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Apresentação

DOSSIÊ – TEMAS EM DEBATE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Apresentação

"Formação de professores" é um tema sensível no contexto da Educação Brasileira. A amplitude de seu objeto de discussão contempla múltiplos aspectos com naturezas distintas, cuja complexidade de seus componentes constitutivos se intensifica a cada tempo. Uma imersão na literatura e em pesquisas desenvolvidas torna observável o fato de que problemas, impasses, dilemas e pontos de tensão atuais na formação de professores para a Educação Básica em instituições públicas brasileiras remontam há décadas.

No decorrer do tempo, temáticas debatidas são recorrentes e ampliadas, fundamentos teóricos são aprofundados, perspectivas são delineadas, projetos de intervenção são implementados nos diferentes níveis de ensino. No entanto, um ar de perplexidade envolve parcela da comunidade de educadores, professores, pesquisadores e sociedade, sensível e atenta às questões educacionais em nível local e nacional.

É bem verdade que a discussão sobre formação de professores vem de longa data. É bem verdade, também, que os resultados de aprendizagem aferidos em exames nacionais e internacionais revelam uma situação caótica na aprendizagem dos alunos nos anos escolares. Não há como fechar os olhos para esta realidade.

Há que se olhar para os efeitos do objetivo de universalização do Ensino Fundamental no território brasileiro, previsto em Lei. Não é novidade que não há massa crítica de professores preparados para a demanda originada. Mais alunos na escola exigem maior número de professores, por óbvio. Dever-se-ia ter professores formados, e preparados, para essa demanda, simultaneamente ao processo da universalização pretendida. Ou seja, a lógica da universalização do Ensino Fundamental não foi acompanhada por uma lógica institucional de formação de professores que desse conta, com qualidade, do número de alunos prospectados. Daí emergiram políticas públicas de formação de professores, ou de adequação institucional destes ao mercado de trabalho. Há uma questão subliminar ao cenário apresentado: basta formar professores? A perspectiva quantitativa da habilitação/formação para adequar essas duas realidades - número de alunos na Educação Básica e número de professores formados/habilitados - é suficiente? Em resposta, parece-nos precária e insuficiente, se o foco observável for a qualidade do ensino numa perspectiva qualitativa.

Uma indagação instigante diz respeito à carência de professores em algumas áreas da Educação Básica. Se há vagas não preenchidas para ingresso em Cursos de Licenciatura, o argumento de aumento da oferta de vagas no cenário nacional não se sustenta. Ainda, é considerável o percentual de formados em cursos de Licenciatura que não tem no magistério sua profissão. A situação é mais grave ainda tendo em vista que, dos que ingressam no magistério, uma parcela desiste da profissão. Instiga discutir a gênese dessa ocorrência. Estará na atratividade da carreira? No fazer e desfazer dos currículos? Na discrepância da dinamização curricular, em alguns casos, alheia à escola e suas peculiaridades? Na verticalidade das ementas?

A temática se amplia se a ela agregarmos o aspecto curricular na ainda controvertida separação entre Bacharelado e Licenciatura e, no que tange à Licenciatura, na dicotomia ainda acirrada entre conteúdos específicos a ensinar e entre conteúdos pedagógicos, dicotomia também expressa como formação específica e formação pedagógica.

De fato, no espectro da formação de professores, a amplitude dos múltiplos aspectos de naturezas distintas intensifica a complexidade dos seus elementos constitutivos. Temos visibilizada a pontualidade de ações institucionais, a não convergência entre elas e a emergência educacional do país, a não conexidade entre resultados de pesquisas, a ausência de diálogo pedagógico entre a produção acadêmica e as instâncias formativas, a não interseção entre diferentes instâncias do processo educativo. Questões são, recorrentemente, denunciadas. Soluções são apresentadas. Resultados positivos contabilizados são poucos.

Não foi por acaso que escolhemos a litografia de Escher (1953) denominada" Relatividade" para ilustrar a capa desse Dossiê. A contemporaneidade de sua obra, a beleza de sua produção artística, a avançada técnica utilizada à época em que recursos tecnológicos inexistiam, a inquietação que um simples olhar provoca em adultos e crianças, letrados ou não, e a curiosidade que gera nos fascinam. A genialidade do artista impressiona. Nossa escolha não está justificada nesses fatos, e sim nas aproximações que encontramos entre esta obra de Escher, impressa em 1953, o movimento da Educação Brasileira e a atualidade. Relatividade, Perspectiva e Dimensão, são por nós caracterizadas como nomes próprios, raízes de pensamentos, posições e ações próprias da Educação Brasileira, com lente na formação de professores. "Três campos de gravitação diferentes, três mundos diferentes, três grupos de habitantes que, por sua vez, caminham cada um em seu mundo sem compartilhamento com os outros mundos constitutivos da unidade da obra" (ERNST, 1991, p. 42)1 1 ERNST, Bruno. O espelho mágico de Maurits Cornelis Escher. Berlin: Taschen, 1991. . De modo similar, caminha a Educação brasileira no que diz respeito à formação de seus professores para a Educação Básica.

Este Dossiê, intitulado "Temas em debate na Formação de Professores", nasceu das angústias de suas organizadoras com o exposto até aqui e seu objetivo é apresentar temas de pesquisa de autores brasileiros e europeus que discutem a formação de professores em diferentes perspectivas. Os temas abordados analisam, por um lado, os efeitos da concretização de políticas públicas na educação escolar básica, no apoio a professores iniciantes, em diversos planos governamentais de formação. Analisam, por outro lado, questões recorrentes na formação de professores relacionadas à organização curricular e à organização do trabalho pedagógico. Por fim, apresenta possibilidades concretas de articulação entre conhecimento específico e conhecimento pedagógico que, embora retratem experiências de formação de professores de matemática, são extensivas às demais áreas do conhecimento. Conclui com a resenha da obra "A aventura de formar professores" de Ilma Passos Alencastro Veiga, que aborda sobre a crônica problemática da educação brasileira e discute a formação pedagógica do professor inserida numa concepção de ciência da educação fundamentada no entendimento científico, filosófico e social da educação como práxis.

Iniciamos com o artigo denominado Formação de professores em institui ções públicas de ensino superior no Brasil: diversidade de problemas, impasses, dilemas e pontos de tensão em que as autoras Clara Brener Mindal e Ettiène Guérios, por meio de consulta documental exploratória nos resumos de teses do Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e em artigos publicados online no site da Scientific Electronic Library Online (SciELO)/Brasil, identificaram aspectos interpretados como conflitantes e que são recorrentes nos debates sobre formação de professores. Esse artigo visa estruturar o Dossiê e dá início às discussões e abordagens que seguem.

Marli André afirma que os fatores constitutivos para o delineamento de políticas públicas que visem a melhoria da educação são múltiplos e que a concentração de pesquisas centradas no professor pode reforçar a equivocada ideia, culturalmente difundida, de que é somente nele que deve haver investimento para melhorar a qualidade da educação. A contribuição da autora com seu artigo intitulado Políticas de apoio aos docentes em estados e municípios brasileiros: dilemas na formação de professores está na apresentação dos resultados de sua pesquisa em que o objeto de estudo são políticas públicas para a formação docente. Circunstancia sua discussão em um mapeamento de pesquisas no cenário nacional sobre formação docente e em exemplos de políticas de apoio aos docentes no cenário internacional. Os resultados que apresenta estão focalizados nos itens que envolvem recursos materiais e apoio didático-pedagógico às escolas e em processos de formação continuada e apoio aos professores iniciantes.

Bernadete Gatti provoca o leitor ao perguntar por que mudanças profundas não ocorrem nos cursos de formação inicial uma vez que há muito tempo tem-se falado em crise das licenciaturas decorrente de suas fragilidades formativas. Seu artigo, intitulado Educação, escola e formação de professores: políticas e impasses, trata das finalidades da educação e da escola básica na sociedade contemporânea. Gatti soma-se aos autores que sinalizam a existência de uma crise educativa mundial relativa aos modelos de formação de professores para a educação básica e discute impasses em que se encontram os educadores frente a um paradigma educacional que exige do professor uma ação pedagógica em suas articulações filosóficas, históricas, sociológicas, antropológicas e psicológicas, tendo o trabalho como fonte de conhecimento. Traz à baila o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, evidenciando que pouco se caminhou em qualidade na formação profissional de professores. Gatti indaga sobre a formação que é oferecida aos futuros docentes nas universidades e discorre analiticamente sobre o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), a Universidade Aberta do Brasil (UAB) e o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), programas esses no âmbito da Política Nacional de Formação de Professores (BRASIL, 2009)2 2 BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 9, de 30 de junho de 2009. Institui o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 jul. 2009. . Em resumo, a autora sinaliza a necessidade de uma verdadeira revolução no que tange à estrutura e às dinâmicas curriculares relativas à formação de professores para a educação básica em nível superior.

Antônia Vitória Soares Aranha e João Valdir Alves de Souza também chamam a atenção para o descompasso entre os processos de formação inicial e continuada dos professores e as exigências das demandas da vida social no mundo contemporâneo. Se Gatti fala em crise das licenciaturas pelas suas fragilidades formativas, Aranha e Souza no artigo intitulado A s licenciaturas na atualidade: nova crise? acrescentam a preocupação com o esvaziamento da procura pelos cursos de licenciatura e a consequente falta de professores para atuar na universalização da educação básica, conforme prevê o Plano Nacional de Educação (PNE). Os autores provocam o leitor ao trazer para análise o que chamam de um paradoxo: quanto mais falamos em crise da educação escolar, mais escolarizada se torna a nossa sociedade; e quanto mais vemos entrar na escola os públicos que por ela lutaram, ao longo desses dois últimos séculos, maior é a nossa sensação de que a educação escolar está em crise. Ato contínuo, os autores discorrem sobre o entendimento do significado da palavra "crise", especificam características atuais dos sistemas de ensino, trazem à baila questões curriculares no viés da relação entre formação pedagógica, bacharelado e licenciatura e, por fim, indicam elementos constitutivos da atual crise dos cursos de licenciatura.

Janaina S. S. Menezes e Gabriela Rizo abordam um caso específico, cujas circunstâncias podem ser consideradas em âmbito nacional, no artigo intitulado O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica no Estado do Rio de Janeiro: contribuições e desafios, em que analisam o esforço das instituições públicas de ensino superior deste estado associado à oferta de vagas destinadas à formação inicial de professores das redes públicas. A partir de dados oriundos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)/Ministério da Educação (MEC), da Capes e de informações contidas nas atas das reuniões do Fórum Permanente de Apoio à Formação Docente-RJ, a pesquisa revela o potencial desse Plano no âmbito de um estado em que as políticas de formação carecem de unidade e continuidade. Evidencia o regime de colaboração próprio do programa PARFOR, em que é imprescindível que as redes públicas de ensino elaborem planos estratégicos que viabilizem o ingresso e a permanência num processo de formação com qualidade de seus professores, ou seja, evidencia que não basta que apenas vagas sejam ofertadas.

Luís Távora Furtado Ribeiro contribui com uma temática sensível ao campo educativo no artigo intitulado Formação de professores: a questão da inclusão de jovens que estão fora da escola e do mercado de trabalho. O autor mostra a potencialidade educativa de uma prática formativa que insere alunos do Curso de Licenciatura em atividade pedagógica pautada numa formação humana reflexiva e comprometida com transformações sociais. Ribeiro analisa os resultados de um programa de escolarização em nível supletivo no qual os licenciandos atuam como educadores, cujo objetivo é facilitar o ingresso no ensino superior de jovens entre 18 e 24 anos que concluíram o ensino médio, não participam do mercado formal de trabalho e são moradores de um bairro de Fortaleza, cuja população apresenta alto índice de desemprego, violência e consumo de drogas. Finaliza focalizando que a integração entre as instituições de ensino superior e a escola desempenha papel formativo imprescindível na construção do saber dos professores.

O artigo de Salvador Llinares aborda sobre o desenvolvimento da competência docente de "olhar profissionalmente" o ensino e a aprendizagem como componente da prática profissional do professor de Matemática. Embora o autor foque na área de Matemática, o fundamento de que trata o artigo é basilar para a formação de professores em todas as áreas do conhecimento. No artigo intitulado O desenvolvimento da competência docente de "olhar profissional mente" o ensino-aprendizagem das matemáticas, Llinares argumenta que este desenvolvimento se dá na relação dialética entre o conhecimento teórico para o ensino e para a competência docente para o qual descreve características de programas de formação de professores que fomentam a ocorrência da relação dialética pretendida. O autor defende que essa competência docente se apoia numa perspectiva interpretativa mediante o uso em contexto do conhecimento que ensina. Defende que "olhar profissionalmente" é uma competência docente não inata que deve ser desenvolvida nos cursos de formação de professores para que estes a percebam como possibilidade formativa, para que signifiquem a prática de ensinar e a tenham como mote em seu desenvolvimento profissional, concebendo que a expertise se dá num processo contínuo.

João Pedro da Ponte e Neusa Branco apresentam suas preocupações sobre um dilema frequente na formação de professores, que é o modo integrado ou não de tratar o conteúdo específico da disciplina e a didática. No artigo intitulado Pensamento algébrico na formação inicial de professores, os autores analisam uma experiência de formação inicial orientada para o desenvolvimento do pensamento algébrico de educadores de infância e de futuros professores dos primeiros anos. Os autores descrevem episódios relevantes do ponto de vista formativo ocorridos durante as aulas. Concluem que o modo de trabalho exploratório, que tem por base situações de conteúdo específico e situações reais da sala de aula bem como as oportunidades de reflexão e discussão proporcionadas, contribuiu para promover um efetivo desenvolvimento do conhecimento didático dos alunos e do conhecimento matemático. O artigo colabora para a discussão deste tema tão histórico e tão atual, que é a articulação entre conhecimento específico e conhecimento pedagógico na formação do professor, embora parta de uma situação de educação matemática.

Clara Brener Mindal e Ettiène Guérios

  • 1 ERNST, Bruno. O espelho mágico de Maurits Cornelis Escher Berlin: Taschen, 1991.
  • 2
    2 BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 9, de 30 de junho de 2009. Institui o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 jul. 2009.
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    ERNST, Bruno.
    O espelho mágico de Maurits Cornelis Escher. Berlin: Taschen, 1991.
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    BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 9, de 30 de junho de 2009. Institui o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica.
    Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 jul. 2009.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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