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Editorial

As modificações da paisagem natural pelo homem nos fizeram valorizar a biodiversidade. Ela nos foi legada sem que tivéssemos consciência da sua importância, das suas repercussões ou dos riscos da sua limitação. Do ponto de vista social, a duras penas temos aprendido que a sociodiversidade é rica, enquanto a singularidade é pobre, conforme a famosa obra de Morin (2000)MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.. A histórica dominação de uns sobre outros, dos “melhores” e/ou mais “poderosos” indivíduos, grupos e países, obscureceu nossas perspectivas, que começaram a mudar com o Iluminismo e a Ilustração, no alvorecer da modernidade. Hoje a preocupação com as minorias, entre outros temas de alta relevância, indica que aprender a conviver pode levar a palma sobre aprender a dominar.

Estes princípios se incorporaram à Constituição Federal vigente sob as formas de liberdade de pesquisa, ensino, disseminação, opinião e outras tantas. Ensaio, antes mesmo da sua promulgação, tem primado pela pluralidade de temas, fundamentos teóricos e metodologias, que prossegue no presente número. O leque aberto ao leitor é amplo, cabendo aqui informar os tópicos, como um aperitivo à leitura, em vez de tratar das conclusões. Se anunciadas desde logo, perderia a graça...

O número começa com um tema estratégico: a gestão dos sistemas municipais de ensino e o pacto federativo, analisando a condução do Plano de Ações Articuladas (PAR). Desde 1988, o sistema educacional brasileiro se tornou ternário e não mais binário: União, Estados e Municípios. Eliza Ferreira, da Universidade Federal do Espírito Santo, contribui para a compreensão das ações governamentais centralizadoras e descentralizadoras.

Em prosseguimento, Fátima Takahashi e Vicente Alves, respectivamente das Secretarias Estaduais de Saúde e de Educação do Estado de Goiás e da Universidade Católica de Brasília, apresentam pesquisa sobre um grupo duplamente vulnerável: idosos e quilombolas, preteridos frequentemente em seus direitos aos serviços públicos. Além da contribuição da área da saúde, em especial da interdisciplinar gerontologia, cabe lembrar que o bônus demográfico no Brasil está no fim. A partir de então, teremos uma população cada vez mais idosa e um número já decrescente de crianças. Como os idosos são sujeitos de direitos, cabe cada vez mais pesquisar este grupo.

O artigo seguinte contribui para a avaliação e a metodologia quantitativa, com trabalho de Patrícia Costa (da Comissão Europeia, atuante no campo da econometria e estatística) e Maria Eugénia Ferrão (das Universidades da Beira Interior e de Lisboa, dedicada à matemática e economia aplicadas). Considerando a pluralidade como riqueza, cumpre saudar a preocupação de outros especialistas, já que as ciências da educação mais devem ser concebidas como uma praça, onde várias ruas desembocam, do que uma via que conduz a determinado sítio. Seu objetivo é oferecer evidências estatísticas da complementaridade entre a Teoria Clássica dos Testes e dos Modelos de Resposta ao Item. Assunto para aperfeiçoamento da avaliação, em especial no Brasil.

O artigo de Maria Naires Souza e de André Monteiro aporta o enriquecimento de outras áreas científicas à praça acima aludida. Ambos da Universidade Federal do Ceará, associaram a biblioteconomia e ciências da informação à estatística e matemática aplicada, em favor do estudo da utilização de recursos tecnológicos selecionados da mesma Universidade em suas atividades acadêmicas. Sabe-se que, de certo modo, as novas gerações de estudantes, desde a educação básica, têm maior trânsito com as tecnologias da informação e comunicação que os seus professores, ou seja, contrariando o movimento supostamente unidirecional, uma geração mais jovem pode ensinar às outras. Assim, pode-se até tratar de um divisor digital intergeracional. Como estarão as ciências humanas no caso estudado?

Voltando à avaliação educacional, o artigo a seguir focaliza práticas administrativo-pedagógicas para o desempenho discente municipal na Prova Brasil. É amplamente conhecido que a escola, além da sala de aula, onde os principais decisores são os docentes, também depende da administração, sendo o diretor a principal figura, quando de fato é líder. Contrastando escolas mal e bem-sucedidas, a abordagem desperta reflexões. Os autores, significativamente, trazem um aporte diverso à praça da educação: seus autores, Alexandre Salgado Junior e Juliana Novi, são da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. Assim, também concorrem com a sua perspectiva para enriquecer a avaliação educacional.

Por sua vez, Andreia Costa e António Bento, ambos formados e dedicados à administração educacional, da Universidade da Madeira, Portugal, nos trazem preocupações sobre os comportamentos de liderança na gestão dos chamados recursos humanos escolares. Este é um dos setores mais espinhosos da administração, por lidar com pessoas humanas e situações muito diferentes entre si.

A seguir trata-se de um dos recentes processos de democratização da educação superior no Brasil: o Programa Universidade para Todos (ProUni). Pela sua magnitude e influência, programas como esse precisam ser cuidadosamente avaliados. É este o alvo do contributo de Alípio Casali e Maria José de Mattos, ambos da área de educação, o primeiro atuante na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a última, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. O ProUni é necessário, porém seria suficiente para atingir os seus objetivos?

Por fim, a educação profissional é o tema da discussão de “Políticas públicas e o ensino profissional no Brasil”. O artigo resulta da parceria de Adriana de Oliveira e de Clarice Escott, da área da educação, sendo a primeira da Faculdade de Tecnologia do SENAI, em Porto Alegre, e a segunda do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.

Afinal, a seção Páginas Abertas oferece o trabalho de Maria Judith Lins (Universidade Federal do Rio de Janeiro) sobre a aprendizagem de ética no ensino fundamental. Com o peso histórico de uma escola informativa, transmissora de conteúdos, o trabalho merece reflexão, em particular para um país-membro da UNESCO, em princípio comprometido com os quatro pilares da educação para o século XXI: aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser (DELORS et al., 1998DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 1998.).

Em suma, temos uma pluralidade de temas e orientações, em relação à qual também se possui o direito democrático de concordar ou discordar, mas, antes de tudo, de exercer o dever democrático de dialogar. Esta é uma das bases do Estado democrático de Direito e de toda academia, no caminho da renovação democrática, para receber o sopro contínuo que lhe permitirá responder aos incessantes desafios. Mais ainda, o perfil deste número mostra também a riqueza proporcionada por enfoques científicos plurais, assim requeridos pela complexidade da educação. Sejam bem-vindos!

Candido Alberto Gomes
Editor Associado

Referências

  • DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 1998.
  • MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sept 2015
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