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Pequenos RNAs não codificantes: do lixo ao tesouro

Desde a descoberta do primeiro microRNA em 1993, nosso conhecimento de RNAs não-codificantes cresceu exponencialmente11 Lee RC, Feinbaum RL, Ambros V. The C. elegans heterochronic gene lin-4 encodes small RNAs with antisense complementarity to lin-14. Cell 1993;75:843-54.. Antes vistos como lixo transcricional, dada a falta de tradução em proteínas, os RNAs não-codificantes são hoje conhecidos por desempenhar relevantes papéis biológicos22 Jonas S, Izaurralde E. Towards a molecular understanding of microRNA-mediated gene silencing. Nat Rev Genet 2015;16:421-33.

3 Prasanth KV, Prasanth SG, Xuan Z, Hearn S, Freier SM, Bennett CF, et al. Regulating gene expression through RNA nuclear retention. Cell 2005;123:249-63.
-44 Cech TR, Steitz JA. The noncoding RNA revolution-trashing old rules to forge new ones. Cell 2014;157:77-94. DOI: 10.1016/j.cell.2014.03.008
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. Diversos tipos de RNAs não codificantes foram descobertos, os mais proeminentes incluem RNAs longos não-codificantes, microRNAs (miRNA) e pequenos RNAs de interferência (siRNA). O primeiro miRNA descoberto foi descrito no nematódeo C. elegans, e vinte e seis anos depois, existem mais de 2600 miRNAs (miRBase V22) descobertos no genoma humano55 Alles J, Fehlmann T, Fischer U, Backes C, Galata V, Minet M, et al. An estimate of the total number of true human miRNAs. Nucleic Acids Res 2019;47:3353-64. DOI: 10.1093/nar/gkz097
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. As moléculas de miRNA têm 21-22 nucleotídeos de comprimento e se ligam a proteínas para formar complexos (complexo de silenciamento induzido por RNA, ou RISC) para, então, direcionar transcritos de RNA mensageiro com complementaridade de pares de bases ao miRNA. O RNA mensageiro alvo pode ter sua tradução bloqueada ou seu transcrito degradado. O advento do sequenciamento de próxima geração potencializou a descoberta de novos miRNAs em um ritmo muito mais rápido. Duas décadas após a descoberta, estamos começando a arranhar a superfície das possibilidades que os miRNAs apresentam como biomarcadores de inflamação, diagnóstico, estadiamento de doença e prognóstico.

Nesta edição do BJN, Milhoransa P et al66 Milhoransa P, Montanari CC, Montenegro R, Manfro RC. Micro RNA 146a-5p expression in Kidney transplant recipients with delayed graft function. Braz J Nephrol 2018 Nov 8. pii: S0101-28002018005038102. DOI: 10.1590/2175-8239-jbn-2018-0098 [Epub ahead of print]
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. avaliaram a expressão do miR-146a-5p em 55 receptores de transplante renal e compararam controles com função estável do enxerto (FEE) à pacientes com função tardia do enxerto (FTE) e rejeição aguda (RA). Os autores demonstraram que o miR-146a-5p foi diferencialmente expresso em amostras de biópsia renal FTE versus FEE (FTE mediana = 3,23; interquartil [IQR] = 1,46-5,74 vs. mediana do FEE = 0,78; IQR = 0,57-1,99; P = 0,019). Ambos os grupos RA e FEE apresentaram menores níveis de miR-146a-5p. A quantificação do miR-146a-5p no sangue periférico não demonstrou expressão diferencial no grupo FTE vs. RA e FEE. Outro achado importante foi que os níveis de expressão do miR-146a-5p no sangue periférico não se correlacionaram com os níveis de expressão no tecido renal.

Os autores hipotetizaram que o miR-146a-5p teria maior expressão em pacientes com FTE e que este miRNA potencialmente serviria como marcador não invasivo. A hipótese baseia-se em estudos prévios de modelos experimentais de lesão de isquemia-reperfusão e nefropatia por IgA em camundongos, nos quais níveis mais altos se correlacionaram com o grau da lesão. Acredita-se que o miR-146a-5p desempenhe um papel de destaque na resposta imune inata, especificamente nas células imunológicas, mas também nas células renais. O presente artigo confirmou a hipótese no tecido renal de pacientes com FTE.

Os miRNAs representam uma atraente molécula para o desenvolvimento de um biomarcador não invasivo. Estão presentes intracelularmente, mas também permanecem estáveis no sangue e na urina, devido à ligação à proteção conferida pelos exossomos, resistindo, portanto, à degradação enzimática através das ribonucleases.77 Mall C, Rocke DM, Durbin-Johnson B, Weiss RH. Stability of miRNA in human urine supports its biomarker potential. Biomark Med 2013;7:623-31. Este estudo apresentou uma molécula com boa correlação entre os desfechos da FTE e os níveis de expressão. Mais estudos são necessários para torná-lo pronto para uso clínico, dada a especificidade e sensibilidade na faixa de 60-70%. O vasto número de diferentes miRNAs que atuam em cada célula simultaneamente, representa uma tarefa difícil para identificar um único miRNA com a mais forte associação com o resultado de interesse. Além disso, os miRNAs são específicos do tecido, exercendo diferentes funções e padrões de expressão em diferentes tipos de células dependendo dos estímulos.

Os achados apresentados são limitados pelo baixo número de indivíduos no estudo, especialmente no grupo controle (n = 13), que mostrou uma alta variação do interquarto para a expressão do miR-146a-5p, limitando o poder estatístico. Como os autores propuseram, uma forma prática e econômica de avaliar o compartimento renal seria isolar os miRNAs na urina, o que se provou ser confiável e prático.77 Mall C, Rocke DM, Durbin-Johnson B, Weiss RH. Stability of miRNA in human urine supports its biomarker potential. Biomark Med 2013;7:623-31.

O campo do transplante está incansável na busca por um marcador não invasivo, de baixo custo da função do aloenxerto, reproduzível e capaz de detectar precocemente a disfunção do aloenxerto, para uma intervenção oportuna e, consequentemente, melhores resultados a longo prazo. Os autores apresentaram novas descobertas promissoras que, com a otimização, nos deixarão mais próximos de um biomarcador adequado. Pode ser que necessitemos mensurar mais de um miRNA para alcançar a sensibilidade e a especificidade necessárias para um teste de screening. Por enquanto, temos que nos conformar com a creatinina, um teste que detecta a lesão renal alguns dias tarde demais.

REFERENCES

  • 1
    Lee RC, Feinbaum RL, Ambros V. The C. elegans heterochronic gene lin-4 encodes small RNAs with antisense complementarity to lin-14. Cell 1993;75:843-54.
  • 2
    Jonas S, Izaurralde E. Towards a molecular understanding of microRNA-mediated gene silencing. Nat Rev Genet 2015;16:421-33.
  • 3
    Prasanth KV, Prasanth SG, Xuan Z, Hearn S, Freier SM, Bennett CF, et al. Regulating gene expression through RNA nuclear retention. Cell 2005;123:249-63.
  • 4
    Cech TR, Steitz JA. The noncoding RNA revolution-trashing old rules to forge new ones. Cell 2014;157:77-94. DOI: 10.1016/j.cell.2014.03.008
    » https://doi.org/10.1016/j.cell.2014.03.008
  • 5
    Alles J, Fehlmann T, Fischer U, Backes C, Galata V, Minet M, et al. An estimate of the total number of true human miRNAs. Nucleic Acids Res 2019;47:3353-64. DOI: 10.1093/nar/gkz097
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  • 6
    Milhoransa P, Montanari CC, Montenegro R, Manfro RC. Micro RNA 146a-5p expression in Kidney transplant recipients with delayed graft function. Braz J Nephrol 2018 Nov 8. pii: S0101-28002018005038102. DOI: 10.1590/2175-8239-jbn-2018-0098 [Epub ahead of print]
    » https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0098 [Epub ahead of print]
  • 7
    Mall C, Rocke DM, Durbin-Johnson B, Weiss RH. Stability of miRNA in human urine supports its biomarker potential. Biomark Med 2013;7:623-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2019
  • Aceito
    21 Abr 2019
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