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A Nova República e os movimentos dos trabalhadores

A Nova República e os movimentos dos trabalhadores

Silvio Caceia Bava

Sociólogo e pesquisador do CEDEC

Está na boca de importantes lideranças sindicais do Estado de São Paulo uma análise que acusa o governo atual de ser mais intransigente e repressivo com os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores do que foram os militares durante o período da ditadura.

Estas lideranças entendem que empresários e governo assumiram deliberadamente uma estratégia de confronto com os movimentos dos trabalhadores, romperam com as negociações e tentam, por todos os meios, destruir sua organização e sua capacidade de luta.

Estão cobertas de razão as lideranças sindicais que denunciam este estado de coisas. Existem inúmeros exemplos a comprovar que a Nova República vem reprimindo com violência as reivindicações dos trabalhadores, suas entidades de representação, suas formas de organização de base. Mas concluir a partir daí que a luta dos trabalhadores se dá nas mesmas condições que durante o período da ditadura parece desconhecer as particularidades desta nova conjuntura dos anos 85 e 86.

As primeiras medidas da Nova República na área das relações com o movimento operário e sindical urbano surpreenderam a muitos. A escolha de Almir Pazzianotto para ministro do Trabalho foi interpretada na época como um claro sinal de disposição do governo federal em dialogar com os setores mais combativos do movimento. E as suas primeiras medidas deram sinais de que se abriria uma nova era nas negociações capital-trabalho.

Os sindicatos sob intervenção foram devolvidos às suas categorias com a promessa de que não haveria mais intervenções do governo federal sob nenhum pretexto. Os dirigentes sindicais cassados foram anistiados. Foi estimulada a negociação direta entre patrões e empregados. A greve foi reconhecida como um direito do trabalhador. Também foi reconhecido o direito dos trabalhadores se organizarem em centrais sindicais. Ao lado disso, o governo Sarney, no 1? de maio de 1985, anuncia aumentos reais do salário mínimo (acima da inflação) e apresenta, em suas falas, uma preocupação central com a melhoria das condições de vida dos mais pobres.

Essas primeiras iniciativas da Nova República na área das relações com o movimento operário e sindical urbano se concentram no reconhecimento do direito de organização e de reivindicação. O aumento do salário mínimo é irrisório, mas o discurso do governo enfatiza que este é apenas o primeiro passo para corrigir o achatamento salarial imposto pelos governos anteriores e que outras medidas virão para enfrentar os problemas do povo.

É preciso discutir o significado político destas primeiras medidas da Nova República. Ao reconhecer o direito de organização e de reivindicação dos trabalhadores, o governo busca institucionalizar o campo do conflito e esvaziar de significado político as manifestações de luta que se dêem fora daí. Isso quer dizer que o sindicato representa e negocia em nome dos trabalhadores. E se há negociação, a greve, quando ocorre, se esvazia do sentido político contestatório de desafio ao governo federal. O discurso das autoridades passa a considerar a greve como um fenômeno normal dos regimes democráticos.

Outro significado importante contido nestas primeiras medidas é o de que o governo se retira do lugar central que antes ocupava na arena do conflito trabalhista ao estimular a negociação direta. Ele se reserva o papel de mediador entre as partes diretamente envolvidas. Papel que Pazzianotto exerce intensamente nos seus primeiros meses de mandato e que consolida a imagem pública de respeito, por parte da Nova República, aos direitos dos trabalhadores e às suas reivindicações. Neste mo mento o ministro do Trabalho é uma figura central do novo governo.

É bom lembrar que neste novo cenário, durante o ano de 1985, são poucos os ganhos efetivos destes movimentos grevistas. O que se vê são as demissões em massa dos grevistas, é a dissolução das comissões de fábrica, são as listas negras que afastam as lideranças operárias e sindicais das fábricas. Há uma ofensiva patronal contra a organização operária no interior das fábricas.

Com a inflação se projetando na casa dos 400% ao ano, o desemprego e uma crescente desconfiança do povo quanto ao futuro, o conflito social se torna mais agudo. Rapidamente o governo Sarney se vê frente a uma crise de grandes proporções que pode comprometer sua estabilidade. Tratava-se de um governo que já era impugnado como ilegítimo por setores da sociedade que pediam eleições diretas para presidente da República.

Sarney parte para a ofensiva e decreta um plano de mudanças: o Plano Cruzado. Congela os preços e os salários. Aumenta o salário mínimo. Anuncia o fim da inflação. E mais do que isso: convoca a mobilização popular para fiscalizar o congelamento de preços.

O efeito real que estas medidas provocam no cotidiano dos trabalhadores e a enorme propaganda que o governo faz do Plano Cruzado fazem com que Sarney adquira um prestígio muito grande junto à população. Pode-se dizer mesmo que o governo consegue restabelecer a esperança dos brasileiros de que dias melhores virão.

A produção aumenta, as vendas crescem, o emprego se expande e a inflação cai a zero. Os preços da cesta básica de alimentos e dos serviços públicos estancam.

A popularidade do Plano Cruzado, no início, isola os setores mais combativos do movimento operário. Os trabalhadores, de uma maneira geral, estão mais para fiscais do Sarney que para piqueteiros. O preço cobrado pelo governo é a imposição do pacto social. Assim como os empresários estão proibidos de aumentar seus preços, também os trabalhadores estão proibidos de reivindicar aumentos de salários.

O que faz o governo com o Plano Cruzado? Dirige um discurso populista diretamente às massas trabalhadoras, passando por cima de suas entidades, de suas formas organizadas de participação e representação. Não são os sindicatos que são chamados a fiscalizar os preços, mas os indivíduos. Funaro substituiu Pazzianotto como figura central da ofensiva política governamental.

Aproveitando-se do momento político, da sua popularidade, o governo cai em cima da CUT, do PT e de Brizola. Denuncia-os para a população como agentes políticos que tentam desestabilizar a Nova República, como traidores do pacto social e do Plano Cruzado. A transição conservadora precisa destruir as forças de oposição para se consolidar.

Neste momento as lutas no movimento operário e sindical são contra a perda real do poder aquisitivo de muitas categorias com o congelamento dos salários em um patamar muito baixo. O aumento da produtividade das empresas que não é repassado aos salários. As condições de trabalho. As greves se multiplicam e encontram o patronato e o governo em uma posição intransigente, mas que conta com o respaldo do prestígio político do governo, diversamente de 1980, quando a greve dos metalúrgicos do ABC contou com enorme apoio popular.

As iniciativas do governo mudam o patamar da luta política no país. Os direitos de organização e manifestação dos trabalhadores estão reconhecidos. A negociação contratual dos salários está congelada. O movimento operário e sindical entra em crise.

O jogo mudou. As novas formas de dominação que estão sendo construídas pela Nova República não podem ser enfrentadas como se estivéssemos em plena ditadura. Para ampliar os direitos e as liberdades dos trabalhadores nesta nova conjuntura é preciso que as lutas operárias e sindicais ganhem uma nova dimensão política: ultrapassem os seus interesses corporativos, se somem às lutas dos movimentos populares e dos trabalhadores rurais no sentido de aprofundarem a luta pela democracia, seja nos locais de trabalho, na Constituinte, enfim, em todos os níveis de decisão que envolvam os interesses da maioria.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 1987
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