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Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola

RESENHAS

Aline Galvão Lima

Mestranda em Educação pela Universidade Federal de São João del-Rei, graduada em Psicologia na mesma Universidade

AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. São Paulo: Contexto, 2006. 96 p.

Em Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola, Daniela Auad1 1 Daniela Auad é professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pós-doutora em Sociologia pela Unicamp (2008), sendo que na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp) obteve as titulações de doutora em Sociologia da Educação (2004), mestra em História e Filosofia da Educação (1998) e pedagoga (1995). discute a questão da escola mista relacionando-a com a ideia de coeducação com base na análise de práticas escolares e no debate contemporâneo sobre o tema, dialogando com estudiosas feministas que teorizam sobre a questão. Seu argumento central é o de que a escola mista pressupõe a coeducação, mas não é suficiente para a efetivação da mesma. Ao longo da obra, a militante feminista Daniela Auad defende a igualdade com respeito às diferenças e mostra como isso pode ocorrer na prática escolar, numa linguagem acessível a qualquer pessoa que se interesse pela questão.

O livro é dividido em dez capítulos, sendo que no primeiro destes a autora faz uma apresentação dos temas trabalhados nos capítulos subsequentes, destacando que o objetivo do livro é revelar que a escola, através das práticas escolares, pode se constituir como um espaço privilegiado para o "aprendizado da separação" que discrimina meninos e meninas de forma a justificar desigualdades ou pode, ao contrário, promover transformações no sentido da igualdade a partir do respeito às diferenças. Assim a autora se propõe a discutir a relação entre igualdade e desigualdade entre meninas e meninos, homens e mulheres no espaço escolar, chamando a atenção para a função privilegiada que a escola possui no que diz respeito à aprendizagem de papéis sociais e sexuais por parte dos alunos.

No segundo capítulo, temos uma breve síntese da história que perpassa a construção da categoria gênero enquanto instrumento de análise. A autora demonstra como a apropriação do conceito de gênero na área de ciências humanas foi importantíssima para o questionamento das supostas desigualdades "naturais" entre os sexos, tão veiculadas pelos discursos positivistas. Destaca que a categoria gênero ao revelar que muitas diferenças entre homens e mulheres são socialmente construídas pode ser utilizada para desvendar relações de poder desiguais dentro da escola. O texto chama a atenção para o aspecto relacional, constitutivo das masculinidades ou feminilidades, num determinado contexto social e cultural, expressando-se nos discursos e práticas sociais. Conduz assim ao questionamento de compreensões generalizadas de relações pretensamente naturais sobre o masculino e o feminino para se pensar o gênero como dispositivo privilegiado na análise das significações das relações de gênero e de poder que constituem processos políticos e se constroem reciprocamente.

Os quatro capítulos seguintes tratam dos resultados encontrados por Daniela Auad em sua pesquisa de doutorado, que objetivou o estudo das relações de gênero nas práticas escolares. As observações nos pátios e salas de aula das séries ou ciclos iniciais de uma escola pública de Ensino Fundamental da cidade de São Paulo, realizadas durante quatro anos, juntamente com o trabalho de revisão bibliográfica acerca dos temas "Educação Escolar e Relações de Gênero", "Coeducação" e "Mixité"2 2 Segundo a autora o termo francês mixité "significa a coexistência de indivíduos, membros de grupos sociais diferentes, no seio de um mesmo espaço social ou institucional" (p. 71), sendo que essa noção pode ser usada para se falar de meninos e meninas. , evidenciaram certos modos em que as relações de gênero são elementos significativos nas vivências de meninas e meninos. Ao longo dos referidos capítulos, a autora demonstra como uma análise do cotidiano escolar pode revelar a existência de diferenças, polaridades e assimetrias de gênero, presentes em atividades que definem para as crianças o que é masculino e o que é feminino, gerando assim o "aprendizado da separação".

A temática que envolve escola mista e coeducação é focalizada nos próximos capítulos, onde fica demonstrado que embora as escolas brasileiras sejam mistas, e isso seja uma das premissas da existência da coeducação, a mistura dos sexos não determina a ocorrência de práticas e políticas públicas coeducativas. Ao longo de sua argumentação, a autora aponta questões que geram reflexões acerca da escola mista e sua relação com uma proposta de coeducação.

Analisando a história da implantação da escola mista no Brasil, Daniela Auad verifica que conteúdos de ensino, normas, uso do espaço físico, técnicas e modos permitidos de pensar, sentir e agir se constituíram como mecanismos que perpetuam a separação e a hierarquização entre homens e mulheres. Conforme a autora, as supostas diferenças sexuais naturais entre meninos e meninas são utilizadas pelo professor para conduzir a classe e manter a disciplina, o que pode ser exemplificado com as diferentes maneiras de se distribuírem meninos e meninas no espaço da sala de aula. Confrontando suas próprias pesquisas no Brasil com estudos que descrevem a realidades escolares em outros países da América Latina e da Europa, demonstra que os meninos, diferentemente das meninas, tendem a ocupar grandes espaços e se envolvem mais do que elas em atividades dinâmicas que requerem uma expressão corporal mais ampla. Assim, as relações de gênero influenciam o modo como meninos e meninas se expressam corporalmente e aproveitam diferentemente as possibilidades de movimentos, jogos e brincadeiras.

Assim, o tradicional sistema educacional brasileiro coloca o desafio de se combater a promoção das desigualdades de gênero, uma vez que tais desigualdades não são condizentes com uma sociedade democrática. A autora constata que alunas, alunos, professoras, agentes escolares, diretoras, coordenadoras e pesquisadoras podem estar na fronteira entre, de um lado, as práticas escolares nas quais as relações de gênero ainda são desiguais e, de outro, a possibilidade de construção de um projeto de coeducação. Para a efetiva concretização desse projeto de política educacional, Daniela Auad propõe uma transformação de diversos níveis da educação, englobando não apenas a legislação, o sistema educativo, as unidades escolares e os currículos, como também a capacitação e formação do profissional, a paridade do professorado, os livros didáticos e a interação entre professoras, professores, alunos e alunas. Delineia assim um possível caminho para uma política pública de igualdade de gênero a partir da escola.

Diante do que foi dito, pode-se dizer que Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola nos adverte para a importância de uma ampla reflexão sobre as relações de gênero na escola. A autora estabelece um diálogo profícuo com estudiosos no campo do gênero, sendo importante destacar a contribuição de Louro (2003) que argumenta que a escola por meio de símbolos e códigos, delimita espaços, institui modos de ação e produz identidades de gênero ao informar o lugar dos meninos e das meninas. Nessa perspectiva, as práticas escolares encerram múltiplos e discretos mecanismos que escolarizam e distinguem os corpos e as mentes de alunos e alunas, que vão construindo seus padrões diferenciais de comportamento e assimilando o modelo com o qual se devem identificar para serem mais homens ou mais mulheres.

Entendendo que as identidades de gênero são construídas pelos sujeitos ao se identificarem, social e historicamente, como femininos ou masculinos, o texto de Daniela Auad nos instiga ao questionamento e à reconstrução de ideias sobre a constituição de femininos e masculinos, sendo que devem ser vistos como elementos não necessariamente opostos ou essenciais, uma vez que a oposição não é inerente, mas sim, construída, e pode ser subvertida. Chama a atenção para a importância que as práticas escolares adquirem nesse cenário, pois são práticas políticas, historicamente contingentes e podem ser transformadas pelos sujeitos que as constroem.

Dessa maneira, o livro faz parte de um conjunto de esforços acadêmicos de feministas e pesquisadoras dos estudos de gênero que assumem a igual valorização de homens e mulheres como prática, bandeira de luta e tema de estudo, buscando aporte teórico na perspectiva pós-estruturalista. Esse campo de estudos destaca-se por seu caráter político e contemporâneo, estando em constante construção, uma vez que propõe o autoquestionamento e a subversão de paradigmas científicos. Nesse sentido, os estudos de gênero têm se mostrado fundamentais para a elaboração de teorias férteis e de diversas formas de intervenção social, com destaque para o campo educacional.

Texto recebido em 07 de junho de 2008.

Texto aprovado em 17 de novembro de 2009.

  • LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
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    Daniela Auad é professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pós-doutora em Sociologia pela Unicamp (2008), sendo que na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp) obteve as titulações de doutora em Sociologia da Educação (2004), mestra em História e Filosofia da Educação (1998) e pedagoga (1995).
  • 2
    Segundo a autora o termo francês
    mixité "significa a coexistência de indivíduos, membros de grupos sociais diferentes, no seio de um mesmo espaço social ou institucional" (p. 71), sendo que essa noção pode ser usada para se falar de meninos e meninas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      2010
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