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Tipologias de texto e redação

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Tipologias de texto e redação

Solange Torres Bittencourt

Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas da Educação e Mestra em Educação pela UFPR

Os textos não constituem um material verbal indiferenciado qualquer, mas são organizados em tipos, quer dizer, em classes que apresentam ao nível geral propriedades formais comuns. O reconhecimento das formas textuais constituem um poderoso fator de legibilidade.

(VIGNER, 1987:50)

1. INTRODUÇÃO

Para o estudo das tipologias de texto há que se rever os conceitos de texto e de discurso, em sentido amplo e estrito, bem como o conceito de frase, já que durante muito tempo se pensou que o texto er constituído pela soma das frases.

A FRASE é, então, uma unidade sintático-semântica e o DISCURSO conforme KOCH (1984: 21), "uma unidade semântico-pragmática, capaz de produzir efeitos e reações". Assim, "o discurso bem estruturado deve conter implícitos e explícitos todos os elementos necessários a sua compreensão (condições de progressão e coerência), para constituir-se em texto". Todo texto caracteriza-se pela textualidade, rede de relações que fazem com que um texto seja um texto e não uma simples somatória de frases.

O termo "texto" tem sido definido em sentido amplo e estrito. Em sentido amplo, diz KOCH (1984:21): "o texto é qualquer manifestação através de um estoque de sinais de um código. Pode designar toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano" em um poema, em um romance, em uma pintura, em um filme, etc., "isto é, qualquer tipo de comunicação realizada o meio de um sistema de signos", incluindo, portanto, outros sistemas não-verbais.

Para HALLIDAY (1973), ainda citado por KOCH (1934:22): "o texto em sentido estrito, é uma unidade de língua em uso, unidade semântica: não de forma e sim de significado".

WERLICH (1975), revela que há autores assumindo uma posição extremada em relação ao conceito estrito de texto. Para os referidos autores, o texto é aceito apenas, em mensagens ou expressões de várias sentenças fixadas pela escrita. Ficariam excluídos os textos transmitidos oralmente e os provérbios ou sentenças populares, bem como os textos de uma única esperança. Mas, é possível contestá-los, argumentando que os textos consistem em qualquer passagem falada ou escrita capaz de formar um todo significativo independente de sua extensão. Não é a extensão que o define, mas a continuidade de sentido, de acordo com KOCH (1984:22), sendo pois: "uma unidade semântico-pragmática, um contínuo comunicativo textual, que se caracteriza, entre outras propriedades pela coerência e coesão, conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto".

Outras explicação, põe em relevo o texto escrito por oposição ao diálogo, conforme GUIMARÃES (1981:92).

O texto escrito (um texto em sentido estrito), é um tipo específico de discurso, cuja diferenciação em relação ao diálogo, pode ser estabelecida a partir da relação factual que se estabelece entre locutor e destinatário, No texto alguém se fixa como locutor, fixando o(s) outro(s) como destinatário(s), não havendo possibilidade de troca pelo menos, imediata de papéis entre ambos; predomina, neste tipo de discurso, uma organização interna, pelo fato de não haver possibilidade de reajustes e relação entre os interlocutores para cada evento particular da enunciação. (No DIÁLOGO, por sua vez, como o destinatário é o locutor de "daqui a pouco", há uma constante troca de papéis entre as pessoas envolvidas no evento, possibilitando, a cada momento tais reajustes).

Rever os conceitos atuais de texto para poder modificar-se a postura corrente da prática escolar, sobre a produção de textos, é fundamental.

Não basta, entretanto, ter conceitos novos como referência, se a prática escolar continua funcionando de modo ultrapassado.

Pedir aos alunos para "escrever ou fazer uma redação", "produzir um texto" ou "fazer ima composição" sem conhecer os incontáveis tipos de artefatos denominados textos, é perda de tempo.

2. MOTIVOS PARA A ESCOLHA DO TEMA

Entre as práticas escolares para o ensino da língua materna inclui-se, obrigatoriamente, o ensino da redação.

O termo "redação" tem provocado controvérsias, pois em muitas escolas discute-se a validade de se considerar a redação como a principal e única forma de ensino e avaliação da maturidade de pensamento quanto da capacidade de "escrever bem".

Considera-se que sob o rótulo "redação" ocultam-se, na verdade, textos muito diferentes: nos primeiros anos escolares predominam textos narrativos (contos, lendas, fábulas, crônicas, poemas) calcados em experiências pessoais, aventuras, sentimentos; já em uma segunda fase (colegial), aparecem textos argumntativos, nos quais o aluno deve exprimir opinião sobre problemas reais e atuais, tais como o ensaio, o comentário e o editorial.

Observando os textos existentes em livros didáticos, por exemplo, do segundo grau, - constata-se a imensa quantidade de textos literários. Insiste-se, portanto, em dar como exemplo aos alunos, textos que necessitam ser trabalhados, exaustivamente, para que o aluno entre na situação de uma época romântica, por exemplo.

Ressalte-se, também, que não é objetivo da escola fazer do aluno um escritor; logo, o modelo de texto romântico, apreentado como exemplar, pode levar o aluno a pensar que deve imitá-lo.

Considerando que a escola tem supervalorizado a língua escrita, em detrimento da linguagem oral, o aluno descobre desolado que "ele não fala a língua da escola". Ele sabe porém, que há muitos jeitos de falar e de escrever, pois ele vê isso todos os dias na rua, no supermercado, na televisão, nos painéis, na propaganda política e comercial, nos anúncios de emprego e em outros meios como jornais, revistas e rádios. A língua que ele vê, ouve e lê não é a mesma que a escola ensina. Por quê?

Para responder a uma questão como esta, MOIRAND (1977:43-77) fez um questionamento a um grupo de professores franceses: com quantos tipos de texto eles se defrontam diariamente. A lista feita pelos professores constatava que, diariamente, eles liam: cartas, bilhetes, anúncios, boletins, relatórios, artigos, editais, avisos, formulários, mini-contos, piadas, editoriais, teses, e muitos outros tipos de textos escritos.

Avançando na situação, a pesquisadora perguntou se eles estavam preparados para escrever tipos de textos tão variados. A resposta foi negativa, pois a maioria dos professores só tinha escrito cartas familiares ou cartas para pedir emprego; ou ainda, telegramas, bilhetes e cartões de aniversário ou e boas-festas.

Moirand catalogou os tipos de textos sugerindo estratégias para uma pedagogia da escrita.

Deste modo, a escolha do tema-título pode ser abordada sob dois pontos de vista: teórico e prático.

Sob o ângulo teórico, as "tipologias de texto" apareceram como tema dos estudos lingüísticos na década de setenta, em uma conferência sobre as espécies de texto (textsorten) em Bielefeld, Alemanha (1972).

Dentro dos estudos lingüísticos, o surgimento da Lingüística Textual, ramo mais novo da Lingüística, tem comoum dos seus grandes objetivos "diferenciar as várias espécies de texto, ou seja, estudar as tipologias de texto", conforme KOCH e FÁVERO (1983:14).

Outra autora como RANDQUIST (1987:69), retoma o tema e explicita o que são esquemas tipológicos textuais. "São um grande conjunto de características externas e internas do texto, utilizadas pelo receptor, para a identificação do mesmo como pertencente a um tipo particular de texto".

Do ponto de vista da prática pedagógica, a redação refere-se às observações feitas em sala de aula e diz respeito ao que se ensina e ao que se aprende, isto é, sobre a maneira de escrever textos.

Pesquisadores como LUGARINI (1982), PITTANO (1983) e VANOYE (1983), citados por SERAFINI (1987:161), e VIGNER (1979 e 1982), propõem como uma das condições de estudo e da aprendizagem da produção escrita, o conhecimento dos vários tipos de texto.

3. O TEXTO E SEUS USUÁRIOS

O texto está em moda. O estudo, a interpretação, a recepção e produção do texto são termos correntes, muito explorados e mal explicados.

A interpretação de textos, por exemplo, é uma das prática mais difundidas, da alfabetização em diante - denominada "compreensão de leitura" - restringe-se a respostas de "preencha vazios", que não levam a nenhuma espécie de conhecimento.

A recepção do texto refere-se exatamente à leitura ou audição, logo, o ato de ler exercita o aluno em várias habilidades, inclusive uma que é fundamental: a da descoberta do sentido.

A pedagogia do ler (reepção de texto) e do escrever (produção de texto) foi delineada por VIGNER (1979:12). "Ler um texto escrito consiste em se interrogar sobre o sentido exato da mensagem que se recebe, sobre as intenções do seu autor".

Sob este ângulo, aprender a ler implica não apenas decifrar ou decodificar o código escrito, mas em descobrir "o sentido" e os "vários sentidos" que um texto pode ser explícitos ou implícitos.

Fica pois o registro de que alfabetizar-se, ou seja, o domínio da leitura e da escrita, é bastante complicado e, segundo FERREIRO (1985:1-18), é uma etapa do desenvolvimento e da construção de objetos conceituais tão distintos, mas ao mesmo tempo, tão interligados que muitas pessoas pensam que um não pode existir sem o outro. No entanto, é bom lembrar que muitos alfabetizados são capazes de ler sem compreender o sentido, e acreditam que ler é, apenas, repetir os sons daquilo que está escrito.

Assim, se ler é uma difícil conquista, escrever também é, se considerarmos que a escrita não é mera repetição de palavras, de uma ou de várias frases.

Constata-se que a cópia do modelo em uma primeira etapa da aquisição da escrita serve apenas como treino mecânico necessário. Superada esta fase, deve-se trabalhar a escrita com sua variada gama de funções sociais e, entre estas, a utilidade de saber escrever um bilhete para amigos, uma carta para a família, uma solicitação de emprego, etc.

O texto escrito deve respeitar as condições de sua fabricação, que dizer: quem escreve o quê; para quem; tem objetivos a alcançar, tem intenções; conhece ou desconhece o destinatário e deve fazer hipóteses sobre o quê o seu leitor sabe ou não sobre o assunto.

A escrita, vista sob estes aspectos, é denominada também de "redação" ou de "produção de texto" e tem sido exigida, nos primeiros anos escolares, como exercício freqüente. Mas, nem sempre, os resultos obtidos têm sido animadores. O que se vê é a utilização de histórias de aventuras, de fadas, de super-heróis, cujas narrativas se prestam a trazer um mundo novo e cheio de encantos desconhecidos e inacessíveis às crianças. Entretanto, a troca de objetivos traz prejuízos às crianças quando dada como exercícios, pois a história é para se ouvir e se cantare não para ser cobrada como lição.

A redação resulta, portanto, em vez de uma produção pessoal, uma imitação da história ouvida ou lida.

Sobre a produção do texto, ou seja, sobre a escrita, diz VIGNER (1979:12): "Produzir um texto é formular uma hipótese sobre as condições de recepção e de apreciação da mensagem que se deseja transmitir".

Além disso, o texto deve ser coerente e coeso. A coerência é o resultado de processos cognitivos operantes entre o texto e seus usuários. De acordo com CHAROLLES (1987 a), citado por KOCH e TRAVAGLIA (1989:31) "é a coerência que faz de um conjunto de frases um texto" porque "um texto é uma seqüência de frases com relação entre si''. Para VAN DIJK (1981) e VAN DIJK e KINTSCH (1983), a coerência não é apenas uma propriedade lógica do texto. Atualmente, postulam a hipótese que a coerência se estabelece numa situação comunicativa entre usuarios que tem modelos comuns ou semelhantes, adquiridos em dada cultura.

Nas teorias da linguagem enquanto ação, a noção de coerência torna-se uma questão de sentido e KOCH (1988:157-68), afirma: "o texto em si não é coerente nem incoerente. Ele vai ser coerente para uma pessoa em determinada situação".

A coesão se refere às relações de identidade, de inclusão ou de associação entre constituintes de enunciados que se revelam pelos pronomes, sintagmas nominais, descrições definidas e demonstráveis, prossessivos e outros. Isto quer dizer que "todos os elementos superficiais ou sintáticos têm a ver com coesão e conexão".

Conforme TRAVAGLIA (1989:40), "o estudo de cada tipo de texto (tipologia), ou seja, das superestruturas de cada tipo auxiliaria no processo de compreensão de uma narrativa, por exemplo, e tem portanto, a ver com a coerência".

TRAVAGLIA, ainda, julga ser importante conhecer a relação entre tipologia e coerência pois "crê que se pode verificar como diferentes tipos de textos podem diferir quanto ao número e/ou quanto ao tipo de pistas da superfície lingüística que apresentam, para facilitar ao receptor (leitor ou ouvinte) a tarefa de compreensão".

ECO (1979), citado por GARRAFA (1987:13), diz que o texto escrito é um produto e que sua interpretação já faz parte de sua constituição, pois ao escrever um texto, o produtor pode prever os possíveis movimentos do receptor, de modo que a organização dos fatos e argumentos provoquem a sua adesão. São estratégias programadas tanto a ação do autor (escritor-produtor-aluno), quanto à constituição do leitor. Nesse sentido, é possível dizer que o texto prevê o leitor.

Seriam condições da escrita:

a) o autor, quando escreve, formula hipóteses sobre o seu leitor real ou virtual;

b) estas hipóteses circunscrevem determinadas ações, crenças, valores, etc;

c) cria um leitor capaz de ler seu texto, atribuindo-lhe caracteres especiais;

d) supõe um grau de amadurecimento, e todo um conhecimento de mundo, que se pode denominar de universo cognitivo.

3.1. - As Estruturas Cognitivas e a Representação do Conhecimento na Memória

Três grupos de estruturas cognitivas devem ser levadas em conta, quanto aos conhecimentos que determinam a produção do sentido, e conseqüentemente a coerência textual. Estes encontram-se armazenados na memória de longo termo e são: osconceitos, os modelos cognitivos globais e as superestruturas.

3.1.1. - Os Conceitos

São estruturas de natureza operacional, cuja finalidade é a de fornecer uma primeira etapa para a noção de coerência, mas não determinam regras de produção de sentido.

Segundo BEAUGRANDE e DRESSLER (1981), citado por GARRAFA (1987:23), os conceitos podem ser classificados em Primários e Secundários.

Os conceitos primários funcionam como controles centrais: objetos, situações, eventos, ações. Os conceitos secundários como: estado, agente, relação, localização, tempo, atributo, causa, razão, etc.

3.1.2 - Os Modelos Cognitivos Globais

São blocos completos de conhecimentos relativos a conceitos intensamente utilizados na interação humana. São estruturas cognitivas que organizam nosso conhecimento convencional de mundo. São de três tipos: Frames (quadros, molduras), Scripts e Esquemas.

3.1.2.1. - Os Frames

Segundo MINSKY (1975), citado por GARRAFA (1987:25-26) são mecanismos de armazenagem de conhecimentos em computadores. O frame é uma estrutura fixa que armazena informações lexicais. Um frame produz uma descrição da situação ou evento. Exemplo: "aposento" teria como elemento obrigatório o elemento "parede"; como elementos opcionais "objetos decorativos" e como expressão nominal: "nome próprio".

BEAUGRANDE (1980), ressalta a importância dos frames no reconhecimento e no desenvolvimento de um tema. Um texto, cujo tema seja estranho ao leitor, terá um processamento mais árido e, por falta de elementos cognitivos reconhecíveis, será rejeitado, por não ser compreendido.

VAN DIJK (1981), enfatiza a importância dos conhecimentos convencionais para determinar as condições de funcionamento dos outros sistemas de conhecimentos (crenças, desejos, preferências, normas, valores, etc.). Nem todos os atos de fala são partes de "frames", mas todos se realizam a partir de "frames".

3.1.2.2. - Os Scripts

Tratam da armazenagem de seqüências e ações estereotipadas em computadores. Estas seqüências possibilitam o processamento de histórias em computadores. SCHANK e ABELSON (1977), sugerem que os seres humanos baseiam-se em "scripts" estereotipados para a compreensão de novos episódios. Mas, a posição de GARRAFA (1987:30) é a de que "nossos scripts configuram-se mais como um conjunto de papéis e funções atribuídos aos seres bem definidos socialmente, do que um conjunto de seqüências estereotipadas".

3.1.2.3. - Os Esquemas

O termos esquema foi utilizado por BARTLET (1932), na Inglaterra e foi retomado na década de setenta por psicólogos, psicolingüistas e teóricos da Intelegência Artificial, fornecendo as bases da perspectiva construtivista da representação semântica. Os esquemas representam conceitos convencionais referentes a objetos, situações, eventos ou ações. Contém elementos interligados por relações de causalidade e proximidade temporal. A característica principal é representada por uma estrutura de expectativas que nos permite formular hipóteses sobre os demais componentes de um texto. Há textos, porém, que desorientam o leitor, não pela ruptura de esquemas, mas pela ausência de índices adequados à ativação de um esquema prévio.

Na universidade, na escola de 2º grau e até na de 1º grau, constatam-se problemas quando as técnicas de ensino insistem em "leituras de texto" e os alunos não progridem no conhecimento do assunto, porque têm dificuldades em compreender o texto. Para eles, o texto "não faz sentido", pois lhes falta o conhecimento de estruturas cognitivas como conceitos, assim como modelos cognitivos (frames, scripts e esquemas), que podem ser acionados para estabelecer relações, associações, comparações, etc.

Os modelos cognitivos globais são hipóteses bastante bastante plausíveis e aceitáveis para a representação do conhecimento na memória.

Como lembra MARCUSCHI (1983:49), "seja como for, o certo é, que a memória não é um repositório caótico de coisas e sim, um instrumento estruturado e estruturante com grande dinamismo e capaz de se reorganizar a todo momento".

3.1.3.3. - As Superestruturas

A noção de "superestrutura" foi proposta pelo pesquisador holandês VAN DIJK, na década de oitenta, como um mecanismo de representação da forma global dos textos, bem como a organização de suas partes.

As superestruturas, conforme VAN DIJK (1986:158), "são esquemas ou formas convencionais que caracterizavam um tipo específico de discurso. Elas ordenam a seqüência textual das sentenças e atribuem funções específicas a tais seqüências".

O autor afirma que a produção e a compreensão atual do texto não opera com categorias e regras fixas (como se imaginava, anteriormente), mas uma teoria cognitiva opera em termos de representações mentais e estratégicas flexíveis.

A superestrutura narrativa por exemplo, têm como categorias esquemáticas: orientação, complicação, avaliação, resolução e moral, segundo LABOV e WALETZKY (1967:158-9). Este conjunto dá uma forma ao texto narrativo, especialmente, aos contos.

O tipo textual narrativo se atualiza de modo dominante em: reportagem (esportiva ou jornalística); nos fatos diversos, no romance e na novela, nos contos, nas parábolas, nas histórias engraçadas.

De acordo com VAN DIJK, é possível começar a produção de um texto com um esquema (superestrutura) total ou parcial. Isto ocorre porque muitos tipos de textos (contos, textos científicos e outros), mostram padrões ou esquemas convencionais. Estes padrões desempenham importante papel na compreensão e memorização, mas também no processo de produção.

Para exemplificar, como aplicação prática, uma categoria esquemática como a COMPLICAÇÃO de uma história ou conto pode ser identificada e constituir-se de muitas sentenças, mas é somente todo o conjunto ou episódio que funciona como COMPLICAÇÃO.

Ao tornar claro estes fatos, é possível organizar programas concretos de escrita para a produção de tais tipos de texto. Desenvolver e treinar a capacidade de reconhecimento das partes da superestrutura narrativa - em contos - como a COMPLICAÇÃO da história, seria altamente recomendável.

4 - AS TIPOLOGIAS DE TEXTO

As origens da tipologia remontam aos clássicos gêneros literários e suas vertentes atuais remetem a autores como BÜHLER (Sprachteorie, 1934) e JAKOBSON (Éssais, 1964), cujas elaborações têm base funcional-comunicativa, em uma primeira vertente.

A segunda vertente remete às marcas lingüísticas de superfície, tratadas por WEINRICH (1964) na sua obra TEMPUS.

Uma terceira vertente, origina-se dos trabalhos do autor alemão WERLICH (Tipologye der Texte, 1975); classifica os textos a partir de processos cognitivos, característicos de cada tipo.

As tipologias de texto levam em conta as condições de produção interna, as características formais e convencionais, os esquemas conceituais cognitivos e as superestruturas, bem como os meios e marcas lingüísticos que os interlocutores se utilizam para realizar suas intenções comunicativas.

AS VERTENTES TIPOLÓGICAS: PRIMEIRA VERTENTE

Esta primeira fonte, baseia-se nas funções da linguagem - isto é, são do tipo funcional-comunicativo, como a de BÜHLER (1934) e também de JAKOBSON (1964), elaborada por VANOYE (1985:71).

A hipótese de VANOYE (1985:70), (partindo das funções da linguagem, propostas por JAKBSON) é de que: "A função referencial serve de base para todo o texto escrito e define seus elementos de informação brutas; a essa função superpõem-se outras funções da linguagem, utilizadas conforme a finalidade do texto", Quadro 1.

VANOYE, ao elaborar este quadro, pretendeu classificar as mensagens escritas, a partir da hipótese de que a função referencial serve de base para todo texto escrito e define seus elementos de informações brutas e a essa função superpõem-se outras funções da linguagem, utilizadas conforme a finalidade do texto.

Contudo, o autor ignora que com os estudos da Lingüística Textual, a conceitualização de texto tenha modificado radicalmente seus pontos de vista. O que ele denomina de "finalidade" é, na realidade a intenção do autor, ou seja, a intencionalidade, um dos critérios de textualidade, que juntamente com a informatividade, a aceitabilidade, a situacionalidade e a intertextualidade constituem os critérios textuais centrados no usuário, além da argumentatividade sugerida por KOCH (1984), jé que os critérios centrados no texto - são a coesão e a coerência - conforme BEAUGRANDE e DRESSLER (1981), citados por FÁVERO e KOCH (1986:31)

A SEGUNDA VERTENTE TIPOLÓGICA refere-se às marcas lingüísticas de superfície: tempos do verbo, dêiticos temporais, pronomes, às atitudes comunicativas do locutor. Fundamenta-se na obra de WEINRICH (Tempus, 1964), quanto à função dos tempos verbais no discurso. Constata qie é graças aos tempos verbais que se emprega que o falante representa o mundo - "mundo" entendido como possível conteúdo de uma comunicação lingüística - e o ouvinte o entende, ou como mundo comentado ou como mundo narrato. Esta distinção em "mundo comentado" e "mundo narrado" estabelece, de acordo com o uso dos tempos verbais os tipos de texto.

Deste modo, incluem-se como textos do Mundo Narrado, todos os tipos de relato, literários ou não. Ao Mundo Comentado pertencem a lírica, o drama, o ensaio, o diálogo, o comentário.

O emprego dos tempos "comentadores" (o presente, o pretérito perfeito composto, o futuro do presente simples, o futuro do presente composto) alerta o ouvinte ou o leitor de que se trata de algo que os afeta, diretamente, e de que o discurso exige a sua resposta. Esta é a sua função e não a de indicar um momento no Tempo Cronológico - e sim, no tempo em que se passa a ação do locutor - uma vez que Comentar é Falar comprometidamente (KOCH, 1983:38)

SIMONNIN GRUMBACH (1975), trata dos tipos de Enunciação: Discurso Relatado; Discurso Direto; Discurso Indireto. Discurso Indireto Livre. O Discurso/A História, Textos Teóricos e Textos Poéticos.

A TERCEIRA VERTENTE TIPOLÓGICA refere-se aos Textos Ficcionais e Factuais, e entre seus pesquisadores encontram-se RÜCK (1978) e WERLICH (1975).

WERLICH classifica os textos de acordo com os processos cognitivos característicos de cada tipo, que sçai desencadeados e desenvolvidos por atos de locução dirigidos para a situação e por reações a aspectos específicos da situação. De acordo com o autor, há cinco tipos de textos:

Descritivo - Descrição ou Narração

Narrativo - Conto, História

Expoositivo - Exposição, Ensaio

Argumentativo - Comentário, Tese

Instrutivo - Regras, Prescrições

Os estudos tipológicos sobre os textos, na França, frutificaram nos trabalhos de MOIRAND (1977), ADAM (1986), COMBETTES e outros (1980), ADAM & PETITJEAN (1987).

Os estudos sobre as tipologias de textos são recentes no Brasil. Há autores que já se ocupam do assunto como NEIS (1986), KOCH e FÁVERO (1986), TRAGAGLIA (1989) e ORLANDI (1983).

O estudo e o reconhecimento dos tipos de textos facilitariam, de acordo com os autores citados, tanto na recepção quanto na produção do texto. Além dos fatos expostos, a escrita necessita ser exercitada sem o ojetivo da cobrança de "escrever bem". O aluno não pretende, mesmo, ser escritor; mas, ficaria feliz em poder escrever pelo prazer de escrever, isto é, de se reconhecer nos seus escritos, com todos os erros plausíveis e "impossíveis", construídos e descobertos por meio de sua gramática própria.

A gramática aos gramáticos; aos falantes, o uso da própria língua, tal como é exercida por eles.

O tempo de descobertas é fundamental. As regras fáceis surgem, naturalmente, e são imediatamente colocadas em uso. As regras complicadas podem ser explicitadas, pelo professor, sem traumatizar os alunos.

Facilitar o aprendizado da língua escrita requer precauções e habilidades. Quanto à precaução: não desprestigiar a linguagem dos alunos, quaisquer que sejam as variantes que eles demonstrem na fala. Além do mais, permitir a conversa e discussão sobre todo tipo de tema sugerido em classe. Quanto às habilidades: estas podem fazer parte de uma proposta para uma revisão do ensino da língua materna, especialmente, na redação.

5. PROPOSTA: UM CURRÍCULO PARA A PRODUÇÃO DE TEXTO

Como proposta poder-se-ia elaborar um currículo sobre a escrita. Mas, para construí-lo, é necessário propor objetivos que possam ser atingidos, de acordo com as capacidades dos jovens aprendizes.

Escrever, requer tipos de habilidades e capacidades diferentes; algumas estão, indelevelmente, ligadas ao domínio do uso da linguagem; outras, a processos cognitivos mais gerais (PARISI, 1972 e GREGG, 1980).

Quanto â escrita, a elaboração de uma matriz de capacidades e habilidades de tipo lingüístico é fundamental, pois a evolução da criança em relação ao desenvolvimento lingüístico é muito rápido.

O aprendizado da língua escrita se inicia pelos aspectos mais técnicos e mecânicos: caligrafia e ortografia, tomando uma boa parte do tempo que a criança passa na escola.

Enfrentar o problema da composição ou redação nas classes iniciais é muito importante; mas, há os que pensam no desenvolvimento da língua falada, por mais tempo, conforme relata TAYLOR (1938), em uma pesquisa, nas escolas americanas. Ressalte-se que no Brasil, entretanto, a realidade é bem outra, pois à linguagem oral não se dá atenção alguma, valorizando-se a língua escrita, mesmo nas classes iniciais. Taylor sugere deixar para uma segunda etapa do curso primário o trabalho com a língua escrita.

Somos de opinião que se deva alternar o trabalho da língua oral com o da língua escrita, pois os resultados só beneficiariam aos alunos.

Tendo em vista os elementos de um quadro teórico-prático a produção do texto, poder-se-ia tomar como base textos expressivos, textos informativos-refernciais, textos criativos e textos informativos-argumentativos, segundo a classificação de SERAFINI (1985).

Para facilitar a execução de tal proposta sugere-se para os Textos Expressivos duas capacidades de base:

1ª) - Saber exprimir-se: saber nomear objetos sobre os quais se pretende falar; construir frases simples. Esta capacidade é importante para a descrição física dos objetos.

2ª) - Saber transcrever: saber passar para o papel trechos da linguagem falada.

Textos informativos-referenciais: sugerem-se cinco capacidades básicas:

1ª) - saber ordenar;

2ª) - saber sintetizar;

3ª) - saber definir;

4ª) - saber explicar;

5ª) - saber documentar.

Textos criativos: exigem no mínimo, duas capacidades diferentes:

1ª) - saber inventar;

2ª) - saber exprimir-se com uma linguagem não-convencional.

Textos informativos-argumentativos: são os mais complexos e devem ser desenvolvidos só quando o aluno já for capaz de escrever textos dos outros três tipos. Assim, as capacidades específicas seriam:

1ª) - saber defender uma tese: saber apresentar uma opinião própria, argüindo e refutando as idéias que se opõem à tese; utilizar técnicas da lógica, da persuassão e da argumentação para conseguir a adesão e o convencimento do oponente;

2ª) - saber determinar relações de causa e efeito: saber formular por escrito os termos do discurso a favor ou contra, colocando em evidência as relações entre eles;

3ª) - saber confrontar e classificar: saber apresentar as idéias pessoais, confrontando-as com outras e mostrando os parâmetros de tal operação.

  • 1 ADAM, J. M. Quels Types de Textes? Le Français dans le Monde 192:39-43. Hachette-Larousse. Avril, 1985.
  • 2 ADAM, J. M. & PETITJEAN, A. Introduction au type descriptif. Pratiques 1982 a.
  • 3 BEAUGRANDE, R. de & DRESSLER, W. U. Discourse and Process London: Longman, 1980.
  • 4 BERNARDO, Gustavo. Redação Inquieta Rio de Janeiro, Globo, 1985.
  • 5 BRAIT, Negrini, Lourenço. Aulas de Redação 2. ed., Atual Editora, São Paulo, 1980.
  • 6 BRONCKART, Jean-Paul. Um modèle psycologique de l'apprentissage des langues? Le Français dans le Monde 185:53-67. Hachette-Larousse, mai.-jun. 1984.
  • 7 BÜHLER, K. Spraachteorie. (Trad. espanhol). Teoria del Lenguaje Madrid, Gredos, 1966.
  • 8 CHAROLLES, M. Introduction aux problèmes de la coherence des textes in Langue Française Paris, Larousse, 38:7-41, mai/1978.
  • 9 COMBETTES, Bernard et alii. De la Phrase au Texte: vers la maitrise de la langue. Paris, Delagrave, 1980.
  • 10 ECO, U. Leitura do Texto Literário: Lector in Fabula. Presença, Lisboa, 1979.
  • 11 FÁVERO, L. L. & KOCH, I. G. V. Lingüística Textual: introdução São Paulo: Cortez, 1983.
  • 12 FERREIRO, E. A. Representação da Linguagem e o Processo de Alfabetização in Cadernos de Pesquisa Fundação Carlos Chagas, São Paulo, 52:7-18, fev./1985.
  • 13 GARRAFA, L. C. Coerência e Literatura Infantil: introdução à análise textual de produções literárias para a infância Dissertação de Mestrado, PUC/São Paulo, 1987.
  • 14 GUIMARÃES, E. R. Estratégias de relação e estruturação do texto. In Sobre a estruturação do discurso I. E. L. Unicamp, 1981.
  • 15 GREGG, L. W. & STEINBERG, E. R. Cognitive process in writing Hillsdale, New Jersey, Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 1980.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1989
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