O desconhecimento sobre a doença renal crônica e suas consequências

A doença renal crônica (DRC) é um problema de saúde global, com consequências mais graves nos países em desenvolvimento, principalmente devido à limitação de recursos¹, e é definida como uma taxa de filtração glomerular (GFR) <60 mL/min/1,73 m² ou dano renal ou pela associação de ambos por um período de pelo menos 3 meses².

No entanto, quase todas as terapias que ajudam a prevenir a progressão da doença e reduzir as complicações associadas, como modificações no estilo de vida, adesão à medicação, manutenção de níveis ótimos de glicemia e pressão arterial (PA)³, evitar mais insultos nefrotóxicos⁴, e em estágios avançados, manutenção de estrito controle da dieta, dependem fortemente da autogestão dos pacientes⁵.

O conhecimento de como cada ação afeta a saúde de um indivíduo, do quanto algumas medidas podem influenciar na evolução de algumas patologias, particularmente quando envolve modificação dos hábitos e estilo de vida, é um pré-requisito para que essa mudança comportamental ocorra.

Nas últimas décadas, diversos fatores genéticos, ambientais, sociodemográficos e clínicos foram associados ao quadro de DRC. Em países de alta renda, o fator sociodemográfico tem papel bem definido na epidemiologia da DRC, pois é sabido que grupos minoritários raciais ou étnicos e pessoas de menor status socioeconômico apresentam elevada incidência e prevalência de doenças crônicas não transmissíveis⁶.

A associação entre nível socioeconômico e risco de progressão da DRC progressiva também tem sido descrita, de forma que, inclusive recentemente, a fórmula para cálculo da taxa de filtração glomerular estimada foi modificada, a fim de se retirar a raça/etnia do cálculo, considerando-se que essa se relaciona mais com a construção social do que biológica⁷.

Na literatura médica, há pouca informação disponível que descreva ou estude o impacto específico que a comunicação do provedor em saúde, seja ele da atenção básica, do especialista ou mesmo da mídia não especializada, eventualmente tenha no paciente e no seu conhecimento sobre a doença renal.

O que se sabe é que a informação não chega aos grupos de risco ou, quando chega, apresenta impacto muito reduzido, talvez pela falta de comunicação específica do provedor sobre o tema⁷.

Outro grande desafio diz respeito ao conhecimento da população quanto à especialidade da nefrologia, que se mostrou muito baixo em estudo realizado em Niterói, Rio de Janeiro, Brasil⁸, reforçando o já antigo entendimento da necessidade de difusão desse conhecimento também para a população.

Existem estudos que examinam gravações de áudio entre equipes da atenção primária e pacientes em risco de DRC e essas demonstram que a discussão raramente se concentra no tema da doença renal. Quando a comunicação efetiva ocorre, existe um aumento significativo do conhecimento do paciente sobre os riscos de abuso de medicações nefrotóxicas e os benefícios do tratamento da DRC, incluindo a escolha da modalidade de diálise eventualmente necessária⁷.

A educação estruturada é fundamental para envolver as pessoas com diabetes e outros fatores de risco para DRC no cuidado de sua doença e consequentemente na necessária participação nas decisões compartilhadas em relação ao plano do tratamento. Vivemos tempos de importantes descobertas e mudanças empolgantes no manejo da DRC com melhor entendimento de sua patogênese, diagnósticos e terapias². Esforços colaborativos, multidisciplinares, contínuos e sustentados de todas as partes interessadas são fundamentais para manter as iniciativas destinadas a melhorar a saúde e os resultados da população com DRC².

O estudo de Albuquerque et al.⁹, mesmo com algumas limitações relatadas pelos autores, vem adicionar mais um achado importante a este cenário, indicando que o nível de conhecimento da população sobre a DRC é em geral muito baixo, e ainda mais significativo quando ajustado pelos níveis educacionais e socioeconômicos. Obter dados sobre o conhecimento do público em geral sobre a DRC, preferencialmente em diferentes populações e regiões do Brasil, é essencial para a formulação de programas de educação em saúde direcionados para a doença renal. Sem entendermos as lacunas de conhecimento da população, os programas de educação em saúde pública não podem ser planejados de maneira estratégica e assim terão seus benefícios muito limitados.

Educação e difusão de conhecimento em DRC devem envolver médicos nefrologistas e também não especialistas. Estratégias como a de se incluir nos resultados da creatinina sérica a Taxa de Filtração Glomerular estimada (TFGe) aumentou a conscientização sobre a DRC e os encaminhamentos para nefrologistas, mas é importante ressaltar que, isoladamente, a TFGe não é suficiente para a tomada de decisão clínica.

Outro ponto importante e que chama a atenção no estudo de Albuquerque et al.⁹ é que familiares desses pacientes portadores de DRC apresentaram maior grau de conhecimento acerca da DRC⁸, talvez pela maior curiosidade despertada ao se deparar com a mesma, assim como acontece em diversas outras patologias que também passam a ser conhecidas por meio de campanhas diversas, por vezes associadas a meses e cores, que buscam conscientizar toda a população.

Finalmente, a mensagem deixada pelo estudo de que “novas estratégias de educação em saúde são necessárias, a fim de que se obtenha maior eficiência na prevenção da doença” tem grande relevância diante do grande crescimento da prevalência global da DRC, sejam elas criadas pela Sociedade Brasileira de Nefrologias com participação conjunta de suas regionais ou pelo Ministério da Saúde.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Jun 2023
• Data do Fascículo
  Apr-Jun 2023

Histórico

• Recebido
  12 Fev 2023
• Aceito
  14 Fev 2023