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Apresentação

O Dossiê ora proposto vincula-se ao Núcleo de Estudos em Psicanálise e Educação (NEPE), aprovado em agosto de 2008 pelo plenário do Setor de Educação desta universidade e coordenado por mim desde a data da sua aprovação, que tem como objetivo contribuir para divulgar o resultado de pesquisas que conjugam os conceitos psicanalíticos e os pedagógicos, visando à construção de novos elementos teóricos que contribuam para as reflexões sobre o ato educativo e as consequentes ações pedagógicas em ambientes de ensino.

Ao fazer a Apresentação deste Dossiê intitulado Contribuições atuais da articulação Psicanálise e Educação para o campo educacional se impõe mencionar a sua pertinência diante do momento em que ocorre um evento de suma importância para a Articulação Psicanálise e Educação. Tal evento foi o XI Colóquio Internacional do Lepsi, VI Ruepsy, II Red Infeies, II Psicanálise e Educação de Minas, que aconteceu na Universidade Federal de Minas Gerais, de 20 a 23 de setembro de 2016. Não coincidentemente muitos dos autores deste Dossiê fizeram parte ativamente do Colóquio devido ao vínculo com as diferentes instituições que compuseram os trabalhos dos eixos de discussões.

A sequência de apresentação dos artigos adotará como critério expor primeiramente os trabalhos de cunho mais teóricos, tais como os propostos por Leandro de Lajonquière, da Universidade de Paris 8, por Rosa Maria Marini Mariotto, da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo. O segundo critério recai sobre os estudos que comportam pesquisa de campo de diferentes matizes, embora todas dentro do escopo das discussões próprias da Articulação Psicanálise e Educação.

Dentre elas serão abordadas a focada na formação de professor, conforme propõem Jean-Marie Weber e Julia Strohmer, da Universidade de Luxemburgo, as que abordam a escuta de professores, propostas por Marcelo Ricardo Pereira, da Universidade Federal de Minas Gerais, e por Sandra Francesca Conte de Almeida, da Universidade Católica de Brasília, e a de Ilaria Pirone, da Universidade de Paris 8. O texto de Marília Etienne Arreguy, da Universidade Federal Fluminense, propõe uma reflexão teórica tendo como lócus de análise as recentes manifestações de jovens brasileiros. O meu artigo, que abrange a teoria tanto como a pesquisa, pretende discutir a pertinência de se trazer a teoria da psicanálise, ou metapsicologia, como fundamento teórico para pesquisas no campo da educação. O Dossiê se encerra com a Resenha do livro Psicanálise e educação - novos operadores de leitura, de Leny Magalhães Mrech, feita por Lucia Cristina da Costa Lopes.

À guisa de facilitação para o leitor, que pode ler o Dossiê na íntegra ou os artigos em separado, segundo o seu interesse, expõe-se uma breve síntese de cada trabalho obedecendo aos critérios acima assinalados.

Na esperança de contribuir para a discussão do que se faz no Brasil sob o genérico nome de “psicanálise e educação”, Leandro de Lajonquière, em “Elucidação comparativa dos estudos em Psicanálise e Educação na França e no Brasil: a Psicanálise aplica-se à Educação?”, esboça um contraste entre como a psicanálise é tomada aqui no campo educacional e como isso acontece na França. Discorrendo sobre diferenças metodológicas e teóricas, o autor diz que, diferentemente do que ocorre no Brasil, em que os que se interessam pela psicanálise e pela educação utilizam as contribuições de Freud sem muitas ressalvas, na França alguns trabalhos dirigidos à educação parecem ter abandonado Freud e a metapsicologia.

No artigo “Algumas contribuições da Psicanálise à Educação a partir do conceito de transferência e discurso”, em que aborda a transferência como mola propulsora do processo ensino-aprendizagem e toma essa noção como operador conceitual, Rosa Maria Marini Mariotto diz que o professor é um “lugar”, já que é um suporte dos investimentos libidinais de seu aluno, e é também uma “função”, que representa o saber, a idealização e o poder. Ela se vale também do conceito de discurso e suas modalidades para tecer reflexões sobre o ato educativo e a aprendizagem, e, conclui que nos laços estabelecidos tanto entre a educação e as ciências, como entre os educadores e os educandos, o discurso nunca permanece numa única modalidade discursiva.

Uma abordagem clínica de orientação psicanalítica foi o meio utilizado por Jean-Marie Weber e Julia Strohmer na sua pesquisa baseada em quatro entrevistas realizadas com dez alunos de Luxemburgo e de Lausanne, durante seu percurso de formação pedagógica. No artigo intitulado “Quem tem medo do saber não - sabido? Determinantes da relação com o saber na formação de professores-estagiários”, os autores buscaram conhecer se ao longo dessa formação os alunos-estagiários produziram algum tipo de disfunção ou sintoma e se houve alguma transformação de sua relação com o saber. Qual seria o papel do desejo desse professor diante do saber e do ato de ensinar? Tais são as questões discutidas no capítulo.

No artigo “De que hoje padecem os professores da Educação Básica?”, tomando o sintoma como foco, Marcelo Ricardo Pereira discute o sofrimento psíquico de alguns professores do ensino básico em sua pesquisa-intervenção de orientação clínica. Ele acredita ser produtiva a instituição de espaços de fala individuais e coletivos que contribuam para que os docentes possam expor livremente seus impasses, experiências e subjetividades, invertendo a inércia que o sintoma traz consigo, podendo a pesquisa-intervenção de orientação clínica ser um operador importante para fazer circular a palavra do professor.

Sandra Francesca Conte de Almeida e Rosana Márcia Rolando Aguiar utilizam o dispositivo “clínico-ético” na condução do trabalho de formação continuada de professores com vistas à escuta clínica e à análise das práticas profissionais. No artigo “A pesquisa-intervenção na formação continuada de professores e o dispositivo de análise das práticas profissionais, de orientação psicanalítica: revisitando algumas questões e considerações” trazem para a discussão dois recursos caros à teoria lacaniana: o conceito de confrontação e o método da conversação de orientação psicanalítica. O dispositivo é “clínico-ético”, pois, além de nele se instituir o cuidado, o acolhimento e a escuta do professor, emerge a concepção de que o professor se constitui um sujeito cindido, no qual a história pessoal faz laço com a atividade profissional.

Com o objetivo de mostrar uma outra leitura do dito “fracasso escolar”, Ilaria Pirone, desde a sua experiência com a realidade francesa, discute a possibilidade de ele surgir do fracasso do encontro entre os adolescentes e os adultos. Em seu artigo “Impasses atuais da relação educativa: o fracasso escolar, uma janela aberta sobre nossa contemporaneidade”, a partir da articulação entre a dimensão subjetiva e a dimensão institucional, ela sugere que, na relação educativa, haja um descompasso entre o discurso dos sujeitos, demandando a palavra do outro institucional, e a resposta desse outro institucional, que se esconde nas novas configurações representadas pelos dispositivos na cena educativa atual.

No texto “De ‘mortos-vivos’ a ‘não-mortos’: pensamento mágico, violência e insurgência nos protestos atuais”, Marília Etienne Arreguy traz elementos para uma reflexão a partir das recentes manifestações de jovens brasileiros, e, tomando termos da língua inglesa como living-dead, que representaria aqueles jovens apolíticos, psiquicamente mortos porque alienados pelo consumo, e os undead, que seriam aqueles que ressurgem do fosso da alienação, manifestando indignação e produzindo atos insurgentes, ela se pergunta se nessas manifestações estariam contidas sementes revolucionárias.

No artigo intitulado “Contribuições do Núcleo de Estudos em Psicanálise e Educação: a articulação psicanálise e educação e o significado de aluno-sujeito”, me dediquei a apresentar alguns objetivos do NEPE, dentre os quais constavam promover um pensar sobre os conceitos psicanalíticos, desenvolver pesquisas e propor atividades de extensão que conjuguem os conceitos psicanalíticos e os pedagógicos, e que contribuam para novas concepções sobre o ato educativo. E, também, a partir da retomada do resultado de algumas pesquisas vinculadas ao NEPE, apresento algumas reflexões acerca da metapsicologia e do conceito de sujeito.

Na resenha do livro “Psicanálise e Educação - novos operadores de leitura”, Lucia Cristina da Costa Lopes aborda a contribuição de Leny Magalhães Mrech que, de forma inovadora, para além dos conceitos tradicionais mais comuns trazidos por Sigmund Freud e Jacques Lacan, convida o leitor a se permitir participar e acolher uma leitura que se propõe a construir uma subjetividade e uma objetividade de outra ordem, qual seja, aquela produzida na e através da linguagem e da fala a respeito da realidade educacional brasileira. A proposta é repensar os próprios fundamentos da Educação e dos educadores que nela atuam, sugerindo novas formas de conceber o processo de ensino e aprendizagem e conectando a Psicanálise à Educação para auxiliar nessa caminhada.

Por fim, gostaria de agradecer ao colegiado da Educar em Revista pela oportunidade de colocar à disposição dos interessados temas caros à Articulação Psicanálise e Educação, contribuindo desse modo com um dos objetivos do Núcleo de Estudos em Psicanálise e Educação, do Setor de Educação, da UFPR. Gostaria também de agradecer aos demais autores que, uma vez convidados a participar deste Dossiê, prontamente se colocaram a trabalho por amor ao saber.

Assim, desejo a todos e a todas uma boa leitura!

Tamara da Silveira Valente

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017
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