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Educação, diversidade e diferenças: olhares (des)colonizados e territorialidades múltiplas

MEIRELES, Mariana Martins de. . Educação, diversidade e diferenças: olhares (des)colonizados e territorialidades múltiplas. 1. ed.Curitiba: CRV, 2015. 388 p.

A obra é o resultado de reflexões sobre a educação étnico-racial em inúmeras territorialidades e em contextos específicos. Sua contribuição se dá na ampliação epistemológica dos estudos étnico-raciais por meio de metodologias fundamentais em uma perspectiva interdisciplinar, com ações educacionais de diferentes sujeitos. O grupo está vinculado, por sua vez, às pesquisas dos grupos Prodese - Programa Descolonização e Educação (UNEB/CNPq) e Grafho - Grupo de Pesquisa (Auto) biografia, Formação e História Oral (PPGEduc/UNEB) por meio de pesquisas da “Multisseriação e trabalho docente: diferenças, cotidiano escolar e ritos de passagem” (CNPq e FAPESB). A maioria dos artigos parte de entrevistas semiestruturadas com abordagem qualitativa e descritiva e avalia de forma macro o impacto das organizações negras no desenvolvimento de abordagens multiculturais.

No prefácio, a Professora Nilma Lino Gomes destaca como a luta dos movimentos sociais por contextos educacionais auxiliou na reformulação de leis para a igualdade de direitos nos últimos anos. Os avanços incluem políticas para a orientação da promoção da igualdade racial. No entanto, ainda permanecem alguns desafios, como, por exemplo, desenvolver práticas educacionais a partir de afirmações plurais e de equidade por meio dos currículos, da formação docente, da gestão e da coordenação de maneira contextualizada e inclusiva.

A partir da Lei Nº 10.639/2003, os diferentes campos do saber vêm experimentando diálogos possíveis com áreas além da História e da Geografia pela Lei de Diretrizes e Bases e o parecer sobre a educação étnico-racial. A legislação atual define o trabalho de valorização da diversidade étnico-racial em todas as etapas e modalidades de ensino, especialmente pela Resolução Nº 01/2004, do Conselho Nacional de Educação (CNE), que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e pelo Parecer Nº 03/2004, que fundamenta tal Resolução. Também, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, aprovadas pela Resolução Nº 05/2009 do CNE, a diversidade étnico-racial toma parte, nos princípios das DCNEI.

O aporte legal e jurídico no combate ao racismo está em diversos artigos do livro. A primeira parte da obra é constituída por pesquisas descritivas orientadas no campo de análises da educação étnico-racial. Os artigos questionam a homogeneização dos saberes, dos sujeitos, dos espaços voltados para uma epistemologia e cultura eurocentrada fortemente arraigada ao currículo escolar. Acentuam como o avanço das organizações negras de caráter político, cultural e religioso foram e são importantes para uma educação que valorize a diversidade racial e a cultura do povo brasileiro. A reflexão sobre o processo histórico da colonização e a urgência no reconhecimento de direitos da população negra nos Estados Unidos, na América Latina - e também a dos indígenas - são propostas de descolonizar as estruturas da escola.

As ideias de Frantz Fanon revelam uma abertura para propostas pedagógicas emancipatórias na educação e aproximam o debate sobre o espaço geopolítico. Por isso as tensões e as lutas políticas foram fundamentais, pois procuraram alterar a ordem universal imposta pela colonialidade com o objetivo de descolonizar os currículos, as epistemes e ainda ouvir as histórias de povos negros e indígenas, antes silenciados.

Os artigos, em sua maioria, propõem a dimensão étnico-racial como conhecimento, de forma reflexiva, para todas as áreas de ensino, pois considera, além da obrigatoriedade da Lei Nº 10.639/2003, as histórias escolares e os sujeitos. Os autores compreendem por meio da escola a responsabilidade de construir um pensamento amplo que considere os contextos locais e globais das contribuições dos povos negros em diferentes áreas no país. Afinal, como aponta a autora Rosário, “A base para a construção dessa identidade política, imprescindível no avanço do empoderamento e da tomada de espaço social, em qualquer grupo que dentro da lógica global atual chamamos de “minorias”, é a educacional” (ROSÁRIO, 2015, p. 193).

A reflexão sobre a importância do currículo na formação do educador em uma compreensão multidimensional, considerando o aporte jurídico-legal de direitos aos cidadãos e as diferenças, influencia-o fundamentalmente. E, por intermédio das diferenças culturais, busca-se a pluralidade. Tais ações implementam a política e assim amenizam os preconceitos culturais, históricos e religiosos.

Há denúncia de um silenciamento que estrutura o racismo no Brasil por uma colonialidade dos saberes, dos sujeitos, em prol de culturas hegemônicas, e isso é debatido em vários artigos do livro. A compreensão das bases racistas que envolvem a estrutura social, política e econômica e que perpassam os livros didáticos, literários e manuais formativos para os professores, em várias áreas dizem respeito à importância sobre a formação pedagógica, os padrões de dominação cultural ainda são invisíveis à maioria dos professores e dos alunos. No entanto, discurso de uma democracia racial ainda se mantém na esfera escolar e privilegia a branquidade.

A maioria da sociedade não considera que a linguagem expressa uma dominação racial e cultural e representa os interesses políticos e econômicos de uma hegemonia branca, ainda mais ao se considerar livros infantis, infantojuvenis e didáticos. Diante disso, ainda é expressiva a organização do movimento negro em vários âmbitos para práticas antirracistas no espaço escolar. Por exemplo, as organizações, como a Frente Negra Brasileira (FNB) e o Teatro Experimental Negro - idealizado por Abdias do Nascimento, que inspirou diversos grupos políticos culturais e ainda incentivou a formação profissional da população negra - foram historicamente conquistas que influenciaram a dimensão política educacional de cunho social, principalmente quando consideramos no âmbito escolar a importância da Educação de Jovens e Adultos.

Em consonância com essas ideias, destacamos o teatro de caráter descolonial proposto no artigo de Diana Cristina Castaño Hoyos, dentro de um projeto nacional de etnoeducação para trabalhar com espaços de criação, reinvindicação e difusão intercultural na comunidade de Santa Bárbara em Timbiqui Cauca, Colômbia.

A escolarização por meio da ação da dramaturgia reflete a ocupação de espaços profissionais e apresenta um caminho de formação para o ingresso posterior em outras áreas de trabalho.

O racismo estruturado em diferentes espaços simbólicos necessita ser debatido e deve ser refletido no ambiente escolar com o objetivo de minimizar os estereótipos atribuídos também às mulheres negras.

Historicamente a profissão docente apresenta uma feminização ao longo da constituição histórica do magistério no Brasil e privilegiou mulheres brancas. Isso evidencia desigualdades históricas como fontes de análise e reflexão sobre os espaços privilegiados de mulheres brancas e não brancas. Compreender as subjetividades e os diálogos necessários para uma educação multicultural com ênfase na heterogeneidade é essencial para a ascensão das culturas entendidas como minorias em nosso país.

Problematizar os territórios permite-nos reelaborar o campo pedagógico para as transformações sociais reflexivas sobre a etnicidade, incluindo a população quilombola. Nessa mesma direção, Rogério Lima Vidal, no artigo “Ela vai para o céu fazer morada: memórias práticas e experiências mortuárias no quilombo de Mucambo”, remete às simbologias, às práticas culturais e religiosas como formas de construção identitária em comunidades quilombolas como estratégias de ampliar o currículo para a ressignificação histórica cultural do povo brasileiro.

Nesse sentido, a memória cultural ancestral, transmitida pela oralidade e pelas práticas sociais, é sinônimo de resistência para a ocupação dos espaços simbólicos nas relações de poder. Por intermédio delas, mantêm-se a história e a cultura em constante rememoração. Por isso, a religião afro-brasileira na comunidade em “Salvador, Bahia: A venerável ordem terceira, Irmandade de Nossa senhora do Rosário às Portas do Carmo, Irmandade dos Homens pretos” aprecia saberes locais de comunidades católicas negras e do espaço das mulheres, apresentando relações mais verticalizadas, construídas ao longo dos anos.

A segunda parte do livro inicia com artigos que consideram a inclusão de alunos hospitalizados e de deficientes. A abordagem histórica utilizada pelos autores considera os preconceitos e paradigmas no trabalho pedagógico sobre o tema. A indicação de problemas específicos deve ser um alerta para não se naturalizarem as desigualdades advindas das diferenças. Dessa forma, as condições de cada indivíduo também são refletidas na concepção de estratégias de aprendizagem dos alunos no ambiente escolar e da escolarização em ambientes hospitalares. As infâncias são entendidas como direito à educação de qualidade com aparatos tecnológicos para o desenvolvimento pleno de cidadãos.

A obra articula diferentes assuntos, os quais propõem a educação de maneira plural e inclusiva, com bases epistemológicas de autores que pensam a partir de teorias do Sul. Assim, a proposta da obra consiste em um giro descolonial e propõe relações mais verticalizadas e apresenta como um dos protagonismos os movimentos negros brasileiros associados à pauta internacional de combate ao racismo. As propostas dos artigos em prol de políticas de ação afirmativa intencionam a redução da desigualdade racial.

No trabalho cuidadoso dessa composição, por meio de levantamento histórico, análises sociológicas, descritivas e etnográficas, os autores descrevem as transformações institucionais e sociais do Estado e a emergência das políticas públicas e educacionais. O cenário político da última década e a ampliação de novos agentes antirracistas lastreiam o ambiente escolar, apesar de coexistirem também bolsões racistas. Em meio ao esforço de vários grupos defensores de ações afirmativas e políticas contra o racismo no Brasil, este livro propõe reflexões de um ideário inclusivo e antirracista por meio de práticas nos ambientes escolares que dialogam com a gestão, o planejamento, o currículo e a formação docente, contribuindo na construção social de igualdade com o reconhecimento das diferenças individuais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2016
  • Aceito
    13 Abr 2017
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