Acessibilidade / Reportar erro

O estatuto epistemológico do Ensino de Filosofia: uma discussão da área a partir de seus autores e autoras 1 1 Editor responsável: Silvio Donizetti de Oliveira Gallo. https://orcid.org/0000-0003-2221-5160 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha – verah.bonilha@gmail.com. 3 3 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 4 4 Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no VII Congresso Internacional da SOFELP, em 2019, com o título “Ensino de Filosofia: questão de educação da filosofia ou de filosofia da educação?”. Agradeço às(aos) colegas pelas contribuições realizadas no encontro supra referido.

Resumo

Baseado nas produções bibliográficas e técnicas, assim como nos projetos de pesquisa e nas orientações (em todos os níveis) desenvolvidos nos últimos 20 anos pelos membros do grupo de trabalho Filosofar e Ensinar a Filosofar, da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF), o presente artigo parte do pressuposto de que já há, no Brasil, um campo de conhecimento autônomo que pode ser intitulado de Ensino de Filosofia. Pretende-se, pois, apresentar as especificidades desta subárea e seu estatuto epistemológico – discutindo o locus do Ensino de Filosofia entre as questões educacionais e os problemas filosóficos; entre a Educação, a Filosofia e a Filosofia da Educação. Para tanto, será utilizado um material pouco usual na Filosofia institucionalizada, a saber, os depoimentos daqueles e daquelas que constituem a própria comunidade acadêmica da área em questão.

Palavras-chave
Ensino de Filosofia; Campo de Conhecimento; Estatuto Epistemológico; Filosofia; Filosofia da Educação

Abstract

This article is based on the assumption that there is, in Brazil, an autonomous field of knowledge that we can call Philosophy Teaching. This assumption, in turn, is based on bibliographic and technical productions, as well as on studies conducted by members of the Philosophizing and Teaching to Philosophize Working Group of the Brazilian National Association of Graduate Studies in Philosophy (ANPOF). It aims to present the specificities of this subarea and its epistemological foundation - discussing the locus of Philosophy Teaching in relation to educational issues and philosophical problems; to Education, Philosophy and Philosophy of Education. An unusual material will be used for this: the statements of those who are part of the philosophy teaching community.

Keywords
Philosophy Teaching; Field of Knowledge; Epistemological foundation; Philosophy; Education; Philosophy of Education

Na década de 2008 a 2018, tendo a obrigatoriedade da Filosofia no Ensino Médio5 5 Cf. Lei n.º 11 684, de 2 de junho de 2008. e os programas de aperfeiçoamento e valorização da formação de professores e professoras para a Educação Básica6 6 Sobre os programas CAPES de Formação de Professores da Educação Básica, cf. http://www.capes.gov.br/educacao-basica. Acesso: 26 fev. 2020. como propulsores, a comunidade filosófica presenciou a criação de dois mestrados profissionais em/sobre Ensino de Filosofia7 7 A saber: o Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Ensino (PPFEN) do CEFET-RJ, criado em 2015 (<http://dippg.cefet-rj.br/ppfen/index.php/pt/>. Acesso: 26 fev. 2020), e o Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO), cujas atividades começaram em 2017 (<http://www.humanas.ufpr.br/portal/prof-filo/>. Acesso: 26 fev. 2020). e a consolidação do Grupo de Trabalho (GT) da ANPOF Filosofar e Ensinar a Filosofar. Tomando o GT como referência, as produções bibliográficas e técnicas, assim como os projetos de pesquisa, ensino e extensão e, igualmente, as orientações em todos os níveis8 8 Para o referido acervo, cf. Velasco, 2020. , eles permitem-nos afirmar que já há, no Brasil, uma área de conhecimento que podemos intitular de Ensino de Filosofia, a qual – refletindo filosoficamente sobre a prática docente e a formação de professores (as) – abarca produções bibliográficas e técnicas, localizadas na interface entre a(s) Filosofia(s) e seu ensino.

Todavia, se por um lado as produções supramencionadas permitem a Walter Kohan – um dos nomes mais citados na área de Ensino de Filosofia no Brasil –, afirmar que a América Latina e, especificamente o Brasil, talvez seja “uma das regiões do mundo onde o Ensino de Filosofia tenha mais força como pesquisa”9 9 Citações como essa não serão referenciadas segundo a APA, pois foram obtidas de entrevistas ou de respostas a um questionário que é parte constituinte do projeto de pós-doutorado intitulado “A constituição do Ensino de Filosofia como campo de conhecimento: mapeamento da área na década de 2008 a 2018”. O referido projeto foi realizado com bolsa Pós-Doutorado Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Chamada CNPq n.º 22/2018 - Bolsas Especiais no País e Exterior, Processo 148901/2018-2), sob a supervisão do Prof. Dr. Rodrigo Pelloso Gelamo (Unesp), a quem agradecemos a leitura crítica das diferentes versões deste artigo. Agradecemos, igualmente, à Elisete Tomazetti, por suas preciosas sugestões. As ideias e a escrita deste texto não seriam possíveis sem o diálogo com os pares; e seriam destituídas de valor se não fossem cuidadas por amizades que me são tão caras. , de outro, a área em questão não consta nas agências de fomento à pesquisa e à formação de recursos humanos para a pesquisa no país e, igualmente, não nomeia qualquer uma das linhas de pesquisa dos 43 programas acadêmicos de pós-graduação em Filosofia vigentes até 201810 10 Número apresentado pela Coordenação de Área, em reunião realizada nos dias 12 e 13 de dezembro de 2018, em Brasília. Na ocasião, afirmou-se que em outubro do referido ano a área de Filosofia tinha 43 Programas de Pós-Graduação (PPG) em funcionamento: 9 PPG (ME) nota 3; 7 PPG (ME/DO) nota 7; 10 PPG (ME) nota 4; 12 PPG (ME/DO) nota 5; 4 PPG (ME/DO) nota 6; 1 PPG (ME/DO) nota 7. .

Não cabe no escopo do presente texto discutir as razões históricas para esse fato. Tampouco concerne demonstrar que já há uma rica produção em/sobre Ensino de Filosofia e, portanto, em alguma medida há uma área, senão constituída, ao menos delineada11 11 Para o acesso ao acervo da área, além de Autor (2020), já referido, o leitor e a leitora podem consultar, entre outros, Gelamo (2010), Perencini (2017) e os sítios da SEAF - Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (disponível em: https://www.seaf.com.br/) e do grupo SENSO (https://www.senso.fe.unicamp.br/). . O artigo ora compartilhado considera a existência do campo de conhecimento Ensino de Filosofia como premissa, propondo-se discutir, em diálogo com os pares – pesquisadoras e pesquisadores que assumem o Ensino de Filosofia como objeto de investigação filosófica12 12 A descrição dos pares será realizada mais adiante. –, as especificidades (e as interfaces) da área.

Nas linhas derradeiras do texto “Crítica de alguns lugares-comuns ao se pensar a filosofia no ensino médio”, Gallo e Kohan (2000)Gallo, S., & Kohan, W. O. (2000). Apresentação. In S. Gallo, & W. Kohan (Org.), Filosofia no ensino médio (pp. 7-10). Vozes. concluem: “Afinal, o ensino de filosofia acaba sendo uma questão de educação da filosofia, não menos que de filosofia da educação” (p. 196). No presente artigo, a assertiva em questão será tomada como problema: em que medida o Ensino de Filosofia é uma questão de educação da filosofia? De que modo, igualmente, pode ser compreendido como filosofia da educação? Propõe-se, portanto, discutir o estatuto epistemológico da área de Ensino de Filosofia e, a partir deste, mostrar que, embora caracterizada por uma interface com as questões da Filosofia, da Educação e da Filosofia da Educação, o campo de conhecimento Ensino de Filosofia não se confunde com estas, pois tem objeto, problemas e metodologias próprios.

Nesse viés, e diferentemente da acepção presente no supracitado capítulo de Gallo e Kohan, o Ensino de Filosofia será compreendido, neste trabalho, como área de conhecimento: um campo epistemológico e profissional autônomo. Apesar de neste texto usarmos de forma indistinta as noções de área e campo (tendo em vista que a primeira é adotada no meio acadêmico e, particularmente, nas agências de fomento à pesquisa e à formação de recursos humanos para a pesquisa no Brasil), tomamos como referência de nossas asserções a teoria dos campos de Pierre Bourdieu (1989Bourdieu, P. (1989). A gênese dos conceitos de habitus e de campo. In P. Bourdieu, O poder simbólico (F.T., Trad., pp. 59-73). Difel., 2004aBourdieu, P. (2004a). Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. (D. B. Catani, Trad.). UNESP., 2004b)Bourdieu, P. (2004b). Para uma sociologia da ciência. (P. E. Duarte, Trad.). Edições 70.; especificamente, interessa-nos o conceito bourdieusiano de campo científico (1983).

Segundo Bourdieu, o conteúdo textual ou o contexto social de uma produção cultural, tomados de modo isolado, não são suficientes para compreender a produção cultural em questão; há, para o autor, um universo intermediário

no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas.

(Bourdieu, 2004aBourdieu, P. (2004a). Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. (D. B. Catani, Trad.). UNESP., p. 20)

A este espaço relativamente autônomo – submetido a leis sociais, mas igualmente dotado de leis próprias –, Bourdieu denomina campo. Um campo é, portanto, estruturado a partir das posições e das relações entre os agentes que o constituem e, igualmente, acaba por condicionar os agentes que nele se encontram. “É na relação entre os diferentes agentes (concebidos como ‘fontes de campo’) que se engendra o campo e as relações de força que o caracterizam” [ênfase no original] (Bourdieu, 2004bBourdieu, P. (2004b). Para uma sociologia da ciência. (P. E. Duarte, Trad.). Edições 70., p. 52).

Amparados em Bourdieu e no conjunto de produções culturais em/sobre Ensino de Filosofia desenvolvidas nas últimas duas décadas pelos membros do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, identificamos a existência de um campo científico que pode ser denominado de Ensino de Filosofia e, neste, de agentes sociais que o estruturam:

O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado. [ênfase no original].

(Bourdieu, 1983Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (Org.), Pierre Bourdieu: Sociologia. (P. Montero & A. Auzmendi, Trads., pp. 122-155). Ática., pp. 122-123)

Ao propormos discutir o estatuto epistemológico do Ensino de Filosofia, buscamos “explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-motivado os actos dos produtores e as obras” (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). A gênese dos conceitos de habitus e de campo. In P. Bourdieu, O poder simbólico (F.T., Trad., pp. 59-73). Difel., p. 69) produzidas neste campo científico. Nossa busca pelo que especifica e torna necessário o campo científico “Ensino de Filosofia”, contudo, não priorizará os produtos da área em questão, mas seus autores ou – em termos bourdieusianos – seus agentes sociais. Estes “não são apenas autômatos regulados como relógios, segundo leis mecânicas que lhes escapam” (Bourdieu, 2004cBourdieu, P. (2004c). Coisas Ditas. (C. R. da Silveira & D. M. Pegorim, Trad.) Brasiliense., p. 21), mas estruturantes do próprio campo, o qual “só pode funcionar se encontra indivíduos socialmente predispostos a se comportarem como agentes responsáveis, a arriscarem seu dinheiro, seu tempo, às vezes sua honra ou sua vida, para perseguir os objetivos e obter os proveitos decorrentes” (Bourdieu, 2003Bourdieu, P. (2003). Lições de aula. (E. O. Rangel, Trad.). Ática., p. 52).

Logo, o presente texto busca enredar, de forma a constituir argumentos comuns, os depoimentos das pesquisadoras e dos pesquisadores que assumem o ensino e a aprendizagem de/em Filosofia como objeto de estudo. Uma comunidade acadêmica certamente multifacetada, mas a partir da qual é possível delinear uma identidade, ainda que plural, para o Ensino de Filosofia entendido como campo científico – permitindo-nos balizar os limites e as intersecções dos conhecimentos neste produzidos.

Obstáculos para a discussão das especificidades da área de Ensino de Filosofia

Ao interrogarmos as especificidades da área ou do campo científico do Ensino de Filosofia, um primeiro obstáculo se interpõe: a dificuldade amplamente discutida na literatura de conceituar a própria Filosofia. Nesta perspectiva, teríamos primeiramente que perguntar: de qual ou quais Filosofia(s) estamos falando, ao pensarmos o Ensino de Filosofia? Trata-se, sem dúvida, de um questionamento que deveria ser feito por toda aquela e todo aquele que se ocupa do ofício de ensinar e aprender a filosofar. Não obstante reconheçamos a pertinência e a necessidade da investigação em questão13 13 Sobre o assunto, cf. a obra Ensino – de qual? – Filosofia: ensaios a contrapelo (Velasco, 2019). , para o propósito deste artigo tomaremos o termo Filosofia em sentido plural, entendido como o conjunto de todas as filosofias – contemplando, assim, as diversas e variadas concepções de Filosofia.

A segunda barreira a ser transposta para dar cabo de nosso propósito diz respeito ao próprio conceito de Ensino de Filosofia. Não estamos aqui falando da singularidade de cada possibilidade vislumbrada ao se ensinar – seja ela qual for – Filosofia. Não são ações específicas relativas ao ato de ensinar que interessam ao presente texto, mas o conjunto de tudo aquilo que envolve o tema: dos projetos de pesquisa às ações extensionistas, dos planos de aula para a Educação Básica aos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura, das metodologias de ensino aos livros didáticos, das concepções de formação às concepções de Filosofia. O que está aqui encerrado na nomenclatura “Ensino de Filosofia” é (como sustentamos a partir de Bourdieu) um campo científico produtor de conhecimentos e de práticas sociais próprios.

A construção desse texto ainda se depara com um terceiro entrave, a saber: que fontes bibliográficas dispomos para discutir o Ensino de Filosofia como campo de conhecimento? Dado que se trata de uma área de pesquisa extremamente recente, ao menos até aqui a preocupação maior daquelas e daqueles que se dedicam ao tema não era a de delimitar a área, mas a de construir este campo no fazer cotidiano, seja nas escolas e nos espaços não formais, seja na universidade. O amadurecimento e o volume crescente das pesquisas e das práticas, todavia, permitem-nos, nesse momento, debruçarmo-nos sobre o que temos feito e pensado e, por conseguinte, procurar identificar naquilo que foi efetivamente realizado, alguma especificidade. Isso porque compartilhamos com Gatti (2008)Gatti, B. A. (2008, jan./dez.). A pesquisa na pós-graduação e seus impactos na educação. Nuances: estudos sobre Educação, ano XIV, 15(16), 35-49.,

o pressuposto de que um campo de reflexão, ou campo de conhecimento temático, não se configura por delimitações de teorias, métodos e objetos apriorísticos e abstratamente definidos, mas que o campo se constrói no próprio movimento histórico das intencionalidades colocadas nos estudos e investigações concretamente produzidos [ênfase adicionada].

(p. 13)

Retomando Bourdieu (2003)Bourdieu, P. (2003). Lições de aula. (E. O. Rangel, Trad.). Ática., os mais distintos campos sociais – entre eles, o campo científico, objeto de nosso interesse – “só podem funcionar na medida em que haja agentes que invistam neles, nos mais diferentes sentidos do termo investimento, e que lhes destinem seus recursos e persigam seus objetivos” (p. 51). Assim sendo, tendo as produções concretas na área como pano de fundo, a discussão da(s) especificidade(s) do campo científico “Ensino de Filosofia” será realizada a partir de um material pouco usual na Filosofia institucionalizada: os depoimentos daquelas e daqueles que constituem a própria comunidade acadêmica da área em pauta – as agentes e os agentes sociais que estruturam o campo científico aqui investigado.

As professoras e os professores pesquisadoras(es) em questão integram (até a presente data14 14 Considera-se aqui a data de fechamento da primeira versão do presente artigo, a saber, fevereiro de 2020. ) o GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF), grupo de trabalho eclético e heterogêneo15 15 “A diversidade de enfoques encontrada põe a necessidade de intensificação do diálogo entre grupos de pesquisadores para clareamento das interfaces/contradições entre as diferentes perspectivas. Este é um novo passo a ser dado, não para a construção de um consenso hegemônico, mas para balizar os limites dos conhecimentos elaborados e suas intersecções” (Gatti, 2008, p. 14). que se dedica a investigar filosoficamente o ensino da Filosofia16 16 Embora todos os 45 membros dos núcleos de sustentação e apoio do GT tenham sido convidados, contribuíram com depoimentos – respondendo a um questionário enviado pela autora – os(as) seguintes pesquisadores(as): Alexandre Jordão Baptista (UFMA); Américo Grisotto (UEL); Antonio Edmilson Paschoal (UFPR); Christian Lindberg L. do Nascimento (UFS); Dalton José Alves (UNIRIO); Dante Augusto Galeffi (UFBA); Edgar de Brito Lyra Netto (PUC-RJ); Elisete Medianeira Tomazetti (UFSM); Filipe Ceppas (UFRJ); Flávio José de Carvalho (UFCG); Geraldo Balduíno Horn (UFPR); Gisele Dalva Seco (UFRGS); José Benedito de Almeida Júnior (UFU); Leoni Maria Padilha Henning (UEL); Marcelo Senna Guimarães (UNIRIO); Marcos Antônio Lorieri (Uninove); Marcos de Camargo von Zuben (UERN); Marta Vitória de Alencar (EA-FE/USP); Paula Ramos de Oliveira (UNESP); Pedro Ângelo Pagni (UNESP); Pedro Ergnaldo Gontijo (UnB); Roberto Rondon (UFPB); Rodrigo Pelloso Gelamo (UNESP); Silvio Donizetti de Oliveira Gallo (Unicamp); Walter Omar Kohan (UERJ); Wanderley José Deina (UTFPR); Wanderson Flor do Nascimento (UnB). . Foram também ouvidas(os) colegas do Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino (PPFEN/CEFET-RJ) e do Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO), além de pesquisadoras e pesquisadores que têm produção e orientação na área17 17 Especificamente, participaram da pesquisa os seguintes nomes: Alexandre Filordi de Carvalho (Unifesp), André Luis La Salvia (UFABC), Antonio Joaquim Severino (USP/Uninove), Celso Fernando Favaretto (USP), Eduardo Salles de Oliveira Barra (UFPR), Evanildo Costeski (UFC), Felipe Gonçalves Pinto (CEFET/RJ), José Renato de Araújo Souza (UFPI), José Teixeira Neto (UERN), Luizir de Oliveira (UFPI), Maria Cristina Theobaldo (UFMT), Renê Jose Trentin Silveira (Unicamp), Samuel Mendonça (PUC-Campinas) e Taís Silva Pereira (CEFET/RJ). .

Não obstante tenha como base os suprarreferidos depoimentos de colegas da área18 18 Deve-se observar que as respostas de Barra, assim como as de Alves, Ceppas, Kohan, Lyra Netto, Nascimento e Tomazetti, membros do GT, foram obtidas através da transcrição de entrevistas realizadas com os/as pesquisadores/as. Por fim, ressalta-se que, tendo em vista o necessário recorte argumentativo, nem todos os nomes aqui citados são mencionados no corpo do texto, o qual procurou enfatizar os aspectos comuns defendidos pelos pares. , o caminho argumentativo proposto neste texto é de inteira responsabilidade da autora que, ciente de eventuais interpretações errôneas e/ou de possíveis acentuações de posições, ao retirá-los do contexto maior das respostas dadas, antecipadamente se desculpa com aquelas e aqueles que eventualmente não se sentem contempladas(os) ao serem mencionadas(os) no texto.

Por fim, mas igualmente importante, consta a necessária observação: ao buscar oferecer uma tentativa de mapeamento dos limites e das interfaces do campo de conhecimento Ensino de Filosofia, o presente texto inevitavelmente resvala na questão do (não) reconhecimento institucional da área e suas implicações. Embora mencionada com alguma frequência (e de forma mais enfática na última seção), tal questão não será explorada no escopo deste artigo. Deixemo-la como mote para publicações futuras.

Sobre o estatuto epistemológico do Ensino de Filosofia

Flávio José de Carvalho (UFCG) pontua com extrema propriedade e precisão uma das razões pela qual “o Ensino de Filosofia deve ser reconhecido como área epistêmica pelas agências de fomento à pesquisa, e principalmente pela comunidade filosófica brasileira”, a saber, o reconhecimento da

existência de um objeto próprio – ainda que não delimitado e constitutivamente multifacetado – de problemas oriundos da existência e da vivência dos sujeitos pedagógicos e suas relações educacionais e políticas, e da utilização de metodologias de investigação adequadas, apropriadas e administradas de modo rigoroso

[ênfases adicionadas].

Pesquisadoras e pesquisadores da área de Ensino de Filosofia compartilham com Flávio de Carvalho da ideia de que o Ensino de Filosofia possui um objeto próprio de investigação, constituído de problemas e metodologias que são fruto – como nos lembra Marcelo Senna Guimarães – da atuação docente na “educação básica (ensinos fundamental e médio), [n]o ensino superior (em cursos de filosofia e em outros cursos) e [em] outras experiências de ensino, fora das instituições educativas ou em parceria com elas”. De acordo com os depoimentos dados para fins desta pesquisa, as questões-objeto da área de Ensino de Filosofia são basicamente as seguintes: que conteúdos devem ser ministrados? Que metodologias de ensino devem ser adotadas? Para qual nível de ensino? De que escola estamos falando? Que recursos didáticos serão adotados? Que tipo de avaliação será realizada? Qual a formação filosófica pretendida? Qual a contribuição desta formação para a formação integral do(a) estudante? E, por fim: que formação docente é necessária para que a futura professora e o futuro professor possam responder de maneira própria e apropriada a todas essas perguntas?

Essas questões dizem respeito aos objetos multifacetados (citados por Carvalho), aos quais se dedica o Ensino de Filosofia. Sobre estes, vale a leitura da síntese proposta por Marcos Antônio Lorieri (Uninove):

Penso que seu campo específico diz respeito a, no mínimo os seguintes aspectos: os conhecimentos (conteúdos) que merecem ser trabalhados no ensino de Filosofia; as maneiras (metodologias) de se realizar esse ensino; a adequação dos conteúdos e das metodologias em relação aos diversos níveis de ensino e às condições variadas dos alunos com os quais trabalhar; os materiais didáticos de suporte para este ensino; os processos de avaliação pertinentes ao mesmo; a formação de professores para o ensino de Filosofia.

Maria Cristina Theobaldo (UFMT) corrobora a síntese em questão, acrescentando ao rol de objetos das pesquisas em Ensino de Filosofia “a discussão da filosofia como referência para a formação humana na sociedade contemporânea [e] o potencial interdisciplinar da filosofia no sentido de colaborar para a formação do estudante da educação básica”. Já Renê José Trentin Silveira (Unicamp) oferece uma identificação da área mais sintética que a até aqui apresentada, ao afirmar que “o ensino de filosofia se caracteriza pela possibilidade de criar mediações didáticas que permitam ao estudante apropriar-se de um conjunto de saberes e de procedimentos metodológicos, próprios da filosofia, e que são fundamentais para a formação humana”.

A fim de pensar as mediações didáticas supramencionadas, José Benedito de Almeida Júnior (UFU) afirma que são três as perguntas da área de Ensino de Filosofia:

“Para quem?”: começamos por identificar nosso público: ensino fundamental, médio, supletivo, superior, ou ainda, cursos livres de extensão. “O quê?” Uma vez definido o público passamos a definir os conteúdos possíveis de acordo com os objetivos didáticos do ensino. “Como?” Agora, é a terceira etapa. Nesta, passamos a pensar nas estratégias didáticas para que as ações de ensino sejam frutuosas. Podemos dizer que todo processo avaliativo se concentra nesta pergunta do “como”

[ênfases no original].

Neste momento, a interlocutora e o interlocutor atentos poderiam contestar: estas questões que são objeto da área de Ensino de Filosofia são, igualmente, objeto das demais áreas de Ensino e, portanto, não são específicas da Filosofia. Por que, então, o objeto em questão é dito próprio da área de Ensino de Filosofia, especificando-a? Segundo aquelas e aqueles que participaram da pesquisa, são três as principais razões: as questões-objeto da área são 1) indissociáveis da pergunta “que Filosofia?” (ou “o que é Filosofia?”) e, nesse sentido, só podem ser pensadas dentro da própria Filosofia; 2) intrínsecas à prática; 3) permeadas por um compromisso político. Vejamos com algum vagar cada uma das razões apontadas.

A ideia de que a Filosofia, como as demais áreas de conhecimento, exige uma didática própria, é consensual entre as pesquisadoras e os pesquisadores, as(os) quais, não obstante, salientam que “no caso da filosofia, esta didática é por si mesmo complexa e pode adquirir variadas nuanças devido às características polissêmicas da filosofia tanto em seus modos interpretativos, quanto em seus objetos” (Maria Cristina Theobaldo/UFMT).

Com relação ao tratamento da questão sobre “o que é a Filosofia”, Antonio Edmilson Paschoal (UFPR) enfatiza que este “não tem seu equivalente, por exemplo, na pergunta ‘o que é a física’, que pode até ser apresentada na disciplina de Física, mas não terá o mesmo papel que a pergunta ‘o que é a Filosofia’ [na aula de Filosofia]”.

Daí as considerações de José Teixeira Neto (UERN):

Parece-me que a área ensino de filosofia questiona o ensinar (atividade do professor) e o aprender (atividade do discente) e obriga o pesquisador a manter a pergunta ‘o que é filosofia?’ sempre acesa ...: qual a relação que mantenho com a filosofia e como essa relação implica na minha atividade de ensiná-la?

Sobre essa peculiaridade da didática filosófica, comenta André Luís La Salvia (UFABC):

Ao tomar o ensino de filosofia como problema filosófico, estamos assumindo que a filosofia possui particularidades ao se pensar sua didática e propedêutica que se materializam em questões/problemas como: qual definição de filosofia tomo como ponto de ancoragem para minha prática de ensino? Quais as implicações filosóficas de certas escolhas metodológicas – por exemplo, fazer leitura de texto filosófico, usar de debates, usar imagens como sensibilização para problemas filosóficos?

Vê-se, nos exemplos dados por La Salvia, que uma “didática geral” não poderia servir ao ensino da Filosofia. A didática própria da Filosofia é, ela mesma, filosófica, pois permeada de problemas sobre a natureza da Filosofia e de seu ensino. Portanto, não possui “uma metodologia separada do que é próprio do fazer e do saber filosófico” (Wanderson Flor do Nascimento/UnB). Nesse viés, podemos dizer – como o faz Marcos de Camargo Von Zuben (UERN) – que também caracterizam a área de Ensino de Filosofia “os estudos sobre o próprio fazer filosófico, sua definição e contornos próprios, em suma, uma metafilosofia”. Para Pedro Ergnaldo Gontijo (UnB),

trata-se de um pensar como a filosofia foi em cada época e povo constituidora do modo de pensar de pessoas e coletividades. Ao falar-se de qualquer corrente ou escola filosófica estamos também falando de como se concebeu e se efetuou procedimentos de reprodução das ideias fora dessa produção filosófica específica. Isso expressa esse caráter metafilosófico.

Uma vez que os problemas metafilosóficos constituem o Ensino de Filosofia, as questões didático-metodológico-formativas só podem ser pensadas e respondidas dentro do escopo da própria Filosofia. Para Américo Grisotto (UEL), este aspecto compreende o cerne da identidade da área:

Penso que o que caracteriza essa subárea é justamente a possibilidade de encarar o ensino de filosofia como problema de natureza filosófica. Se ao pensarmos os problemas da arte, pelo viés da estética, ou os problemas da ciência, pelo viés da epistemologia, estamos fazendo filosofia, por que, ao pensarmos o problema do seu ensino, estaríamos realizando algo diferente desta possibilidade?

A inquietação de Grisotto é também o da majoritária parcela19 19 Não poderíamos deixar de mencionar a posição de colegas que, como Alexandre Filordi de Carvalho (UNIFESP), divergem da perspectiva mais usual entre os(as) pesquisadores(as) da área: “O filósofo cria algo novo na densidade da Filosofia, por isto mesmo existem muitos bons historiadores da filosofia que não são filósofos. O professor de filosofia não necessariamente atua como filósofo, mas ensina o que os filósofos produziram, na mesma proporção que um professor de matemática não se empenha em criar novos matemas, novos teoremas, novas equações, a não ser ensinar a matemática como está composta”. daquelas e daqueles que pesquisam filosoficamente o Ensino de Filosofia20 20 Marta Vitória de Alencar (Escola de Aplicação/FE-USP), por exemplo, transpõe essa inquietação para a formação de professores: “assim como um especialista em Estética ou Lógica ao longo de sua formação reflete sobre problemas estéticos ou lógicos, é também necessário que um especialista em Ensino de Filosofia reflita sobre os problemas do filosofar, da atividade do filosofar, e sobretudo a atividade de ensinar a filosofar. Se de alguém que é formado em Filosofia, exige-se que se tenha, por exemplo, refletido sobre o modo como se dá a compreensão filosófica sobre um problema estético, assim como sobre um problema lógico, que entre si são bem diversos, por quê para o Ensino de Filosofia o mesmo não se dá? Por que se ensina filosofia, forma-se filósofos, mas não se reflete com profundidade sobre o ensinar a filosofar, sobre o que é filosofar? ... O Ensino de Filosofia é estranho à formação em Filosofia, e quando não é visto como um tema menor, é compreendido como um tema de educadores e não de filósofos, muito menos de professores de filosofia que atuam no Ensino Superior. ... Sequer há a percepção de que filosofar e ensinar a filosofar... ... são problemas filosóficos, e possivelmente que estão entre os problemas mais centrais na prática filosófica e acadêmica, isto é, no ambiente em que o ensino de filosofia é um ofício docente e um fim pedagógico”. : por um lado, “o Ensino de Filosofia possui características próprias só possíveis de serem abordadas por quem se dedica à filosofia e que não permitem uma abordagem e discussão apenas da área da pedagogia” (Alexandre Jordão Baptista/UFMA); mas, por outro, lembra-nos Filipe Ceppas (UFRJ) de que “o ensino de filosofia não se ‘encaixa’ bem em nenhuma das áreas hoje existentes (Metafísica, História da Filosofia etc.)[ênfase no original]”. Parte desse desencaixe ocorre por conta da segunda razão pela qual as questões-objeto da área de Ensino de Filosofia são específicas da área: trata-se de questões que são intrínsecas à prática – diferentemente daquelas das demais áreas filosóficas, em sua maioria de cunho exclusivamente teórico.

Deste modo, embora seja considerado por aquelas e aqueles que a ela se dedicam como uma área filosófica de pesquisa, o Ensino de Filosofia se distancia da Filosofia acadêmica usualmente desenvolvida em nossos programas de pós-graduação à medida que – como bem demarca Roberto Rondon (UFPB) – “os problemas que permeiam as suas pesquisas nascem das experiências práticas do(a)s pesquisadore(a)s e que demandam instrumentos de pesquisa que os currículos mais tradicionais dos cursos de filosofia não desenvolvem”21 21 Há que se considerar também, ao justificarmos o afastamento do Ensino de Filosofia da Filosofia acadêmica, a perspectiva de inúmeros colegas dos cursos de graduação e pós-graduação em Filosofia, como nos lembra José Renato de Araújo Sousa (UFPI): “nós lidamos ainda com certas dificuldades sobre a especificidade da Filosofia nessa área [de Ensino]. Vejo, ainda no nosso círculo, por exemplo, um forte preconceito com questões relativas à Educação ou a Pedagogia, pois alguns acreditam que isso não é um problema filosófico genuíno”. .

Por esta razão, a constituição do Ensino de Filosofia como campo científico é realizada nos imbricamentos entre as pesquisas e as experiências – diversificadas – de ensino; aspecto este que pode ser considerado como uma das especificidades da área: não se configura um campo de conhecimento exclusivamente teórico. As produções na área devem levar em conta as condições contemporâneas de ensino e aprendizagem e a disciplinarização da Filosofia. Nas palavras de Celso Fernando Favaretto (USP):

a especificidade em questão provém do fato de que a Filosofia enquanto situada ao lado das demais disciplinas do ensino médio, precisa afirmar-se propriamente como atividade filosófica; mas adequada às condições atuais da educação brasileira na situação contemporânea e necessariamente referida à abertura do campo filosófico, às suas conexões com outros campos e com os desafios contemporâneos. Trata-se de se elaborar uma específica modalidade de pensamento educacional, enfrentando o risco de ser Filosofia, com suas exigências – conhecimento, conceitos, procedimentos – e que caracterizem e afirmem a sua importância, no processo educacional, de sua especificidade formativa o que, geralmente, não é devidamente considerado nos cursos de Filosofia, mesmo quando abrigam alguma disciplina teoricamente voltada para aspectos de licenciatura, como está se tornando comum atualmente.

Embora não compartilhe a necessidade de o Ensino de Filosofia ser considerado como uma área isolada, Favaretto julga crucial dar continuidade à constituição de sua especificidade, atentando às exigências que caracterizam a atividade filosófica e, igualmente, ao diálogo com outros campos de saber e com as questões contemporâneas. Segundo Antonio Edmilson Paschoal (UFPR), esta interface “é imprescindível para a própria área de Filosofia, que não pode deixar de dialogar com questões do presente, em especial aquelas ligadas ao papel da Filosofia no meio social. Diria [ele], para a Filosofia não perder o ‘contato com a realidade’” [ênfase no original]22 22 Sobre o assunto, opina Wanderley José Deina (UTFPR): “Hoje avalio que [o Ensino de Filosofia] seja uma das áreas mais importantes, senão a mais importante, considerando o fato elementar de conectar a área da filosofia de uma maneira direta com os problemas da sociedade brasileira no campo da educação. A obrigatoriedade da filosofia no Ensino Médio foi fundamental para essa mudança de postura. A partir deste fato, num dado momento os filósofos foram ‘convocados’ a deixar o ‘conforto’ de seus gabinetes universitários para se preocupar com as questões práticas relacionadas ao ensino básico. Havia uma espécie de ‘bolha’ que separava os departamentos de filosofia dos problemas reais da sociedade. Me parece que essa bolha foi definitivamente rompida, mesmo que a revelia de muitos colegas pesquisadores da área da filosofia” [ênfases no original]. .

A posição de Paschoal é endossada por Renê Jose Trentin Silveira (UNICAMP), para o qual o Ensino de Filosofia é

o meio mais eficaz pelo qual a atividade filosófica pode ser difundida, socializada, popularizada. Sem ele, a filosofia tende a se tornar privilégio de poucos, encastelada nas Universidades. Ela precisa estar presente na escola para que o povo dela se aproprie e se beneficie e, em contrapartida, para que dessa apropriação resulte também, dialeticamente, o revigoramento da própria filosofia.

O papel de difusão do conhecimento filosófico é abraçado por Felipe Gonçalves Pinto (CEFET/RJ):

Numa relação semelhante à que se estabeleceu entre o ensino de ciências e a divulgação científica, poderíamos falar em divulgação filosófica, iniciando uma discussão sobre quais práticas filosóficas, talvez mais do que os saberes puramente teóricos, podem apresentar impactos mais significativos nos diferentes setores, espaços, processos e comunidades que constituem nossa sociedade.

(Grifos nossos)

Para o professor-pesquisador supracitado, a institucionalização da área de Ensino de Filosofia é “fundamental ao cuidado para que essa dimensão prática, por vezes notadamente produtiva, não se reduza à instrumentalização de saberes, de um savoir-faire que caminha no sentido oposto da reflexão filosófica”. Nessa perspectiva, a dimensão prática da área emergente aqui discutida também possui a peculiaridade do cuidado filosófico: não se trata de meramente instrumentalizar a Filosofia para a sala de aula ou, na direção oposta, de tão somente resgatar temas e problemas do chão da sala de aula para serem objetos de análise filosófica; as dimensões empírica e teórica do Ensino de Filosofia são indissociáveis. Afinal, sintetiza Marcelo Senna Guimarães (Unirio): “estudamos o ensino de filosofia não apenas para saber sobre ele, mas para praticá-lo bem, o que significa que é um campo em que a pesquisa e a prática docente devem estar articuladas. ... [o Ensino de Filosofia] situa-se no campo da filosofia prática”23 23 Sobre as pesquisas realizadas pelo professor de Filosofia sobre e para a sua própria prática docente, cf. Guimarães, 2013. .

Uma vez apresentada e discutida a dimensão prática das pesquisas em/sobre Ensino de Filosofia como a segunda especificidade da área identificada neste trabalho, passemos ao último aspecto aqui considerado como distintivo desse campo de conhecimento: as questões-objeto da área são permeadas por um compromisso político. Sobre o assunto, nos elucida Flávio José de Carvalho (UFCG):

A formação das(os) jovens estudantes do Ensino Médio, e também do Ensino Fundamental, necessitam das contribuições potenciais que a área de Ensino de Filosofia pode oferecer, que não se limita ao subsídio quanto à elaboração de metodologias dinâmicas, interativas e contextualizadas. A principal contribuição que a área pode oferecer para estes sujeitos pedagógicos se vincula à compreensão de que o ensino de Filosofia não tem como objetivo oferecer informações filosóficas, não se trata de formação para a ilustração, antes e mais do que isso, a área de Ensino de Filosofia pode contribuir para que a formação destas(es) jovens se processe de modo integral, engajado politicamente e comprometido com a transformação social. Filosofar é um exercício político

[ênfases adicionadas].

Embora não seja consensual entre as pesquisadoras e os pesquisadores da área, a dimensão política do ensino e da aprendizagem em Filosofia é mencionada por inúmeros de nós, seja em um sentido mais amplo, seja no que diz respeito à responsabilidade de discutir os temas e os problemas contemporâneos. O primeiro sentido (mais amplo) tem no depoimento de Luizir de Oliveira (UFPI), ao defender o Ensino de Filosofia como subárea de conhecimento, um exemplo contundente:

Tenho desenvolvido atividades como professor permanente do Mestrado Profissional em Filosofia, núcleo da Universidade Federal do Piauí, no qual nos empenhamos num trabalho inter/multidisciplinar voltado tanto à investigação filosófica – conceitual – quanto a uma possível “intervenção” filosófica do professor de Filosofia, seja em sala de aula, seja junto aos colegas professores, seja mesmo num âmbito mais amplo – trabalhos juntos às diretorias das escolas ou secretarias de educação municipal e estadual – no intuito de não apenas fomentar a necessidade do pensamento crítico-reflexivo em prol de uma formação cidadã para todas e todos, como ressaltar a importância da filosofia, das ciências humanas e sociais, dos estudos de linguagens e literaturas como meios imprescindíveis para a manutenção dos regimes democráticos e o Estado de direito que queremos para nós. Sendo assim, uma subárea que incentive esse tipo de trabalho pode contribuir sobremaneira para reforçar nossos esforços em prol de uma educação de qualidade, pública e gratuita, como o único modo de constituirmos uma nação inclusiva e equitativa

[ênfase no original].

Em seu sentido mais restrito e quiçá menos pretensioso (embora indissociável do compromisso mais amplo supracitado), a dimensão política da subárea de Ensino de Filosofia compreende a responsabilidade de incluir em sala de aula reflexões sobre questões contemporâneas. Para Filipe Ceppas (UFRJ):

Existem certas questões filosóficas sobre Educação, sobre a escola, sobre o ensino na Educação Básica que atravessam todas as disciplinas, mas para as quais o Ensino de Filosofia obviamente deveria estar mais sensível. Por exemplo, as questões do feminismo, as questões decolonais, as questões do fim do mundo (antropoceno), as questões sobre se a gente deve pensar filosoficamente em diálogo com a herança ameríndia, por exemplo, são questões que se dirigem à formação geral escolar, tem a ver com a forma como aprendemos matemática, português, geografia e história, mas que são muito mais latentes na Filosofia: por que estamos estudando Descartes, Rousseau, Kant, nos trópicos? Em uma sociedade periférica, que sofre com a desigualdade, com uma história fruto de um processo de colonização perverso etc. Eu acho que todas essas interrogações ajudariam e ajudam o professor de Filosofia a pensar o que ele está fazendo em sala de aula e para que ele está fazendo o que está fazendo em sala de aula. ... Há problemas comuns, que atravessam todos os “ensino de”, como pensar a “transposição” ou mediação didática, por exemplo. Mas aquelas questões mais candentes e atuais, que atingem e são pensadas sobretudo no bojo das ciências humanas (multiculturalismo, feminismo, perspectivas pós ou anticoloniais), devem ser pensadas pelo professor de Filosofia de forma mais urgente e própria

[ênfases no original].

De forma mais detida, corroborando Ceppas, Renê Jose Trentin Silveira (Unicamp) comenta sobre a necessidade de o Ensino de Filosofia atentar-se às questões contemporâneas:

Hoje já se discute o apagamento das mulheres da história da filosofia e a importância de se recuperar a contribuição que elas deram a essa área. A maioria dos livros didáticos, porém, praticamente não as menciona. Ora, essa é uma lacuna que o professor pode e deve preencher. Outra questão é a do racismo na filosofia e a do apagamento da filosofia africana. Quantos filósofos europeus ajudaram a forjar ideologias racistas? Por que não se estuda autores africanos? Não há filosofia na África? Enfim, questões como essas – da participação das mulheres e dos negros na filosofia – tocam diretamente os estudantes do ensino médio e, além de serem essenciais para sua formação, podem também se converter em fator de interesse para o estudo da Filosofia.

Tendo em conta que para muitas e muitos estudantes da Educação Básica, o único contato com a Filosofia será este escolar, e destas e destes muitos apenas algumas e alguns poucos seguirão sua formação acadêmica, cabe às professoras e aos professores indagarem sobre seu papel em sala de aula e, conforme questionam seu ofício, em alguma medida devem lembrar – como adverte Antonio Edmilson Paschoal (UFPR) – que “a filosofia, desde os gregos, sempre foi vinculada à vida”24 24 E – acrescento – que há outras formas de viver a Filosofia fora da tradição ocidental. .

Em síntese, a docência em Filosofia (de modo talvez mais próprio do que a docência em geral) contribui para constituição da polis, do espaço público, convidando os não filósofos a experimentarem um olhar filosófico sobre questões fundamentais ao ser humano25 25 Questões como: o que é a vida? O conhecimento? O ser humano? O justo? O belo? Entre outras. , em geral, e ao tempo presente26 26 Questões como o feminismo, o racismo, o decolonialismo, o multiculturalismo etc. , em particular27 27 Sobre o assunto, assevera Américo Grisotto: “a pesquisa em ensino de filosofia, tratando de temas, problemas, campos de estudo e conceitos característicos do seu legado filosófico, propõe-se não apenas a enfrentar o desafio de fomentar a reflexão filosófica na formação escolar e universitária, mas a estrategicamente despertar um gosto pela crítica e pela criação neste âmbito, segundo as exigências próprias de um pensamento filosófico que seja tanto conectivo, quanto independente e inovador”. .

Filosofia, Filosofia da Educação e Ensino de Filosofia: fronteiras e interfaces

Uma vez delineadas as questões-objeto do Ensino de Filosofia e as especificidades que caracterizam seu estatuto epistemológico28 28 A saber: as questões-objeto da área são 1) indissociáveis da pergunta “que Filosofia?” e, nesse sentido, só podem ser pensadas dentro da própria Filosofia; 2) intrínsecas à prática; 3) permeadas por um compromisso político. , passemos à investigação das proximidades e das distâncias com a (área) Filosofia e a (subárea) Filosofia da Educação.

Comecemos com a leitura-síntese realizada por Walter Kohan (UERJ). Diz ele:

Há uma dimensão teórica – que eu não tenho dúvida de que tudo isso é Filosofia – e uma dimensão institucional que esbarra nos preconceitos e nas maneiras que de fato as pessoas que trabalham com a Filosofia lidam com Ensino de Filosofia e com Educação. Que é uma maneira muito preconceituosa, muito subestimadora.29 29 Para Kohan interessam mais “figuras que você não sabe se são professores de Filosofia, se são educadores filósofos”, como Paulo Freire, “Sócrates, o grego, e Simón Rodríguez, o Sócrates de Caracas”. Afirma Kohan: “penso que me passou a interessar mais a educação filosófica por ser mais ampla, por ser a Filosofia – eu penso – nessa tradição uma dimensão da Educação muito mais significativa que o espaço concreto da Filosofia como disciplina. A própria distinção é um pouco arbitrária, mas é mais em função de que a Filosofia é uma relação com o saber do que um saber específico disciplinar”. Outros(as) colegas têm posicionamentos ainda mais radicais a respeito do tema. Para Pedro Pagni (Unesp), por exemplo, o ensino de Filosofia seria parte da educação filosófica, tendo o “mesmo sentido formativo da existência, sendo completamente articulado à prática filosófica e à formação a que se destina, qual seja, a do ethos do sujeito, se especificando no que se refere às técnicas que transmite, seu sentido pedagógico que permite dotar a outrem de um conjunto de saberes, habilidades e capacidades necessário a arte de si, compreendida pela filosofia. A relação do ensino de Filosofia com a Filosofia da Educação seria a de que esta compreende práticas do pensar e do existir na atividade educativa que se destinam a formar e a ser formado por aquele(a) que as exercitam, focando esse pensar no que está fora do conhecido e das técnicas que esse conhecimento enceta, no que escapa ao transmissível, ao pedagógico, mas que, ao mesmo tempo, forma/deforma/transforma os sujeitos implicados nessa arte de governo, enquanto aquele se dispõe primordialmente a transmitir, a governar pedagogicamente, mediante um conjunto de saberes e de técnicas, às quais uma vez ensinadas ou aprendidas – recebidas, enfim –, restringe-se a uma pedagogia de dotá-los do que não sabem, facultando seu uso para fins específicos no mundo”. Nesta perspectiva, Pagni não entende “o ensino de Filosofia como uma subárea de conhecimento, [mas] talvez, o reconheça como um campo de estudos”.

Na mesma linha de Kohan, Christian Lindberg Lopes do Nascimento (UFS) afirma que “A própria Filosofia da Educação é uma área da Filosofa. Os pensadores perguntam: que cidadão queremos formar para a pólis? Esse é o problema dos gregos que continua até hoje.” A julgar pelas respostas da grande maioria das(os) colegas que participaram da pesquisa da qual este texto é resultado, o Ensino de Filosofia e a Filosofia da Educação são, conceitualmente, Filosofia. E deveriam, institucionalmente, ser subáreas da Filosofia. “Mas”, frisa Paula Ramos (UNESP), “o paradoxo é que somos acolhidos pelos educadores infinitamente mais que pelos filósofos que (acham que) não se ocupam das questões do ensino de filosofia”.

As palavras de Antônio Joaquim Severino (Uninove) sintetizam tal paradoxo: “Para mim, a filosofia é eminentemente paideía, ela é educativa, por isso não se distingue em nada da educação quando esta é assumida como prática de formação humana. Precisaríamos encontrar formas institucionais de fazer essa integração”. Em poucas palavras, o problema é que para grande parte dos(as) integrantes do GT, Ensino de Filosofia e Filosofia da Educação são conceitualmente subáreas da Filosofia, mas historicamente a Filosofia da Educação é academicamente uma subárea da Educação e o Ensino de Filosofia, institucionalmente, não está em lugar algum.

Independentemente (ou para além) de encontrarmos a integração a que faz menção Severino, cabe – como já o fizemos – apresentar as especificidades do Ensino de Filosofia e – o que faremos nessas derradeiras linhas – discutir a área nas fronteiras e nas interfaces com a (área) Filosofia e a (subárea) Filosofia da Educação.

Para as pesquisadoras e os pesquisadores participantes, o Ensino de Filosofia não é propriamente Filosofia da Educação, pois esta última, nas palavras de Maria Cristina Theobaldo (UFMT), “abarca questões que englobam várias áreas da educação, notadamente às relacionadas aos seus fundamentos filosóficos. Segundo, Elisete Tomazetti (UFSM),

A aproximação [do Ensino de Filosofia] com o campo da Filosofia da Educação é inevitável. E o que entendo por Filosofia da Educação? O exercício de problematização tomando como referência conceitos e ideias de filósofos/as de forma que não se faça o exercício de dedução de uma teoria filosófica para a sala de aula, à escola, para o ensino de filosofia; uma aplicação da filosofia à educação e à escola. E a diferença mais imediata, para mim, dessas áreas, como se constituem hoje, em grande medida, é a centralidade da Educação, de forma ampla, e o Ensino, que é da ordem do Escolar, da Instituição Escolar – Escola. E eu penso que é fundamental ter claro esses limites.

À Filosofia da Educação cabe a discussão filosófica sobre os problemas educacionais mais amplos. As questões relacionadas ao ensino da Filosofia exigem tratamentos particularizados no que se refere ao ensino propriamente dito e também à formação e à prática docente do(a) professor(a)de filosofia. A perspectiva em questão é corroborada por Silvio Gallo (Unicamp), o qual afirma:

Da forma como tenho pensado, o ensino de filosofia não se confunde – e não pode se confundir – com a filosofia da educação. São áreas totalmente distintas. Se na filosofia da educação temos um trabalho filosófico para pensar o campo problemático da educação, com uma amplitude e complexidade de temas e problemas, no ensino de filosofia temos um trato específico sobre os meandros de se ensinar e aprender a filosofia e o filosofar. Como disse antes, penso que o “lugar natural” do ensino de filosofia seja na filosofia, mesmo porque, no Brasil, se configurou a filosofia da educação no campo da educação e não da filosofia. Dado o “desprezo”, muitas vezes, da filosofia para com as questões de seu ensino, parece pertinente que a filosofia da educação tenha acolhido a demanda de pensar tais questões; porém, penso que numa “situação ideal” filosofia da educação e ensino de filosofia devem ser pensados e praticados como áreas distintas, cada um com suas especificidades. Em alguns momentos podem ter atravessamentos de parte a parte; mas não podem ser confundidos

[ênfases no original].

Reconhecem-se os atravessamentos das subáreas aqui discutidas, mas, igualmente, as especificidades de cada qual, cabendo ao Ensino de Filosofia debruçar-se sobre o ensino e a aprendizagem da Filosofia e do filosofar. De modo mais detido, José Benedito de Almeida Júnior (UFU) nos explica:

se a Filosofia da Educação investiga “a importância da educação para a formação humana, [perguntando pelo] “Por que”?, a área Ensino de Filosofia trata de aspectos mais específicos da prática de ensino. Pergunta pelos critérios de escolha dos conteúdos, pela organização destes conteúdos. Suas perguntas são: “Para quem?”, “O que?” e “Como?”

O Ensino de Filosofia, embora não deixe de lado a preocupação com o valor formativo (por quê?) da Filosofia nos vários níveis de ensino, pergunta pelo quem (qual o público-alvo?), pelo o que (que conteúdos ministrar?) e pelo como (que metodologias devo adotar e como devo avaliar?). Tem, portanto, uma dimensão prática e um olhar agudo sobre a escola e na própria escola.

Em passagem anterior, dissemos que o Ensino de Filosofia pertence à própria Filosofia, por ser indissociável da pergunta filosófica “O que é Filosofia?” e por manter com essa uma intrínseca relação. Mas se o Ensino de Filosofia não é estritamente Filosofia da Educação, tampouco, adverte Marcos Von Zuben (UERN), pode ser considerado “puramente filosofia, já que conhecimentos educacionais são importantes para esse campo investigativo”. Complementa Maria Cristina Theobaldo (UFMT): “saber filosofia não significa saber ensinar filosofia”; e, finaliza Samuel Mendonça (PUC-Campinas), “a abrangência [da filosofia] não permite aproximação com o ensino de filosofia de modo particular, que tem outra natureza, diria que efetivamente prática em relação ao mundo escolar, principalmente”.

Elisete Tomazetti (UFSM) sintetiza a posição das(os) colegas sobre a impossibilidade do Ensino de Filosofia ser “puramente filosofia”:

O que caracteriza essa subárea é o olhar atento para as condições do ensino nas escolas, em toda a sua complexidade: metodologias, avaliação, currículo, relação dos alunos com a filosofia, por exemplo, e, também, para a formação dos professores. No entanto, todas essas questões não podem ser pensadas apenas a partir da Filosofia. Há que se ter uma perspectiva interdisciplinar, ou seja, considerar estudos e pesquisas do campo das ciências da educação. Se isso não ocorrer me parece que dizer algo sobre o ensino da filosofia assume um caráter frágil e estéril.

Pelas razões já expostas, o campo do Ensino de Filosofia carece das questões educacionais mais amplas (sobre formação, currículo, políticas educacionais, psicologia da educação etc.) e dos problemas escolares mais localizados (onde estou ensinando Filosofia? Que alunos são estes? Que bagagem cultural trazem? Que interesses têm? Que infraestrutura a escola dispõe? Entre outras). E se fosse “puramente” Filosofia, saber Filosofia significaria saber ensinar Filosofia o que, definitivamente, não é o caso. Quantos pesquisadores filósofos conhecemos que, a despeito de serem sumidades em suas respectivas áreas, não sabem ensinar aquilo que conhecem?

Ademais, há que se considerar a dimensão prática da subárea em questão (discutida na seção precedente) como outro aspecto que a distingue das demais áreas aqui mencionadas. Sobre o assunto, comenta Edgar Lyra Netto (PUC-RJ):

Minha experiência é que tanto a Filosofia da Educação quanto a Filosofia propriamente dita são campos essencialmente teóricos. A Filosofia da Educação feita nos departamentos de Educação ainda, por vezes, combina pesquisa teórica com pesquisas de campo, lidando com dados e estatísticas ligadas ao ensino, coisa ausente nas pós-graduações em Filosofia. Já o Ensino de Filosofia como campo de pesquisa volta-se principalmente aos aspectos prático-formativos da docência. Trata-se de discutir o ensino de filosofia como problema prático-filosófico, e isso envolve, além de matrizes teóricas, a interação com problemas concretamente ligados às várias situações de ensino-aprendizagem. Os produtos finais dessas pesquisas, como consequência, expandem-se para além das tradicionais dissertações de mestrado, incluindo produção de material didático, proposição de dinâmicas e planejamento de cursos e programas voltados para os diversos segmentos e modalidades de ensino de Filosofia.

Nesse sentido, a dimensão prática do ensino e da aprendizagem em Filosofia de algum modo exige um tratamento prático-filosófico inexistente seja na Educação, seja na própria Filosofia, como áreas de conhecimento, seja na subárea de Filosofia da Educação.

De todo modo – e apesar dos limites já delineados – considera-se o Ensino de Filosofia como objeto de investigação filosófica, na interface com as questões educacionais, inquirindo “a dimensão educativa da filosofia e sua aplicação aos vários níveis do ensino formal e informal” (Marcos Von Zuben/UERN). Se, sob um aspecto, o Ensino de Filosofia não deixa de ser, como pontua Dalton José Alves (UNIRIO), um dos problemas educacionais abordados pela Filosofia da Educação, “um problema do ponto de vista da formação, do currículo, da metodologia de ensino, das políticas educacionais”30 30 Continua Dalton José Alves: “Qual a ligação maior que eu vejo da Filosofia da Educação com as questões do Ensino de Filosofia? Se você pensar o Ensino de Filosofia nas escolas, ele é norteado por uma concepção pedagógica. Aqueles que defendem o aprender a filosofar em detrimento do ensinar Filosofia como História da Filosofia se aproximam muito do aprender a aprender do Construtivismo, de Dewey, da Escola Nova. Aqueles que defendem uma posição mais historicista se aproximam mais tanto de uma visão mais tradicional e também crítica (como Gramsci). Junot [Cornélio Matos (UFPE)], na tese dele, propõe uma coisa bastante interessante. Nos cursos de formação de professores em Filosofia, os licenciandos poderiam, ao estudar um autor em Teoria do Conhecimento, confrontá-lo com as teorias pedagógicas do período. Descartes interferiu na teoria de Comenius e assim como este, temos vários exemplos”. , sob outro e complementar aspecto, trata-se de uma educação filosófica ou de uma educação pela filosofia – termos amplamente utilizados pelos pesquisadores e pesquisadoras participantes.

O caráter essencialmente formativo da Filosofia é ressaltado por Taís Silva Pereira (CEFET/RJ):

A especificidade do ensino de filosofia supõe não apenas as problematizações e a rede conceitual desenvolvidas ao longo da história da Filosofia, mas também a conceituação sobre atividade do filosofar enquanto parte da formação da pessoa: seja no âmbito do ensino, seja no âmbito da divulgação da Filosofia.

Por esta razão, segundo a pesquisadora, “demanda necessariamente conexões com outros saberes (que não se restringem à universidade), indo além da atividade filosófica profissional e acadêmica que tende a ser mais fechada”.

Sendo assim, os limites do Ensino de Filosofia são difíceis de serem ditos, porque são profundamente complexos, uma subárea de interface – interface entre teoria e prática; interface entre Filosofia e formação; interface entre Filosofia, Educação, Ensino e chão da sala de aula. Um campo de conhecimento “marcadamente interdisciplinar, por envolver interações entre o conhecimento da Filosofia e da Educação, mas também de outras disciplinas e áreas com as quais o professor de filosofia se vê levado a dialogar” (Marcelo Senna Guimarães/Unirio).

As dificuldades de demarcação dos limites da área, contudo, não nos impedem de reconhecer seu estatuto epistemológico e, por conseguinte, sua singularidade como campo de conhecimento filosófico autônomo. O presente artigo procurou fornecer alguma contribuição nesse sentido. E propõe, em suas derradeiras linhas, problematizações possíveis relacionadas à temática.

Mote para discussões futuras

Certamente as interfaces próprias ao Ensino de Filosofia, assim como o historicamente incerto lugar da Filosofia na escola, contribuem para a dificuldade de reconhecimento institucional da área. E quiçá também possamos incluir nessa justificativa a vastidão de temáticas abordadas pela área, como salienta Pedro Ergnaldo Gontijo (UnB):

Trabalho com a hipótese de que a transmissibilidade da filosofia é a prática mais presente em toda a tradição do conhecimento ocidental, mas não só nessa tradição. ... responder aos interrogantes ontológicos e epistemológicos que surgem em diferentes culturas faz parte da condição humana. Se a transmissibilidade disso que chamamos filosofia é algo presente ao longo das tradições, é estranho que sua pesquisa, ou seja, a pesquisa sobre ensino de filosofia não tenha um status mais destacado nas agências de fomento à pesquisa e formação de recursos humanos. A história e a abrangência da formação filosófica poderiam justificar esse reconhecimento. Mas, no caso brasileiro a história aqui mostra que nos caminhos tortuosos que a filosofia percorreu, há muita incompreensão sobre esse papel e, portanto, esse status.

Se, por um lado, Gontijo pondera sobre a possibilidade da “história e [d]a abrangência da formação filosófica” serem obstáculos ao reconhecimento da área, por outro, conjectura ser a transmissão da Filosofia uma prática que permeou toda a tradição do conhecimento – o que torna incoerente a incompreensão histórica da comunidade acadêmica filosófica brasileira com relação ao tema. Todavia, trata-se de uma incompreensão extremamente arraigada e disseminada – e sobre a qual urge nos debruçarmos.

Um primeiro passo nessa direção já foi dado, com o mapeamento do acervo dos integrantes do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar (Velasco, 2020Velasco, P. D. N. (2020). Filosofar e Ensinar a Filosofar: registros do GT da ANPOF – 2006-2018. NEFI Edições.) e a consequente constatação da consolidação da área, como assevera Roberto Rondon (UFPB):

todo o acúmulo de pesquisas e produções nacionais e internacionais; o intercâmbio do(a)s pesquisador(a)s brasileiro(a)s com os grupos de pesquisa da área em outros países; a relevância prática na formação e atuação de professore(a)s da rede básica de ensino; os processos diferenciados de desenvolvimento das pesquisas da área; já dão a esse campo do conhecimento um estatuto epistemológico e científico para se configurar um campo próprio do conhecimento.

Até o presente momento, coube às pesquisadoras e aos pesquisadores do campo do Ensino de Filosofia indagar: “como fazer parte da comunidade filosófica vivenciando uma relação com outras filosofias e/ou outras maneiras de filosofar que não fazem parte do modelo reconhecido e valorizado?” (Velasco, 2018Velasco, P. D. N. (2018). O filósofo-funcionário e o professor-filósofo: sobre os sentidos do filosofar hoje. In J. da C. Dutra, & R. Goto (Orgs.), O filosofar, hoje, na pesquisa e no ensino de filosofia (pp. 63-74). IFC., p. 65). Estaríamos dispostos, agora, a criar e defender um projeto político de autonomia epistemológica da área? Conseguiríamos sensibilizar outros segmentos, mostrando os impactos de tal projeto? Seria o projeto político em questão, pertinente? Seria viável?

Sabe-se que o reconhecimento acadêmico de uma comunidade de profissionais envolve mais do que a identificação de seu estatuto epistemológico. Para Bourdieu (1983)Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (Org.), Pierre Bourdieu: Sociologia. (P. Montero & A. Auzmendi, Trads., pp. 122-155). Ática., o que está em jogo no espaço de luta concorrencial que constitui o campo científico, como anteriormente citado (pp. 122-123), é o monopólio da autoridade científica (capacidade técnica e poder social) ou, em outros termos, da competência científica – a capacidade de falar e de agir com autoridade e de modo autorizado.

Uma vez que “os conflitos epistemológicos são sempre, inseparavelmente, conflitos políticos” (Bourdieu, 1983Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (Org.), Pierre Bourdieu: Sociologia. (P. Montero & A. Auzmendi, Trads., pp. 122-155). Ática., p. 124), o reconhecimento institucional do Ensino de Filosofia como subcampo científico implica não só a consideração da autoridade de um grupo de agentes e seu dever de propor e gerir um projeto político-pedagógico de formação de professores de Filosofia, mas – e este parece ser o ponto mais problemático – a atribuição de um poder político e de um capital social que poderá reconfigurar o jogo de forças hoje vigente na comunidade acadêmica filosófica. Se “a luta pela autoridade científica”, segundo Bourdieu (1983)Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (Org.), Pierre Bourdieu: Sociologia. (P. Montero & A. Auzmendi, Trads., pp. 122-155). Ática., “deve o essencial de suas características ao fato de que os produtores tendem, quanto maior for a autonomia do campo, a só ter como possíveis clientes seus próprios concorrentes ..., os menos inclinados a reconhecê-lo[s] sem discussão ou exame” (p. 127), pergunta-se: estariam os produtores do campo científico filosófico dispostos a perscrutar as questões da Filosofia e de seu ensino, autorizando-as como legitimamente filosóficas?

Nos últimos anos, a Filosofia na Escola perdeu os direitos adquiridos nos documentos que orientam a Educação Básica31 31 Cf. Lei n. 13 415, de fevereiro de 2017, a qual substitui a obrigatoriedade da disciplina Filosofia pela inclusão obrigatória de estudos e práticas de Filosofia na Base Nacional Comum Curricular (BNCC); a Etapa do Ensino Médio da BNCC foi aprovada pelo CNE em 4 de dezembro de 2018 (disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base. Acesso em: 14 fev. 2020). , o que inevitavelmente causará impactos nos cursos de graduação e pós-graduação em Filosofia. (Aliás, alguns impactos foram imediatos: a Capes alterou os editais do Pibid, modificando significativamente a presença da Filosofia no Programa; assim como postergou o início das aulas daquelas e daqueles aprovados no processo seletivo do PROF-FILO32 32 Em ofício circular datado de 18/11, a coordenação geral do PROF-FILO “foi comunicada pela Diretoria de Educação à Distância da CAPES (DED/CAPES) de que ‘não haverá oferta do PROEB ao longo do primeiro semestre de 2020’ e que ‘as ofertas para o PROEB/2020 somente se darão a partir de agosto de 2020’, alegando para isso ‘a readequação orçamentária necessária para garantir a sustentabilidade e expansão do programa’” (Disponível em: http://www.humanas.ufpr.br/portal/prof-filo/files/2019/12/NOTA-DE-ESCLARECIMENTO-PROF-FILO-1.pdf. Acesso: 26 fev. 2020). .) Para além da preocupação com o futuro da nossa atividade docente cotidiana nas Universidades, há que se sopesar o momento histórico em que não só a Filosofia, mas as Artes e as Humanidades estão – sem argumentos, mas com fervor – sendo vilipendiadas. Na disputa pelo capital científico com outros campos (Bourdieu, 1983Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (Org.), Pierre Bourdieu: Sociologia. (P. Montero & A. Auzmendi, Trads., pp. 122-155). Ática.), a legitimação do subcampo do Ensino de Filosofia não poderia, quiçá, ser uma estratégia política de fortalecimento do poder social do próprio campo da Filosofia?

Conjecturas à parte, o fato é que não é possível antever se a área de Ensino de Filosofia será em algum momento formalmente reconhecida pelas agências de fomento e pelos programas de graduação e pós-graduação. Mas enquanto reconhecermos o valor formativo da Filosofia na Educação Básica, a importância de uma educação filosófica na escola, teremos força política para defender a presença filosófica no currículo escolar e força acadêmica para continuar pesquisando na e sobre a área, formando professoras-pesquisadoras e professores-pesquisadores de Filosofia. A despeito desse não lugar institucional, o Ensino de Filosofia continuará se constituindo e se consolidando como um campo epistemológico e profissional que, sem deixar de ter especificidades, caracteriza-se pelas interfaces e pelo acolhimento das mais diferentes perspectivas filosóficas.

Por fim, cabe ressalvar que, ao procurar o almejado reconhecimento institucional, há que se cuidar de não perder os rendados – sublinhados neste artigo – que são próprios da área, como bem acautela Flávio José de Carvalho (UFCG):

No âmbito da Educação Superior ... a área de Ensino de Filosofia tem o compromisso de oferecer a novidade epistêmica e procedimental que lhe é típica, isto é, demonstrar para a comunidade acadêmica e filosófica que é possível pensar filosoficamente e produzir com os rigores científicos e acadêmicos a partir de compreensões de saberes, de metodologias e de aplicações dentro de uma miríade de possibilidades. ... a nossa luta pelo reconhecimento do Ensino de Filosofia como área de conhecimento deve ser acompanhada pela atenção constante à pressão epistêmica e metodológica da comunidade científica e filosófica e seus eventuais critérios tradicionais acerca do que é investigação científica e acadêmica. O reconhecimento dos outros deve passar necessariamente pela sua compreensão e admissão da “diferença” que constitui o objeto, os problemas e as metodologias da nossa área

[ênfase no original].

Daí o texto que o leitor e a leitora têm em mãos: uma tentativa de, a despeito de um possível futuro reconhecimento institucional, contribuir para compreender o diferente – e diferencial! – que constitui o Ensino de Filosofia como campo científico.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha – verah.bonilha@gmail.com.
  • 3
    Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
  • 4
    Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no VII Congresso Internacional da SOFELP, em 2019, com o título “Ensino de Filosofia: questão de educação da filosofia ou de filosofia da educação?”. Agradeço às(aos) colegas pelas contribuições realizadas no encontro supra referido.
  • 5
    Cf. Lei n.º 11 684, de 2 de junho de 2008.
  • 6
    Sobre os programas CAPES de Formação de Professores da Educação Básica, cf. http://www.capes.gov.br/educacao-basica. Acesso: 26 fev. 2020.
  • 7
    A saber: o Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Ensino (PPFEN) do CEFET-RJ, criado em 2015 (<http://dippg.cefet-rj.br/ppfen/index.php/pt/>. Acesso: 26 fev. 2020), e o Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO), cujas atividades começaram em 2017 (<http://www.humanas.ufpr.br/portal/prof-filo/>. Acesso: 26 fev. 2020).
  • 8
    Para o referido acervo, cf. Velasco, 2020Velasco, P. D. N. (2020). Filosofar e Ensinar a Filosofar: registros do GT da ANPOF – 2006-2018. NEFI Edições..
  • 9
    Citações como essa não serão referenciadas segundo a APA, pois foram obtidas de entrevistas ou de respostas a um questionário que é parte constituinte do projeto de pós-doutorado intitulado “A constituição do Ensino de Filosofia como campo de conhecimento: mapeamento da área na década de 2008 a 2018”. O referido projeto foi realizado com bolsa Pós-Doutorado Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (Chamada CNPq n.º 22/2018 - Bolsas Especiais no País e Exterior, Processo 148901/2018-2), sob a supervisão do Prof. Dr. Rodrigo Pelloso Gelamo (Unesp), a quem agradecemos a leitura crítica das diferentes versões deste artigo. Agradecemos, igualmente, à Elisete Tomazetti, por suas preciosas sugestões. As ideias e a escrita deste texto não seriam possíveis sem o diálogo com os pares; e seriam destituídas de valor se não fossem cuidadas por amizades que me são tão caras.
  • 10
    Número apresentado pela Coordenação de Área, em reunião realizada nos dias 12 e 13 de dezembro de 2018, em Brasília. Na ocasião, afirmou-se que em outubro do referido ano a área de Filosofia tinha 43 Programas de Pós-Graduação (PPG) em funcionamento: 9 PPG (ME) nota 3; 7 PPG (ME/DO) nota 7; 10 PPG (ME) nota 4; 12 PPG (ME/DO) nota 5; 4 PPG (ME/DO) nota 6; 1 PPG (ME/DO) nota 7.
  • 11
    Para o acesso ao acervo da área, além de Autor (2020)Velasco, P. D. N. (2020). Filosofar e Ensinar a Filosofar: registros do GT da ANPOF – 2006-2018. NEFI Edições., já referido, o leitor e a leitora podem consultar, entre outros, Gelamo (2010)Gelamo, R. P. (2010). O ensino de filosofia no Brasil: um breve olhar sobre algumas das principais tendências no debate entre os anos de 1934 a 2008. Educação e Filosofia, 24(48), 331-350., Perencini (2017)Perencini, T. B. (2017). Uma arqueologia do ensino de filosofia no Brasil: formação discursiva na produção acadêmica de 1930 a 1968. Cultura Acadêmica. e os sítios da SEAF - Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (disponível em: https://www.seaf.com.br/) e do grupo SENSO (https://www.senso.fe.unicamp.br/).
  • 12
    A descrição dos pares será realizada mais adiante.
  • 13
    Sobre o assunto, cf. a obra Ensino – de qual? – Filosofia: ensaios a contrapelo (Velasco, 2019Velasco, P. D. N. (Org.). (2019). Ensino – de qual? – Filosofia: ensaios a contrapelo. Oficina Universitária; Cultura Acadêmica.).
  • 14
    Considera-se aqui a data de fechamento da primeira versão do presente artigo, a saber, fevereiro de 2020.
  • 15
    “A diversidade de enfoques encontrada põe a necessidade de intensificação do diálogo entre grupos de pesquisadores para clareamento das interfaces/contradições entre as diferentes perspectivas. Este é um novo passo a ser dado, não para a construção de um consenso hegemônico, mas para balizar os limites dos conhecimentos elaborados e suas intersecções” (Gatti, 2008Gatti, B. A. (2008, jan./dez.). A pesquisa na pós-graduação e seus impactos na educação. Nuances: estudos sobre Educação, ano XIV, 15(16), 35-49., p. 14).
  • 16
    Embora todos os 45 membros dos núcleos de sustentação e apoio do GT tenham sido convidados, contribuíram com depoimentos – respondendo a um questionário enviado pela autora – os(as) seguintes pesquisadores(as): Alexandre Jordão Baptista (UFMA); Américo Grisotto (UEL); Antonio Edmilson Paschoal (UFPR); Christian Lindberg L. do Nascimento (UFS); Dalton José Alves (UNIRIO); Dante Augusto Galeffi (UFBA); Edgar de Brito Lyra Netto (PUC-RJ); Elisete Medianeira Tomazetti (UFSM); Filipe Ceppas (UFRJ); Flávio José de Carvalho (UFCG); Geraldo Balduíno Horn (UFPR); Gisele Dalva Seco (UFRGS); José Benedito de Almeida Júnior (UFU); Leoni Maria Padilha Henning (UEL); Marcelo Senna Guimarães (UNIRIO); Marcos Antônio Lorieri (Uninove); Marcos de Camargo von Zuben (UERN); Marta Vitória de Alencar (EA-FE/USP); Paula Ramos de Oliveira (UNESP); Pedro Ângelo Pagni (UNESP); Pedro Ergnaldo Gontijo (UnB); Roberto Rondon (UFPB); Rodrigo Pelloso Gelamo (UNESP); Silvio Donizetti de Oliveira Gallo (Unicamp); Walter Omar Kohan (UERJ); Wanderley José Deina (UTFPR); Wanderson Flor do Nascimento (UnB).
  • 17
    Especificamente, participaram da pesquisa os seguintes nomes: Alexandre Filordi de Carvalho (Unifesp), André Luis La Salvia (UFABC), Antonio Joaquim Severino (USP/Uninove), Celso Fernando Favaretto (USP), Eduardo Salles de Oliveira Barra (UFPR), Evanildo Costeski (UFC), Felipe Gonçalves Pinto (CEFET/RJ), José Renato de Araújo Souza (UFPI), José Teixeira Neto (UERN), Luizir de Oliveira (UFPI), Maria Cristina Theobaldo (UFMT), Renê Jose Trentin Silveira (Unicamp), Samuel Mendonça (PUC-Campinas) e Taís Silva Pereira (CEFET/RJ).
  • 18
    Deve-se observar que as respostas de Barra, assim como as de Alves, Ceppas, Kohan, Lyra Netto, Nascimento e Tomazetti, membros do GT, foram obtidas através da transcrição de entrevistas realizadas com os/as pesquisadores/as. Por fim, ressalta-se que, tendo em vista o necessário recorte argumentativo, nem todos os nomes aqui citados são mencionados no corpo do texto, o qual procurou enfatizar os aspectos comuns defendidos pelos pares.
  • 19
    Não poderíamos deixar de mencionar a posição de colegas que, como Alexandre Filordi de Carvalho (UNIFESP), divergem da perspectiva mais usual entre os(as) pesquisadores(as) da área: “O filósofo cria algo novo na densidade da Filosofia, por isto mesmo existem muitos bons historiadores da filosofia que não são filósofos. O professor de filosofia não necessariamente atua como filósofo, mas ensina o que os filósofos produziram, na mesma proporção que um professor de matemática não se empenha em criar novos matemas, novos teoremas, novas equações, a não ser ensinar a matemática como está composta”.
  • 20
    Marta Vitória de Alencar (Escola de Aplicação/FE-USP), por exemplo, transpõe essa inquietação para a formação de professores: “assim como um especialista em Estética ou Lógica ao longo de sua formação reflete sobre problemas estéticos ou lógicos, é também necessário que um especialista em Ensino de Filosofia reflita sobre os problemas do filosofar, da atividade do filosofar, e sobretudo a atividade de ensinar a filosofar. Se de alguém que é formado em Filosofia, exige-se que se tenha, por exemplo, refletido sobre o modo como se dá a compreensão filosófica sobre um problema estético, assim como sobre um problema lógico, que entre si são bem diversos, por quê para o Ensino de Filosofia o mesmo não se dá? Por que se ensina filosofia, forma-se filósofos, mas não se reflete com profundidade sobre o ensinar a filosofar, sobre o que é filosofar? ... O Ensino de Filosofia é estranho à formação em Filosofia, e quando não é visto como um tema menor, é compreendido como um tema de educadores e não de filósofos, muito menos de professores de filosofia que atuam no Ensino Superior. ... Sequer há a percepção de que filosofar e ensinar a filosofar... ... são problemas filosóficos, e possivelmente que estão entre os problemas mais centrais na prática filosófica e acadêmica, isto é, no ambiente em que o ensino de filosofia é um ofício docente e um fim pedagógico”.
  • 21
    Há que se considerar também, ao justificarmos o afastamento do Ensino de Filosofia da Filosofia acadêmica, a perspectiva de inúmeros colegas dos cursos de graduação e pós-graduação em Filosofia, como nos lembra José Renato de Araújo Sousa (UFPI): “nós lidamos ainda com certas dificuldades sobre a especificidade da Filosofia nessa área [de Ensino]. Vejo, ainda no nosso círculo, por exemplo, um forte preconceito com questões relativas à Educação ou a Pedagogia, pois alguns acreditam que isso não é um problema filosófico genuíno”.
  • 22
    Sobre o assunto, opina Wanderley José Deina (UTFPR): “Hoje avalio que [o Ensino de Filosofia] seja uma das áreas mais importantes, senão a mais importante, considerando o fato elementar de conectar a área da filosofia de uma maneira direta com os problemas da sociedade brasileira no campo da educação. A obrigatoriedade da filosofia no Ensino Médio foi fundamental para essa mudança de postura. A partir deste fato, num dado momento os filósofos foram ‘convocados’ a deixar o ‘conforto’ de seus gabinetes universitários para se preocupar com as questões práticas relacionadas ao ensino básico. Havia uma espécie de ‘bolha’ que separava os departamentos de filosofia dos problemas reais da sociedade. Me parece que essa bolha foi definitivamente rompida, mesmo que a revelia de muitos colegas pesquisadores da área da filosofia” [ênfases no original].
  • 23
    Sobre as pesquisas realizadas pelo professor de Filosofia sobre e para a sua própria prática docente, cf. Guimarães, 2013Guimarães, M. S. (2013). A pesquisa do professor de filosofia no ensino médio. In M. Carvalho, & V. Figueiredo (Orgs.), Filosofia Contemporânea: Arte, ciências humanas, educação, religião (1. ed., Vol. 9, pp. 341-351). ANPOF..
  • 24
    E – acrescento – que há outras formas de viver a Filosofia fora da tradição ocidental.
  • 25
    Questões como: o que é a vida? O conhecimento? O ser humano? O justo? O belo? Entre outras.
  • 26
    Questões como o feminismo, o racismo, o decolonialismo, o multiculturalismo etc.
  • 27
    Sobre o assunto, assevera Américo Grisotto: “a pesquisa em ensino de filosofia, tratando de temas, problemas, campos de estudo e conceitos característicos do seu legado filosófico, propõe-se não apenas a enfrentar o desafio de fomentar a reflexão filosófica na formação escolar e universitária, mas a estrategicamente despertar um gosto pela crítica e pela criação neste âmbito, segundo as exigências próprias de um pensamento filosófico que seja tanto conectivo, quanto independente e inovador”.
  • 28
    A saber: as questões-objeto da área são 1) indissociáveis da pergunta “que Filosofia?” e, nesse sentido, só podem ser pensadas dentro da própria Filosofia; 2) intrínsecas à prática; 3) permeadas por um compromisso político.
  • 29
    Para Kohan interessam mais “figuras que você não sabe se são professores de Filosofia, se são educadores filósofos”, como Paulo Freire, “Sócrates, o grego, e Simón Rodríguez, o Sócrates de Caracas”. Afirma Kohan: “penso que me passou a interessar mais a educação filosófica por ser mais ampla, por ser a Filosofia – eu penso – nessa tradição uma dimensão da Educação muito mais significativa que o espaço concreto da Filosofia como disciplina. A própria distinção é um pouco arbitrária, mas é mais em função de que a Filosofia é uma relação com o saber do que um saber específico disciplinar”. Outros(as) colegas têm posicionamentos ainda mais radicais a respeito do tema. Para Pedro Pagni (Unesp), por exemplo, o ensino de Filosofia seria parte da educação filosófica, tendo o “mesmo sentido formativo da existência, sendo completamente articulado à prática filosófica e à formação a que se destina, qual seja, a do ethos do sujeito, se especificando no que se refere às técnicas que transmite, seu sentido pedagógico que permite dotar a outrem de um conjunto de saberes, habilidades e capacidades necessário a arte de si, compreendida pela filosofia. A relação do ensino de Filosofia com a Filosofia da Educação seria a de que esta compreende práticas do pensar e do existir na atividade educativa que se destinam a formar e a ser formado por aquele(a) que as exercitam, focando esse pensar no que está fora do conhecido e das técnicas que esse conhecimento enceta, no que escapa ao transmissível, ao pedagógico, mas que, ao mesmo tempo, forma/deforma/transforma os sujeitos implicados nessa arte de governo, enquanto aquele se dispõe primordialmente a transmitir, a governar pedagogicamente, mediante um conjunto de saberes e de técnicas, às quais uma vez ensinadas ou aprendidas – recebidas, enfim –, restringe-se a uma pedagogia de dotá-los do que não sabem, facultando seu uso para fins específicos no mundo”. Nesta perspectiva, Pagni não entende “o ensino de Filosofia como uma subárea de conhecimento, [mas] talvez, o reconheça como um campo de estudos”.
  • 30
    Continua Dalton José Alves: “Qual a ligação maior que eu vejo da Filosofia da Educação com as questões do Ensino de Filosofia? Se você pensar o Ensino de Filosofia nas escolas, ele é norteado por uma concepção pedagógica. Aqueles que defendem o aprender a filosofar em detrimento do ensinar Filosofia como História da Filosofia se aproximam muito do aprender a aprender do Construtivismo, de Dewey, da Escola Nova. Aqueles que defendem uma posição mais historicista se aproximam mais tanto de uma visão mais tradicional e também crítica (como Gramsci). Junot [Cornélio Matos (UFPE)], na tese dele, propõe uma coisa bastante interessante. Nos cursos de formação de professores em Filosofia, os licenciandos poderiam, ao estudar um autor em Teoria do Conhecimento, confrontá-lo com as teorias pedagógicas do período. Descartes interferiu na teoria de Comenius e assim como este, temos vários exemplos”.
  • 31
    Cf. Lei n. 13 415, de fevereiro de 2017, a qual substitui a obrigatoriedade da disciplina Filosofia pela inclusão obrigatória de estudos e práticas de Filosofia na Base Nacional Comum Curricular (BNCC); a Etapa do Ensino Médio da BNCC foi aprovada pelo CNE em 4 de dezembro de 2018 (disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base. Acesso em: 14 fev. 2020).
  • 32
    Em ofício circular datado de 18/11, a coordenação geral do PROF-FILO “foi comunicada pela Diretoria de Educação à Distância da CAPES (DED/CAPES) de que ‘não haverá oferta do PROEB ao longo do primeiro semestre de 2020’ e que ‘as ofertas para o PROEB/2020 somente se darão a partir de agosto de 2020’, alegando para isso ‘a readequação orçamentária necessária para garantir a sustentabilidade e expansão do programa’” (Disponível em: http://www.humanas.ufpr.br/portal/prof-filo/files/2019/12/NOTA-DE-ESCLARECIMENTO-PROF-FILO-1.pdf. Acesso: 26 fev. 2020).

Referências

  • Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (Org.), Pierre Bourdieu: Sociologia (P. Montero & A. Auzmendi, Trads., pp. 122-155). Ática.
  • Bourdieu, P. (1989). A gênese dos conceitos de habitus e de campo. In P. Bourdieu, O poder simbólico (F.T., Trad., pp. 59-73). Difel.
  • Bourdieu, P. (2003). Lições de aula (E. O. Rangel, Trad.). Ática.
  • Bourdieu, P. (2004a). Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico (D. B. Catani, Trad.). UNESP.
  • Bourdieu, P. (2004b). Para uma sociologia da ciência (P. E. Duarte, Trad.). Edições 70.
  • Bourdieu, P. (2004c). Coisas Ditas (C. R. da Silveira & D. M. Pegorim, Trad.) Brasiliense.
  • Gallo, S., & Kohan, W. O. (2000). Apresentação. In S. Gallo, & W. Kohan (Org.), Filosofia no ensino médio (pp. 7-10). Vozes.
  • Gatti, B. A. (2008, jan./dez.). A pesquisa na pós-graduação e seus impactos na educação. Nuances: estudos sobre Educação, ano XIV, 15(16), 35-49.
  • Gelamo, R. P. (2010). O ensino de filosofia no Brasil: um breve olhar sobre algumas das principais tendências no debate entre os anos de 1934 a 2008. Educação e Filosofia, 24(48), 331-350.
  • Guimarães, M. S. (2013). A pesquisa do professor de filosofia no ensino médio. In M. Carvalho, & V. Figueiredo (Orgs.), Filosofia Contemporânea: Arte, ciências humanas, educação, religião (1. ed., Vol. 9, pp. 341-351). ANPOF.
  • Perencini, T. B. (2017). Uma arqueologia do ensino de filosofia no Brasil: formação discursiva na produção acadêmica de 1930 a 1968 Cultura Acadêmica.
  • Velasco, P. D. N. (2018). O filósofo-funcionário e o professor-filósofo: sobre os sentidos do filosofar hoje. In J. da C. Dutra, & R. Goto (Orgs.), O filosofar, hoje, na pesquisa e no ensino de filosofia (pp. 63-74). IFC.
  • Velasco, P. D. N. (Org.). (2019). Ensino – de qual? – Filosofia: ensaios a contrapelo Oficina Universitária; Cultura Acadêmica.
  • Velasco, P. D. N. (2020). Filosofar e Ensinar a Filosofar: registros do GT da ANPOF – 2006-2018 NEFI Edições.

Editado por

1
Editor responsável: Silvio Donizetti de Oliveira Gallo. https://orcid.org/0000-0003-2221-5160

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2020
  • Revisado
    26 Maio 2020
  • Aceito
    25 Jun 2020
UNICAMP - Faculdade de Educação Av Bertrand Russel, 801, 13083-865 - Campinas SP/ Brasil, Tel.: (55 19) 3521-6707 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: proposic@unicamp.br