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A participação da comunidade no Projeto Escola Aberta no Rio Grande do Sul: o uso da escola pública nos finais de semana

The community's participation in the Project Escola Aberta in RS: the use of the public schools on the weekends

La participación de la comunidad en el Proyecto Escola Aberta en RS: el uso de la escuela pública en fines de semana

Resumos

Esta pesquisa teve como objetivo analisar as ações desenvolvidas no Projeto Escola Aberta em cinco escolas da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, buscando compreender como os sujeitos participantes das ações percebiam o Projeto e a própria participação nas atividades desenvolvidas durante os finais de semana. A identificação do tipo de atividade realizada e a responsabilidade pela coordenação de cada uma delas também foram alvo desta investigação. Neste artigo são discutidos quatro aspectos que se sobressaíram na análise das ações do Escola Aberta: a) o significado atribuído pela comunidade ao uso da escola nos finais de semana; b) o papel da equipe diretiva na abertura das escolas às comunidades; c) a relação permanência na escola e redução da violência; d) o caráter voluntário da oferta de ações no Projeto. A abordagem metodológica adotada nesta pesquisa foi de natureza qualitativa. Todo o trabalho de campo foi desenvolvido no ano de 2006. Identificou-se com este estudo que há o desejo, por parte das populações que vivem no entorno das escolas, pela realização de atividades nos finais de semana, configurando a instituição como espaço de lazer que serve, ao mesmo tempo, para o divertimento e para a formação.

Participação; Escola pública; Comunidade


This research aimed to analyze the actions developed by the Projeto Escola Aberta in five state schools in Rio Grande do Sul, seeking to understand how the participants have perceived the Project and their own participation in the activities developed on the weekends. This investigation has also aimed to identify the kinds of activities and the responsibility for their coordination. This article discusses four aspects that stood out in the analysis of the Escola Aberta actions : a) the meaning attributed by the communities to the use of the schools on weekends; b) the directors' roles in the opening of the schools to the communities; c) the relationship between permanence in school and reduction of violence; d) the voluntary characteristic of the Project actions. The qualitative method was adopted in this research. The whole field work was developed in 2006. This study has showed that the populations who live around the schools have a strong desire to realize the activities on weekends, confirming the institutions as leisure centers which serve, at the same time, for both diversion and formation.

Participation; Public school; Community


Esta investigación analiza las acciones desarrolladas en el Proyecto Escola Aberta en cinco escuelas estatales de Río Grande do Sul, buscando entender como los asuntos participantes de las acciones notaron el Proyecto y la propia participación en las actividades desarrolladas durante los fines de semana. La identificación del tipo de actividad cumplida y la responsabilidad para la coordinación de cada uno de ellos también era objeto de esta investigación. En este artículo se discuten cuatro aspectos que se destacaran en el análisis de las acciones de la Escola Aberta: a) el significado atribuido por la comunidad al uso de la escuela en el fine de semana; b) el papel del equipo directivo en la apertura de las escuelas a las comunidades; c) la relación entre la permanencia en la escuela y la reducción de la violencia; d) el carácter voluntario de la oferta de acciones en el Proyecto. El acercamiento metodológico adoptado en esta investigación fue de naturaleza cualitativa. El trabajo del campo entero se desarrolló por el año de 2006. Con este estudio fue identificado que hay el deseo, por parte de las poblaciones que viven en el entorno de las escuelas cuentan, para realizar actividades en fines de semana, configurando la institución como espacio de que sirve, al mismo tiempo, para la diversión y para la formación.

Participación; Escuela pública; Comunidad


PÁGINA ABERTA

A participação da comunidade no Projeto Escola Aberta no Rio Grande do Sul: o uso da escola pública nos finais de semana

The community's participation in the Project Escola Aberta in RS: the use of the public schools on the weekends

La participación de la comunidad en el Proyecto Escola Aberta en RS: el uso de la escuela pública en fines de semana

Valdelaine MendesI; Glauber Fonseca CruzII; Felipe Fonseca FerrazIII; Maurício Cravo ReisIV

IDoutora em Educação (USP); Professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E-mail: valrosamendes@uol.com.br

IILicenciado em Educação Física, UFPel. E-mail: glauberchui@hotmail.com

IIILicenciado em Educação Física UFPel. E-mail: felipe.quilao@gmail.com

IVAcadêmico de Licenciatura em Educação Física, UFPel. E-mail: mauricio.pardal@yahoo.com.br

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar as ações desenvolvidas no Projeto Escola Aberta em cinco escolas da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, buscando compreender como os sujeitos participantes das ações percebiam o Projeto e a própria participação nas atividades desenvolvidas durante os finais de semana. A identificação do tipo de atividade realizada e a responsabilidade pela coordenação de cada uma delas também foram alvo desta investigação. Neste artigo são discutidos quatro aspectos que se sobressaíram na análise das ações do Escola Aberta: a) o significado atribuído pela comunidade ao uso da escola nos finais de semana; b) o papel da equipe diretiva na abertura das escolas às comunidades; c) a relação permanência na escola e redução da violência; d) o caráter voluntário da oferta de ações no Projeto. A abordagem metodológica adotada nesta pesquisa foi de natureza qualitativa. Todo o trabalho de campo foi desenvolvido no ano de 2006. Identificou-se com este estudo que há o desejo, por parte das populações que vivem no entorno das escolas, pela realização de atividades nos finais de semana, configurando a instituição como espaço de lazer que serve, ao mesmo tempo, para o divertimento e para a formação.

Palavras-chave: Participação. Escola pública. Comunidade.

ABSTRACT

This research aimed to analyze the actions developed by the Projeto Escola Aberta in five state schools in Rio Grande do Sul, seeking to understand how the participants have perceived the Project and their own participation in the activities developed on the weekends. This investigation has also aimed to identify the kinds of activities and the responsibility for their coordination. This article discusses four aspects that stood out in the analysis of the Escola Aberta actions : a) the meaning attributed by the communities to the use of the schools on weekends; b) the directors' roles in the opening of the schools to the communities; c) the relationship between permanence in school and reduction of violence; d) the voluntary characteristic of the Project actions. The qualitative method was adopted in this research. The whole field work was developed in 2006. This study has showed that the populations who live around the schools have a strong desire to realize the activities on weekends, confirming the institutions as leisure centers which serve, at the same time, for both diversion and formation.

Keywords: Participation. Public school. Community.

RESUMEN

Esta investigación analiza las acciones desarrolladas en el Proyecto Escola Aberta en cinco escuelas estatales de Río Grande do Sul, buscando entender como los asuntos participantes de las acciones notaron el Proyecto y la propia participación en las actividades desarrolladas durante los fines de semana. La identificación del tipo de actividad cumplida y la responsabilidad para la coordinación de cada uno de ellos también era objeto de esta investigación. En este artículo se discuten cuatro aspectos que se destacaran en el análisis de las acciones de la Escola Aberta: a) el significado atribuido por la comunidad al uso de la escuela en el fine de semana; b) el papel del equipo directivo en la apertura de las escuelas a las comunidades; c) la relación entre la permanencia en la escuela y la reducción de la violencia; d) el carácter voluntario de la oferta de acciones en el Proyecto. El acercamiento metodológico adoptado en esta investigación fue de naturaleza cualitativa. El trabajo del campo entero se desarrolló por el año de 2006. Con este estudio fue identificado que hay el deseo, por parte de las poblaciones que viven en el entorno de las escuelas cuentan, para realizar actividades en fines de semana, configurando la institución como espacio de que sirve, al mismo tiempo, para la diversión y para la formación.

Palabras clave: Participación. Escuela pública. Comunidad.

Introdução

A reivindicação, por parte de setores organizados da sociedade, do uso dos espaços da escola pública para a comunidade, naqueles horários em que não há atividades curriculares, não é recente. No Brasil, diferentemente de outros países, observa-se que essa prática ainda é bastante incipiente. Os argumentos para impedir o uso desse espaço pela comunidade vão desde a falta de estrutura para abrir a escola nos horários em que não há atividades curriculares até a compreensão de que não cabe à escola servir para esse tipo de ação. De fato, faz-se necessária a elaboração de políticas públicas que assegurem, efetivamente, as condições para que as escolas possam disponibilizar seus espaços para o uso da comunidade que vive no seu entorno, constituindo-se, dessa forma, como importante polo de acesso a ações de lazer, esporte e educação, entre outras.

É na escola que a criança e o jovem têm a maior experiência de inserção em uma instituição pública. Pode-se afirmar que a escola pública constitui a maior rede institucional do Estado na sociedade. As referências acumuladas nesse espaço poderão favorecer uma ação mais crítica ou mais submissa na vida adulta em relação àquilo que pertence à coletividade. A partir da compreensão de que a escola pública pertence a todos e sentindo-se responsável por ela, os sujeitos poderão agir de modo a exercer um controle sobre o tipo de ação que lá é realizada, a fim de que prevaleçam as vontades coletivas em detrimento dos interesses individualistas. Assim, poderão ser criadas as condições para que desde cedo o cidadão aprenda sobre seu direito de decidir acerca dos rumos daquilo que lhe pertence, o público (MENDES, 2005).

Nesse sentido, a abertura das escolas nos finais de semana para a comunidade pode constituir uma referência importante para o desenvolvimento de um sentimento de pertencimento em relação a esse espaço que é de acesso universal. Esse sentimento e essa valorização dos equipamentos públicos também poderão conduzir a uma postura dos sujeitos que por lá passam, mais comprometida com um conjunto de ações que levem à exigência do atendimento dos interesses e necessidades daquelas camadas da população que frequentam a escola pública. Isso significa que tal participação poderá favorecer o exercício da cidadania e, especificamente dentro da escola, contribuir para que as relações de poder superem hierarquias e pautem-se em um tipo de gestão mais democrática e menos autoritária.

Desde 2005 é desenvolvido no estado do Rio Grande do Sul (RS) o Projeto Escola Aberta. De acordo com dados da Secretaria de Educação (SE) do estado, esse Projeto tinha como propósito usar os espaços físicos das escolas estaduais nos finais de semana, oferecendo atividades esportivas, artísticas e socioculturais aos jovens e à comunidade. O Projeto conta com o apoio da UNESCO1 1 A UNESCO (2000) criou o "Programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz", que mais tarde passou a denominarse Programa Escola Aberta. No dia 15 de outubro de 2004, é lançado, em Brasília, o "Programa Escola Aberta: educação, cultura, esporte e trabalho para a juventude", uma parceria da UNESCO com o Ministério da Educação. , que estabeleceu uma parceria com o Ministério da Educação (MEC), para incentivar as ações nas escolas nos finais de semana. No RS apenas as escolas situadas na região metropolitana de Porto Alegre integram o acordo UNESCO/MEC/SE. Nas demais escolas as ações são coordenadas pela SE2 2 Em 2007 houve alteração no grupo de partidos que governava o estado do Rio Grande do Sul. Apesar da mudança houve a manutenção do Projeto Escola Aberta. Este estudo não faz a análise desse processo de transição e das modificações que possam ter ocorrido em decorrência das alterações políticas. .

No ano de 2006, a rede estadual de ensino do RS era composta por aproximadamente 3000 escolas. Desse total, 150 estabelecimentos de ensino, distribuídos em 84 municípios, desenvolviam ações do Projeto Escola Aberta (RIO GRANDE DO SUL, 2005), cujos objetivos eram

diminuir os índices de violência, principalmente, nas comunidades mais carentes; fortalecer o papel da escola como pólo irradiador de cultura; fortalecer as ações políticas e pedagógicas das escolas e das comunidades envolvidas; aproximar escola e comunidade; provocar mudanças nas relações da escola com a sociedade; envolver os jovens na elaboração e na execução do projeto preparando-os para um melhor exercício da cidadania.

Dessa forma, o Projeto previa que, por meio de ações esportivas, artísticas e de lazer fosse possível corrigir um conjunto de problemas sociais. Para a execução do Escola Aberta deveriam estar envolvidos nas escolas a direção, um monitor representante da comunidade ou da escola; um grupo de trabalho coordenado pelo monitor; monitores de oficinas. O governo do estado do RS pretendia ainda estabelecer, de acordo com os documentos oficiais, parcerias com universidades, câmaras de vereadores, sistema "s", sindicatos, organizações da sociedade civil e empresas privadas.

O objetivo deste estudo foi analisar as ações desenvolvidas no Projeto Escola Aberta em escolas de duas Coordenadorias Regionais de Educação, buscando compreender como os sujeitos percebem a sua participação nas ações do Projeto e se essa participação, nas atividades, tem constituído um exercício da cidadania e uma forma de inclusão social, como foi definido nos documentos oficiais do Projeto.

A abordagem metodológica adotada nesta pesquisa foi de natureza qualitativa. A opção pela abordagem qualitativa justifica-se pelo interesse em extrair dados que proporcionem uma visão contextualizada da realidade, na qual são consideradas as contradições, relações e dimensões do fenômeno estudado (TRIVIÑOS, 1992; STAKE, 1983a, 1983b).

Para o desenvolvimento do trabalho foram adotadas como técnicas de pesquisa entrevistas do tipo semiestruturada e observações. As entrevistas3 3 Para evitar qualquer tipo de identificação, foram utilizados nomes fictícios tanto aos sujeitos participantes do estudo, quanto às escolas estudadas. foram realizadas com professores, funcionários, alunos, pais, monitores e gestores. Todos os aspectos observados na escola, pertinentes ao estudo, foram registrados em um diário de campo. Foram também coletados documentos que constituíram importante fonte de informação.

O estudo foi desenvolvido, durante o ano letivo de 20064 4 A análise e a interpretação das informações foi feita no ano de 2007. , em três escolas da 5ª Coordenadoria de Educação, lotada na cidade de Pelotas, RS, e em duas escolas da 18ª Coordenadoria de Educação, lotada na cidade de Rio Grande, RS. As escolas analisadas neste estudo não faziam parte do acordo firmado entre a SE e o MEC.

Na cidade de Rio Grande foram investigadas todas as escolas que implementaram o Projeto Escola Aberta (RIO GRANDE DO SUL, 2005). Já na cidade de Pelotas, optou-se por estudar três das cinco escolas que desenvolveram as ações propostas pela Secretaria de Educação. A escolha das três escolas na cidade de Pelotas foi necessária para possibilitar um melhor acompanhamento, por parte da equipe de pesquisa, das ações que eram desenvolvidas nos finais de semana.

As duas escolas investigadas na cidade de Rio Grande estão situadas em bairros com baixo poder econômico. Ambas oferecem ensino fundamental completo e uma delas, o ensino médio. Na cidade de Pelotas, uma das escolas estudadas está situada no centro e as outras duas em bairros. Os usuários das escolas de Pelotas, diferentemente dos de Rio Grande, são diversificados e pertencem a camadas sociais de diferente poder econômico. Na escola situada no centro e em um dos bairros percebeu-se que há usuários com perfis econômicos variados. Vale ressaltar esse aspecto, nessa rápida descrição das escolas, porque se percebeu que, quanto mais desfavorecida economicamente é a população, menores são suas oportunidades de acesso a atividades esportivas e de lazer e, dessa forma, maiores são as chances de procurar em um projeto como o Escola Aberta as possibilidades de participar desse tipo de atividade.

A análise do Escola Aberta é relevante e justifica-se por tratar-se de um projeto de desenvolvimento de atividades esportivas, artísticas e de lazer nas escolas públicas, naqueles horários em que essas tradicionalmente encontram-se fechadas à comunidade. Os resultados desta pesquisa podem servir de referência para o aprimoramento de políticas públicas da natureza da aqui investigada. É o que se pretende, em última instância, com este estudo: levantar informações que contribuam para a reflexão, para o debate e para a elaboração de outras propostas no setor.

Inicialmente, pretendia-se com o estudo analisar a configuração das atividades esportivas e de lazer no Projeto Escola Aberta (RIO GRANDE DO SUL, 2005). Entretanto, ao longo da coleta de dados, com a amplitude de informações e situações a que se teve acesso, percebeu-se que outras dimensões se sobressaíam e mereciam ser analisadas pela equipe de pesquisa. Dessa forma, foram eleitos os seguintes temas para análise neste estudo: a) o significado atribuído pela comunidade ao uso da escola nos finais de semana; b) o papel da equipe diretiva na abertura das escolas às comunidades; c) a relação permanência na escola e redução da violência; d) o caráter voluntário da oferta de ações no Projeto. É importante ressaltar que não se pretende com tais temas apreender todas as dimensões do Projeto Escola Aberta, mas explicar aspectos que se sobressaíram no estudo aqui realizado.

Para chegar a essas quatro dimensões de análise do Projeto, investigaram-se as ações implementadas em cada uma das escolas pesquisadas. A informática, o artesanato, o reforço escolar, a dança e os esportes foram atividades encontradas em todas as escolas pesquisadas.

Nas aulas de informática eram passadas noções básicas de uso de computadores com atenção especial para navegação na internet e para editoração de textos. Nas oficinas de artesanato eram ensinadas técnicas diversas de pintura em tecido, costura em pequenos retalhos, confecção de bonecos, aplicação de fuxicos em bolsas e roupas. Nesta atividade a definição do tipo de oficina a ser ofertada estava relacionada diretamente à habilidade da instrutora, o que variava de escola para escola. O reforço escolar consistia no auxílio aos alunos com dificuldades em alguma disciplina, no qual a matemática era a disciplina que apresentava maior demanda. Nas aulas de dança o estilo mais encontrado foi o street dance e não se encontrou nas escolas um professor com alguma formação em dança ou em área similar. As oficinas de esporte despertaram a atenção da equipe de pesquisa, pois, em geral, nesses espaços, diferentemente das outras atividades descritas, não havia um coordenador. As crianças e adolescentes usavam o espaço e o material disponibilizados pela escola para jogarem basquete, vôlei ou futebol. Identificou-se que somente as modalidades coletivas eram praticadas nas escolas, cuja forma de organização era definida pelo grupo presente para jogar.

Também encontraram-se atividades com características mais específicas nas escolas, como oficinas de desenho artístico, literatura infantil, grafite, gastronomia e educação ambiental. O espaço do Projeto também era usado para a organização de festas em datas comemorativas, como Festa Junina e Dia da Criança. Vale ressaltar que muitas crianças e adolescentes permaneciam nas escolas durante o Escola Aberta apenas para conversar ou namorar e não se envolviam diretamente em um oficina.

Significado atribuído pela comunidade ao uso da escola pública nos finais de semana

Discutir o significado atribuído pela comunidade ao uso da escola pública nos finais de semana parece ser fundamental neste artigo, por ser um tema que sintetiza um conjunto de percepções de todos os sujeitos envolvidos no Escola Aberta sobre o Projeto e sobre o próprio papel da escola. De certa forma, a análise do significado também aponta indicadores para a avaliação do Projeto a partir da expectativa dos usuários.

O debate sobre a utilização do espaço da escola pública para atividades que não fazem parte do currículo está presente no meio acadêmico, nas comunidades que circundam as escolas, nos sindicatos, nos órgãos da gestão municipal e estadual. A possibilidade de uso das instalações da escola pública, naqueles horários em que não são realizadas atividades curriculares, apresenta-se como alternativa importante para as comunidades que vivem nas proximidades das escolas. Isso se deve fundamentalmente à falta de espaços públicos que permitam a realização de atividades de lazer e as limitações econômicas que permitam pagar pelo uso de espaços privados. Nesse caso, as comunidades percebem na escola a oportunidade de usufruir uma estrutura pública para a realização de atividades esportivas e de lazer. Vitor Henrique Paro (1995, p. 314), ao discorrer sobre o tema, afirma:

Mesmo os poucos terrenos vazios onde se dão as peladas aos fins de semana ou os galpões em que se realiza alguma festa ou comemoração vão sendo eliminados com a ocupação mais intensa do solo, provocada pela crescente urbanização. Diante disso, o prédio e as dependências da escola pública poderiam ser uma alternativa para o desenvolvimento de alguma atividade de lazer que contribuísse para minorar a falta de opção da população nesse sentido.

É necessário lembrar que, devido à falta de recursos e investimentos por parte dos governos, grande parte das escolas estaduais do Rio Grande do Sul não possuem as condições adequadas para a prática de atividades esportivas e de lazer5 5 A falta de condições adequadas não se restringe a essas atividades, já que as salas de aula, os laboratórios, as bibliotecas, enfim, o conjunto de espaços da maioria das escolas públicas está aquém do necessário. . Porém, os precários equipamentos das escolas ainda constituem a única possibilidade de acesso a atividades dessa natureza às comunidades. Isso decorre da ausência de espaços para a realização de atividades esportivas e de lazer, em especial nos bairros que circundam as cidades. Ainda segundo Paro (1995, p. 316): "nos bairros ocupados pelas camadas populares, nas periferias dos grandes centros como São Paulo, os equipamentos coletivos de lazer, como teatros, cinemas, museus, clubes esportivos ou recreativos, etc. são extremamente escassos ou simplesmente não existem".

Milton Santos (2007, p. 116) ratifica essa distribuição desigual dos equipamentos educacionais e de lazer em uma pesquisa na cidade de São Paulo, na qual constata que os "cinemas, hotéis, museus, restaurantes e teatros estão concentrados em apenas duas zonas, que são exatamente as centrais [...]". Para o autor, a concentração dos espaços de lazer em determinadas regiões faz com que pessoas de outras regiões frequentem menos tais espaços. Sendo assim,

o espaço também contribui para que, no sistema capitalista, o desenvolvimento das forças produtivas e a expansão da divisão do trabalho sejam paralelos à formação de uma estrutura de classes que separa, de um lado, os proprietários dos bens de produção e, de outro, os portadores de força de trabalho e, igualmente, os que se beneficiam da mais-valia coletivamente realizada dos que, com menos recompensa, a realizam. Uns e outros dividem o espaço, mas de maneira distinta, pois o lugar que detêm na cidade, ou no campo, é um dado fundamental para a reprodução de sua situação original, isto é, das relações sociais desiguais (SANTOS, 2007, p. 117).

Os dados das pesquisas de Santos (2007), realizadas em São Paulo, servem para a análise das situações encontradas neste estudo. Nas escolas das duas cidades aqui investigadas, os usuários do Projeto são aqueles provenientes de um meio menos favorecido economicamente, que não têm a oportunidade de acesso a um lazer de consumo e também não vivem em locais cujas condições de prática de atividades esportivas e de lazer existam, e quando existem não estão em boas condições6 6 Embora, não se tenha realizado um estudo sobre essa questão, pode-se afirmar, nas duas cidades estudadas, que os bairros mais arborizados, mais limpos, com melhor tratamento de esgoto e com melhores equipamentos de lazer não são aqueles onde vive a população de mais baixa renda. .

Dessa forma, o Projeto Escola Aberta (RIO GRANDE DO SUL, 2005) acaba tendo a função de suprir a falta de espaços públicos como praças, quadras esportivas e locais com oficinas que permitam à sociedade desenvolver-se culturalmente. Tal constatação aparece no depoimento dos entrevistados. De acordo com Valdo, aluno da Escola Délcio Joaquim, "[...] as pessoas não têm nada para fazer e aí têm a escola pra fazer alguma coisa". A escola, dessa forma, assume um papel importante na vida das pessoas para além da formalidade das ações curriculares. Torna-se um espaço de aprendizagem, convívio e troca de experiências.

Para a professora Alcione, diretora da Escola Délcio Joaquim, a oferta de atividades nos finais de semana permite um melhor conhecimento das pessoas que vivem no bairro: "[...] é, eu acho que o bairro que atende as crianças vê como é que tá indo né, é maravilhoso, mais com realidades diferentes, mas é um espaço para ser aproveitado pelos alunos, pela comunidade".

A pesquisa demonstrou haver uma modificação na concepção de escola de alguns sujeitos que participavam das ações do Escola Aberta. A ideia da escola como um espaço permeado por obrigações e cuja participação restringe-se aos papéis definidos socialmente para cada segmento dá lugar à formulação de novas impressões. A mãe Vera, oficineira voluntária da Escola Délcio Joaquim, mencionou em sua entrevista: "É bom que faz da escola, que antes tava fechada aos fins de semana, um espaço aberto onde a gente pode vir aprender novas coisas, e ensinar também [...] antes do Escola Aberta só vinha aqui quando precisava porque minha filha estudava aqui". Na mesma perspectiva de Vera, a diretora da Escola Élio Figueira demonstrou ter um "[...] sonho de oferecer este espaço escolar, com outro significado, que somente o tradicional de durante a semana".

Evidenciou-se nos depoimentos dos sujeitos participantes deste estudo a ideia de que as atividades realizadas nos finais de semana não devem ter o mesmo caráter daquelas desenvolvidas nos horários das atividades curriculares: a ideia de que na formalidade das ações curriculares há menos prazer, em contrapartida àquilo que é feito no final de semana na escola. A coordenadora do Projeto na Escola Júlio Maia, Amélia, afirma: "os principais objetivos eram proporcionar um espaço para a comunidade desenvolver atividades prazerosas, assim educando o corpo, e abrir a escola nos finais de semana para os mesmos". Essa compreensão, presente na fala de Amélia, parece indicar o quanto as atividades desenvolvidas na escola são desprovidas de prazer, de gosto e de alegria.

Na opinião de Alex, aluno da Escola Délcio Joaquim, o Projeto é uma "chance de poder ir pra lá e brincar, para pessoas que não podiam [...]". Para Sofia, aluna da mesma escola, a participação no Projeto parece ser uma oportunidade de fazer coisas diferentes nos finais de semana. Paulo, também aluno da mesma escola, compartilha essa ideia: "Bom, não tinha nada pra fazer no sábado, agora, vem pra escola". Inácio, aluno da Escola Giovani Alves a participação no Escola Aberta é boa "[...] porque abre espaços aí pra gurizada, participar de alguma coisa no fim de semana".

A possibilidade de aprender coisas novas também foi detectada no estudo como um elemento de grande relevância na participação no Escola Aberta. Esse elemento indica o desejo das pessoas de se desenvolverem e ampliarem seus conhecimentos e sua compreensão da realidade, condições imprescindíveis à formação de sujeitos com atuação ativa na vida social.

Inês, moradora da comunidade onde fica a Escola Délcio Joaquim, ao mencionar as razões da relevância do Projeto afirmou: "Trazer mais a comunidade pra escola, [...] transmissão de conhecimentos". Ideia semelhante é identificada na fala de Mônica, aluna da Escola Élio Figueira "[...] é bom, porque antes não tinha nada pra fazer nos finais de semana e agora tem e são coisas boas, a gente aprende coisas aqui".

É preciso termos clareza de que a abertura da escola às comunidades é de grande importância como oportunidade de acesso a um espaço público e como estabelecimento de um outro tipo de relação dos sujeitos com a escola. Entretanto, tal abertura não pode significar a eliminação de qualquer outra possibilidade de acesso ao conteúdo cultural produzido pela humanidade. A escola precisa constituir-se como mais um espaço à disposição das comunidades para o usufruto de ações esportivas e de lazer, porém não se pode reduzir a um único espaço. Como afirma Santos (2007), há nos países subdesenvolvidos os que são mais cidadãos e os que são menos cidadãos. Isso porque na medida em que a riqueza fica concentrada nas mãos de uma pequena parte da população, é esta parte que usufrui e concentra o acesso. Ao cidadão menos favorecido economicamente, resta usufruir serviços precários, improvisados ou de segunda categoria.

O uso da escola, na forma como está sendo aqui tratado, deve servir para despertar nas comunidades a reivindicação pelo acesso a atividades de lazer em outros espaços que não só a escola. Deve servir para despertar nas pessoas a necessidade de praças, parques e ruas bem cuidadas que permitam a realização de atividades esportivas, além da necessidade de saneamento básico de casas em condições dignas de habitabilidade.

O papel da direção nas formas de uso da escola pública

Um dos fatores limitadores da utilização do espaço escolar pela comunidade, identificado no estudo, é o perfil da equipe diretiva. A forma como a equipe gestora percebe a escola e o espaço público são fundamentais na implementação de um projeto como o aqui estudado. Uma direção cujo compromisso é restrito às atividades curriculares provavelmente criará uma série de entraves à implementação de qualquer ação que demande o uso da escola nos finais de semana.

Essa possibilidade pode ser bastante significativa tanto para a escola, que tem a comunidade mais próxima e mais participativa, quanto para a comunidade, que tem a possibilidade de usufruir atividades que normalmente não estão à sua disposição. De acordo com Paro (1995, p. 314),

uma das formas de se aferir a intensidade das relações entre a escola pública e a comunidade é a dimensão em que o espaço escolar é utilizado pelos usuários nos períodos em que a escola não desenvolve suas atividades docentes regulares, especialmente nos fins de semana, nos feriados e nas férias escolares.

Na pesquisa, a professora Zoila, que coordenava as ações em nível regional, evidenciou que o perfil da equipe diretiva da escola foi fundamental na implementação e nas ações do Projeto. Ao lembrar uma escola que após a mudança da equipe diretiva interrompeu o Projeto, disse que "a comunidade ficou revoltada, irada, mas o diretor não quis, porque o diretor tem que apoiar, se o diretor não apoiar a escola não se abre, porque abrir a escola [...], não podemos arrombar a escola pra entra, né?". A professora Zoila ainda mencionou outra escola que iniciou o Projeto e com a mudança da direção interrompeu as ações: "[...]a diretora anterior gostava do Projeto, implantou o Projeto, veio um novo diretor e não quis".

A crítica comumente feita às ações governamentais que não se consolidam e não passam de políticas de governo podem ser feitas a esse tipo de gestor. Políticas que deveriam ser ações do Estado dependem da vontade política daquele que governa, seja ele um gestor que ocupe cargos nos primeiros escalões de um governo ou um diretor de escola que coordena as ações escolares em um espaço menor.

A não utilização do espaço escolar pela comunidade também se dá pelo descomprometimento das direções das escolas, que se comprometem apenas com as atividades curriculares, abdicando do oferecimento de tal espaço. Inúmeros elementos poderiam ser aqui acionados para explicar o porquê disso ocorrer, os baixos salários; a falta de segurança; o número reduzido de funcionários; a compreensão de que não cabe à escola suprir a deficiência de espaços esportivos e de lazer; a possibilidade de depredação da escola quando usada fora do período curricular entre outros aspectos que não serão detalhados aqui, pois se fugiria dos propósitos desta investigação.

O acesso à escola e aos meios culturais não pode decorrer da caridade dos profissionais que atuam na escola ou de voluntários que se candidatam a coordenar atividades. Embora o tema das ações voluntárias seja debatido posteriormente neste texto, vale neste momento ressaltar a relevância de políticas educacionais que assegurem os meios para haver um ensino de qualidade, de modo que a abertura da escola naqueles horários em que não são desenvolvidas atividades curriculares torne-se uma constante e não dependa da postura do diretor ou da equipe que atua na escola.

É evidente que com isso não se está negando que o perfil da equipe diretiva influencia as ações desenvolvidas no interior da escola. Como mencionou a professora Alcione, diretora da Escola Délcio Joaquim: "Toda escola que está aberta é a cara do seu diretor como a escola do dia de semana eu acho também, né, se o diretor vestir a camisa a escola anda, tem que vestir a camiseta".

A relação entre a permanência na escola e a questão da violência

A preocupação com a violência está presente nas diferentes camadas da sociedade. O tema ocupa parte significativa dos jornais e noticiários veiculados diariamente, e evidentemente merece atenção na medida em que compromete o convívio social. É um assunto que tem sido alvo de estudos e investigações por diversas áreas do conhecimento como a antropologia, a sociologia, a ciência política, a psicologia, a educação, entre outras.

Segundo Mario Stoppino (2000), um primeiro elemento para o entendimento do conceito de violência é a intencionalidade. Só há um ato de violência quando um indivíduo age intencionalmente contra outro ou contra si e tem por finalidade destruir, ofender ou coagir. O autor trata do caráter simbólico da violência, que ocorre quando determinados indivíduos ou grupos agem contra outros para chamar a atenção para as injustiças das quais são vítimas e para a legitimidade de suas reivindicações. Isso ocorre com grupos rebeldes, revolucionários ou minoritários. Nesse caso,

a violência tem a função de favorecer a formação de uma consciência de grupo e de estabelecer a identidade e os limites do próprio grupo. São os atos violentos dotados de uma grande carga simbólica de afirmação da legitimidade os que têm maior peso na promoção de uma 'consciência de grupo' entre os que se encontram na mesma situação de desvantagem (STOPPINO, 2000, p. 1297).

Na realidade, a preocupação com a violência acompanha a humanidade. Nas mais primitivas relações essa questão fazia-se presente na medida em que a sobrevivência estava pautada pela disputa por abrigo ou comida. A defesa de territórios, de fundamentos políticos ou de doutrinas religiosas também são fontes geradoras de conflitos.

Na atualidade, as desigualdades produzidas pelas diferentes condições econômicas a que têm acesso a população contribuem para que em determinadas regiões das cidades os índices de violência sejam superiores. É justamente nessas regiões que se evidencia uma maior demanda, expressa pelos documentos oficiais, de ações do tipo da aqui estudada.

Álvaro Chrispino (2007, p. 13), ao analisar uma pesquisa do IBOPE realizada no Rio de Janeiro em 2006, mostra o quanto os jovens percebem a escola e a educação como elementos importantes para suas vidas, revelando "o quanto a violência na escola os afasta de seus sonhos ou os amedronta". No estudo a que se refere o autor, a escola só fica atrás da família entre as instituições capazes de assegurar um bom futuro ao jovem.

À escola ao se constituir como um espaço que considera e valoriza a diversidade, no qual as diferenças são tratadas como condição fundamental para o aprimoramento e desenvolvimento do ser humano cumpre um papel fundamental na mediação dos conflitos sociais. De acordo com Chrispino (2007, p. 23),

as escolas que valorizam o conflito e aprendem a trabalhar com essa realidade, são aquelas onde o diálogo é permanente, objetivando ouvir as diferenças para melhor decidirem; são aquelas onde o exercício da explicitação do pensamento é incentivado, objetivando o aprendizado da exposição madura das ideias por meio da assertividade e da comunicação eficaz; onde o currículo considera as oportunidades para discutir soluções alternativas para os diversos exemplos de conflito no campo das ideias, das ideologias, do poder, da posse, das diferenças de toda ordem; onde as regras e aquilo que é exigido do aluno nunca estão no campo do subjetivo ou do entendimento tácito: estão explícitos, falados e discutidos. Em síntese, devemos ser explícitos naquilo que esperamos dos estudantes e naquilo que nos propomos a fazer.

Os dados encontrados na pesquisa demonstram haver uma compreensão da população bastante semelhante àquela exposta nos documentos oficiais do Projeto em relação aos seus objetivos. Logo no primeiro parágrafo da apresentação do Escola Aberta, no site da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (2005), consta:

Esta é uma iniciativa para modificar o quadro que demonstra o crescimento do número de jovens envolvidos direta ou indiretamente em casos de violência, expostos às mais variadas situações de risco. Está provado que, principalmente, nas comunidades mais carentes, grande parte dos casos ocorre nos finais de semana, quando os jovens acabam ficando quase sem opções de lazer na comunidade em que vivem. Por isso, trazemos uma alternativa que vai além de abrir portas. Abre horizontes e barra o caminho da violência entre os nossos jovens.

Durante as entrevistas e observações realizadas neste estudo observou-se que um dos principais argumentos utilizados, tanto pelos usuários quanto pelos coordenadores das ações do Escola Aberta, para justificar a relevância do Projeto era a possibilidade de redução da violência nas comunidades atendidas. O tema revelou-se no estudo sob três aspectos: a) o afastamento das situações violentas produzidas na sociedade, como algo externo aos sujeito do Projeto; b) o afastamento ou o não envolvimento com grupos que agem com violência; c) a melhoria do convívio social.

No primeiro caso, há uma ideia presente entre os entrevistados de que a oportunidade de permanecer na escola, nos finais de semana e naqueles horários em que não ocorrem as aulas, afasta os alunos da violência presente nas ruas. Assim, as crianças e os adolescentes estariam menos sujeitos a brigas, agressões, assaltos, etc. Isto é, a partir do momento em que estão ocupados com atividades recreativas ou de lazer não estão sujeitos às situações violentas das ruas. Susana, aluna da Escola Giovani Alves, quando questionada sobre a relevância do Projeto revelou: "Ah, é legal porque ajuda o pessoal, aí, e não deixa as crianças na rua". Já Walter, aluno da Escola Délcio Joaquim, ao avaliar o Escola Aberta afirmou: "Muito bom, tira as crianças da rua, e vêm pro colégio praticar esportes".

No segundo caso, percebeu-se que a preocupação vai além da situação de ser vítima da violência praticada pelos "outros", situando-se no próprio envolvimento dessas crianças e adolescentes com pequenos delitos, com drogas, etc. O fato de estarem nas ruas poderia favorecer a sedução a esse tipo de ação. Na opinião de Peter, estudante da Escola Giovani Alves: "Eu acho bom porque oportuniza aí pro pessoal um espaço aberto pra poder utilizar tranquilo, sem briga e sem problema".

E, o terceiro elemento detectado, dentro desse tema, é a possibilidade de que a participação no Projeto torne os sujeitos mais aptos ao convívio social. Ou seja, com a participação em programas dessa natureza as crianças e adolescentes aprendem a respeitar o outro, a conviver em grupo e a respeitar regras. Quando questionado sobre o comportamento dos alunos após a implantação do Escola Aberta, afirmou o professor Zeca, da Escola Giovani Alves: "Acho que melhorou sim, principalmente quanto à disciplina e ao respeito, fica muito mais fácil de se relacionar com eles depois de conviver com eles nos finais de semana". Esse aperfeiçoamento do convívio social também está relacionado com um aspecto já tratado neste texto, do maior cuidado com a escola. Para Paola, funcionária da Escola Délcio Joaquim "melhorou, agora eles respeitam mais esse espaço, aqui dentro, diminuíram as depredações".

Este terceiro aspecto, referente à melhora no convívio social, pode ser interpretado duplamente. Por um lado, pode servir para qualificar as formas de convivência na sociedade, contribuindo para a formação de sujeitos mais solidários e cooperativos, que respeitam e valorizam a opinião do outro, isto é sabem lidar com o conflito. Mas, por outro lado, pode servir para tornar as pessoas mais passivas diante das situações injustas e desiguais a que estão sujeitas na sociedade. Esse debate será retomado no próximo tópico deste artigo.

O trabalho voluntário como "requisito" para o Escola Aberta

Uma das principais características identificadas no Projeto Escola Aberta (RIO GRANDE DO SUL, 2005), foi a participação voluntária da sociedade nas atividades desenvolvidas. Inclusive, de acordo com os documentos oficiais, não ter vínculo com o estado constituía uma exigência para ser monitor do Projeto.

Não se identificaram maiores questionamentos sobre o caráter voluntário da oferta das atividades desenvolvidas no Projeto, tanto nas entrevistas com gestores quanto com os usuários. Esse fato era tratado com certa naturalidade pelos envolvidos. Isso talvez esteja bastante relacionado com a massificação da ideia de que, na atualidade, o trabalho voluntário é um elemento fundamental para assegurar o acesso a determinados direitos, ide ia essa que se fortalece a partir da década de 90, em nível mundial, com a demonstração de uma certa sensibilidade de organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) com as questões sociais. No Brasil, os meios de comunicação7 7 A Rede Globo de Televisão cria o Programa Amigos da Escola, a Rede Bandeirantes de Televisão o Parceiros Voluntários, A Rede Record o Projeto Ressoar. assumem a função de difusores da relevância do voluntariado para a melhoria das condições de vida da população. Nesse cenário, as empresas erguem a bandeira do trabalho voluntário como um meio de assegurar a imagem de "socialmente responsável"8 8 Nesse caso, nem sempre o empregado presta um trabalho tão "voluntário", já que é coagido pela empresa a realizar determinados tipos de ação. .

O tratamento "natural" do caráter voluntário do Escola Aberta parece denotar uma compreensão de que para aquelas atividades realizadas no "tempo de lazer" não é necessário possuir uma formação específica, nem mesmo estabelecer um vínculo mais formal com a escola. Observou-se que para ser um monitor bastava o candidato possuir uma determinada experiência em algo. Então, para ser professor de futebol bastava ter o domínio da técnica ou quem sabe ter sido um jogador; para ser instrutor de informática bastava dominar um conjunto de saberes da computação; para ensinar dança bastava ter afinidade ou alguma habilidade com essa manifestação artística; e assim por diante.

É evidente que uma pessoa que acumulou um conjunto de saberes ao longo de sua vida em um determinado campo a dança, o esporte, a arte, a informática pode transmitir para outras tais conhecimentos. Porém, permitir que um Projeto aberto a toda uma comunidade fique a cargo somente de voluntários é admitir o descomprometimento do Estado com uma determinada camada da população. É admitir que a responsabilidade pela orientação de determinadas atividades fique a cargo da sociedade, desprovida de profissionalismo, numa lógica bastante presente hoje de "que cada um faça a sua parte".

Trata-se de uma nova configuração de um assistencialismo definido por Vicente Faleiros (1991, p. 68) como "prestação de uma ajuda arbitrária, inconstante e vinculada a relações personalizadas entre aquele que 'dá' e aquele que 'recebe', com ênfase na subordinação do ato de receber".

A Secretaria de Educação repassava mensalmente um recurso para as escolas manterem as atividades do Projeto. O valor repassado era insuficiente para assegurar qualquer remuneração às pessoas que prestavam serviços às escolas. De fato, todo o trabalho realizado era voluntário. Alguns funcionários usavam uma pequena parte da sua carga horária semanal para realizar ações do tipo abrir e fechar a escola, distribuir e recolher materiais, acompanhar as ações e contar o número de presentes. Aliás, vale mencionar que, em relação a esse último aspecto, notou-se grande preocupação nas escolas para registrar quantas pessoas passavam por lá em cada final de semana. Um simples ingresso na escola para pedir uma informação era contabilizado como atendimento. Isso porque havia uma cobrança da Secretaria de Educação pelos dados referentes aos atendimentos.

De acordo com Maira, diretora da Escola Élio Figueira,

[...] eu recebo 300 reais por mês para atender todo o Projeto, sendo que somente um presidiário custa para o governo muito mais do que isso, ou seja, não tem que construir presídios e mais presídios, tem é que investir nas crianças para que no futuro não se precise estar construindo presídios ainda mais [...].

A reflexão da professora Maira expressa a ideia de que se houvesse maior investimento na educação, talvez os presídios não estivessem tão lotados. Para demonstrar o quanto a avaliação de Maira faz sentido, recorreu-se ao levantamento divulgado pelo Departamento Penitenciário do Estado do Paraná (DEPEN) sobre o grau de escolaridade dos presos daquele estado em 2007. Nesse estudo, os pesquisadores concluíram que 73,5% não possuem o ensino fundamental completo, sendo 6,4% analfabetos e 13,2% apenas alfabetizados (DEPEN, 2008). Utilizaram-se esses dados apenas para ilustrar o quanto se faz necessário investir pesadamente em educação.

Na entrevista realizada com a professora Zoila, que coordenava as ações do Projeto na região, ficou evidente a precariedade das ações desenvolvidas. A professora revelou não receber qualquer tipo de auxílio para acompanhar as ações do Projeto. Inclusive, disse ter de usar seu próprio veículo para visitar as escolas nos finais de semana. Embora tenha revelado fazer isso com muito gosto a professora afirmou não ser fácil ter de dispor de seus próprios meios e tempo para acompanhar um Projeto que, a seu ver, tem grande relevância social.

Conforme foi mencionado no início deste texto, constava nos documentos oficiais do Escola Aberta a intenção do governo do estado de estabelecer parcerias com universidades, câmaras de vereadores, sistema "s", sindicatos, organizações da sociedade civil e empresas privadas para o desenvolvimento das ações do Projeto. De certa forma, essa intenção já indicava a necessidade do estabelecimento de parcerias para que o Projeto pudesse funcionar. Na realidade, com os parcos recursos à disposição das escolas para a realização das atividades, só com o estabelecimento de parcerias e com o trabalho voluntário seria possível executar o Escola Aberta.

Em todas as escolas estudadas não se detectou qualquer tipo de convênio com as entidades sugeridas nos documentos oficiais. Embora as pessoas que atuavam como voluntárias nas ações pudessem ter vínculos com empresas privadas, com universidades ou com organizações da sociedade civil, não estavam nas escolas como representantes dessas instituições.

Considerações finais

As análises aqui apresentadas nada mais fazem do que descrever, sob o aspecto da participação das comunidades na vida escolar fora das ações formais do currículo, a difícil realidade de grande parcela da população que está à margem de muito daquilo que tem sido produzido pela humanidade. Essa mesma população que tem parco acesso aos serviços de saúde, moradia, saneamento básico, alimentação, entre tantas outras coisas, quando olha para seu tempo livre percebe o quão limitadas são suas oportunidades de acesso aos bens culturais.

A análise dos dados coletados nesta investigação permite apontar os seguintes resultados:

a) Há uma disponibilidade da comunidade escolar para usufruir o espaço e participar de ações na escola pública nos finais de semana. Isso ocorre, fundamentalmente, pela ausência de atividades formativas, esportivas e de lazer para as populações menos favorecidas economicamente.

b) Há um interesse forte das pessoas que vivem no entorno da escola pela realização de trabalhos voluntários. Percebeu-se no estudo que os voluntários assumiam quase todas as funções do Projeto Escola Aberta. Entretanto, esse tipo de atuação precisa ter um planejamento e uma coordenação que defina objetivos e um cronograma de trabalho, para que as atividades e oficinas não fiquem totalmente dependentes da vontade de uma pessoa, mas que sejam o resultado de um trabalho planejado e coletivo.

c) Há uma tendência no setor público e privado em incentivar o trabalho voluntário. Porém, identificou-se no estudo certa confusão entre a participação da comunidade na gestão da escola e uma participação voltada somente para a execução de tarefas. O estudo demonstrou a necessidade de uma forte ação do governo para que um projeto como o Escola Aberta tenha resultados positivos. Isso significa que não é possível deixar de lado tanto a atuação profissional em diferentes áreas, quanto a previsão de uma dotação orçamentária que assegure os meios para que o projeto funcione.

d) Há uma ideia presente, nas escolas investigadas, de que um projeto como o Escola Aberta deve compensar a falta de oportunidades sociais e culturais das camadas menos favorecidas economicamente. Isso revela o quanto as populações que residem no entorno das escolas não têm os seus direitos asssegurados. E ainda, aquilo que Milton Santos (2007) afirma sobre a concentração de equipamentos de lazer justamente nos bairros mais favorecidas economicamente.

A escola pública, enquanto espaço de acesso universal de todos e para todos, poderia servir, efetivamente, como um importante local de acesso a atividades culturais. Os dados coletados neste estudo não permitem inferir que a participação no Escola Aberta tenha contribuído para uma formação mais passiva ou mais ativa (BENEVIDES, 1991) diante da realidade social. Entretanto, não se encontrou entre as atividades oferecidas momentos mais organizados de debates e reflexões sobre o papel do Projeto, da própria escola, das políticas educacionais, entre outros temas que poderiam contribuir para despertar nas pessoas um espírito crítico diante das desigualdades sociais, até mesmo para pensar no porquê da necessidade da oferta desse tipo de ação em determinadas escolas e em determinadas comunidades.

O objetivo deste estudo foi analisar as ações desenvolvidas no Projeto Escola Aberta em escolas de duas Coordenadorias Regionais de Educação do RS, buscando compreender se a participação dos sujeitos nesse processo, em especial nas atividades esportivas e de lazer, tem constituído um exercício da cidadania e uma forma de inclusão social. Os dados levantados revelaram o desejo das populações que vivem no entorno da escola pela realização de atividades nos finais de semana, para que se constituam como espaços de lazer, servindo ao mesmo tempo para o divertimento e para a formação. Outro aspecto importante evidenciado no estudo, tanto por gestores quanto pelas comunidades, foi a necessidade de redução dos índices de violência. Assim, a presença da comunidade na escola afasta a possibilidade de envolvimento, em especial dos alunos, em pequenos delitos e em grupos de uso de drogas. Os resultados deste estudo podem servir de referência para o aprimoramento de políticas públicas da natureza da aqui investigada. Foi o que se pretendeu, em última instância, com este estudo: levantar informações que contribuam para a reflexão, para o debate e para a elaboração de outras propostas no setor.

Recebido em: 26/08/2008

Aceito para publicação em: 18/03/2009

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  • BRASIL. Ministério da Educação. Programa Escola Aberta: educação, cultura, esporte e trabalho para a juventude. Brasília, DF, 2004.
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  • FALEIROS, V. O que é política social São Paulo: Brasiliense, 1991.
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  • UNESCO. Programa Abrindo Espaços: educação e cultura para a paz. Brasília, DF, 2000. Disponível em <http://www.unesco.org.br>. Acesso em: 10 jan. 2007.
  • 1
    A UNESCO (2000) criou o "Programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz", que mais tarde passou a denominarse Programa Escola Aberta. No dia 15 de outubro de 2004, é lançado, em Brasília, o "Programa Escola Aberta: educação, cultura, esporte e trabalho para a juventude", uma parceria da UNESCO com o Ministério da Educação.
  • 2
    Em 2007 houve alteração no grupo de partidos que governava o estado do Rio Grande do Sul. Apesar da mudança houve a manutenção do Projeto Escola Aberta. Este estudo não faz a análise desse processo de transição e das modificações que possam ter ocorrido em decorrência das alterações políticas.
  • 3
    Para evitar qualquer tipo de identificação, foram utilizados nomes fictícios tanto aos sujeitos participantes do estudo, quanto às escolas estudadas.
  • 4
    A análise e a interpretação das informações foi feita no ano de 2007.
  • 5
    A falta de condições adequadas não se restringe a essas atividades, já que as salas de aula, os laboratórios, as bibliotecas, enfim, o conjunto de espaços da maioria das escolas públicas está aquém do necessário.
  • 6
    Embora, não se tenha realizado um estudo sobre essa questão, pode-se afirmar, nas duas cidades estudadas, que os bairros mais arborizados, mais limpos, com melhor tratamento de esgoto e com melhores equipamentos de lazer não são aqueles onde vive a população de mais baixa renda.
  • 7
    A Rede Globo de Televisão cria o Programa Amigos da Escola, a Rede Bandeirantes de Televisão o Parceiros Voluntários, A Rede Record o Projeto Ressoar.
  • 8
    Nesse caso, nem sempre o empregado presta um trabalho tão "voluntário", já que é coagido pela empresa a realizar determinados tipos de ação.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      18 Mar 2009
    • Recebido
      26 Ago 2008
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