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Editorial

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Não faz muito tempo, um acadêmico era alguém de quem se exigia o domínio da oralidade. Ser um profissional da academia implicava ser capaz de ensinar, ministrando boas aulas – que eram entendidas como resultado da capacidade de expressão oral –, sustentando longas exposições com clareza e linguagem elegante. Sem o auxílio de PowerPoint e shows de slides de diversas modalidades, isso exigia recursos hoje quase fora de uso. Escrever era algo episódico, e quando se escrevia era porque se tinha algo a dizer. Mesmo os autores que marcaram suas épocas e a posteridade escreveram pouco pelos padrões modernos. Nada que se aproxime do currículo de um acadêmico brilhante do século XX e início do XXI, que na meia-idade já ostenta orgulhosamente algumas dezenas de artigos publicados em periódicos de primeira linha, capítulos diversos em coletâneas e até al-guns livros. Finalmente chegamos ao mundo da eliminação da oralidade e da sua substituição pela palavra escrita. É o mundo do "publicar ou perecer". Uma revista acadêmica ou científica é parte desse mundo de publicações compulsórias, indispensáveis para que se viabilizem carreiras e pro-gramas de pós-graduação triunfem. As revistas científicas expressam a grandeza e a miséria desse sistema. Fazer uma revista de qualidade é sempre difícil, simplesmente porque produzir conhecimento é árduo, e ocorre mais lenta e raramente do que uma linguagem triunfante, centrada na acumulação de conhecimento, quer fazer crer.

Portanto, uma revista científica exige de seus editores e leitores virtudes helenísticas, de preferência estóicas. A maioria dos textos que publicamos e lemos não chega a nos surpreender, mesmo que escritos de maneira correta e com metodologias precisas. Excepcionalmente temos um artigo que de fato marque pela inovação teórica, pelo frescor das idéias, pela inovação em metodologia e por novas intuições. O diuturno é trabalho paciente, construção lenta, uso de um mesmo referencial teórico e um lento progresso: é o gradualismo da "ciência normal". Pode ser comparado à grande linha de montagem, em que milhares de operários repetitivamente fazem réplicas de um produto que, quando criado e desenvolvido, foi uma inovação fundamental e que pode ter sido uma ruptura. Mas as linhas de montagem contribuem significativamente para os PIBs e não podem ser fechadas sob alegação de que não estão a inovar.

Neste número, a RAE oferece dois trabalhos na seção "Artigos". O primeiro, de Betania Tanure e Vera Cançado, apresenta uma pesquisa que mostra a adoção de fusões e aquisições por empresas brasileiras num passado recente no Brasil. Fusões e aquisições apresentam promessas, quando propostas e realizadas, mas geram dificuldades e mesmo decepções quando implementadas. O material é uma contribuição a um tema pouco estudado em nossa realidade empresarial.

O segundo artigo, de Fábio Frezatti, aborda o tema do orçamento como forma de planejamento, coordenação e controle. Todos devem pensar imediatamente no livro de Henry Mintzberg The Rise and Fall of Strategic Planning como um libelo contra a utilidade do orçamento como instrumento adequado para o exercício da função de planejamento. Mas, se o orçamento pode ser reconhecido como insuficiente e muitas vezes inadequado, nenhum administrador pode prescindir dele inteiramente. O pesquisador da USP nos coloca essa problemática e analisa cuidadosamente a abordagem beyond budgeting, que sugere uma visão revista do orçamento e que melhor se adequaria, se não ao planejar em si, pelo menos à coordenação e ao controle.

Com o artigo "Publicações científicas em contabilidade entre 1990 e 2003", a seção "RAE-documento" traz mais uma adição ao esforço da RAE em publicar trabalhos sobre o estado da arte em diversas áreas de nossa produção científica em Administração. "RAE-clássicos" nos traz dois artigos fundamentais para o entendimento do institucionalismo, referencial teórico que conquistou espaço considerável na produção científica e no ensino de organizações nos últimos anos. A introdução de Miguel P. Caldas e Roberto Fachin prepara e comenta a leitura dos artigos de Astley e Van de Ven, e de DiMaggio e Powell.

Julgamos oportuna uma homenagem póstuma a Celso Furtado, que tanto marcou uma geração de economistas brasileiros e foi internacionalmente reconhecido como um dos teóricos do desenvolvimento econômico. A Pensata de Luiz Carlos Bresser-Pereira mescla observações propriamente acadêmicas e traz a carga emotiva de um depoimento de admiração pessoal por Furtado. Na segunda Pensata, Rosa Maria Vieira nos traz um aspecto visionário mas fascinante da teorização de Furtado, ou seja, a sua crença na eqüidistância relativa de uma tecnocracia economicamente treinada como forma de romper o círculo vicioso do subdesenvolvimento e da pobreza.

Temos ainda duas resenhas e duas indicações bibliográficas que completam este número.

Só resta desejar a todos uma proveitosa leitura!

Carlos Osmar Bertero

Diretor e editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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