Probióticos na DRC: esperando pela evidência

O inquestionável papel da microbiota intestinal na saúde e no desenvolvimento e agravamento de diversas doenças resultou, nas últimas décadas, em inúmeras publicações acerca do tema. Concomitantemente, o interesse pela utilização dos probióticos visando à modulação da microbiota intestinal tem se intensificado, resultando em estudos e publicações que aumentam de maneira exponencial, abrindo fronteiras para novos tratamentos em diversas áreas da medicina.

A evidência da relação bidirecional entre a disbiose e a Doença Renal Crônica (DRC) acompanha esses achados. A microbiota intestinal interage com o funcionamento renal por meio de diferentes mecanismos complexos, incluindo sua influência no sistema imune e na derivação de toxinas urêmicas¹. O chamado eixo intestino-cérebro-rim associa a DRC com a desregulação imunológica, distúrbio metabólico e ativação simpática, todos fatores ligados à disbiose intestinal². O crosstalk é alcançado pelos efeitos dos metabólitos disbióticos na imunidade intestinal e renal, ruptura da barreira intestinal induzida por inflamação e o influxo resultante de metabólitos disbióticos no rim através da circulação². Estudos apontam que a modulação intestinal, visando ao aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta e redução da endotoxemia por lipopolissacarídeos, pode retardar a deterioração da função renal, prevenindo ou contribuindo para o tratamento da DRC e de suas complicações¹,³.

Em pacientes em hemodiálise, os resultados são divergentes, e essa terapia deve ser escolhida com cautela. O recém-publicado estudo “Uso de probióticos em pacientes com doença renal crônica em hemodiálise: um ensaio clínico randomizado” na BJN⁴ condiz com a importância de melhor avaliar a eficácia da probioticoterapia em pacientes em diálise, e abre uma porta em direção à luz desse conhecimento.

Assim, cabe parabenizar os autores pelo excelente ensaio clínico randomizado duplo-cego, com 70 pacientes em hemodiálise, que mostrou que o uso de probiótico (Lactobacillus plantarum A87, Lactobacillus rhamnosus, Bifidobacterium bifidum A218 e Bifidobacterium longum A101) durante 3 meses reduziu níveis de syndecan-1 e glicemia, indicando possível melhora no metabolismo e redução do processo inflamatório sistêmico. O syndecan-1 é um dos principais componentes do glicocálice endotelial, e sua expressão no sistema imunológico e liberação em níveis séricos aumentam estímulos inflamatórios, ou quando ocorre lesão do glicocálice endotelial, condição presente na DRC em terapia homodialítica.

O achado de redução glicêmica também foi de extrema importância, considerando a estreita relação entre o diabetes mellitus e a DRC. Estudos apontam para associação do uso de probiótico na melhora do controle glicêmico, sobretudo quando associadas mais de 3 cepas de bactérias⁵, como no referido estudo, o que reforça o potencial desse tratamento nesse grupo de pacientes. Ainda, estudos mostram a importância das toxinas urêmicas intestinais na inflamação como fator importante de risco cardiovascular, que é a principal causa de morte em paciente em diálise. O estudo de Taki⁶ mostrou que a administração de Bifidobacterium longum reduziu níveis de homocisteína em pacientes em hemodiálise. Entretanto, o efeito direto dos probióticos na redução de mortalidade cardiovascular nessa população ainda não foi confirmada em estudos clínicos randomizados².

Os riscos do uso de probióticos em pacientes em hemodiálise seguem pouco explorados até o momento. Para a população em geral os probióticos podem, teoricamente, resultar nos seguintes efeitos colaterais: infecções sistêmicas, atividades metabólicas deletérias, estimulação imune excessiva em indivíduos suscetíveis e transferência de genes. A OMS/FAO recomenda que novas cepas sejam avaliadas quanto à segurança em estudos humanos para avaliar efeitos colaterais⁷. Assim, é fundamental que a prescrição de probióticos seja sempre pautada em evidência científica e individualização para condição clínica de cada paciente.

Definir os desfechos esperados com a utilização dos probióticos em pacientes em hemodiálise deve ser também um fator importante a ser ponderado. O recém-publicado estudo de Shamanadze et al. mostrou que a correção da flora intestinal com L. acidophilus, B longum e S. Thermophilus por um período de no mínimo 12 semanas melhorou a qualidade de vida em pacientes em hemodiálise⁸. A escolha de um tratamento baseado em evidência científica deve estar alinhada com a expectativa dos desfechos esperados.

Por fim, a definição das doses, a escolha das cepas e o tempo de uso variam na literatura e seguem incertas, o que dificulta a análise da eficácia do uso de probióticos em pacientes em hemodiálise. Indubitavelmente, a definição dessas variáveis poderá contribuir para a utilização dessa ferramenta no desafiador tratamento da DRC. Ainda, associar o uso de probióticos com intervenções dietéticas eficazes é fundamental, e estudos futuros devem considerar essa associação¹.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Abr 2023
• Data do Fascículo
  Apr-Jun 2023

Histórico

• Recebido
  20 Jan 2023
• Aceito
  24 Jan 2023