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A Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes

RESENHAS

A Escola Normal da Praça - o lado noturno das luzes

Marilda Iwaya

MONARCHA, Carlos. A Escola Normal da Praça - o lado noturno das luzes. São Paulo: Editora da Unicamp, 1999.

A Escola Normal da Praça - O lado noturno das luzes, de Carlos Monarcha, editado em 1999 pela Unicamp, utiliza caminhos metodológicos que a fazem uma obra bastante complexa, tanto do ponto de vista da narrativa, minuciosa e influenciada pelo método, quanto pelo próprio método adotado.

A valorização do ato interpretativo sobre o descritivo, a escolha criteriosa de "momentos cruciais" - momentos significativos que podem ser examinados quase isoladamente, sem a necessidade de uma condução linear do pensamento - e a utilização de um sistema de representações, no qual os sujeitos da época em estudo, os posteriores intérpretes da história e as fontes, que são grandemente valorizadas, alternam-se continuamente em suas posições iniciais.

Estes são alguns elementos que configuram uma concepção historiográfica consciente dos limites e mesmo da impossibilidade colocada ao historiador em buscar reconstruir o passado, mas que, mesmo assim, persegue a máxima aproximação com a realidade histórica, através do confronto de fontes e interpretações e possibilitando espaço para conclusões do leitor.

O autor parte de várias leituras já realizadas sobre a Escola Normal de São Paulo e do constante diálogo entre as fontes e suas respectivas interpretações. A Escola Normal da Praça, nome pelo qual ficou conhecida pelos paulistanos, tem sua história representada dentro do período de 1846 a 1930, não de forma linear e progressiva, como já foi mencionado, mas seguindo uma certa sucessão temporal, na qual momentos de maior importância histórica para a Escola, para a cidade, ou para o pensamento filosófico e científico da época são aprofundados e devidamente articulados.

O período de 1846 a 1930 marca a primeira abertura da Escola Normal e sua transformação em Instituto de Educação. Sua trajetória histórica é marcada por fechamentos e reaberturas, sendo que sua reabertura definitiva ocorre em 1880. As interrupções no funcionamento da escola são reveladoras do descaso a que estava sendo submetida a educação. A razão para as interrupções encontra-se na precariedade de condições materiais, físicas e humanas oferecidas por uma escola formadora de professores.

O subtítulo do trabalho - "o lado noturno das luzes" - é também esclarecedor sobre o lugar ocupado pela educação na sociedade da época. Num período de florescimento intelectual, no qual prevalece a busca de tudo aquilo que diga respeito à "civilização" , ao "progresso" e, acima de tudo, à razão, podem ser compreendidos pela palavra luz a escola e, em especial, a Escola Normal. Apesar de apontada como ponto de luz destinado a clarear as áreas mais escurecidas da sociedade, esta quase sempre relega-se às sombras e à noite do descaso.

Consciente da existência de várias obras que tratam da história da Escola Normal da capital de São Paulo, o autor revela ousadia ao propor-se a tarefa de produzir uma nova versão da história desta instituição de ensino. Constrói uma obra densa, na qual três vozes - a do autor narrador, a dos sujeitos da época em estudo e a dos posteriores intérpretes dessa época - dialogam, não sem conflitos, e recompõem perto de 100 anos da trajetória do Instituto de Educação "Caetano de Campos".

Mais do que uma nova interpretação da história da Escola Normal, o autor busca compreender seu significado no interior do processo de desenvolvimento da capital de São Paulo.

Utilizando-se de uma rica variedade de fontes sobre a cidade - dados demográficos, topografia, configuração espacial, aquarela, retrato em daguerreótipo, relatórios de administradores - busca entender a principal característica da São Paulo da época - sua heterogeneidade. O progresso, resultante do "surto de desenvolvimento", convive em áreas de extrema miséria, onde o tempo da máquina e do progresso não penetram. A urbanização ocasionou a reforma de instituições que visavam salvaguardar a ordem moral: cadeia pública, hospício, leprosário e instrução pública - com a inauguração da Escola Normal e do Instituto de Educandos e Artífices, resultando em uma compartimentalização da cidade.

Nesse sentido a educação atua como instituição de controle social. Como afirmam chefes de polícia e o inspetor público em 1873: "a educação deve ser difundida como uma das estratégias possíveis de combate à criminalidade, e como meio eficaz para a defesa da civilização". (p. 81)

O autor faz uma longa discussão sobre o desenvolvimento do pensamento positivista comtiano no Brasil da 2.ª República. São analisados os conflitos ideológicos no interior da Escola Normal, resultantes da ação dos intelectuais positivistas que entram em disputa com grupos conservadores católicos.

A arquitetura em estilo neoclássico da Escola Normal também é visitada. Monarcha nos mostra como a força, o poder e o otimismo do mundo moderno e da República são simbolizados na arquitetura imponente do edifício da Escola Normal.

Os últimos anos abordados pela obra tratam da influência das idéias de Lourenço Filho, ou seja, os vários meios empregados na busca em dar um caráter científico à educação: a psicologia aplicada, a utilização de testes para classificar e hierarquizar os alunos, enfim, práticas racionalizadoras bem de acordo com a mentalidade da época, que fazia o enaltecimento da sociedade moderna e, mais especificamente, do modelo industrial norte-americano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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