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Práticas formativas de uma professora experiente num programa de indução: um estudo de caso 1 1 Editor responsável: Ana Lúcia Guedes Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha - verah.bonilha@gmail.com 3 3 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Proc. FAPESP - Ensino Público: 2016/25412-8

Prácticas de formación de una maestra experta en un programa de inducción: un estudio de caso

Resumo

Considerando referências teóricas sobre a base de conhecimento para o ensino, conversas entre professores e pensamento do professor, analisam-se as práticas formativas de uma professora experiente, em sua atuação como mentora de uma professora iniciante em um programa de indução. Realizou-se um estudo de caso exploratório de natureza descritiva-analítica sobre interações virtuais estabelecidas entre elas. A análise de narrativas escritas dessa mentora revelou seu raciocínio pedagógico por meio de diversas ações formativas relacionadas à visualização das práticas e circunscrição dos problemas enfrentados pela iniciante. Desvelou, ainda, que a promoção de processos reflexivos incentivou a iniciante a olhar a própria prática, a projetar formas alternativas de atuação e a experimentá-las.

Palavras-chave
Formador de docentes; Experiência profissional; Prática docente; Indução

Resumen

Considerando las referencias teóricas sobre la base de conocimiento para la enseñanza, las conversaciones entre los maestros y el pensamiento del maestro, se analizan las prácticas de formación de una maestra experta, en su función de mentora de una maestra principiante, en un programa de inducción, se realizó un estudio de caso exploratorio descriptivo-analítico sobre las interacciones virtuales establecidas entre ellas. El análisis de las narrativas escritas de estas interacciones reveló el razonamiento pedagógico de la mentora a través de varias acciones de formación destinadas a visualizar las prácticas y circunscribir los problemas que enfrenta la principiante. También reveló que la promoción de procesos reflexivos motivaron la principiante a mirar su propia práctica, diseñar formas alternativas de actuación y adoptar nuevas prácticas.

Palabras clave
Formador de docentes; Experiencia professional; Práctica docente; Inducción

Abstract

Considering the theoretical references on the teaching knowledge base, conversations between teachers, and the teacher's thoughts, we analyze the formative practice of an experienced teacher while acting as a mentor to a novice teacher in an induction program. We conducted a descriptive-analytical exploratory case study about the virtual interactions established between them. The analysis of the mentor’s written narrative unveils her pedagogical reasoning through several formative actions related to the novice. The analysis of the mentor's written narratives revealed her pedagogical reasoning through several formative actions related to the novices' practices and the problems she faced. The reflective processes encouraged the mentee to look at her practice, design alternative ways of acting, and implement them

Keywords
Teacher educator; Professional experience; Teaching practices; Induction

Introdução

A definição de práticas de ensino comporta diferentes acepções a partir da representação conceitual do trabalho de um professor numa sala de aula. Podem ser descritas como relacionadas ao manejo de problemas em diferentes domínios. Independente da dispersão semântica envolvida nas definições adotadas é essencial considerar o caráter relacional entre o professor, os estudantes e os conteúdos a serem ensinados (Lampert, 2010Lampert, M. (2010). Learning teaching in, from, and for practice: What do we mean? Journal of Teacher Education, 61(1-2), 21–34. https://doi.org/10.1177/0022487109347321
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), e o contexto em que ocorrem. Neste estudo4 4 Pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética - CAAE 68145717.8.0000.5504. , compreende-se que essas práticas são processos formativos compostos por ações intencionais de mentores – derivadas de processos contínuos de interpretação e de tomada de decisão –, voltadas para a aprendizagem profissional da docência de professores iniciantes em vista de suas demandas formativas.

A investigação sobre práticas de mentoria ou de indução dirigidas para o apoio de professores iniciantes (PI), realizadas por professoras experientes após processo formativo específico, – justifica-se, ao tomar como referência que o ingresso na profissão docente é um período descrito como apresentando dificuldades, dilemas, medos etc. para novos professores (Marcelo & Vaillant, 2017Marcelo, C., & Vaillant, D. (2017). Políticas y programas de inducción en la docencia en Latinoamérica. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1224-1249. https://doi.org/10.1590/198053144322
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).

Professores experientes, aqueles que têm mais de 10 anos de exercício docente em sala de aula e que exerceram outras funções em diferentes escolas (Vaillant, 2014Vaillant, D. (2014). Análisis y reflexiones para pensar el desarrollo profesional continuo. Educar, 50, 55-66. Especial 30 aniversario. http://www.raco.cat/index.php/Educar /article/view/287047
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), apresentam repertórios diversificados e com formação adequada para apoiar os iniciantes para lidar com as demandas do dia a dia da sala de aula e da escola, auxiliando-os também em suas dificuldades.

No caso do Programa Híbrido de Mentoria (PHM), contexto da pesquisa realizada, os professores experientes que atuam como mentores (M) participaram de um processo formativo conduzido pelas pesquisadoras, a fim de capacitá-los para desenvolver o trabalho de auxílio aos professores iniciantes. O processo formativo começou antes de iniciar a mentoria e continuou ao longo da atuação com os iniciantes por meio da adoção de uma abordagem híbrida, que combina ações virtuais com presenciais assim como a aproximação da universidade com a escola, concebendo-a como espaço privilegiado de aprendizagem da docência. A característica híbrida da proposta relaciona-se ainda à criação de terceiros espaços na formação de professores, pois envolve da parte da universidade uma “relação mais equilibrada e dialética entre o conhecimento acadêmico e o da prática profissional” (Zeichner, 2010Zeichner, K. (2010). Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, 35(3), 479 - 504. https://doi.org/10.5902/198464442357
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, p. 487). Ao apoiar as aprendizagens de professores experientes para atuar como mentores de professores iniciantes, consideram-se as diferenças entre ensinar (ser professor) e ensinar a ensinar (ser formador) (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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) e a binaridade ou dicotomia entre o conhecimento prático profissional e o conhecimento acadêmico, entre a teoria e a prática (Zeichner, 2010Zeichner, K. (2010). Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, 35(3), 479 - 504. https://doi.org/10.5902/198464442357
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).

Nos processos formativos, foram adotadas referências sobre aprendizagem e desenvolvimento profissional docente, formação de formadores, práticas pedagógicas, base de conhecimento para o ensino, relação universidade-escola, pesquisadores-professores, entre outras (Vaillant & Marcelo, 2015Vaillant, D., & Marcelo, C. (2015). El A, B, C y D de la formación docente. Narcea, 2015.).

Problemática e elementos conceituais

Processos de mentoria podem ser concebidos como uma ajuda que abrange um conjunto de atividades sistemáticas e intencionais, realizadas por um professor experiente, em direção a um iniciante, que tem na conversação sua característica essencial. As conversas mantidas, neste caso, envolvem profissionais com tempos de experiência diversificados, cabendo ao mentor orientar e promover processos de construção de conhecimentos profissionais nos iniciantes acompanhados (Tillema et al., 2015Tillema, H., Van der Westhuizen, G. J., &. Van der Merwe, M. (2015). Mentoring for learning: Climbing the mountain. Sense Publishers, Rotterdam, The Netherlands. DOI:10.1007/978-94-6300-058-1.
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).

O uso de conversas de natureza reflexiva por mentores para orientar a análise crítica de professores iniciantes pode resultar na revisão de pressupostos e práticas de ensino e o seu impacto na aprendizagem dos alunos, por exemplo. No auxílio aos novatos para minimizar ou superar as dificuldades enfrentadas, ao fomentar processos de reflexão sobre as práticas realizadas e de identificação, construção/desenvolvimento e aplicação de alternativas pertinentes, os mentores podem promover a aprendizagem docente (Tillema et al., 2015Tillema, H., Van der Westhuizen, G. J., &. Van der Merwe, M. (2015). Mentoring for learning: Climbing the mountain. Sense Publishers, Rotterdam, The Netherlands. DOI:10.1007/978-94-6300-058-1.
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). Para tanto, podem incentivar os iniciantes a examinar as próprias práticas, explicitar suas ações e seus motivos de maneira a ver seu mundo de modo mais organizado, a partir da identificação de informações, dados, eventos envolvidos etc. (Fitzgerald & Palincsar, 2019Fitzgerald, M. S., & Palincsar, A. S. (2019). Teaching practices that support student sensemaking across grades and disciplines: A conceptual review. Review of Research in Education, 43(1), 227–248. https://doi.org/10.3102/0091732X18821115
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) e do pode ser problemático em uma situação (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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). Nesses processos, se destacam identificar e examinar – na díade mentor-iniciante – o processo de raciocínio pedagógico, realizado pelos iniciantes, para que a experimentação intencional, planejada, supervisionada e refletida de práticas alternativas possa ser posteriormente viabilizada pelos iniciantes (Gao et al., 2019Gao, S., Liu, K., & McKinney, M. (2019). Learning formative assessment in the field: Analysis of reflective conversations between preservice teachers and their classroom mentors. International Journal of Mentoring and Coaching in Education, 8(3), 197-216 http://dx.doi.org/10.1108/IJMCE-10-2018-0056
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).

Para tanto, cumpre ao mentor ter acesso a um conjunto de informações sobre as vivências dos iniciantes. Deve auxiliá-los a tornar visíveis as ações pedagógicas adotadas e sua base de conhecimentos necessários e indispensáveis para a atuação profissional que, em muitos casos, se apresentam tacitamente (Keast et al., 2017Keast, S., Panizzon, Mitchell, I., Loughran, J., Tham, M., & Rutherford, L. (2017). Exploring routes to engagement: An aspect of the pedagogical reasoning of expert teachers. Conexão Ciência, 12, 278-283. https://periodicos.uniformg.edu.br:21011/ojs/index.php/conexaociencia/article/view/845/950
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). A base de conhecimentos, composta pelo conhecimento específico, pelo conhecimento pedagógico e pelo conhecimento pedagógico do conteúdo, tem esse último como exclusivo da atividade docente, que consiste em transformar o conhecimento específico em conhecimento aprendido pelos estudantes (Shulman, 1987Shulman, L. S. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard Educational Review, 57, 1-22. http://hepgjournals.org/doi/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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). Já o raciocínio pedagógico é um processo em que professores transformam o conhecimento do conteúdo específico por meio de ações pedagógicas que têm como resultado a aprendizagem do estudante. Refere-se ao pensamento e ao planejamento empreendidos pelos professores, ao projetar e ensinar as lições, sob sua responsabilidade, enfatizando a base intelectual para o ensino quanto aos comportamentos relacionados à sua execução. Ambos, a base de conhecimentos e o raciocínio pedagógico, são alguns dos processos de aprendizagem da docência.

A literatura sobre o pensamento de professores, que envolve esses dois processos, ilustra que esses tipos de conhecimento tácito podem se tornar explícitos. Ao indicar as razões (pensamento) que pautam as ações docentes, a expertise e a complexidade do ensino podem ser reconhecidas e pesquisadas. Em específico, por meio da explicitação do raciocínio pedagógico é viável ampliar as respostas ao o quê e o como ensinar (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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). As análises das práticas de ensino possibilitam, no caso de mentores e iniciantes, relacionar e transformar suas experiências específicas em noções conceituais, proposições teóricas e construir novos conhecimentos sobre o ensino (Orland-Barak & Mastik, 2017Orland-Barak, L., & Mastik, D. (2017). Methodologies of mediation in professional learning, Springer International Publishing AG. DOI: 10.1007/978-3-319-49906-2
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).

Propósitos e metodologia

Por meio de um estudo de caso exploratório de natureza descritiva-analítica, objetivou-se analisar as práticas de mentoria adotadas por uma professora experiente em sua atuação formativa virtual dirigida a uma professora iniciante, ambas atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Essa mentora foi selecionada por ter mantido interações sistemáticas com a PI L5 5 Visando preservar a identidade da professora iniciante neste artigo, ela será denominada por PI L. por aproximadamente dois anos e meio. A mentora W. (MW6 6 Visando preservar a identidade da mentora neste artigo, ela será denominada por MW. ) é formada em Pedagogia, tem 11 anos de atuação na rede municipal como docente no Ensino Fundamental, anos iniciais, atuou como Supervisora no PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) e foi professora-coordenadora pedagógica no município. A PI L é formada em Ciências Biológicas e em Pedagogia, atua como docente nos anos iniciais e, quando ingressou no PHM, tinha 4 anos de experiência na docência.

Utilizou-se a análise de conteúdo de narrativas escritas registradas pela MW e PI L em documentos como diários, fóruns e feedbacks que oferecem contexto para compreender as ações da mentora. Essas narrativas são concebidas como uma ferramenta investigativa das trajetórias das participantes (neste caso da M e da PI) no PHM e como dispositivo de aprimoramento de suas práticas por meio da descrição de suas ações, da promoção de processos reflexivos e do estabelecimento de oportunidades para a aprendizagem profissional. Essa perspectiva envolve o estudo do que as pessoas dizem, o que pensam, o que querem revelar sobre seu pensamento e ação, e não necessariamente o que pensam ou fazem, ou seja, refere-se ao estudo de seus conhecimentos práticos (Moreira, 2011Moreira, M. A. (2011). Introdução. In M.A. Moreira (Ed.), Narrativas dialogadas na investigação, formação e supervisão de professores (pp. 23-40). Edição Pedago Lda.).

Selecionaram-se porções do conjunto de dados mais amplo (Little, 2003Little J. W. (2003). Inside teacher community: Representations of classroom practice. Teacher College Record, 105(6), 913-945.http://doi:10.1111/1467-9620.00273
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) que compõem as interações virtuais entre MW e PI L, a partir de critérios como: representação de uma situação em que é possível identificar como foi iniciada; em que contexto ocorreu; quais foram os participantes, os processos envolvidos, os desdobramentos e o fechamento, o que significa que especificamente o foco da porção foi superado. Para delimitar o segmento selecionado, considerou-se que as situações descritas no caso da PI apresentem elementos que sinalizem dificuldades, dilemas, sentimentos, pedidos de apoio, dúvidas etc.; e, no caso da M, a troca de ideias, apresentação de exemplos e análises, questionamentos e solicitação de informações adicionais. Levou-se em conta, ainda, a menção ou a descrição de auxílios respectivamente recebidos/oferecidos e a ocorrência de processos reflexivos sobre as práticas tratadas, as compreensões manifestadas sobre ensinar e ensinar a ensinar, sobre ser mentora, ser PI e o registro dos desdobramentos evidenciados pela PI. Destaca-se que nos diálogos entre M e PI não há uma ordem linear, na qual um assunto é tratado e depois é substituído por outro. Frequentemente, no PHM nas trocas virtuais de informações e de conversas, são introduzidos outros temas tanto pela PI quanto pela M.

Práticas de uma mentora: do conhecimento da sala de aula ao ensinar a ensinar

Os dados possibilitaram conhecer detalhadamente as práticas de mentoria relativas a uma das fases principais das interações entre a MW e a PIL: a fase de desenvolvimento ou o aprofundamento do processo de mentoria (Reali et al. 2010Reali, A.M. de M. R, Tancredi, R. M. S. P., & Mizukami, M. G. N. (2010). Programa de mentoria online para professores iniciantes: fases de um processo. Cadernos de Pesquisa, 40(140), 479-506. https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000200009
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).

Selecionaram-se três porções de dados relacionados às atividades de planejamento, adaptação de atividades e revisão textual, dentre outras realizadas pela PI L. Nesses segmentos identificaram-se: os objetivos estabelecidos pela mentora em conjunto com a PI L; as maneiras adotadas por ela para obter as informações relevantes para delimitar as dificuldades enfrentadas pela PI; as análises conjuntas das práticas e do planejamento de alternativas de ação; os processos de acompanhamento da experimentação de novas práticas; o uso de ferramentas reflexivas e de representação das práticas no estabelecimento de oportunidades de aprendizagens dirigidas para a PI. A partir da atuação de MW, identificaram-se informações sobre a base conceitual de suas práticas e o raciocínio pedagógico adotado.

As primeiras intervenções: tornar “visíveis” as práticas e circunscrever os problemas enfrentados pela PI

No PHM, o ensinar a ensinar e as interações entre MW-PI L têm como um dos pontos de partida conhecer a trajetória profissional e a formação das iniciantes com destaque para as primeiras experiências docentes. Nas conversas iniciais, MW buscou informações sobre o contexto de atuação da PI L, seus alunos, as rotinas de sala de aula. Esses dados, em conjunto com a apresentação e indicação das dificuldades nas práticas profissionais docentes enfrentadas pela PI L, possibilitaram definir o curso inicial do processo de mentoria elaborado por MW.

A partir de informações trazidas pela PI L, MW registrou em seu diário alguns destaques da sua avaliação preliminar para serem retomados mais adiante: planejamento escolar e plano de ensino, que não foram realizados; organização de rotina semanal e uso de material didático. A revisão textual – não mencionada explicitamente pela PI L – foi sinalizada por ela como prioritária, já que deveria ocorrer de modo sistemático na 3.ª série, visando melhorar a produção textual dos estudantes. Supõe-se que parte de seu diagnóstico tenha se pautado num trecho do diário da PI L em que relata:

O processo de planejar é muito solitário e tenho grande dificuldade em ser prática e flexível. Neste ano ( ... ) houve um choque grande em relação a realidade que estava acostumada a viver e a que estou agora. ( ... ) o que encontro no semanário com qual estou [acostumada] não cabe para minha turma. Algumas coisas consigo fazer e quando me sinto muito perdida busco alívio nele.

(Diário PI L, 16/4/2018)

Como resposta, MW propôs uma tarefa para a PI L apresentar o seu planejamento semanal de Língua Portuguesa, considerando suas experiências com a turma. Para dirigir sua ação, elaborou um conjunto de questões sobre a dinâmica das aulas: como as atividades eram realizadas: coletivas, individuais, em duplas e/ou em grupos; como o conteúdo era exposto; se alguma atividade exigia adequação de conteúdo ou metodologia; quantos alunos participavam, não queriam participar, ou não participavam porque apresentaram dificuldades; quais eram os objetivos da semana em relação à disciplina Português e se tinham sido (ou não) atingidos; se enfrentou dificuldades e se necessitou de apoio; qual era o planejamento em geral: necessidade de adequações para alunos específicos; se houve o cumprimento integral do que foi planejado; se foram necessárias modificações; e quais as dificuldades enfrentadas durante a semana. Nesse momento, evidencia-se que MW, ao perscrutar as práticas da PI, busca conhecê-las detalhadamente (Fitzgerald & Palincsar, 2019Fitzgerald, M. S., & Palincsar, A. S. (2019). Teaching practices that support student sensemaking across grades and disciplines: A conceptual review. Review of Research in Education, 43(1), 227–248. https://doi.org/10.3102/0091732X18821115
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) para delimitar os problemas a serem tratados com PI L (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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).

Na sua proposição, MW indicou expressamente o objetivo da tarefa: refletir sobre a importância do planejamento. Solicitou um conjunto de informações que, ao serem respondidas, poderiam tornar mais visíveis as práticas de sua PI para ela e, simultaneamente, ser uma oportunidade para a PI L analisar suas ações. Ao ajudá-la a se distanciar um pouco da situação considerada, para observar de modo detalhado o que ocorria em sua sala de aula, favoreceu o exame de suas práticas sob uma perspectiva diversa da que esteve presente durante sua realização. Ao promover um espaço para uma conversa reflexiva posterior sobre as informações solicitadas, incentivou PI L a identificar, explicitar e construir novas ideias – como etapa preliminar para o delineamento de novas práticas (Keast et al., 2017Keast, S., Panizzon, Mitchell, I., Loughran, J., Tham, M., & Rutherford, L. (2017). Exploring routes to engagement: An aspect of the pedagogical reasoning of expert teachers. Conexão Ciência, 12, 278-283. https://periodicos.uniformg.edu.br:21011/ojs/index.php/conexaociencia/article/view/845/950
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; Gao et al., 2019Gao, S., Liu, K., & McKinney, M. (2019). Learning formative assessment in the field: Analysis of reflective conversations between preservice teachers and their classroom mentors. International Journal of Mentoring and Coaching in Education, 8(3), 197-216 http://dx.doi.org/10.1108/IJMCE-10-2018-0056
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), como pode ser evidenciado em suas respostas às questões de MW:

a quantidade de atividades programadas e a dificuldade de focar naquilo que é mais importante. ( ... ) a turma com a qual trabalho este ano tem um ritmo bem diferente do qual me habituei. ( ... ) tenho alunos que possuem efetivamente maturidade para estar no terceiro ano, mas tenho também aqueles que têm perfil de segundo e de primeiro ano. ( ... ) me deixa muito frustrada o fato de que metade do que eu programo para semana não consigo fazer. Há dificuldade de ser maleável em relação ao que programei. ( ... ) sou um pouco travada para imprevistos.

(Tarefa 1.1)

Ao descrever sua turma e como percebia seus alunos em geral e suas dificuldades PI L desvelou seus sentimentos e posicionamentos. Tornou visível para MW (e para si mesma) que não conseguia realizar as atividades previstas como gostaria, ao expor a própria pedagogia ao escrutínio de MW (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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).

Introduzindo processos reflexivos com a PIL: do “ver” ao projetar e experimentar novas formas de atuação

Em continuidade, MW apresentou questionamentos que envolvem a profissionalidade docente e o papel da professora nas circunstâncias relatadas pela PI L. A mentora buscou maiores informações sobre o pensamento da PI e, ao propor novas questões, pôde levar a PI a identificar e examinar mais profundamente suas concepções e práticas, deslocando-a da expectativa frustrada para a reflexão sobre a ação, por meio da identificação de ações que podem ser produtivas para favorecer a aprendizagem das crianças (Fitzgerald & Palincsar, 2019Fitzgerald, M. S., & Palincsar, A. S. (2019). Teaching practices that support student sensemaking across grades and disciplines: A conceptual review. Review of Research in Education, 43(1), 227–248. https://doi.org/10.3102/0091732X18821115
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). Nota-se que MW provocou atitudes investigativas, associadas ao processo de raciocínio pedagógico (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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) ao questionar:

O que você pensa sobre isso? ( ... ) temos que encher o semanário com bastante conteúdo e dar conta do plano de ensino, mesmo que os educandos não estão acompanhando? Ou ter um planejamento propondo atividades com conteúdos que terão uma sequência e poderemos retomá-los quando acharmos que há necessidade? ( ... ) E o principal de formas que eles avancem na aprendizagem, não é mesmo?

(Feedback para PI. 23/4/2018)

Em seguida apresentou uma sugestão com explicações para a sua proposição, entremeada de comentários sobre algumas ações realizadas pela PI L, e um convite para que experimentasse uma forma diversa de organizar a sua rotina dela e sua documentação.

Você poderia elaborar um cronograma semanal que servirá de modelo e você só terá que preenchê-lo ( ... ) com os conteúdos. ( ... ) Exemplo: na segunda você trabalha língua portuguesa e matemática, porém às vezes trabalha produção de texto, às vezes leitura e interpretação ( ... ). No cronograma [proposto por ela] você estabelece em que dia da semana irá trabalhar a leitura e interpretação e sempre trabalha naquele dia. ( ... ) você conseguirá trabalhar sempre a mesma rotina de atividades e não irá se esquecer dos conteúdos. O que você acha desta sugestão? Podemos construir juntas e se essa forma te ajudar você poderá colocar em prática. Vamos tentar?

(Feedback para PI. 23/4/2018)

Neste mesmo feedback, MW incluiu o tema das adequações para que possam ser aplicadas, de maneira gradual, atividades aos alunos não alfabetizados. A sugestão é seguida do apoio na proposição e no acompanhamento estreito das ações da PI L, a partir de um Fórum em que ambas discutem a iniciativa. O detalhamento das informações oferecidas pela MW possivelmente favoreceu a compreensão e o engajamento da PI na ação docente tratada (Tillema et al., 2015Tillema, H., Van der Westhuizen, G. J., &. Van der Merwe, M. (2015). Mentoring for learning: Climbing the mountain. Sense Publishers, Rotterdam, The Netherlands. DOI:10.1007/978-94-6300-058-1.
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), ao destacar as tarefas relativas à elaboração e ao uso de um semanário,

Também podemos sinalizar [no cronograma] em que momento as atividades terão adequações aos educandos não alfabetizados e como será a sua organização (individual, duplas ou grupos) pensando em qual é o objetivo da atividade. Sobre as adequações das atividades também podemos pensar juntas em quais atividades isso ocorrerá e até posso auxiliar na elaboração das adequações. Podemos começar com uma atividade na semana. O que acha? ( ... ) poderemos ir conversando no fórum de interação, pois teria que acontecer semanalmente. ( ... ) Os educandos têm certa resistência a trabalhos em duplas ou grupos, porém este tipo de organização os auxilia, facilita na intervenção e também se faz importante para que aprendam. Por isso, você deve insistir sim com atividades em duplas e grupos. Não será fácil, mas com certeza o tempo fará que tais educandos mudem o comportamento e aprendam a interagir com os colegas.

(Feedback para PI. 23/4/2018)

A partir dos exemplos e as ponderações dadas por MW, a PI L, em sua resposta, focalizou na adaptação de atividades. Esse movimento parece ter viabilizado a explicitação de suas dificuldades no gerenciamento do processo de ensino por meio de uma autoavaliação e do detalhamento de suas ações e do que ocorria em sua classe, ao tentar adaptar as atividades. Em sua resposta, PI L avaliou ser “realmente difícil dizer com clareza qual é a minha dificuldade para adequar as atividades, porque só consigo pensar no tempo”. (Diário PI 27/04/2018), mostrando a complexidade de suas dificuldades e sua incapacidade de identificar o problema, o que é essencial para ser vencido (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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). Ao atuar em conformidade à sugestão de MW, analisou o efeito limitado de suas ações que confrontavam seu entendimento do compromisso profissional.

Quando consigo traçar e organizar esse caminho padrão não sobra tempo para pensar nos outros alunos que estão fora desse padrão. Parece estranho quando escrevo e digo isso a mim mesma, porque logo me vem o pensamento “mas que tipo de professora é você que só sabe atingir o padrão?” [ênfase no original].

(Diário PI 27/04/2018)

Como devolutiva, MW usou palavras de empatia e compreensão, retomou a questão do tempo, indicando ser uma variável que interfere na atuação docente. Simultaneamente destacou sua visão de um bom profissional docente, como aquele que sempre está preocupado com a aprendizagem de seus alunos, valorizando a PI L. Sinalizou que as preocupações da PIL representam seu processo de aprendizagem da docência. Neste momento, associou o tema do planejamento com o das adequações, ao indicar que, ao organizar o primeiro, a PI teria clareza de seus propósitos e com o cronograma [proposto anteriormente] poderia refletir melhor sobre as adaptações.

Uma coisa que diferencia um bom profissional de um profissional mediano é essa eterna preocupação que paira sobre nossa prática pedagógica, pois só conseguimos melhorar se temos a consciência de que não está bom.( ... ) No seu caso você tem essa preocupação em querer adequar as atividades, se preocupa com a aprendizagem de todos e isso é algo muito positivo no seu processo de aprendizagem como docente. O tempo para fazer vai surgir à medida que conseguir ( ... ) atingir os objetivos propostos. Com a construção do cronograma você terá um tempinho para refletir sobre as adequações; em alguns casos, estas adequações serão feitas nas estratégias ou nos recursos que irá utilizar.

(Feedback 8 à PI. s/d)

Por meio desse feedback reflexivo, MW tencionou auxiliar a PI a clarificar seus objetivos (Tillema et al., 2015Tillema, H., Van der Westhuizen, G. J., &. Van der Merwe, M. (2015). Mentoring for learning: Climbing the mountain. Sense Publishers, Rotterdam, The Netherlands. DOI:10.1007/978-94-6300-058-1.
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). Incitar a PI L a contar, interpretar e problematizar seu próprio mundo (Orland-Barack & Maskit, 2017Orland-Barak, L., & Mastik, D. (2017). Methodologies of mediation in professional learning, Springer International Publishing AG. DOI: 10.1007/978-3-319-49906-2
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) e vislumbrar a possibilidade de experimentar novas práticas foram as maneiras usadas pela MW para promover o aprender a ensinar. Em seu diário, registrou que: “de todas as demandas [apresentadas pela PI] a prioridade é como fazer um ( ... ) planejamento que atenda às necessidades do educando e que seja executável” (MW. 6/05/2018), sumarizando as dificuldades da PI L.

Essas ideias apontam para a relevância da definição de uma problemática (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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) e da hierarquização das dificuldades para que possam ser trabalhadas nos processos de mentoria, o que, no caso, foi sendo aos poucos consensuada entre MW-PI L. A visão ampliada de MW do que ocorria na sala de aula da PI L, a partir da proposição de questões pertinentes, possibilitou que a PI L entendesse a sua dificuldade e a definição conjunta das ações de mentoria.

O tema planejamento foi retomado pela PI L que sinalizou para a MW o que lhe parecia uma prática relevante para ser aprendida e executada após a priorização do que deveria ser realizado. Todavia manifestou insegurança e desconforto para indicar os conteúdos que deveria ensinar e definir quais materiais adotar no caso de Língua Portuguesa.

Priorizar. Essa é uma palavra cuja ação se faz importantíssima quando desejamos fazer o nosso melhor sem sofrimentos desnecessários e alcançando um objetivo claro. Eu não aprendi a priorizar. Planejar aulas, para mim, se torna, na maior parte das vezes, motivo de grande desgaste e sofrimento. Atribuo isso ao fato de não saber priorizar. ( ... ) é minha primeira vez em um terceiro ano. Não tenho familiaridade com os conteúdos e isso aumenta um pouco mais o sofrimento. Me sinto sempre muito em dúvida.

(Diário PI L. 13/05/2018).

Em seu feedback MW, além de reportar-se ao núcleo dos problemas da PI, ilustrou como administrar o tempo em suas aulas, a partir de sua prática docente como professora dos anos iniciais, mencionando o que considerava conveniente realizar, ajudando, assim, a iniciante a vislumbrar novas perspectivas de atuação (Loughran, 2014Loughran, J. (2014). Professionally developing as a teacher educator. Journal of Teacher Education, 65(4), 271–280. https://doi.org/10.1177/0022487114533386
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).

a questão do tempo para cada atividade ( ... ) só será sanada a partir da sua organização e da elaboração de estratégias. Na minha rotina trabalho, me oriento pelo relógio e ao tempo que estipulei para cada atividade; quando percebo que a maioria conseguiu cumprir analiso que o tempo foi adequado. Mesmo que nem todos tenham terminado encerro a atividade ou dou mais um tempinho (porém cronometrados pelo relógio). Para uma produção [textual] utilizo duas aulas de português (ou seja, uma hora/40 minutos) ou às vezes me baseio pela rotina do dia, tal atividade vai até a hora do intervalo ou até a aula de educação física.

(Feedback 12 à PI. s/d)

Detalhando suas práticas no gerenciamento do tempo destinado às atividades em sala de aula por meio de um exemplo, MW aparentemente procurou promover a adesão da PI às ações envolvidas e ilustrou como o processo de adaptação do tempo pode ser conduzido, considerando diversos recursos/estratégias usados no ensino de diferentes conteúdos em Língua Portuguesa.

vou dar alguns exemplos de como podemos fazer adequações que te ajudarão na questão do tempo com as atividades [dirigidas aos alunos não alfabetizados]. Se a proposta da atividade for individual ( ... ). Na atividade de leitura e interpretação de texto ( ... ). Na reescrita você (...). Na escrita de cada parágrafo ( ... ). Nesta atividade o grupo dos não alfabetizados (poderão estar em grupo) podem ( ... ). O restante não receberá auxílio (e podem estar em duplas produtivas).

Você também pode propor reescrita ou produção (individuais ou em dupla) para os que conseguem fazer e dar a proposta dirigida para os que têm mais dificuldades (pequenos grupos).

(Feedback 12 à PI. s/d)

Em continuidade, MW indicou uma atividade, visando proporcionar reflexões sobre como planejamos a elaboração do semanário a partir do cronograma. Orientou detalhadamente a tarefa a ser realizada. Essa abordagem aparentemente funcionou como disparador para a PI L, ou seja, contribuiu para chamar sua atenção para identificar aspectos importantes ainda não percebidos em sua dificuldade de lidar com o tempo em suas aulas. Isso pôde ser evidenciado em um comentário da PI sobre a tarefa proposta:

Obrigada pelo modelo que enviou. Ajudou bastante. Interessante que foi fazendo esse exercício que me dei conta de que o tempo que tenho de aula efetiva é mais curto do que imaginava. O portão abre mais cedo na saída, pois a maior parte das crianças vem de outro bairro e vão embora de ônibus. A partir das 17h, já tenho que terminar a aula.

(Atividade 2.1. Cronograma 13/05/2018)

Em seu diário, a MW analisou os efeitos da abordagem adotada na qual ofertou modelos, orientações e sugestões detalhadas, pautados em sua atuação, e fez projeções sobre os próximos passos a serem propostos para a PI. Examinou sua própria atuação formadora e revelou o processo de raciocínio pedagógico (Shulman, 2015), realizado neste caso, que incluiu levar em conta as colocações da PI acerca de suas dificuldades e das ações projetadas, considerações, lacunas indicadas.

No feedback da atividade trouxe dois pontos elencados pela PI que dificultaram o avanço dos educandos e que considerei bem relevantes: o primeiro ponto ( ... ) e o segundo foi que a PI irá diminuir o ritmo e valorizar a qualidade e não a quantidade. Sendo assim considerei que nesta atividade a PI ( ... ). ( ... ) No fórum a PI relatou que está tendo dificuldade com a revisão textual, pois( ... ) sugeri a PI que me relatasse no diário como foi o trabalho com revisão de texto do primeiro bimestre. Tivemos uma conversa no fórum, ( ... ) agora é o momento de analisar como a PI realizou a atividade e com qual frequência. ( ...) Diante disso propus para a semana as atividades( ... ). A partir destas orientações a PI teria que reformular o cronograma e fazer seu planejamento. ( ... )

(Diário MW. 13/05/2018)

Na sequência, solicitou que a PI registrasse em seu diário reflexões sobre a experiência de elaborar e desenvolver as atividades propostas na tarefa sobre a organização do semanário. A PI L, em resposta, além de apresentar de um novo semanário, trouxe as análises sobre a sua aplicação a partir do enunciado de uma tarefa proposta por MW que apresentava questões que exigiam não só indicação de detalhes, mas análises sobre o tema (Gao et al., 2019Gao, S., Liu, K., & McKinney, M. (2019). Learning formative assessment in the field: Analysis of reflective conversations between preservice teachers and their classroom mentors. International Journal of Mentoring and Coaching in Education, 8(3), 197-216 http://dx.doi.org/10.1108/IJMCE-10-2018-0056
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).

Tarefa 2.3, apresentada pela MW:

O objetivo da atividade é fazer você refletir sobre como foi a experiência da rotina semanal com o novo cronograma.

Anexar o semanário ( ... ), fazer um relato reflexivo sobre como foi a semana com relação aos pontos elencados anteriormente como suas dificuldades:

  • Como foi planejar seguindo o cronograma que você elaborou?

  • Você conseguiu realizar todas as atividades propostas no planejamento? Se não conseguiu foi por qual motivo?

  • As atividades tiveram tempo adequado para que todos os educandos conseguissem realizá-las?

  • Quais alterações você considera que necessita fazer ao cronograma?

  • Escrever sobre pontos que considera relevantes. (Tarefa 2.3)

O relato de PI indicou um avanço na elaboração do planejamento do semanário e também nas análises críticas sobre suas práticas, ao mencionar falta de organização, uma vez que introduziu uma atividade não prevista anteriormente (ditado de palavras) e que interferiu na realização da produção escrita proposta e resultou na desistência de sua aplicação, sem justificativa. Apontou mais uma vez ter dificuldades em lidar com a duração das atividades e também em reduzir a oferta de atividades. Sentia-se insegura, em especial ao considerar ter que ensinar todos os conteúdos previstos no tempo disponível. Revelou fragilidades, dificuldades e dilemas, angústias, mas sinalizou ter sido mais fácil realizar o planejamento da semana, ao demonstrar certo alívio. Pontuou mais uma vez uma postura ‒ ter foco ‒, que pôde auxiliá-la a ultrapassar essas adversidades, embora sugerisse não saber priorizar o que deveria fazer.

Foi muito mais fácil planejar, pois já sabia quais eixos queria trabalhar. Só tive mesmo que decidir de onde viriam as atividades( ... ) senti alívio, por ter conseguido organizar a semana com muito mais rapidez. ( ... ) Na questão da produção foi por falta de organização meu mesmo. Inventei (tenho este problema) de fazer um ditado de palavras e escrita de frases e daí não deu tempo da produção. Para não atropelar tudo desisti da produção. ( ... ) Essa questão de tempo das atividades talvez seja algo mais complicado pra mim. Porque existe o grupo de alunos que me acompanha, o que não acompanha, mas não atrasa tanto, os que atrasam um pouco e os que não conseguem nada. ( ... ). Penso que ainda estou com dificuldade de reduzir a quantidade de atividades para trabalhar. Ainda bate um certo desespero quando olho os conteúdos e vejo o pouco tempo para tudo. Falta foco.

(Resposta PI L Tarefa 2.3)

A PI L, em seu diário sobre essas novas experiências propostas pela MW, denotou buscar certezas e ter clareza de suas aprendizagens. Todavia, apesar de demonstrar aflição por não contar na escola com o respaldo que julgava ser importante e indicar desmotivação a partir das próprias dificuldades, esses foram aspectos que não pareceram imobilizá-la em seu processo de desenvolvimento profissional. Reiterou a importância da proximidade de MW e dos exemplos apresentados para construir novos conhecimentos.

Sinto que estou no caminho. Ainda iniciando as melhoras a que me propus, mas no processo, no caminho. Nessa semana que passou consegui cumprir o que planejei, mesmo ainda com muitas dúvidas ( ... ) as prioridades realmente necessárias. Planejar, no geral, é um processo solitário, mas tem sido ainda mais nesse ano, pois sou o único terceiro ano no período da tarde( ... ) e há muita confusão sobre ajustar materiais ao plano ou o plano aos materiais.( ... ) Não tenho respaldo nenhum dos semanários que elaboro, tanto que tive semanas que fui planejando dia a dia e não com antecedência. Hoje, consegui terminar o que planejei para a próxima semana ( ... ). Nem sempre consigo isso e o que me ajudou foi criar uma rotina em meu cronograma, e para isso eu tive amparo da mentora ( ... ). Penso que possa dizer que ( ... ) elaboração do cronograma/rotina esteja aprendido e superado, mas muitas outras dificuldades persistem. A questão de priorizar é uma delas. Participar do programa de mentoria está sendo importante( ... ). Tem coisas para as quais eu preciso muito de mais proximidade e exemplos para entender e fazer. ( ... ). Mas ainda assim, sinto que estou caminhando para melhorar. ( ... ) Acho que poderia definir essa semana com a palavra caminhando.

(Diário PI L. 20/05/2018)

Além de elogiar a PI em seus avanços no que diz respeito ao planejamento, MW usou no feedback palavras de conforto e empatia em relação às dificuldades indicadas e ofereceu algumas sugestões. Ressaltou a relevância de sempre manter o seu olhar dirigido para os alunos, afinal trata-se de uma medida de suas aprendizagens, o que garante ao professor que está ensinando. Ao agir deste modo, em seu diálogo com a PI L, MW enfatizou sua visão sobre um aspecto fundamental nos processos de ensino, a aprendizagem dos alunos, reforçando a profissionalidade docente como eixo da atuação do professor.

Fiquei muito feliz em ler seu registro. ( ... ) Que bom que está conseguindo planejar com antecedência a sua semana. Parabéns pelos avanços. Porém, algumas dúvidas e inseguranças permanecem. Isto é muito comum quando estamos fazendo algo novo e não temos o apoio de alguém que já realizou o trabalho. ( ... ) me fez relembrar como me sentia no começo da docência. Temos esta necessidade de feedbacks de tudo que fazemos para ter certeza se estamos no caminho certo. ( ... ) Nosso trabalho nos dá resultados no dia a dia que são as aprendizagens ou não dos nossos educandos. ( ... ) Fique tranquila você certamente saberá se o que está propondo aos educandos está adequado. Ao superar a dificuldade com o planejamento, sobrará tempo para começar a analisar suas aulas e perceber o que está dando certo e o que precisa melhorar.

(Feedback MW Registro 11_Diário da PI. s/d)

Refinando as formas de atuação da PI em quatro tempos: o incentivo para que os processos reflexivos se tornem uma prática iterativa

Na sequência, em seu diário, a PI L apontou desdobramentos das orientações de MW em suas práticas, mas, apesar dos avanços, sinalizou estar vivenciando outras dificuldades: “de fazer trabalho em grupo com minha sala, eles brigam demais entre si. Isso também desmotiva. Mas ainda assim, sinto que estou caminhando para melhorar” (Diário PI L. 20/05/2018).

Em resposta, MW, além de ponderar acercada realização de trabalhos em grupos e duplas e de exemplos de atividades que poderiam ser conduzidas, reafirmou a validade do uso do diário para que a PI apresentasse as dificuldades enfrentadas e descrevesse atividades bem-sucedidas ou não. Ao mencionar a importância do diário, reforçou ser essa uma maneira de se compreender as experiências que, ao serem narradas, possibilitam ser reafirmadas, atualizadas e transformadas, confirmando Clandinin e Connelly (2000)Clandinin, J., & Connelly, F.M. (2000). Narrative inquiry: Experience and story in qualitative research. Jossey-Bass..

este processo de escrita nos faz refletir e mostrar caminhos novos, como você mesmo relatou. Foi através da tarefa sobre o cronograma que se deu conta que tem menos tempo de aula do que imaginava.

(Feedback MW Registro 11 à PI. s/d)

A PI L manifestou-se sobre a produção escrita e como se relacionavam as adaptações demandadas por alguns de seus alunos. Ao elaborar uma síntese analítica em resposta a MW, a PI reiterou manter dificuldades com a duração da atividade, mas indicou os desdobramentos ou as relações entre o que pretendia fazer e o que era necessário para atingir os objetivos estabelecidos. Aparentemente essas constatações foram descobertas que compõem a sustentação para adotar as novas ações pedagógicas, como ilustrado a seguir:

Senti dificuldade de me organizar melhor para o dia da produção escrita. Ainda persiste a dificuldade de organizar o tempo de cada atividade, pois se pretendo ter todos me acompanhando leva bem mais tempo. E como sempre acontece tenho que levar atividades extras para os alunos que acabam no tempo estabelecido. ( ... )Talvez eu precise fazer novos testes com as duplas de trabalho, porque tenho alunos que de maneira nenhuma produzem em duplas, que mais atrapalham do que ajudam. E também tenho muitas faltas [de alunos], acabo sempre precisando mudar as duplas de última hora. Preciso conseguir ainda elaborar com mais antecedência a atividade de produção para poder solicitar ajuda na adaptação. O que acaba sempre acontecendo é que eu planejo no domingo e como faço a produção na terça não dá nem tempo de conversar sobre adaptação. As dificuldades que persistem estão relacionadas ao tempo das atividades, o que fazer com os alunos que de forma nenhuma cumprem esse tempo, priorizar o mais importante quando não há tempo e adaptar as atividades.

(Diário PI L 03/06/2018)

Em um fórum sobre este tema, MW se dispôs a colaborar com a PI L no processo de revisão textual, explicando as dificuldades arroladas e apontando possíveis ações:

PI L: Minha dificuldade [na questão do aprimoramento de texto] é conseguir pensar uma sequência gradual de trabalho, conseguir visualizar as etapas, como devo proceder em cada etapa e que faça sentido. ( ... ) No primeiro bimestre ( ... ), mas sei que não fui organizada para fazer adequadamente as revisões coletivas dessas reescritas. [Nas revisões] tentei focar nas marcas fortes de oralidade, muito presentes nos textos. Mas confesso que me angustiei rápido, pois minhas intervenções pareciam não surtir efeito. Não conseguia fazê-los entender elementos simples de coesão e coerência. Percebo que para mim fica muito difícil quando não tenho clareza das etapas que devo percorrer para chegar onde quero ( ... ).

MW: As marcas de oralidade estão diretamente relacionadas à coesão e pontuação que eles ainda não dominam. Portanto, ( ... ). A partir do que já sabem apresentar outros sinais de pontuação com exemplos em textos. Apresentar possibilidades de conectivos de coesão. A coerência está diretamente relacionada à compreensão do que seja parágrafos. Mas estes aspectos conseguimos trabalhar em gêneros narrativos. Você já sabe qual o gênero do terceiro bimestre? Penso que podemos planejar uma sequência didática e assim pensarmos nestas dificuldades.

PI L: No terceiro bimestre para a escrita tem ficha técnica, tirinhas e histórias em quadrinhos. Para a reescrita tem lendas. E também, a partir de agosto ( ... ). Sinto dificuldade em ajudá-los a compreender o porquê do parágrafo. ( ... ) Vou precisar me organizar com certa antecipação para o terceiro bimestre, porque tem as atividades do projeto de leitura que também precisarão ser incluídas na rotina. Vamos trabalhar com ( ... ).

(Fórum. 04-08/06/2018)

Em seu diário, MW analisou as situações tratadas e solicitou informações adicionais sobre as dificuldades apontadas pela PI.

Analisando o relato da PI percebo que ela não sabe o que fazer e nem por onde começar. Por isso ( ... ) a atividade desta semana (...) tem por objetivo fazer a PI refletir como realiza a atividade (orientações para a produção, intervenções durante e análise após a realização das atividades). ( ... ) Com esta atividade irei conhecer um pouco mais a turma da PI e como estão na produção de texto; terei mais subsídios para auxiliar a PI, pois irei ver os textos dos educandos.

(Diário MW. 10/06/2018)

Ao buscar ampliar seu conhecimento sobre as práticas da PI e sobre seus alunos em atividades de produção textual (e a sua reescrita), a MW apresentou um novo conjunto de questões, abordando diferentes aspectos das ações da PI (Fitzgerald & Palincsar, 2019Fitzgerald, M. S., & Palincsar, A. S. (2019). Teaching practices that support student sensemaking across grades and disciplines: A conceptual review. Review of Research in Education, 43(1), 227–248. https://doi.org/10.3102/0091732X18821115
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), tais como: a maneira como a atividade foi proposta; como foi a divisão das produções (coletivas, duplas, individuais); se foram em duplas; se houve planejamento prévio da quantidade; se as duplas organizadas foram produtivas, entre outras. Em seu feedback a esta tarefa, MW comentou pontos levantados pela PI e ofereceu informações, alternativas e ponderações sobre pontos positivos das estratégias mencionadas e, ao final, incentivou que a PI realizasse o planejamento e a execução de uma revisão textual. Deixou claro suas concepções teóricas sobre algumas das ações realizadas pela PI, ao explicitá-las como nas explicações sobre revisão coletiva, duplas produtivas e desdobramentos das sequências didáticas e como lidar com alunos não alfabetizados. Sinalizou ser essencial que as atividades propostas fossem compreendidas por ela e seus alunos (Fitzgerald & Palincsar, 2019Fitzgerald, M. S., & Palincsar, A. S. (2019). Teaching practices that support student sensemaking across grades and disciplines: A conceptual review. Review of Research in Education, 43(1), 227–248. https://doi.org/10.3102/0091732X18821115
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). Percebe-se seu domínio com a realização desse tipo de atividade e a base conceitual das ações propostas (Keats et al., 2017).

Respondendo seu questionamento na nossa rotina não é possível darmos um retorno a todos os educandos nas atividades de reescrita e produções, por isso que temos a proposta da revisão coletiva. Na revisão coletiva ( ... ) estará trabalhando uma necessidade e grande parte terá um retorno da dificuldade. ( ... ) O que acontece é que a revisão coletiva precisa fazer sentido para você e para os educandos.( ... ) o ideal é que as duplas produtivas sejam sempre as mesmas no bimestre (caso algum educando falte faça alterações) ou se perceber que houve mudança no nível de hipótese de escrita..( ... ) A ideia não é um educando ser escriba do outro ( ... ) nesta proposta no nosso dia a dia acabamos dando mais atenção aos educandos que possuem mais dificuldades e deixando de lado aqueles que já atingiram os objetivos e que com nossas intervenções poderiam avançar mais. Estes educandos poderão ter intervenção se você conseguisse planejar o momento da produção ou reescrita em dois momentos. ( ... ) É importante ter uma sequência didática do gênero para os educandos conhecerem a rotina semanal. ( ... ) É preciso instigar os educandos a refletirem sobre o que escreveram, criando o hábito de revisar o próprio texto antes de entregar (pensando nas ortografias já trabalhadas em sala).( ... ) Acredito que a atividade de revisão inicial que você tentou fazer que não surtiu efeito seja pelo fato dos educandos não estarem acostumados a revisarem o próprio texto. Mesmo sendo individualizada deveria focar em apenas um problema de cada vez, pois é complicado eles entenderem todo o processo de correção. ( ... )A próxima atividade proposta é para você ( ... ) pensar em um horário que você terá tempo suficiente para a conversa, correção e a cópia dos educandos.

(Feedback MW, 30/06/2018)

Dando sequência, MW propôs para a PI um movimento similar ao de elaboração do semanário para a prática de revisão textual, isto é, uma prática reflexiva em quatro tempos. A partir do (1.º) detalhamento da aula já realizada, do comportamento dos alunos e do que a professora fez para que refletissem sobre a atividade de revisão; (2.º) o planejamento de uma outra; (3.º) a aplicação e (4.º) a análise dos efeitos dessa experiência.

Selecione um texto da semana anterior (anexe a foto do texto), faça a correção e deixe apenas o problema que será focado. ( ... ) Faça um cartaz com o texto ou trecho do texto (anexa a foto do cartaz). Descreva em detalhes a sua aula sobre a revisão textual,a forma que abordou a atividade, o que os educandos trouxeram de contribuição para a atividade e quais foram os seus questionamentos para fazer os educandos refletirem sobre o problema. Após a realização da atividade faça uma análise sobre como foi a aula. Lembrando que apenas uma revisão não conseguimos avaliar a eficácia da atividade, temos bons resultados após algumas revisões.

(Enunciado Tarefa 3.3)

Com base nos três tempos de realização da nova revisão textual sugerida, PI L descreveu como ocorrera a atividade de revisão de uma reescrita.

A revisão textual que escolhi relatar foi da fábula ( ... ) minha proposta era de tentar fazer os alunos refletirem sobre as marcas de oralidade. Eles escrevem muito “e”, “e ai”, “e daí”. Eu escolhi uma reescrita de uma dupla e só precisei corrigir outros erros para poder focar no que queria. Reproduzi a reescrita em um cartaz e colei na lousa. Expliquei aos alunos que iríamos ler o texto que alguma dupla havia escrito e eles me ajudariam a substituir os termos “e ai” e “daí” por outras palavras. Conforme fomos lendo, alguns alunos que já escrevem textos melhores deram também a sugestão de colocar ponto e mudar de parágrafo. Tomei a sugestão como válida e fiz as modificações sugeridas. Senti que foi preciso escrever na lousa os conectivos possíveis para eles terem uma visão de como substituir, então escrevi, por exemplo, “mas”, “porém”, “então”, “quando”. Fui reescrevendo na lousa enquanto fazíamos as modificações. Foi muito interessante porque ajudou a refletir sobre as diferenças quando falamos e quando escrevemos e aquilo que funciona somente na fala e não pode ser usado na escrita. Eu deveria (...) fazer uso dessas atividades que ajudassem a refletir sobre a oralidade, talvez hoje eles estivessem já escrevendo melhor. Mas eu não soube planejar isso corretamente.

(Resposta da PI L. Tarefa 3.3. 24/06/2018)

Ao analisar a produção apresentada pela PI L sobre a atividade de revisão textual, ficaram claros seus propósitos, práticas e processos de decisão acompanhados das razões e das respostas dos alunos. Ao final, em função das dificuldades percebidas, analisou a atuação anterior e os desdobramentos atuais. Pode-se dizer que, além de tornar suas práticas visíveis para a mentora e para si, a PI examinou as práticas adotadas e descreveu o processo de raciocínio pedagógico envolvido na situação descrita. Não ficou restrita a julgamentos e apontou uma hipótese sobre como seu trabalho deveria ter sido realizado inicialmente e possíveis resultados sobre as aprendizagens dos alunos.

Em seu feedback, ao retornar alguns aspectos mencionados pela PI L, além de destacar os objetivos pretendidos com a proposição de nova atividade e o avanço alcançado, MW estabeleceu conexões entre suas ações e a aprendizagem de seus alunos e apresentou ideias que poderiam ampliar o significado de algumas dessa práticas para a PI (Fitzgerald e Palincsar, 2019Fitzgerald, M. S., & Palincsar, A. S. (2019). Teaching practices that support student sensemaking across grades and disciplines: A conceptual review. Review of Research in Education, 43(1), 227–248. https://doi.org/10.3102/0091732X18821115
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).

Pela descrição da sua atividade de revisão acredito que você encaminhou bem a atividade. Dando exemplos de conectivos você deu a possibilidade para os educandos aprimorarem o vocabulário. Muito bem. ( ... ) A atividade tinha por objetivo fazer você refletir em como realizou a atividade, como planejou e como desenvolveu. Assim, você conseguirá ver a importância de uma sequência para conseguirmos ter avanços nos textos dos educandos.

Já percebo um crescimento em sua autonomia e planejamento. As mudanças relatadas na próxima atividade serão bem positivas para a sua prática pedagógica e para a aprendizagem dos educandos.

(Feedback para PI L. Tarefa 3.3. 30/06/2018)

Considerando o final do primeiro semestre, MW solicitou um balanço da PI L sobre o processo de mentoria nesse período, que, num movimento de olhar para o passado e também para a futuro, assim concluiu:

O semestre foi muito produtivo. Foram muitos desafios e aprendizados. Estou apanhando bastante nessa minha primeira vez em um terceiro ano, ainda mais em uma sala com alunos com tantas dificuldades. Sinto que venci alguns obstáculos, como o desafio de organizar um cronograma de maneira adequada e organizar melhor a rotina das aulas no dia a dia, mas ainda têm muitos outros a vencer. Meu foco agora é em seguir uma sequência para trabalhar aprimoramento de texto, é o que desejo aprender a fazer bem feito e bem planejado. ( ... )Espero também conseguir organizar melhor a rotina de atividade com as duplas produtivas e assim conseguir ajudar mais pontualmente meus alunos não alfabetizados e os alfabetizados só em palavras ( ... ). Para o próximo semestre penso que seria interessante continuar com o trabalho no aprimoramento de texto principalmente no quesito revisão e na tentativa de conseguir trabalhar com as duplas produtivas.

(Resposta da PI L. Tarefa 3.4. 24/06/2018)

Em sua devolutiva, MW fez algumas considerações sobre o PHM, sua atuação como mentora e mostrou-se contente com a avaliação positiva apresentada pela PI.

Fico feliz que o PHM está trazendo contribuições para as suas reflexões e para a melhoria de sua prática pedagógica, pois é exatamente esta a nossa proposta. ( ... ) Meu foco é fazer com que você se sinta com mais autonomia e priorize o que considera mais importante para conseguir fazer um trabalho significativo para você e seus educandos.

(Feedback para Diário 15, 16, 17 da PI L 30/06/2018)

Considerações finais

Neste estudo, foi possível conhecer as práticas pedagógicas adotadas de uma M no acompanhamento de uma de suas PIs, a partir de suas interações registradas, via narrativas escritas num ambiente virtual. Notou-se que a mentora diversificou as estratégias em vista das ações e dos relatos da PI, sinalizando o estabelecimento de uma atuação focada nas informações oferecidas e nas demandas identificadas (Lampert, 2010Lampert, M. (2010). Learning teaching in, from, and for practice: What do we mean? Journal of Teacher Education, 61(1-2), 21–34. https://doi.org/10.1177/0022487109347321
https://doi.org/10.1177/0022487109347321...
).

A despeito da limitação do estudo de um caso, observou-se na porção de dados analisados um encadeamento de interações que, em diferentes etapas, indicaram aspectos específicos com relação às práticas de mentoria adotadas pela M. Ao longo das conversas entre M-PI o processo de ensinar a ensinar ocorreu por meio de ações como: questionar, exemplificar, argumentar, detalhar procedimentos, estabelecer conexões, sugerir, elogiar. Esse processo envolveu propósitos diversos no decorrer do tempo, não expressos explicitamente pela M, na seguinte sequência: visibilizar as práticas da PI e circunscrever os problemas por ela enfrentados; promover processos reflexivos com a PI, incentivando-a a ver detidamente a própria prática e a projetar formas alternativas de atuação; e posteriormente, investir na consolidação das ações derivadas de aprendizagem anteriores e focar na experimentação refletida de novas práticas. No processo de mentoria analisado, embora tenha havido da parte da M o uso de diferentes estratégias e ferramentas formativas, a promoção de processos reflexivos mostraram-se essenciais, ao se tornarem iterativos, isto é, voltados para refinar/melhorar as práticas da PI. Neste caso, notou-se uma dinâmica de quatro tempos: partir de uma análise com detalhamento das ações já realizadas, planejar uma outra ação substitutiva aprimorada, aplicar essa prática alternativa/nova e analisar os efeitos dessa experiência registrada por meio de narrativas escritas, estabelecendo como derivação novas oportunidades para a aprendizagem da PI L.

Os posicionamentos da M em relação aos temas tratados puderam ser identificados bem como seus conhecimentos sobre o ensino. No caso, por meio de seus registros, além dos objetivos e dos procedimentos adotados por ela para conduzir o processo de mentoria, foi possível conhecer seus processos de raciocínio pedagógico, ao explicitar com detalhes as justificativas e as diferentes etapas envolvidas nas conversas mantidas com PI L. Evidenciou-se também, no caso estudado, uma postura empática e compreensiva da mentora, quanto à- sua atuação docente, diante das dificuldades enfrentadas pela PI, que pôde ter auxiliado a sustentar as interações mantidas.

As intervenções da M incluíram ainda a indicação precisa de propósitos estabelecidos e o detalhamento das ações sugeridas que possibilitaram que a PI olhasse para sua própria prática e se envolvesse em uma análise crítica, aberta e segura para construir e experimentar novas práticas. Essas interações ilustram o quanto um processo com ações sistemáticas e frequentes, contínua e prolongada de análise radical conjunta entre um professor iniciante e um mentor, ou de reflexão das práticas, pode oportunizar a explicitação de suas dificuldades, conhecimentos práticos, pensamentos, sentimentos e de aprendizagens profissionais para os iniciantes.

Um olhar sobre a orientação formativa realizado pelas mentoras, sua atuação e as características do PHM, aponta para a relevância do acompanhamento sistemático e individualizado de professores em início de carreira docente. O uso de narrativas escritas potencializa o processo reflexivo e cria oportunidades de aprendizagem profissionais que não seriam visíveis se outras formas de registro, como a observação em sala de aula ou entrevistas, fossem utilizadas. Compreende-se que os resultados obtidos podem subsidiar propostas de apoio ao início da docência por meio de programas de indução e mentoria, revelando as possibilidades de aprendizagens profissionais a partir da promoção de novas oportunidades. As conversas sistemáticas e organizadas, por meio das narrativas escritas estabelecidas entre uma mentora e uma professora iniciante, são exemplos disso. O conhecimento resultante deste estudo poderá oferecer subsídios para a formação de professores em geral e, em particular, de seus formadores.

Por fim, destaca-se a significância de ampliar essa linha de investigação no sentido de aprofundar o conhecimento sobre conversas entre professores com experiências distintas acerca do desenvolvimento de práticas pedagógicas e processos envolvidos.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha - verah.bonilha@gmail.com
  • 3
    Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Proc. FAPESP - Ensino Público: 2016/25412-8
  • 4
    Pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética - CAAE 68145717.8.0000.5504.
  • 5
    Visando preservar a identidade da professora iniciante neste artigo, ela será denominada por PI L.
  • 6
    Visando preservar a identidade da mentora neste artigo, ela será denominada por MW.

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1
Editor responsável: Ana Lúcia Guedes Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2020
  • Revisado
    04 Jun 2021
  • Aceito
    18 Out 2021
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