. México, CEMLA, 1966, p. 21 a 31. que os técnicos são os maiores responsáveis pela criação da ALALC, essa controvérsia teórica torna-se ainda mais importante. Nela formaram-se dois grupos opostos: de um lado, os técnicos da CEP AL e os técnicos da maioria dos governos latino-americanos, defendendo uma concepção estruturalista do desenvolvimento econômico e da inflação; de outro, os técnicos norte-americanos e os do FMI, defendendo uma concepção monetarista para os mesmos problemas.

Os estruturalistas afirmam que a inflação pode surgir em conseqüência do próprio processo de desenvolvimento e que a política orçamentária e de crédito pode não ser a sua causa. E acrescentam que, quando essas políticas são modificadas com o fito de remediar a inflação, elas podem muito bem não solucionar o problema e, no entanto, já terão causado sérios danos ao desenvolvimento. Defendendo uma teoria que se aplicaria especificamente aos problemas da América Latina, recordam que as experiências de estabilização levadas a efeito na região não só acabaram por deter o crescimento econômico, mas também não conseguiram deter o aumento de preços. Eles estão convencidos de que, para realizar o desenvolvimento econômico da América Latina, é necessária a aplicação de métodos que freqüentemente conflitam com a ordem preestabelecida.

Por seu lado os monetaristas consideram que a estabilidade é uma condição importante para o desenvolvimento econômico e que não se devem fazer reformas com aparências revolucionárias que possam causar temor aos investidores e outros detentores de capital. Os monetaristas defendem a discrição e parcimônia no estabelecimento da política monetária, baseados na experiência dos países desenvolvidos e nos conceitos afirmados e reafirmados em acordos internacionais.

No calor das discussões os estruturalistas acusariam os monetaristas de ortodoxos, teorizantes atrasados, defensores tradicionais de interesses criados, defensores dos ricos. Em contrapartida, os monetaristas acusariam os seus opositores de dar maior ênfase a fatores políticos do que econômicos e de servirem-se de certos fenômenos monetários para iniciar na América Latina uma revolução vergonhosa.

Diante de concepções tão conflitantes, não é de admirar que um acordo fosse tão difícil de ser conseguido.

3.2. FÔRÇAS INTERNAS

Entre as forças internas que de alguma maneira tiveram influência no processo de negociações para a efetivação da cooperação monetária na ALALC, consideraremos o papel desempenhado pelos bancos centrais, pela iniciativa privada, pelos partidos políticos e pelos sindicatos de trabalhadores. No que concerne aos partidos políticos e aos sindicatos de trabalhadores, além de outros motivos que abaixo aludiremos, torna-se difícil conhecer a sua posição por duas razões: a) o caráter essencialmente técnico da cooperação monetária, que torna difícil a tomada de posição dessas duas entidades, certamente mais preocupadas com assuntos que tocam mais de perto as classes populares; b) os estudos publicados a respeito da cooperação monetária tendem a focalizar o aspecto econômico do problema. Não há, que saibamos, estudos feitos sobre o comportamento desses grupos em relação à cooperação monetária na América Latina. As citações que se encontram com relação a eles referem-se à integração em geral. Nossas considerações devem, portanto, ser tomadas como de caráter geral, como avaliação de tendências, apenas.

3.2.1.POSIÇÃO DOS BANCOS CENTRAIS

Os técnicos dos bancos centrais latino-americanos são considerados em geral como pertencentes à doutrina da CEPAL, isto é, adeptos da escola estruturalista. Assim sendo, houve sempre uma forte tendência em aceitar os estudos e recomendações feitos pela CEPAL, exceto nos casos em que as posições dos países a que pertenciam os respectivos bancos centrais pudessem ser diretamente afetadas.

Antes que se iniciasse o movimento para a integração econômica da América Latina, as relações entre os bancos centrais da região eram praticamente inexistentes. Muitos poucos dentre eles tinham filiais ou agências nos demais países latino-americanos, como acontece com relação aos países do extremo sul do continente: Argentina, Brasil e Chile. E, mesmo nestes casos, tais estabelecimento destinavam-se a atender aos exportadores e importadores nacionais, e não a ser uma ponte de ligação para informações e contatos entre autoridades monetárias dos pares de países. Como exemplo dessa situação de isolamento podemse citar os sistemas triangulares de pagamentos e também o caso dos Clubes de Haia e de Paris.19 19 O Clube de Haia foi formado em 1955 tendo, de um lado, o Brasil, e, do outro, países europeus (Alemanha Ocidental, Holanda, Inglaterra, Bélgica, França, Itália e Luxemburgo) e consistiu em acordos de pagamentos em moedas transferíveis. O Clube de Paris foi formado em 1956 tendo, de um lado, a Argentina, e, do outro, aqueles países europeus mais os países escandinavos, a Suíça e o Japão. Entre o Brasil e a Argentina nenhum acordo foi assinado para estabelecer a ligação entre os dois clubes, do lado latinoamericano. Veja URQUIDI, Victor L. Free Trade and Economic Integration in Latin America. Berkeley e Los Angeles, University of Califórnia Press, 1962, p. 29; FRIEDMAN, Irving S. El Control de Câmbios: Aspectos Técnicos y Económicos. México, CEMLA, 1959, p. 122-24. Que dizer então dos bancos comerciais?

A Primeira Reunião do Grupo de Trabalho dos Representantes de Bancos Centrais teve lugar em Montevidéu, em 1957. Sua principal resolução foi a aprovação de um acordo padrão que seria usado como modelo para os acordos bilaterais que fossem assinados daí por diante entre os países latino-americanos. Na Segunda Reunião, realizada no Rio de Janeiro em 1958, foi aprovado um protocolo sobre compensação multilateral de saldos bilaterais. Este sistema, no entanto, apenas começou a funcionar, pois foi interrompido logo depois da reunião do Comitê de Comércio da CEPAL, realizado na cidade do Panamá, em maio de 1959. Nessa reunião, como vimos, o FMI opôs-se tenazmente à criação de qualquer sistema de pagamentos que levasse à criação posterior de uma união de pagamentos. Entre os bancos centrais latino-americanos, somente o do Peru esteve solidário com o FMI porque nesta ocasião esse país possuía um persistente superavit no seu comércio com os demais países da América Latina.20 20 Veja DELL, Sidney S. Op. cit, p. 203 a 211.

Quando em janeiro de 1960 realizou-se a Conferência Intergovernamental para o estabelecimento de uma Zona de Livre-Comércio entre os países da América Latina, os representantes dos bancos centrais foram convidados a participar. Havia entre eles acordo quanto à necessidade da criação de um sistema de créditos e pagamentos, não somente para complementar o movimento de integração econômica, mas principalmente porque as contas bilaterais haviam sido eliminadas, oferecendo-se, portanto, uma ótima oportunidade para a multilateralização dos pagamentos. Mesmo assim, havia uma divisão de opiniões quanto à forma que o sistema iria tomar e ao uso de moedas conversíveis nos pagamentos. Eram três as posições tomadas: a) o Peru opunha-se a qualquer sistema em que se adotassem restrições quanto ao uso de moedas conversíveis, e se adotasse uma balança de pagamentos regional; b) os países que estavam empenhados na estabilização de suas moedas e na obtenção de sua conversibilidade (Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai) opunham-se a qualquer sistema que adotasse procedimentos restritivos ao uso dessas moedas ou admitisse acordos bilaterais; c) o Brasil não se sentia em condições de abandonar num curto período de tem» po as contas bilaterais e por isso somente podia favorecer um sistema compatível com essas contas.21 21 Veja United Nations. Op. cit, p. 87 e 88.

Essas divergências não chegaram a ser resolvidas na ocasião devido à negação do FMI em aceitar qualquer sistema de pagamentos. Diversos países participantes das negociações estavam dependentes de empréstimos para estabilização fornecidos pelo Fundo, de maneira que não ousavam adotar atitudes à sua revelia. Não se pode, no entanto, menosprezar aquelas divergências pois elas fazem parte da característica geral da região, refletem a dificuldade encontrada para estabelecer uma linha comum de ação e voltariam à baila qualquer momento em que se reiniciassem as negociações. Em vista dos fatos acima aludidos, o problema dos pagamentos foi excluído do texto do Tratado de Montevidéu.

Com a criação da ALAL C houve uma fase de inação relativa à cooperação monetária porque essa entidade não possuía nenhuma competência para tratar desse assunto- Ademais, os bancos centrais mantinham uma atitude zelosa e exclusivista quanto à capacidade de estabelecer as políticas monetárias e de negociar a seu respeito. Assim, as reuniões dos bancos centrais continuaram a ser feitas fora do âmbito de competência da ALALC . Quando, em outubro de 1963, finalmente se obteve a concordância do FMI, eram os bancos centrais, e não a ALALC, que estavam representados na reunião do Rio de Janeiro, apesar de ter sido criada dentro da Associação, em maio do mesmo ano, a Comissão Assessora de Assuntos Monetários. O passo decisivo no sentido da institucionalização dos problemas financeiros e monetários dentro da Associação foi dado em 1965 com a criação do Conselho de Política Financeira e Monetária, constituído pelas autoridades máximas dos bancos centrais-membros. Aquela Comissão é incumbida da elaboração de estudos e sugestões sobre problemas monetários na Associação e trabalha subordinada ao Conselho. Assim, o acordo de pagamentos da ALAL C foi elaborado pela Comissão e aprovado na Segunda Reunião do Conselho, em setembro de 1965.22 22 Veja INTAL. Pagos y Créditos en Ia ALALC. Buenos Aires, 1966, p. 38 a 41.

Os bancos centrais são entidades governamentais, de maneira que expressam as políticas dos respectivos governos. Assim sendo, a sua tomada de posição é sempre considerada oficial e, portanto, se os consideramos elementos de pressão, fazemo-lo com relação à estrutura da organização internacional. Nesse sentido, eles seriam um grupo de pressão de caráter público, funcionando no âmbito internacional. Resta saber se, por sua vez, sendo entidades de caráter público, os bancos centrais latinoamericanos sofreram pressão de entidades internas.

3.2.2. POSIÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA

A idéia de integração econômica da América Latina nasceu na CEPAL e demorou cerca de uma década para estender-se aos países latino-americanos e angariar plena aceitação. Mesmo assim, ela circunscreveu-se aos círculos governamentais, principalmente àqueles ligados ao comércio internacional. A iniciativa privada esteve ausente todo o tempo. A explicação para esse fenômeno pode ser encontrada no fato de que no apósguerra os países latino-americanos empenharam-se num grande esforço para a sua industrialização e conseqüente substituição de importações por produtos industrializados nacionais. Houve então uma volta de atenções para os mercados internos e uma desatenção com relação aos mercados exteriores, exceto, é claro, os mercados tradicionais que, de qualquer maneira, sempre se localizaram fora da América Latina.23 23 Veja FURTADO, Celso. Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S. A., 1968, p. 19 a 89.

A integração da América Latina significa a conquista de novos mercados, o que envolve um grau de risco bem maior do que a luta pela manutenção dos mercados tradicionais. Há então uma divisão bem flagrante com relação ao comportamento da iniciativa privada. Os tradicionais exportadores e importadores, os bancos comerciais e agências financeiras que tinham experiência em comércio internacional mostraram-se pessimistas, indiferentes mesmo com relação à integração. Os empresários mais jovens, os chamados capitães de indústria, mais dinâmicos e voltados para o futuro, além de não terem a experiência com o comércio internacional, estavam por demais absorvidos na fase de formação e consolidação de suas indústrias e da conquista do mercado interno. Apesar de serem favoráveis à integração, pouco podiam fazer para a sua dinamização. Uma outra razão a que pode ser aludida é o fato de que o comércio interlatino-americano baseia-se na troca de matérias-primas e produtos agrícolas, significando estes últimos uma grande percentagem do total. Como o setor agrícola é muito sensível a modificações, as pessoas que tratam com êle são conservadoras e, por isso, cépticas em relação à integração.

Houve a necessidade de iniciar toda uma campanha de esclarecimentos à iniciativa privada a respeito da integração econômica. Mas isso só foi feito a partir do final da década dos 50, quando a campanha de integração econômica já estava bem avançada e às vésperas da assinatura do Tratado de Montevidéu. As Câmaras de Comércio, Associações Industriais ou entidades equivalentes dos diversos países, por exemplo, só começaram a movimentar-se a partir de 1958, data em que também a imprensa local dos países começou a dar destaque aos acontecimentos relacionados com a integração, mostrando-se favorável a ela. Essa data é significativa não só porque no âmbito latino-americano as negociações caminhavam bem avançadas, mas também porque no ano anterior havia sido formada a Comunidade Econômica Européia (CEE), que concedia privilégios aos produtos dos territórios africanos, concorrentes dos latino-americanos. Assim, os exportadores tradicionais sentiram a influência direta de tal arranjo e começaram a interessar-se mais pela integração latinoamericana. Como não houve tempo para promover contatos intensos entre a iniciativa privada dos diversos países, não o houve também para a criação de grupos de pressão internacionais. Portanto, a pressão que foi exercida pela iniciativa privada circunscreveu-se ao âmbito interno de cada país.24 24 Veja GORDOA,. José Gomes. La Iniciativa Privada Mexicana y la Integración de América Latina. In: La Integración Económica Latinoamericana. México, Banco Nacional de Comércio Exterior, S. A., 1963, p. 187 a 189 & Prívate Enterprise and the Free Trade Zone. In: Comercio Exterior de México, vol. V, nº 12, dezembro de 1959, p. 13.

A única exceção é o Instituto Latino-Americano do Ferro e do Aço, cuja criação prceedeu a da ALALC. Esse Instituto bem cedo visualizou a necessidade da integração econômica da região e da criação de um sistema de pagamentos, de um fundo regional para a equalização dos câmbios, bem como de contatos entre os bancos centrais e comerciais da região.2 5 Ao lado do Instituto Latino-Americano do Ferro e do Aço, tem-se visto a proliferação de institutos e associações de caráter regional. Eles compreendem variados ramos de atividade, tais como indústrias de conservas alimentícias, de vidro, de papel e celulose, elétricas e eletrônicas, ou congregam elementos de uma mesma atividade, como, por exemplo, a Associação de Industriais Latino-Americanos (AILA), a Associação de Empresários Latino-Americanos para a ALALC (AELPALALC), a Associação Latino-Americana de Armadores (ALAMAR), etc.. Todos esses grupos formam o que ficou conhecido por interesses setoriais da ALALC. Segundo a terminologia usada na região, eles destinam-se a aconselhar a ALALC quanto ao estabelecimento da política de comércio regional. No entanto, tem sido difícil determinar se eles estão realmente interessados em dinamizar a integração, ou existem somente para estar vigilantes para impedir que seus interesses sejam atingidos pela liberalização do comércio. Tem também sido difícil determinar qual é o grau de pressão por eles exercida e a eficácia dessa pressão.26 26 Veja HAAS, Ernst & SMITTER, Philippe. Op. cit., p. 13 a 17.

Quanto aos bancos comerciais, a situação também não tem sido das mais animadoras. Previamente ao estabelecimento da ALALC, os contatos entre os bancos comerciais da região eram ainda mais precários do que o levado a efeito pelos bancos centrais, e, mesmo na presente década, eles demoraram para iniciar-se.

A primeira reunião de representantes de bancos comerciais da ALALC foi realizada em março de 1965 em Montevidéu, como conseqüência de um convite feito pelo Comitê Executivo Permanente da ALALC . Nessa reunião houve importantes pronunciamentos quanto a garantias de conversibilidades e transferibilidade, bem como sobre complementação bancária intrazonal. Quanto à conversibilidade e à transferibilidade, os bancos comerciais reclamaram um sistema de segurança pelo qual os bancos centrais participariam como co-responsáveis nas transações internacionais. No que concerne à complementação bancária intrazonal foi estabelecido que se incentivaria a abertura de agências nos países da Associação e se estabeleceria um sistema de co-responsabilidade entre os diversos bancos comerciais. Ademais, tratou-se também do sistema de créditos e pagamentos a ser criado, no qual os bancos comerciais deveriam tomar parte ativa.27 27 Veja INTAL. Op. cit., p. 34 a 38. Como se verá adiante, os bancos comerciais tiveram suas reivindicações atendidas no acordo entre os bancos centrais da ALALC.

3.2.3. POSIÇÕES DOS SINDICATOS DE TRABALHADORES E DOS PARTIDOS POLÍTICOS

Os sindicatos de trabalhadores e os partidos políticos dos paísesmembros da ALAL C têm realizado muito pouco com relação à integração econômica, tomada como um todo, e muito menos com relação à cooperação monetária. Salvo honrosas exceções, os sindicatos de trabalhadores latino-americanos gozam de muito pouca autonomia. Eles são, na maioria das vezes, dominados pelo poder político e não raramente pelos próprios sindicatos ou associações de empregadores. Suas atenções têm estado voltadas para as lutas por melhores salários, condições de trabalho, justiça social. Em muitos casos são provincianos, isto é, circunscrevem-se a determinadas áreas de um país. Ainda não chegaram à fase de preocupação com o mercado dos produtos que os seus associados ajudam a fabricar. Que dizer então de um mercado internacional? Um outro fator importante tem sido o fato de que as exportações latino-americanas são na sua quase totalidade de produtos agrícolas, e os sindicatos agrícolas, ou são inexistentes, ou altamente deficientes, espécie de joguete nas mãos do poder político ou dos fazendeiros. Se são admitidos legalmente, o são para dar um aspecto democrático ao país.

Em verdade, existem duas organizações sindicais de trabalhadores de caráter regional: a ORIT (Organização Regional Interramericana do Trabalho) e a CLASC (Confederação Latino-Americana de Sindicalistas Cristãos). A ORIT reúne grande número de sindicatos operários latino-americanos e também a AFL-CIO dos Estados Unidos. Ela tem como objetivo o estabelecimento de relações inter-americanas em assuntos referentes ao trabalho. A CLASC reúne até o momento um pequeno número de sindicatos, mas tem crescido muito nos últimos tempos. Ambas têm-se mostrado favoráveis e mesmo entusiastas da integração e do supranacionalismo na América Latina. A efetividade e persistência de sua ação, no entanto, ainda estão por ser estudadas.28 28 Veja BID-INTAL. Op. cit., p. 151 e 152.

Com relação aos partidos políticos da região, apenas duas tendências podem-se dizer inteiramente favoráveis à integração econômica latino-americana: a da chamada esquerda democrática e a da democracia cristã. Com relação à primeira, o melhor representante é a Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA), no Peru, a qual desde os seus primórdios incluiu a união latino-americana entre suas metas. Os democratas cristãos têm feito crescer sua influência em toda a região, principalmente depois de sua vitória no Chile, de sua aliança com o Partido Acción Popular no Peru, e o do crescente prestígio da COPEI na Venezuela. Há, inclusive, uma organização regional democrata cristã, a ODCA (Organização Democrata Cristã da América), com sede em Santiago do Chile.

Os democratas cristãos já contribuíram com um líder político, Eduardo Frei, que tem estado na vanguarda do movimento integracionista latino-americano, servindo de ponte entre os técnicos e os governos.29 29 Veja a respeito carta enviada por Eduardo Frei aos economistas Raul Prebisch, José Antonio Mayobre, Felipe Herrera e Carlos Sanz de Santamaria. In: Proposals for the Creation of the Latin American Common Mar keet. Washington, D. C, IBD, 1965. Veja também Declaración Conjunta de los Presidentes de Brasil y de Chile. In: CEMLA. Problemas... Op. cit, p. 34; Declaração Conjunta dos Presidente Costa e Silva e Frei. In: Boletim Especial, nº 178. Embaixada do Brasil, Washington, D. C, 16 de setembro de 1968. 30 Veja texto in: INTAL. Op. cit., p. 55 a 65. Além da campanha pela integração realizada internamente, no Chile, como seu Presidente êle tem visitado outros países latino-americanos, com grande sucesso. Entretanto, esses fatos só podem ser encarados como tendências, pois a situação pode modificar-se muito, e repentinamente.

4. O Acôrdo Monetário da ALALC

A 22 de setembro de 1965, por ocasião da Segunda Reunião do Conselho de Política Financeira e Monetária da ALALC foi assinado o Acordo entre os bancos centrais dos países-membros da ALALC, o qual criou um sistema de compensação multilateral de saldos e de créditos recíprocos. Na mesma data foi também assinado o Regulamento desse sistema. Com base no que ficou dito na parte 3 (Fase das Negociações) deste trabalho, vamos examinar esses documentos.

Antes de mais nada, a criação de tal sistema representava uma vitória para todos aqueles que vinham propugnando por ela, isto é, a CEPAL, o CEMLA, os bancos centrais-membros e, em menor extensão, a iniciativa privada, as organizações sindicais e os partidos políticos, que analisamos acima. Mas, como veremos, não foi uma vitória completa.

As teorias e planos da CEPAL foram os mais atingidos. Se relembrarmos os debates que tiveram lugar na segunda metade da década de 50, veremos que se fala insistentemente na criação de uma união de pagamentos. Depois, deixando de lado esta idéia, passou-se a falar numa câmara de compensação, com crédito (planos I e II) . O que se conseguiu criar foi um mecanismo de compensação multilateral de saldos e de créditos recíprocos, o que significa o passo mais modesto que se poderia dar para criar qualquer sistema de pagamentos. A CEPAL batia-se também pela defesa do princípio de reciprocidade e, como conseqüência, pela balança de pagamentos regional. O Acordo nem faz referência a eles! Quanto a uma câmara de compensação e a um Fundo de Garantia, o Acordo diz no seu artigo 13 que os bancos centrais devem estabelecer as bases para criá-los o quanto antes possível. Isto dá a entender que os signatários do Acordo consideram o sistema criado como sendo de transição pois, se a experiência resultar favorável, pretendem seguir avante.

Em referência aos bancos centrais, duas posições parecem ter sido conciliadas. A primeira é a do Peru, que esteve renitente na aprovação de um sistema que não lhe possibilitasse usar integralmente sua condição de credor e de possuidor de moeda conversível. A rigidez peruana foi quebrada através do estabelecimento de um sistema em moedas conversíveis e também através da indicação do Banco Central de Reserva dei Peru como Banco Agente do sistema. Para explicar este fato, poder-se-ia argumentar relembrando a posição geográfica do Peru, o que achamos ser um argumento que, quando muito, poderia funcionar com caráter emocional. Um outro país-membro que teve sua demanda atendida foi o Brasil. Este se achava impossibilitado de renunciar aos acordo bilaterais, posição contornada pelo artigo 9 do Acordo que diz in fine: "este acordo não interferirá nas práticas de pagamentos e transferências que existem em cada país da zona".

Os bancos comerciais tiveram o seu problema de segurança resolvido através do artigo 7, que estabelece o compromisso dos bancos centrais de "garantir a conversibilidade das divisas destinadas a cancelar pagamentos", e dos artigos 10 e 12 que estabelecem um esquema para garantir também a transferência desses pagamentos.

As duas condições impostas pelo FMI, quando da conferência do Rio de Janeiro, em 1963, fazem parte integrante do Acordo. O seu artigo 9 diz expressamente que o uso do sistema é voluntário e os artigos 1 e 5 dizem enfaticamente que os pagamentos são feitos em moedas conversíveis - um dos pontos básicos do Acordo - e os créditos não são automáticos, mas sim negociados bilateralmente entre os países.

O Governo dos Estados Unidos também foi satisfeito. Não se criou um sistema fechado, com uma balança de pagamentos regional, ficando os países-membros livres para gastar os dólares adquiridos em seus saldos positivos onde quer que lhes apraza. Com os créditos negociáveis, impede-se também que haja países com deficit crônico; portanto, impede-se a possibilidade de abuso, que poderia advir da concessão de créditos automáticos. A manipulação dos dólares correspondentes aos pagamentos resultantes das compensações multilaterais fica a cargo do Banco da Reserva Federal de Nova Iorque, nomeado Banco Correspondente comum ao sistema. Assim sendo, evitou-se criar um Fundo que se destinaria aos pagamentos, bem como a criação de uma agência especializada para a administração do mesmo. Aliás, a criação desse Fundo acarretaria também problemas com o FMI, pois o ouro ou as divisas conversíveis com que êle seria formado haveriam que ser retirados dos depósitos que os países da ALALC têm no FMI, para constituir suas quotas nesta instituição. É de notar-se também que, com o sistema criado, prevalecem as relações triangulares no pagamento ao comércio latinoamericano. Esse fato constitui um fator negativo aos bancos comerciais que pretendam estabelecer agências nos países da região.

A grande flexibilidade desse sistema é conseqüência não só das especiais condições do comércio e dos pagamentos no interior da ALALC, mas também da prudência com que se procurou evitar que a tentativa de solução dos problemas de pagamentos tivesse resultados adversos. O funcionamento do sistema tem possibilitado economia de divisas aos países da região, tem-lhes proporcionado um controle a curto prazo de suas contas recíprocas, incentivou maiores contatos entre os bancos comerciais, no sentido da vivência diária de cálculos de débitos, transferências de créditos, experiência com o mercado monetário e financeiro latino-americano.

Quantitativamente, o sucesso do sistema de créditos e pagamentos tem sido avaliado pelo número e valor desses créditos e pelo valor total dos pagamentos efetuados através do sistema. Em 1967, para um número de 20 acordos de crédito recíproco negociados entre os países-membros correspondia um valor total de US$ 32.265 mil, sendo compensado através do sistema um total de US$ 439.200 mil, que representaram cerca de metade do valor total do comércio dentro da ALALC.31 31 Veja ALALC. Síntesis Mensual, nº 35, maio de 1968, p. 224 a 227 e CALVO, R. Alberto. Financial Aspects of Latín American Integration. In: Review. Bank of London & South America, vol. 2, nº 18, junho 1968, p. 312 a 321. Mas se, por outro lado, se quiser medir sua importância a mais longo prazo, podese dizer que tal sistema representa o passo inicial para uma cooperação monetária mais intensa. Êle representa a pedra básica do edifício da união de pagamentos da ALALC a qual, necessária que é, certamente será criada um dia.

5. Considerações Finais

Do que ficou dito resultam certas considerações que talvez tragam alguma luz para a compreensão do desenvolvimento e da situação atuais da cooperação monetária na ALALC .

As condições internas de cada país variam segundo o seu grau de desenvolvimento, o seu mercado, a sua posição geográfica, o seu tipo de governo e, o que é mais importante, o momento em que elas são analisadas. Devido à sua estrutura econômica e à instabilidade que freqüentemente resulta dessa estrutura, os países latino-americanos têm lançado mão de restrições monetárias como barreiras protecionistas. No programa de integração econômica da América Latina as restrições monetárias são tão importantes quanto as aduaneiras. E, num campo tão importante, certamente as concessões se tornam mais difíceis.

A estrutura protecionista que cerca cada um dos países latinoamericanos faz parte da sua filosofia de desenvolvimento que tem sido baseada na criação dentro de cada país da auto-suficiência produtiva, sem preocupações de maior monta com as economias de escala e com o mercado internacional. Há então um sentimento geral de que a liberação do comércio regional, através da redução de barreiras alfandegárias e eliminação de restrições monetárias, significa um abandono da proteção estatal em vez de um incentivo à concorrência. Portanto, porque são semelhantes nos seus efeitos, há a tendência por parte daqueles que deveriam ser os maiores interessados - a iniciativa privada - em procurar meios para deter a evolução do processo de cooperação e assim ganhar tempo para estabelecer posições mais firmes no interior de cada país.

Vê-se então uma dicotomia de atitudes: de um lado, os técnicos pressionando para que se incentive a concorrência, considerada como o melhor meio de se atingir o ótimo econômico e, de outro, a iniciativa privada dos diversos países fazendo o possível para manter o protecionismo. Prensado entre estas facções está o governo de cada um dos países: por um lado aparecem os técnicos ensinando qual o caminho a seguir para que se evite o estrangulamento econômico, por outro lado, a prática representada pela iniciativa privada, que reluta em enfrentar o mercado regional. Como a estabilidade dos governos depende em grande extensão das relações que eles têm com a iniciativa privada dentro de cada país, a tendência tem sido ceder às pressões desta.

Em meio às indecisões, o debate entre estruturalistas e monetaristas cria uma nova perspectiva ao problema. São agora os próprios técnicos que se opõem. E, como era difícil dizer quem estava com a razão, os governos preferiram esperar até que os técnicos chegassem a um acordo.

A ineficiência dos contatos comerciais entre os países latinoamericanos é outro fator importante. Apesar da proximidade geográfica eles permaneceram mais ou menos isolados até recentemente, pois têm-se servido de facilidades oferecidas por países exteriores à região e, portanto, perdido a oportunidade de ampliar contatos recíprocos. A essa situação tem-se chamado de sistema colonialista, no qual cada país latino-americano seria uma colônia que teriam sempre que se servir de intermediários - espécies de metrópoles - para os seus contatos recíprocos. Essas metrópoles seriam formadas pelos países desenvolvidos do norte do planeta. Cita-se à guisa de exemplo o sistema triangular de pagamentos ao comércio interlatino-americano: de um lado o banco central ou comercial do país A, latino-americano, no vértice um banco europeu ou norte-americano (localizado em Londres, Nova Iorque, Nova Orleans ou São Francisco) e do outro lado o banco central ou comercial do país B, também latino-americano. Entre o primeiro e o último, nenhuma ligação direta. Cita-se também o exemplo dos Clubes de Haia (países europeus e o Brasil) e de Paris (aproximadamente os mesmos países europeus e a Argentina). Entre Brasil e Argentina, nenhuma ligação.

Devido a esse estado de coisas, uma entidade entra no palco dos acontecimentos e decide criar condições para que essa situação seja modificada - é a CEPAL. Apesar das melhores intenções da CEPAL, da dedicação e pioneirismo dos seus estudos, havia diversas falhas, digamos, estruturais na situação dos países da América Latina e, em conseqüência disso, nos sistemas propostos. O desejo de mudança havia que ser despertado, induzido, antes de mais nada; depois se enfrentariam os problemas relacionados com a resistência dos conservadores; vencida esta, haveria necessidade de transformá-la em força ativa, dinâmica. Entrementes, pensa a CEPAL, deve-se criar os instrumentos que ofereçam maiores facilidades para o alcance das metas acima estabelecidas. Entre esses instrumentos encontra-se o sistema de compensação e pagamentos.

O estabelecimento daquele sistema, no entanto, também estaria dependente da superação de obstáculos externos à região. No âmbito extralatino-americano, duas posições há a considerar: a dependência econômica dos países latino-americanos em relação aos Estados Unidos, e os compromissos daqueles países como membros do FMI. Ambos se opuseram a princípio à criação de um sistema de pagamentos na América Latina. As razões apresentadas para justificar a oposição eram, grosso modo as mesmas, embora não se possa dizer que movidas pelos mesmos motivos. Formou-se então o impasse e, como as forças opostas eram muito poderosas, a solução foi deixar que o tempo fizesse parte do trabalho, pois interinamente se trabalharia para aparar as arestas.

Nos Estados Unidos, o Partido Democrático assume o governo e, com êle, os ventos da história passam a soprar favoravelmente à intensificação da cooperação monetária na ALALC. Entrementes, o FMI é surpreendido pela aprovação da ALALC, pelo GATT e também pela corrente inflacionária que atingiu os países da América do Sul, o que causou um abalo nas bases de sua teoria.

Diante desse quadro em que se representa a fluidez e, ao mesmo tempo, a rigidez das relações econômicas e políticas internacionais, a criação de um sistema de créditos e pagamentos na ALALC e o seu desempenho satisfatório até o momento representam um sucesso. Agora que o instrumento está criado, a responsabilidade pelo seu crescimento e aperfeiçoamento repousa nas atitudes dos bancos centrais, dos bancos comerciais, dos empresários e comerciantes, na arregimentação de suportes políticos e talvez sindicais. É do jogo dessas forças que resultará o progresso ou a estagnação da cooperação monetária na ALALC.

Entretanto permanecerá uma das muitas ironias que medram pela América Latina: o fato de que, até o momento, a maior parte do mérito pertence à CEPAL; e, a despeito da ironia, a esperança de que a CEPAL estivesse certa quando, em 1960, escrevia num dos seus relatórios:

"A sugestão de que os governos serão incapazes de suportar esta responsabilidade com sucesso não pode ser considerada um motivo suficiente para que não se crie a Área de Livre Comércio e se prive a mesma de um mecanismo de créditos apropriado. Os governos têm necessariamente que fazer a experiência e aprender pelos seus próprios erros, e esse esforço tem, a todo custo, que ser feito, se eles quiserem resolver seus problemas fundamentais de crescimento".

32 32 Veia Report of the Meeting of Governmental Representatives of Central Banks. Montevidéu, 20 de janeiro de 1960. In: UNITED NATIONS. Op. cit., p. 106. [Tradução nossa].

  • 1 Para maior informação, veja-se nosso artigo Subsídios ao Estudo da Cooperação Monetária Regional Revista de Administração de Empresas, vol. 10, nş 3, setembro de 1970, p. 129-148.
  • 5 CEPAL. Compensación Multilateral y Pagos Internacionales. Santiago do Chile, CEPAL, 1949.
  • 6 UNITED NATTONS. Multilateral Economic Cooperation in Latin America, Vol. I, Text and Documente. Nova Iorque, United Nations, 1961, p. 87 a 106.
  • 9 Nessa época o princípio de reciprocidade era interpretado em termos de vantagens comerciais, isto é, de valor do comércio. Todos os países-membros deveriam desfrutar igualmente dos benefícios da criação do sistema. Dai a correspondência entre aquele princípio e a balança de pagamentos regional, que seria o meio utilizado para determinar a posição de cada país em rela ção aos outros e em relação a toda a região. Mais recentemente, devido às críticas feitas e à dificuldade em ser posto em prática, o princípio de reciprocidade passou a ser entendido como o estabelecimento do "equilíbrio entre as concessões tarifárias ou de outra ordem outorgadas por cada um dos países aos demais, visando a impulsionar as correntes de comércio recíproco". Veja INSTITUTO INTERAMERICANO DE ESTUDIOS JURÍDICOS INTERNACIONALES. Problemática Jurídica e Institucional de la Integración de América Latina - Ensaio de Sistematización. Washington, D. C, 1967, p. 228-231. [Edición Provisional]
  • 11 WOINCZEK, Miguel S. Integración de América Latina - Experiencias y Perspectivas. México-Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1964, p. 71 a 75.
  • 17 HAAS, Ernest B. e SCHMITTER, Phiíippe C. The Politics of Economics in Latin American Regionalism: The Latin American Free Traáe Association After Four Years of Operation. Denver, Univ. of Denver, 1965-66, p. 2.
  • 19 O Clube de Haia foi formado em 1955 tendo, de um lado, o Brasil, e, do outro, países europeus (Alemanha Ocidental, Holanda, Inglaterra, Bélgica, França, Itália e Luxemburgo) e consistiu em acordos de pagamentos em moedas transferíveis. O Clube de Paris foi formado em 1956 tendo, de um lado, a Argentina, e, do outro, aqueles países europeus mais os países escandinavos, a Suíça e o Japão. Entre o Brasil e a Argentina nenhum acordo foi assinado para estabelecer a ligação entre os dois clubes, do lado latinoamericano. Veja URQUIDI, Victor L. Free Trade and Economic Integration in Latin America. Berkeley e Los Angeles, University of Califórnia Press, 1962, p. 29; FRIEDMAN, Irving S. El Control de Câmbios: Aspectos Técnicos y Económicos. México, CEMLA, 1959, p. 122-24.
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    Para maior informação, veja-se nosso artigo Subsídios ao Estudo da Cooperação Monetária Regional
    Revista de Administração de Empresas, vol. 10, nº 3, setembro de 1970, p. 129-148.
  • 2
    A idéia inicial era criar um mercado comum compreendendo todos os pafses da América Latina e, neste sentido, a união de pagamentos seria única para toda a região. Com o desenvolvimento das negociações houve a separação da América Central, mas a idéia da criação do Mercado Comum Latino-Americano continua viva. As considerações que fazemos- sobre a união latino-americana de pagamentos incluem a América Central, portanto.
  • 3
    Veja DELL, Sidney S.
    Problemas de un Mercado Coman
    en América
    Latina. México, CEMLA, 1959, p. 133.
  • 4
    Embora cientes de que a CEPAL é formada de uma maioria de técnicos latino-americanos, consideramo-la exterior à região porque ela é um órgão da ONU, situação, aliás, da qual retira sua influência e sua independência em relação aos países-membros.
  • 5
    CEPAL.
    Compensación Multilateral y Pagos Internacionales. Santiago do Chile, CEPAL, 1949.
  • 6
    UNITED NATTONS.
    Multilateral Economic
    Cooperation in Latin America, Vol. I, Text and Documente. Nova Iorque, United Nations, 1961, p. 87 a 106.
  • 7
    Idem, parágrafos 29 a 35, e 47 e 48.
  • 8
    Idem, parágrafos 36 a 40, e 47 e 48.
  • 9
    Nessa época o princípio de reciprocidade era interpretado em termos de vantagens comerciais, isto é, de valor do comércio. Todos os países-membros deveriam desfrutar igualmente dos benefícios da criação do sistema. Dai a correspondência entre aquele princípio e a balança de pagamentos regional, que seria o meio utilizado para determinar a posição de cada país em rela ção aos outros e em relação a toda a região. Mais recentemente, devido às críticas feitas e à dificuldade em ser posto em prática, o princípio de reciprocidade passou a ser entendido como o estabelecimento do "equilíbrio entre as concessões tarifárias ou de outra ordem outorgadas por cada um dos países aos demais, visando a impulsionar as correntes de comércio recíproco". Veja INSTITUTO INTERAMERICANO DE ESTUDIOS JURÍDICOS INTERNACIONALES.
    Problemática Jurídica e Institucional de la Integración de América Latina - Ensaio
    de Sistematización. Washington, D. C, 1967, p. 228-231. [Edición Provisional] .
  • 10
    URI, Pierre. Los Problemas de Una Unión de Pagos para América Latina. In:
    Problemas de Pagos en América Latina. México, CEMLA, 1964, p. 225 a 227.
  • 11
    WOINCZEK, Miguel S.
    Integración de América Latina - Experiencias y Perspectivas. México-Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1964, p. 71 a 75.
  • 12
    ECLA.
    The Latin American Common Market. Nova Iorque, United Nations 1959, p. 123 & DELL, Sidney S.
    Problemas de un Mercado Común en América Ltitina. Op. cit., p. 133 a 151.
  • 13
    Essas reuniões foram, pela ordem: Segunda Reunião do Comitê de Comércio da CEPAL, realizada em maio de 1959, na cidade do Panamá; Conferência das Partes Contratantes, realizada em janeiro de 1960 em Montevidéu; Terceira Reunião do Comitê de Comércio da CEPAL, realizada em maio de 1961, em Santiago do Chile.
  • 14
    CEMLA,
    Problemas de Pago Op. cit., p. 203 a 205.
  • 15
    O sistema a que se referia a argumentação norte-americana é o de pagamentos triangulares, isto é, o que tem um banco norte-americano ou europeu como intermediário nos pagamentos entre dois bancos latino-americanos.
  • The Latin American Common Market.

    16 Veja WIONCZEK, Miguel S. Op. cit., p. 79 a 93 & ECLA. Op. cit., p. 113.
  • 17
    HAAS, Ernest B. e SCHMITTER, Phiíippe C.
    The Politics of Economics in Latin American Regionalism: The Latin American Free Traáe Association After Four Years of Operation. Denver, Univ. of Denver, 1965-66, p. 2.
    18
    Veja URI, Pierre.
    Una Política Monetária para América Latina. México, CEMLA, 1966, p. 21 a 31.
  • 19
    O
    Clube de Haia foi formado em 1955 tendo, de um lado, o Brasil, e, do outro, países europeus (Alemanha Ocidental, Holanda, Inglaterra, Bélgica, França, Itália e Luxemburgo) e consistiu em acordos de pagamentos em moedas transferíveis. O Clube de
    Paris foi formado em 1956 tendo, de um lado, a Argentina, e, do outro, aqueles países europeus mais os países escandinavos, a Suíça e o Japão. Entre o Brasil e a Argentina nenhum acordo foi assinado para estabelecer a ligação entre os dois clubes, do lado latinoamericano. Veja URQUIDI, Victor L. Free
    Trade and Economic Integration in Latin America. Berkeley e Los Angeles, University of Califórnia Press, 1962, p. 29; FRIEDMAN, Irving S. El
    Control de Câmbios: Aspectos Técnicos y Económicos. México, CEMLA, 1959, p. 122-24.
  • 20
    Veja DELL, Sidney S. Op. cit, p. 203 a 211.
  • 21
    Veja United Nations. Op. cit, p. 87 e 88.
  • 22
    Veja INTAL. Pagos
    y Créditos en Ia
    ALALC. Buenos Aires, 1966, p. 38 a 41.
  • 23
    Veja FURTADO, Celso.
    Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira S. A., 1968, p. 19 a 89.
  • 24
    Veja GORDOA,. José Gomes. La Iniciativa Privada Mexicana y la Integración de América Latina. In:
    La Integración Económica Latinoamericana. México, Banco Nacional de Comércio Exterior, S. A., 1963, p. 187 a 189 & Prívate Enterprise and the Free Trade Zone. In:
    Comercio Exterior de México, vol. V, nº 12, dezembro de 1959, p. 13.
  • La Integración Latinoamericana - Situación

    25 Veja BID-INTAL. y
    Perspectivas. Buenos Aires, BID-INTAL, 1965, p. 49 a 53.
  • 26
    Veja HAAS, Ernst & SMITTER, Philippe. Op. cit., p. 13 a 17.
  • 27
    Veja INTAL. Op. cit., p. 34 a 38.
  • 28
    Veja BID-INTAL. Op. cit., p. 151 e 152.
  • 29
    Veja a respeito carta enviada por Eduardo Frei aos economistas Raul Prebisch, José Antonio Mayobre, Felipe Herrera e Carlos Sanz de Santamaria. In:
    Proposals for the Creation of the Latin American Common Mar keet. Washington, D. C, IBD, 1965. Veja também Declaración Conjunta de los Presidentes de Brasil y de Chile. In: CEMLA.
    Problemas... Op. cit, p. 34; Declaração Conjunta dos Presidente Costa e Silva e Frei. In: Boletim Especial, nº 178. Embaixada do Brasil, Washington, D. C, 16 de setembro de 1968.
    30 Veja texto in: INTAL. Op. cit., p. 55 a 65.
  • 31
    Veja ALALC.
    Síntesis Mensual, nº 35, maio de 1968, p. 224 a 227 e CALVO, R. Alberto. Financial Aspects of Latín American Integration. In:
    Review. Bank of London & South America, vol. 2, nº 18, junho 1968, p. 312 a 321.
  • 32
    Veia Report of the Meeting of Governmental Representatives of Central Banks. Montevidéu, 20 de janeiro de 1960. In: UNITED NATIONS. Op. cit., p. 106. [Tradução nossa].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1970
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