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Transição

Transição

Transição, (do lat. transitione). Substantivo feminino. 1. Ato ou efeito de transitar. 2. Trajeto, trajetória. 3. Passagem de um lugar, de um assunto, de um tom, de um tratamento, etc, para outro. 4. Mudança de fase num sistema; transição de fase.

As palavras não são neutras, nem impunes. Mestre Aurélio, em sua conhecida capacidade de nos iluminar em face do indefinido, é extremamente preciso: transição implica trânsito, ir de uma coisa a outra, mudança de tom, mudança de tratamento e, quando menos, mudança de fase. Ou seja, sem mudança não há transição.

A palavra transição começou a passar para o domínio público, entre nós, a partir de meados dos anos 70, quando as mais conhecidas ditaduras políticas do mundo começaram a dar sinais de crise: a Espanha, após a morte de Franco, em 1975; a Grécia, após a crise com Chipre, em 1 973, e Portugal, depois da "Revolução dos Cravos", em 1974.

Desde então, o vocábulo transição passou a se referir ao processo que conduz, ou que deveria conduzir, da ditadura à democracia. Passou a simbolizar as imensas esperanças – abertas para esses povos – de que da opressão se poderia passar à liberdade – aqui entendida como liberdade pública, isto é, de organização das classes, dos partidos e das instituições que querem influir nas decisões políticas.

Transição significou, então, em maior ou menor grau, as condições que operam ou que preparam a alternância no poder. Ou seja, as condições em que se deu, nesses países, a transferência de poder dos autoritários para os que, de uma ou de outra maneira, simbolizavam a mudança. Abriu-se, assim, para eles, uma nova fase em sua história: a fase da democracia por construir.

No Brasil, no entanto, embora o regime autoritário esteja em crise desde 1 974, tem-se preferido usar a palavra transição para indicar quase tudo, menos o que ela significa efetivamente. É como se transição pudesse ser, até mesmo, sinônimo da chamada "abertura", que começou como distensão lenta, gradual e segura há mais de dez anos, mas cujos limites tanto conhecemos e tanto temos amargado.

Mesmo, agora, quando o mais formidável movimento de massas desse século aprofunda a luta contra a ditadura, no país, através da campanha pelas diretas-já, aparecem sinais de que se deseja limitar o sentido da palavra transição. Ao invés de significar trânsito ou mudança, propõe-se, através de outro vocábulo – negociação – que transição signifique modificar as aparências para não tocar na essência. Propõe-se negociar o secundário para manter o essencial.

Será possível que, além de se enganar a muitos, durante muito tempo, todos se deixarão, mais uma vez em nossa história, ludibriar até mesmo quanto ao sentido das palavras que são tão importantes para nós?

O EDITOR.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Set 1984
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