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Planos de saúde por acumulação: viabilidade e fatores de impacto

Resumo

O modelo brasileiro de Saúde Suplementar, baseado na Repartição Simples, reflete dificuldade de permanência do indivíduo com o avanço da idade, que traz expressivo acréscimo na contraprestação dos planos e o eventual fim da relação empregatícia. Com o objetivo de avaliar um modelo alternativo na manutenção saudável dos planos de saúde, foi estudada a viabilidade de um produto baseado na acumulação de recursos ao longo da vida. Foram realizadas simulações variando premissas impactantes no valor necessário a contribuir em relação ao salário, sendo utilizados dados da ANS. Os resultados sugerem que um modelo de plano de saúde por acumulação pode ser viável, dependendo do cenário em que o indivíduo se encontra, apresentando-se mais acessível a indivíduos do sexo masculino, residentes na região sudeste, que iniciem suas contribuições ao plano cedo, aposentem-se mais tarde e se encontrem em uma economia que apresente taxas de juros altas e taxas de reajuste baixas.

Palavras-chave:
Plano de saúde; Acumulação; Premissas atuariais; Premissas assistenciais

Abstract

The Brazilian model of Private Health, based on Pooling Risk, reflects difficulty of permanence to the beneficiary as the age increases, given that there is a significant increase in the costs and the eventual end of the employment relationship. In order to evaluate alternative model for the healthy maintenance of health insurances, the feasibility of a plan based on accumulation of resources throughout life was studied. Simulations were performed varying assumptions that impact the amount necessary to contribute in relation to the salary, using data from ANS. The results suggest that a health insurance model by accumulation can be feasible, depending on the scenario in which the individual finds himself, presenting itself with easier access to male individuals, residing in the Southeast Region, who start their contributions to the plan early, retire later and are in an economic scenario with high interest rates and low readjustment fee.

Keywords:
Health insurance; Accumulation; Actuarial assumptions; Assistential assumptions

1. Introdução

O sistema de Saúde Suplementar está em ascensão no Brasil. Enquanto em 2009 foram computadas R$ 65,3 bilhões em receitas de contraprestações, em 2019, foram auferidas receitas de contraprestações de R$ 213,5 bilhões, valor que representou aproximadamente 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019, cobrindo cerca de um quarto da população (ANS 2020; Agência Brasil 2019).

Logo, torna-se relevante avaliar as mudanças demográficas da população brasileira (envelhecimento populacional e aumento da longevidade) e seus impactos no acesso de indivíduos em idades mais avançadas aos planos de saúde. De acordo comErvatti et al. (2015Ervatti, Leila Regina, Gabriel Mendes Borges e Antônio de Ponte Jardim, 2015. Mudança Demográfica no Brasil no Início do Século XXI - Subsídios para as Projeções da População. Brasília: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.), a fecundidade no século XXI reduziu drasticamente e, aliada à redução dos níveis de mortalidade, a estrutura etária brasileira tem envelhecido de forma progressiva. Ainda sobre as mudanças etárias predominantes no Brasil, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2018), em 2060, 25% da população deverá ter mais de 65 anos, contra 9,2% em 2018. Segundo o instituto, tal envelhecimento populacional afeta diretamente a razão de dependência econômica da população.

Com o aumento da expectativa de vida e o aumento da população idosa no Brasil, conforme observado por Barreto (2020Barreto, Daniella Jandy de Souza. 2020. “Expectativa de vida e gastos com saúde no Brasil”. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Pernambuco. Recuperado em 14 de setembro de 2020 de: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/37718/1/DISSERTA%c3%87%c3%83O%20Daniella%20Jandy%20de%20Souza%20Barreto.pdf
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), há aumento nos gastos com a saúde, porque indivíduos mais velhos utilizam mais os serviços de saúde quando comparados aos mais jovens. Segundo Carvalho et al. (2020Carvalho, Josiane Correa de Souza, Wesllay Carlos Ribeiro, Letícia Lima Milani Rodrigues, e Márcio de Oliveira Pereira. 2020. “Os desafios financeiros do setor de saúde suplementar e o resseguro como alternativa”. Revista Debate Econômico 6, no. 2: 86-100. Recuperado em 22 de agosto de 2020 de: https://publicacoes.unifal-mg.edu.br/revistas/index.php/revistadebateeconomico/article/view/896
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), a redução da mortalidade e consequente aumento da longevidade da carteira impacta a precificação dos planos de saúde oferecidos pelas operadoras de Saúde Suplementar. Os autores constataram que a última faixa etária, representada pelos idosos acima de 59 anos, comporta o maior número de beneficiários que têm os maiores gastos anuais com saúde. Esta constatação, aliada à mudança na pirâmide etária brasileira, reforça a necessidade do questionamento da sustentabilidade dos planos de saúde e das Operadoras de Plano de Saúde, visto que, segundo demonstrado por Santos, Turra e Noronha (2018Santos, Samara Lauar, Cássio Turra, e Kenya Noronha. 2018. “Envelhecimento populacional e gastos com saúde: uma análise das transferências intergeracionais e intrageracionais na saúde suplementar brasileira”. Revista Brasileira de Estudos Populacionais 35, no. 2. Recuperado em 23 de agosto de 2020 de: https://doi.org/10.20947/S102-3098a0062
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), a margem de lucro média destas operadoras é de apenas 4%.

Analisando pelo lado do idoso, o benefício médio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) esteve menor que R$ 1,23 mil em dezembro de 2018, segundo informação disponibilizada pela Portaria SPREV (Secretaria de Previdência) nº 48 de 19/12/2018, sendo que a contribuição média para beneficiários de plano de saúde acima de 59 anos deste mesmo mês para cobertura ambulatorial e hospitalar foi de R$ 1,12 mil para planos coletivos e de R$ 1,34 mil para planos individuais, segundo dados da ANS (2019).

Neste âmbito, tendo em vista o envelhecimento da população brasileira e os crescentes custos para acesso à saúde, principalmente no que diz respeito às mensalidades dos planos de saúde, conforme notado por Carvalho et al. (2020Carvalho, Josiane Correa de Souza, Wesllay Carlos Ribeiro, Letícia Lima Milani Rodrigues, e Márcio de Oliveira Pereira. 2020. “Os desafios financeiros do setor de saúde suplementar e o resseguro como alternativa”. Revista Debate Econômico 6, no. 2: 86-100. Recuperado em 22 de agosto de 2020 de: https://publicacoes.unifal-mg.edu.br/revistas/index.php/revistadebateeconomico/article/view/896
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), é impreterível que se estude modelos alternativos de financiamento à Saúde Suplementar. Dentre estas alternativas, podem-se citar os incentivos para cobertura vitalícia (life-time health cover), os incentivos fiscais para cobertura privada e os “fundos de envelhecimento” (Santos et al., 2018Santos, Samara Lauar, Cássio Turra, e Kenya Noronha. 2018. “Envelhecimento populacional e gastos com saúde: uma análise das transferências intergeracionais e intrageracionais na saúde suplementar brasileira”. Revista Brasileira de Estudos Populacionais 35, no. 2. Recuperado em 23 de agosto de 2020 de: https://doi.org/10.20947/S102-3098a0062
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).

Com isto, este estudo tem por objetivo simular como seria a criação de uma reserva que um indivíduo precisaria fazer em sua vida ativa para custear seu plano de saúde na aposentadoria (conhecido como “fundos de envelhecimento”). A alternativa também se justifica na medida em que poderia englobar também ex-empregados beneficiários de planos de saúde custeados integral ou parcialmente pela empresa em que desempenhava suas funções. De acordo com o artigo 31 da Lei nº 9.656 de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, ao se aposentar, há a possibilidade de o beneficiário continuar no plano por período determinado - havendo perspectiva de vitaliciedade a depender do tempo de vínculo ao plano da empresa, desde que contribua integralmente a partir da perda do vínculo empregatício.

A alternativa dos “fundos de envelhecimento” poderia representar uma possível solução ao problema de acesso à Saúde Suplementar na terceira idade. Tal fato ocorre, pois ao se aposentar, um indivíduo pode enfrentar problemas decorrentes da redução de sua renda. Não obstante, se este custeava parcialmente um plano de saúde enquanto empregado ativo, ele passa a ter que custear integralmente em sua aposentadoria, justo quando as contraprestações são as maiores possíveis. Esta combinação indesejada faz com que a permanência de indivíduos no sistema de Saúde Suplementar fique inviável para os indivíduos de menores renda.

Dado o exposto, este trabalho avalia a viabilidade e as possíveis variáveis que possam impactar na implantação de planos de saúde por acumulação (“fundos de envelhecimento”) no âmbito brasileiro. A acumulação de recursos previamente minimizaria os impactos da contraprestação dos planos de saúde que são em média 5,7 vezes maiores para indivíduos acima de 59 anos quando comparados aos de 0 a 18 anos (Antonio 2018Antonio, Gilka Lopes Moreira. 2018. “A política de reajuste dos planos de saúde: discussões sobre a alteração da metodologia de reajuste dos planos individuais/familiares no âmbito da ANS”. Monografia/TCC, Escola Nacional de Administração Pública. Recuperado em 6 de outubro de 2020 de: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/3597/1/1%c2%aa%20colocada%20%28T1%29%20-%20Gilka%20Lopes%20Moreira%20Ant%c3%b4nio%20%28monografia%20021%29.pdf
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).

Para isto, conforme apresentado anteriormente, o estudo analisa uma das opções alternativas indicadas por Santos et al. (2018Santos, Samara Lauar, Cássio Turra, e Kenya Noronha. 2018. “Envelhecimento populacional e gastos com saúde: uma análise das transferências intergeracionais e intrageracionais na saúde suplementar brasileira”. Revista Brasileira de Estudos Populacionais 35, no. 2. Recuperado em 23 de agosto de 2020 de: https://doi.org/10.20947/S102-3098a0062
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): os fundos de envelhecimento. Neste modelo, diferentemente das Medical Saving Accounts (MSA) ou Health Savings Accounts (HSA), em que os recursos acumulados são utilizados para custear as despesas médicas na aposentadoria dos indivíduos, os recursos acumulados são destinados a custear as contraprestações com os planos de saúde. Assim, este trabalho tem como enfoque verificar a viabilidade, por meio de microssimulações, de um plano de saúde na aposentadoria integralmente custeado por acumulação de reserva durante a vida ativa, ao invés de apenas minimizar os impactos do aumento da contraprestação, como é feito em Santos et al. (2018).

O estudo está dividido em oito seções. Na seção 2, é abordada a estrutura da saúde no Brasil. Na seção 3, são abordados os modelos de financiamento da saúde privada, ao passo em que na seção 4 é detalhado o modelo alvo deste estudo. Nas seções 5 e 6, é apresentada a metodologia empregada na análise, enquanto nas seções 7 e 8 são apresentados os resultados e as considerações finais.

2. Estrutura da saúde no Brasil

No âmbito brasileiro, a saúde se divide em pública e privada, podendo ser ofertada neste último por Operadoras de Planos de Saúde (OPSs) através de planos individuais ou coletivos.

O sistema público de saúde - Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Lei nº 8.080 de 1990 foi considerado, de acordo com Sousa e Fernandes (2019Sousa, Camila, e Violeta Campolina Fernandes. 2019. “Aspectos históricos da saúde pública no Brasil: revisão integrativa da literatura”. Journal of Management e Primary Health Care 12: 1-17. Recuperado em 6 de outubro de 2020 de: https://doi.org/10.14295/jmphc.v12.579
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), o maior movimento de inclusão social na história do Brasil, tendo como base os princípios da universalidade e igualdade. Porém, conforme concluído pelos autores, este modelo enfrenta algumas dificuldades, como o próprio despreparo do setor público, visto que o financiamento do SUS tornou-se um problema estrutural do sistema de saúde, sendo afirmado como insuficiente para uma política universal e integral.

Neste âmbito, os planos de saúde particulares - garantidos pela Saúde Suplementar, que surgiu na década de 1960, e regulamentada pela Lei nº 9.656 de 1998 - ganham força, na medida em que, segundo Leão e Borges (2020Leão, Simone Letícia Severo e Sousa Dabés, e Sabrina Nunes Borges. 2020. “A Judicialização da Saúde no Brasil e a Regulação da Saúde Suplementar através da Agência Nacional de Saúde”. Revista de Direito Sociais e Políticas Públicas 6, no. 1: 122-142. Recuperado em 6 de outubro de 2020 de: https://indexlaw.org/index.php/revistadspp/article/view/6572/pdf
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), a Saúde Suplementar pode ser considerada como um pilar de sustentação do sistema público, visto que o SUS não possui condições de atender a população toda.

Dentro da esfera da Saúde Suplementar ofertada aos brasileiros pelas OPS, faz-se necessário estabelecer a segregação entre planos individuais e planos coletivos. Os planos individuais ou familiares, que representaram aproximadamente 19,1% dos planos privados em março de 2020, são planos em que a contratação é feita diretamente com a operadora por meio de um corretor. Já os planos coletivos podem ser da categoria “empresarial”, que são voltados aos empregados ligados às empresas e geralmente pagos de forma parcial ou integral pela empresa; ou da categoria “por adesão”, que são voltados aos indivíduos ligados a associações, conselhos de classe ou sindicatos.

Ambos os casos se baseiam no regime de repartição simples, amparados pelos princípios do mutualismo, ou seja, segundo definição de Malfatti (2019Malfatti, Alexandre David. 2019. “Plano de saúde. Modalidade individual ou familiar. Cláusula de reajuste de mensalidade por mudança de faixa etária. Apontamentos sobre o julgamento do Recurso Especial nº 1.568.244 - RJ da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, datado de 14.12.2016 (acórdão publicado no DJe 19.12.2016). Análise da tese fixada para os efeitos do artigo 1.040 do Código de Processo Civil”. Cadernos Jurídicos 49: 13-34. Recuperado em 7 de outubro de 2020 de: http://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/01%20corrigido.pdf?d=637027005321772560
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), um modelo no qual as despesas dos diversos beneficiários do plano são diluídas através da formação de um fundo mútuo; e da solidariedade intergeracional, com os beneficiários mais jovens suportando parte dos custos dos mais velhos. O regime de repartição simples implica que o custeio do plano de saúde deve ser reavaliado anualmente. Não obstante, dado que o número de idosos no Brasil tem previsão de forte aumento (IBGE 2018), há uma constante pressão para que o nível dos preços suba, excluindo do mercado potenciais clientes com menor poder aquisitivo.

Além disto, em relação ao poder aquisitivo, vale diferenciar os tipos de planos privados existentes de acordo com a segmentação assistencial disponibilizada pela ANS. Assim, o plano de saúde suplementar pode ser ambulatorial, que garante consultas médicas, exames, tratamentos e outros procedimentos ambulatoriais; hospitalar sem obstetrícia, que assegura a prestação de serviços em regime de internação hospitalar, com exceção da atenção ao parto; hospitalar com obstetrícia, que garante, além dos serviços em regime de internação hospitalar, a cobertura assistencial ao filho do contratante; exclusivamente odontológico, caracterizado pela assistência a procedimentos odontológicos; e referência, que engloba assistência médico-ambulatorial e hospitalar com obstetrícia e acomodação em enfermaria. Os planos podem ser combinados para melhor solucionar as necessidades do beneficiário, com exceção do tipo referência.

Após este breve preâmbulo sobre a estrutura da Saúde Suplementar no Brasil, serão abordados os modelos de financiamento da saúde privada, com destaque para a comparação entre as HSAs e MSAs e os “Fundos de Envelhecimento”, este último fruto de investigação empírica deste estudo.

3. Modelos de Financiamento da saúde privada

Dentre os modelos alternativos de financiamento de saúde privada e conhecidos em âmbito internacional, estão as MSAs ou HSAs, presentes em países como os Estados Unidos, África do Sul, China e Singapura.

De acordo com Busch et al. (2019Busch, Fritz, Barbara Collier, Jason Karcher e Steve Phillips. 2019. “Consumers to the Rescue? A Primer on HDHPs and HSAs”. Society of Actuaries - Health Watch, no. 88: 8-19. Recuperado em 17 de novembro de 2020 de: https://www.soa.org/globalassets/assets/library/newsletters/health-watch-newsletter/2019/february/hsn-2019-iss88-busch.pdf
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), as HSAs são programas de financiamento de saúde compostas pela formação de reservas por meio de contribuições regulares a fundos individuais que rendem à medida em que o tempo passa. O capital acumulado, então, é utilizado para o pagamento de despesas com saúde.

Ao discorrer mais detalhadamente sobre o tema, Fronstin (2018Fronstin, Paul. 2018. “The Role of Health Savings Accounts in Retirement Decumulation Strategies: Implications for Financial Well-Being”. Benefits Quarterly 34, no. 4: 8-12. Recuperado em 17 de novembro de 2020 de: https://www.iscebs.org/Resources/BQ/Pages/BQ-executive-summaries-2018.aspx
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) explica que as HSAs também possuem apelo tributário, dado que o produto seria triplamente livre de impostos. O primeiro benefício tributário ocorre quando o indivíduo faz uma contribuição ao fundo, tendo em vista que este montante é dedutível para fins de imposto de renda. O segundo benefício se manifesta no fato de os rendimentos do fundo serem livres de impostos. Finalmente, o terceiro benefício se dá quando o indivíduo faz uso da reserva acumulada. Como esta é gasta em procedimentos de cuidado à saúde, não recaem impostos sobre os valores resgatados.

Segundo Zhang e Yuen (2016Zhang, Hui. e Peten P. Yuen. 2016. “Medical Savings Account balance and outpatient utilization: Evidence from Guangzhou, China”. Social Science e Medicine 151: 1-10. Recuperado em 15 de setembro de 2020 de: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015.12.035
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), este tipo de modelo cumpre com seus objetivos estipulados de Cost-containment, ou seja, contenção do nível de despesas a fim de evitar gastos desnecessários, Saving for the Future, isto é, acumulação de reservas financeiras para o cuidado com a saúde no futuro e Enabling Utilization, que reflete que o indivíduo comprometido a contribuir para seu fundo tem maiores chances de cuidar melhor da sua saúde, minimizando o risco de não ser capaz de arcar com suas despesas médicas. A compulsoriedade varia de acordo com o país e a regulação do ambiente em que está inserido, sendo, por exemplo, voluntária a contribuição nos Estados Unidos e África do Sul e compulsória na China e Singapura para determinados casos.

No tocante aos Estados Unidos, onde o modelo começou a existir após 2004, de acordo com o EBRI (Employee Benefit Research Institute 2019), as HSAs cobriram aproximadamente 30% dos empregados em 2018 e estão em ascensão no âmbito dos programas de benefícios para funcionários, tendo fortes indícios de estarem relacionadas à redução das barreiras financeiras para o acesso à saúde (Hageman e George 2019Hageman, Sally Anne e Diane Marie M. St. George. 2019. “Health Savings Account Ownership and Financial Barriers to Health Care: What Social Workers Should Know”. Social Work in Public Health 34, no. 2: 176-188. Recuperado em 15 de setembro de 2020: https://doi.org/10.1080/19371918.2019.1575310
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). Já na China, conforme Yu (2017Yu, Hao. 2017. “China’s medical savings accounts: an analysis of the price elasticity of demand for health care”. The European Journal of Health Economics 18: 773-785, recuperado em 17 de novembro de 2020 de: https://doi.org/10.1007/s10198-016-0827-9
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), o primeiro piloto do modelo apareceu em 1994 e, em 2001, mais de 80% das cidades haviam implementado programas envolvendo MSAs.

Portanto, percebe-se a importância da análise deste modelo para o presente estudo, visto que pode ser benéfico para a inclusão do idoso ao acesso à saúde, mesmo que este não tenha renda regular elevada, porque poderá utilizar a reserva acumulada ao longo da vida ativa na manutenção do seu bem-estar, estando livre de impostos ao aplicar sua reserva em favor de sua saúde.

Por outro lado, apesar dos benefícios listados acima, Kullgren et al. (2020Kullgren, Jeffrey T., Elizabeth Q. Cliff, Christopher Krenz, Brady T. West, Helen Levy, Mark Fendrick e Angela Fagerlin. 2020. “Use of Health Savings Accounts Among US Adults Enrolled in High-Deductible Health Plans”. JAMA Network Open 3, no 7: e2011014. Recuperado em 26 de outubro de 2020 de: https://10.1001/jamanetworkopen.2020.11014
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), em pesquisa sobre à aderência dos cidadãos americanos ao plano, chegaram à conclusão de que, apesar de dois terços dos indivíduos elegíveis estarem associados a uma HSA, poucos utilizam o produto para o cuidado com a saúde, o que sugere que, apesar de vantajoso devido à ausência de impostos, o plano ainda não é atrativo o suficiente, precisando de intervenções direcionadas ao problema.

Neste mesmo sentido, de acordo com Hageman (2019Hageman, Sally Anne e Diane Marie M. St. George. 2019. “Health Savings Account Ownership and Financial Barriers to Health Care: What Social Workers Should Know”. Social Work in Public Health 34, no. 2: 176-188. Recuperado em 15 de setembro de 2020: https://doi.org/10.1080/19371918.2019.1575310
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), os indivíduos que possuem uma MSA ou uma HSA não estão associados a menores dívidas, conforme o objetivo do produto e assegura que o modelo precisa ter suas regras de elegibilidade reajustadas para que o mercado de cuidado à saúde contemple a disciplina adequada.

Não obstante, Sun (2018Sun, Jessica Ya. 2018. “The Effects of Cash Transfers to Health Savings Accounts on Healthcare Utilization and Health”. Working Papers. School of Economics, Singapura. . Recuperado em 16 de novembro de: https://economics.smu.edu.sg/sites/economics.smu.edu.sg/files/economics/PG_JobCandidates/SunYa/JMP%20The%20Effects%20of%20Cash%20Transfers%20to%20Health%20Savings%20Accounts%20on%20Healthcare%20Utilization%20and%20Health.pdf
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) verificou um fato peculiar ao estudar a utilização das HSAs em Singapura: ao mesmo tempo em que o sistema aumenta a probabilidade de visitas ao médico por parte de seus usuários sem que haja um aumento na percepção de satisfação na vida dos indivíduos, ocorreu um aumento do diagnóstico de doenças crônicas. Logo, apesar dos usuários não terem uma percepção de melhora em sua qualidade de vida, a descoberta prematura de doenças traz de fato uma contribuição positiva, realçando a importância das HSAs.

Contudo, diferentemente de Sun (2018Sun, Jessica Ya. 2018. “The Effects of Cash Transfers to Health Savings Accounts on Healthcare Utilization and Health”. Working Papers. School of Economics, Singapura. . Recuperado em 16 de novembro de: https://economics.smu.edu.sg/sites/economics.smu.edu.sg/files/economics/PG_JobCandidates/SunYa/JMP%20The%20Effects%20of%20Cash%20Transfers%20to%20Health%20Savings%20Accounts%20on%20Healthcare%20Utilization%20and%20Health.pdf
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), Hageman e George (2019Hageman, Sally Anne e Diane Marie M. St. George. 2019. “Health Savings Account Ownership and Financial Barriers to Health Care: What Social Workers Should Know”. Social Work in Public Health 34, no. 2: 176-188. Recuperado em 15 de setembro de 2020: https://doi.org/10.1080/19371918.2019.1575310
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) argumentam que a maioria dos indivíduos que utilizam este modelo não possuem doenças crônicas e são associados a rendas elevadas, ou seja, o acesso ao plano é mais restrito do que o ideal. Para realçar seu posicionamento, as autoras comentam que o modelo já foi fortemente criticado pelos funcionários pertencentes à área da Assistência Social, por, segundo sua interpretação, levar maior inequidade no acesso à saúde (Hageman e George 2019).

Além disto, o produto possui algumas limitações, sendo uma das principais, de acordo com Atlas (2016Atlas, Scott. 2016. Restoring Quality Health Care: A Six-Point Plan for Comprehensive Reform at Lower Cost. Washington: Hoover Institution Press Publication.), a de que a reserva constituída no fundo não pode ser utilizada para o pagamento da contraprestação do seguro, apenas para o pagamento das coparticipações do seguro ou de serviços médicos não incluídos no plano de saúde. Este fato levanta um importante ponto que merece ser destacado: nos produtos de HSAs, o risco de os fundos auferidos serem insuficientes para custear despesas médicas de seus participantes é totalmente dos indivíduos. Por exemplo, se um indivíduo acumulou uma determinada monta, mas as despesas médicas suplantaram esta monta, o risco da severidade elevada recai unicamente sobre o participante, de modo que ele deverá buscar outras fontes de financiamento.

Há estudos que indicam a intenção de mudanças nas regras de elegibilidade e utilização dos fundos pertencentes às HSAs, como citado por Atlas (2016Atlas, Scott. 2016. Restoring Quality Health Care: A Six-Point Plan for Comprehensive Reform at Lower Cost. Washington: Hoover Institution Press Publication.), porém não há nada concreto no presente no que diz respeito às essas mudanças. Por sua vez, o modelo internacional encontrado mais aproximado ao objetivo deste estudo foi o constituído pelos chamados “Fundos de Envelhecimento” ou “Reservas de Envelhecimento” (Alterungsreserven), encontrados na Alemanha.

Diferente das HSAs, que têm por objetivo a construção de uma reserva para o pagamento de despesas médicas, os “fundos de envelhecimento” são, segundo Santos et al. (2018Santos, Samara Lauar, Cássio Turra, e Kenya Noronha. 2018. “Envelhecimento populacional e gastos com saúde: uma análise das transferências intergeracionais e intrageracionais na saúde suplementar brasileira”. Revista Brasileira de Estudos Populacionais 35, no. 2. Recuperado em 23 de agosto de 2020 de: https://doi.org/10.20947/S102-3098a0062
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), caracterizados pela formação de uma reserva com finalidade de abater parte das contraprestações do beneficiário quando este completar 65 anos, a fim de suavizar o valor do plano de saúde durante e após a transição do beneficiário à próxima faixa etária. Isto implica em dizer que o risco de uma severidade elevada com altos custos médicos no sistema de “fundos de envelhecimento” recai sobre as OPSs e não sobre os indivíduos. Tal fato ocorre, pois, o participante estaria pagando em dia suas contraprestações e desde que cobertas no rol de procedimentos, as despesas médicas seriam de total responsabilidade de indenização por parte das OPSs.

Para isto, as OPS cobram do beneficiário um percentual além do valor da contraprestação enquanto este está em idade ativa - entre 21 e 60 anos - para formar a reserva que abaterá parte das contraprestações do plano quando completar 65 anos.

Em síntese, segundo Santos et al. (2018Santos, Samara Lauar, Cássio Turra, e Kenya Noronha. 2018. “Envelhecimento populacional e gastos com saúde: uma análise das transferências intergeracionais e intrageracionais na saúde suplementar brasileira”. Revista Brasileira de Estudos Populacionais 35, no. 2. Recuperado em 23 de agosto de 2020 de: https://doi.org/10.20947/S102-3098a0062
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) exemplificam, o funcionamento deste modelo se destaca, portanto, pela constituição, por parte do beneficiário enquanto em idade ativa, de uma reserva organizada pelas operadoras de saúde, que abaterá parte das contraprestações do plano de saúde do beneficiário no futuro, evitando aumentos expressivos na contraprestação. Para isto, de acordo com Baumann, Meier e Werding (2008Baumann, Florian, Volker Meier e Martin Werding. 2008. “Transferable Ageing Provisions in Individual Health Insurance Contracts”. German Economic Review 9, no. 3: 287-311. Recuperado em 8 de outubro de 2020 de: https://doi.org/10.1111/j.1468-0475.2008.00434.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-0475.2008...
), as operadoras devem cobrar dos seus beneficiários 10% a mais nas contraprestações com o objetivo de abater do preço do plano de saúde a partir do momento em que o indivíduo faz 65 anos.

Assim, com proposta semelhante à observada na Alemanha, este estudo traz análises da viabilidade da aplicação de um plano de saúde por acumulação no Brasil, através de microssimulações que são explicadas e justificadas na seção 5. O modelo apresentado difere do modelo alemão no sentido de que, no modelo alemão, a reserva constituída pelo beneficiário servirá para abater parte das contraprestações e, no modelo apresentado neste estudo, a reserva constituída visa a abater o valor total das contraprestações.

4. Modelo de financiamento de plano de saúde com acumulação

Partindo para o âmbito dos estudos nacionais, a pesquisa realizada por Cataldi e Afonso (2020Cataldi, Flávia Regina, e Luís Eduardo Afonso. 2020. “Um Estudo Exploratório Sobre a Viabilidade de um Modelo Híbrido de Plano de Saúde com Acumulação”. Revista de Gestão em Sistemas de Saúde - RGSS 9, no. 2: 215-240. Recuperado em 8 de outubro de 2020 de: https://periodicos.uninove.br/revistargss/article/view/15866
https://periodicos.uninove.br/revistargs...
) teve objetivo similar ao apresentado neste estudo: a análise da viabilidade de um modelo com acumulação de recursos durante a vida ativa, porém com objetivo de que o indivíduo custeie seus gastos médicos, ou seja, foram analisadas as despesas médicas dos indivíduos e feitos os cálculos da acumulação necessária para que eles sejam capazes de custear seus próprios gastos.

Dado isto, a principal diferença entre o modelo estudado por Cataldi e Afonso (2020Cataldi, Flávia Regina, e Luís Eduardo Afonso. 2020. “Um Estudo Exploratório Sobre a Viabilidade de um Modelo Híbrido de Plano de Saúde com Acumulação”. Revista de Gestão em Sistemas de Saúde - RGSS 9, no. 2: 215-240. Recuperado em 8 de outubro de 2020 de: https://periodicos.uninove.br/revistargss/article/view/15866
https://periodicos.uninove.br/revistargs...
) em relação ao presente trabalho está no risco a quem recai a manutenção do plano, visto que, em seu estudo, Cataldi e Afonso (2020) consideram os gastos médicos que o próprio indivíduo terá quando alcançar idades avançadas, ou seja, o risco do fundo ser insuficiente para honrar com as despesas médicas recai unicamente sobre o indivíduo. Já neste estudo, cujo objetivo é analisar a viabilidade de um modelo em que o fundo é utilizado para custear o plano, se o indivíduo pagar zelosamente seus prêmios, o risco da severidade elevada recai sobre a operadora de planos de saúde.

Na prática, pode-se argumentar que o modelo proposto envolveria uma acumulação de recursos para o financiamento das contraprestações de planos de saúde que um indivíduo pagará quando ficar inativo. Este processo suavizaria os gastos elevados em seu momento de aposentadoria, marcado pela diminuição de renda.

A escolha de simular a alternativa dos “fundos de envelhecimento” em detrimento dos HSAs e dos MSAs se dá justamente em verificar se existe a factibilidade de um produto mais desejável para o consumidor, na medida em que o risco da severidade alta não recairia sobre este, tal como expressado anteriormente.

Desta forma, este estudo se apresenta como alternativa ao modelo simulado pelos autores, visto que suas conclusões foram de inviabilidade, especialmente para indivíduos de baixa renda e do sexo feminino.

5. Metodologia

O objetivo do estudo foi de avaliar a viabilidade e fatores de impacto de um modelo de plano de saúde por acumulação, onde o indivíduo reserva recursos financeiros durante sua vida ativa para custear seus gastos com plano de saúde na aposentadoria, mais especificamente, seus gastos com as contraprestações do plano.

Assim, para que fosse possível analisar a mencionada viabilidade, utilizou-se como procedimento metodológico a elaboração de microssimulações. Para a coleta de dados, foram utilizados o Painel de Precificação disponibilizado pela ANS, bem como tábuas atuariais de âmbito internacional e nacional.

Logo, para a elaboração do fluxo, foram adotadas premissas a serem variadas nas simulações, a fim de que se pudesse compreender seus impactos na reserva projetada e no percentual de contribuição a ser incidido sobre o salário necessário a ser dispendido pelo indivíduo com finalidade de custear o produto. Para fins de notação, este percentual será definido neste trabalho como α, em que:

α = V a l o r Pr e s e n t e A t u a r i a l d o s B e n e f í c i o s F u t u r o s V a l o r Pr e s e n t e A t u a r i a l d o s S a l á r i o s (1)

As premissas são o conjunto de hipóteses consideradas em cada simulação. O objetivo fulcral do trabalho é o de compreender de que forma tais premissas impactam no valor necessário a reservar durante a vida ativa. Mais especificamente, de que forma impactam no valor de alpha α e a maneira e intensidade das correlações entre as premissas e os recursos a serem empreendidos. Desta forma, elas foram agrupadas de acordo com sua natureza, podendo ser atuariais - biométricas ou econômicas; ou assistenciais - puras ou econômica.

As premissas atuariais biométricas e demográficas contribuem com o trabalho para que se possa levar em conta as variáveis que influenciam na mortalidade e sobrevivência dos indivíduos e, consequentemente, avaliar seus impactos no objeto de estudo desta pesquisa, a projeção da reserva a acumular e dos recursos a serem empreendidos.

Logo, foram utilizadas neste estudo (1) idade de entrada (Ie), representando a idade de entrada do indivíduo no mercado de trabalho, ou seja, a idade de início de suas contribuições para a formação de sua reserva; a (2) idade de aposentadoria (Ia), representando a idade em que o indivíduo entra na fase de concessão do benefício, ou seja, a idade de início da utilização da reserva formada para o custeio das contraprestações do plano de saúde; o (3) sexo, sendo feminino e masculino; e a (4) tábua biométrica, onde foram consideradas as tábuas AT-83 (Basic)1 1 A tábua de mortalidade AT-83 (Basic), também chamada de 1983 Individual Annuity Mortality (IAM) Table, reflete a experiência da Society of Actuaries (SOA) referentes aos anos de 1971 e 1976, começando a vigorar em 1983 (SOA, 2013). , AT-2000 2 2 A tábua de mortalidade AT-2000 (Basic), também chamada de Annuity 2000 Basic Table, reflete a atualização da tábua AT-83 (Basic), começando a vigorar em 2000 (SOA, 2013). e BR-EMSsb-v.20153 3 A tábua, divulgada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), refere-se à experiência do mercado segurador brasileiro. O órgão publica atualizações a cada 5 anos, sendo que a versão de 2015 esteve vigente entre Jul/15 e Jun/21 (SUSEP, 2022). . Assume-se, por hipótese simplificadora, que o indivíduo não ficará desempregado durante sua vida ativa, contribuindo ininterruptamente da sua idade de entrada no mercado de trabalho até sua aposentadoria. Além das premissas atuariais biométricas e demográficas, foram consideradas no estudo como premissas atuariais econômicas o (1) salário inicial anual (S0), representando o salário anual do indivíduo no momento de entrada no produto; a (2) taxa anual de crescimento salarial (TCS); e a (3) taxa de juros da economia (i).

Por sua vez, as premissas assistenciais permitem que se possa compreender o gasto médio da última faixa etária com contraprestações de planos de saúde para que, em sequência, possa ser realizada a estimação dos recursos necessários a serem acumulados por determinado indivíduo durante sua vida ativa para que este seja capaz de manter um plano de saúde na aposentadoria.

Para isto, foi utilizada a edição de julho de 2020 do Painel de Precificação disponibilizado pela ANS para a coleta dos dados de interesse, no caso, o valor comercial médio (VCM) dos planos de saúde referentes à última faixa etária considerada pela ANS - 59 anos ou mais.

Assim, na coleta de dados, foram considerados o VCM do último ano disponível no Painel, referente aos meses de agosto de 2019 a julho de 2020. Além disto, os dados foram agrupados por região, sendo abrangidas as regiões centro-oeste, nordeste, norte, sudeste e sul, bem como por tipo de contratação, podendo ser coletivo, por adesão ou individual; e por segmentação assistencial, podendo ser ambulatorial, hospitalar ou ambulatorial e hospitalar.

Dado isto, as premissas assistenciais foram segregadas em premissas assistenciais puras e econômica, sendo as premissas puras (1) a segmentação assistencial do plano de saúde; (2) o tipo de contratação do plano de saúde e (3) a região. Já quanto à premissa assistencial econômica, foi considerada a taxa de reajuste anual do plano de saúde (TR).

6. Cálculo

Recolhidos os dados necessários e definidas as premissas a serem consideradas nas diferentes simulações, seguiu-se com o objetivo do estudo: o de calcular o valor de e avaliar de que forma ele se relaciona com as premissas consideradas no estudo.

Para isto, foram elaboradas duas análises, sendo a primeira contrafactual, isto é, o quanto um indivíduo que se aposentaria hoje deveria ter contribuído, e a segunda considerando o quanto um indivíduo deveria contribuir caso ele adentrasse no mercado de trabalho hoje.

Assim, o cálculo de α é tal que:

α = V a l o r Pr e s e n t e A t u a r i a l d o s B e n e f í c i o s F u t u r o s V a l o r Pr e s e n t e A t u a r i a l d o s S a l á r i o s = V P A B V P A S (2)

em que VPAB representa o valor atuarial presente dos benefícios (neste caso, as contraprestações dos planos de saúde) e VPAS representa o valor atuarial presente dos salários recebidos pelos indivíduos.

Neste âmbito, o VPAB pode ser assim expresso:

V P A B = t = I a I e ω I e B t ( 1 + i ) t × t p I e (3)

Ao passo em que a equação que representa o VPAS é:

V P A S = t = 0 I a I e 1 S t ( 1 + i ) t × t p I e (4)

em que:

t=0,,ωIe é o tempo a ser contado a partir da idade de entrada no mercado Ie, medido em anos;

Ia é a idade de aposentadoria;

ω é a idade máxima da tábua atuarial, a variar conforme a tábua a ser utilizada;

i é a taxa de anual de juros básica da economia;

tpIe representa a probabilidade de o indivíduo estar vivo entre a idade de entrada no mercado de trabalho Ie e t;

Bt é o valor do benefício anual a ser recebido no t-ésimo instante de tempo, isto é, o valor da contraprestação do plano de saúde;

St é o valor do salário anual a ser recebido no t-ésimo instante de tempo.

No instante t=0, o valor do salário é igual ao salário inicial anual S0. Para qualquer instante de tempo t=1,,IaIe1, isto é, a idade ativa do indivíduo, o valor do salário é atualizado de acordo com a taxa anual de crescimento salarial TCS:

S t = S t 1 × ( 1 + T C S ) (5)

No momento t=IaIe, o indivíduo se aposenta e neste primeiro ano recebe um benefício igual ao VCM dos planos de saúde, para o caso da primeira análise contrafactual, isto é:

B I a I e = V C M (6)

E, para o caso da segunda análise, o indivíduo recebe um benefício inicial igual ao VCM dos planos de saúde, atualizado pela taxa de reajuste (TR):

B I a I e = V C M × ( 1 + T R ) ( I a I e ) (7)

Para qualquer t=(IaIe)+1,,ωIe, o valor de Bt é reajustado pela taxa de reajuste anual do plano de saúde (TR), ou seja:

B t = B t 1 × ( 1 + T R ) (8)

Assim, partindo dos fluxos apresentados, foram comparados os valores de ao se variar as premissas, tendo sua análise feita na seção 4.

7. Resultados

7.1. Análise 1 - Impactos das premissas - cenário contrafactual

Para que fosse possível estudar o efeito marginal de cada variável nas microssimulações, foi considerado o cenário base apresentado na Tabela 1, levando em conta a análise contrafactual - ou seja, cálculo considerando BIaIe=VCM.

Tabela 1
Cenário Base

A idade de entrada de 18 anos do cenário base considerou o momento em que o indivíduo atinge sua maioridade. Por sua vez, a idade de aposentadoria de 65 anos está assentada no fato de que a idade mínima de aposentadoria dos trabalhadores urbanos do sexo masculino é de 65 anos (Instituto Nacional do Seguro Social 2020).

Já a escolha do sexo masculino para o cenário base está assentada no fato de que 56,4% do estoque de empregos referente ao ano de 2020 foi ocupado por indivíduos do sexo Masculino (Relação Anual de Informações Sociais 2021).

O uso da tábua biométrica AT-2000 foi uma escolha de conveniência por se tratar da tábua minimamente mais aderente com uso permitido pelo Susep (CNSP 2017).

A adoção de um salário inicial anual de R$ 14.300,00 se deve ao salário-mínimo praticado em 2021, isto é, cerca R$ 1.100,00 por mês (Brasil 2021).

A taxa de crescimento salarial, de acordo com Winklevoss (1993Winklevoss, Howard E. 1993. Pension Mathematics with Numerical Illustrations. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.), deve incorporar o aumento devido ao mérito, o aumento devido ao ganho de produtividade e o aumento devido à inflação. No estudo, não houve segregação ou inferência sobre os fatores. Apesar da inflação em 2021 dado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ter sido de 10,06% (IBGE 2021), por conservadorismo, adotou-se que a taxa de crescimento efetivamente adotada fosse de 3% ao ano. Ainda assim, vale a pena complementar que há pesquisadores que defendem de que uma taxa próxima a 1% seria mais aderente à realidade brasileira.

Já a taxa de juros da economia de 5% ao ano foi adotada como parâmetro em virtude do comportamento extremamente variado da taxa de juros do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) em 2021. Em janeiro de 2021, a taxa Selic estava em 1,9% ao ano, ao passo em que dezembro de 2021, ela já se encontrava em 9,15% ao ano (Banco Central do Brasil 2021). Logo, dado esta expressiva variação, considerou-se um cenário base de média aproximada entre os cenários, com as microssimulações a serem feitas responsáveis por verificar o efeito marginal (tanto de subida quanto de queda da taxa Selic).

As premissas assistenciais escolhidas foram aquelas que permitiam a contratação de planos mais baratos.

Finalmente, foi considerada uma taxa de reajuste do plano de 15%, na medida em que a variação do custo médico-hospitalar (VCMH) somente dos últimos 12 meses de 2021 para um conjunto de 704,9 mil habitantes atingiu 18,2% (Instituto de Estudos da Saúde Suplementar 2021).

Considerando as premissas dispostas na Tabela 1, o valor de α é de 7,79%. Isto significa que um indivíduo que desejasse se aposentar hoje aos 65 anos de idade e tivesse começado a trabalhar aos 18 anos de idade, sendo do sexo masculino e que tivesse recebido salário inicial anual de R$ 14.300,00 e residisse na região sudeste do Brasil e quisesse contratar um plano de saúde do tipo empresarial e de segmentação ambulatorial, considerando a tábua AT-2000 e as taxas de crescimento salarial, de juros e de reajuste apresentadas na Tabela 1, deveria ter contribuído com 7,79% de seu salário enquanto em idade ativa.

A partir disso, foram realizadas as simulações, sendo analisadas inicialmente cada premissa de forma individual e, em seguida, seus impactos conjuntos. Em todos os casos analisados, as demais variáveis foram mantidas inalteradas.

7.1.1. Impactos individuais

Nesta seção de resultados referentes aos impactos individuais, a primeira linha de cada tabela representa a premissa utilizada no cenário base. Além disto, as colunas demarcadas por Δ (delta) representam a variação da premissa em questão e de α, ambos calculados em relação às informações do cenário base, sendo:

Δ = ( V a l o r f i n a l V a l o r i n i c i a l 1 ) × 100 (9)

As tabelas a seguir apresentam os impactos analisados.

Tabela 2
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com a Idade de Entrada

Variando a idade de entrada, nota-se o crescimento expressivo de α em relação ao seu avanço no produto, mantendo a idade de aposentadoria aos 65 anos, conforme cenário base.

Nota-se que, variando a idade de entrada do indivíduo de 18 para 25 anos, o percentual necessário que deveria ter sido reservado para um indivíduo que entra em aposentadoria hoje aumenta em mais de 50%, mais que dobrando quando considerada a idade de entrada aos 30 anos.

Já ao variar a idade de aposentadoria, por outro lado, nota-se a relação inversa entre a premissa e o valor de α, conforme Tabela 3.

Tabela 3
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com a Idade de Aposentadoria

Enquanto o indivíduo, atrasando sua aposentadoria para os 70 anos, precisaria ter contribuído com menos de 50% do quanto contribuiria aposentando-se aos 65 anos, adiantando sua idade de aposentadoria para 55 anos, este mesmo indivíduo precisaria ter contribuído com mais de 400% do que aos 65 anos.

Estes fatos refletem o efeito de tempo de contribuição, isto é, quanto menor o tempo de contribuição, maior é a alíquota necessária.

Seguindo com as simulações, alterando o sexo de masculino para feminino, mantendo a tábua biométrica, os impactos são de aumento de mais de 30% no valor necessário que deveria ter sido contribuído por ano, conforme Tabela 4.

Tabela 4
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com o Sexo

Na Tabela 4, verifica-se que pessoas do sexo feminino vivem mais, em média, o que aumenta o valor necessário de contribuição. Para fins de exemplificação, a expectativa de vida dos homens é de 73,1 anos e a das mulheres de 80,1 (IBGE, 2020). Logo, quanto maior o tempo de sobrevivência do indivíduo, maiores os recursos necessários a resguardar.

Não obstante, esta não é uma característica apenas da biologia humana, mas também está relacionada ao estilo de vida de cada grupo. De acordo com Gomes et al. (2007Gomes, Romeu, Elaine Ferreira do Nascimento e Fábio Carvalho de Araújo. 2007. “Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior”. Cad. Saúde Pública 3, no 23. Recuperado em 15 de março de 2022 de:https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000300015
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), a visão social sobre o homem contribui para que ele cuide menos de sua saúde em relação aos indivíduos do sexo feminino, além de se expor mais a situações de risco.

Desta mesma forma, variando a tábua biométrica, o impacto da expectativa de vida do indivíduo se destaca, dado que as tábuas com expectativa de sobrevivência mais recentes, mesmo para o indivíduo de mesmo sexo, resultam em necessidade de maior acúmulo anual de recursos. Esta variação faz sentido ao levar em conta que a expectativa de vida tem tido tendência de aumento nos últimos anos, como verificado na Tabela 5.

Tabela 5
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com a Tábua Biométrica

Apesar de o impacto de sobrevivência apresentado pelas diferentes tábuas referentes ao sexo masculino, ainda assim, a alteração do sexo do indivíduo é marginalmente mais impactante. Vale notar que, quanto mais antiga for a tábua biométrica, menor será a probabilidade de sobrevivência do indivíduo, considerando que a expectativa de vida tem aumentado ao longo dos anos. Por este motivo, como o indivíduo analisado na tábua mais recente - BR-EMSsb-v.2015 - tem maior expectativa de vida, necessita de contribuições maiores em relação a tábuas mais antigas.

Além das premissas atuariais biométricas dispostas anteriormente, é impreterível que se estude o impacto das premissas atuariais econômicas. Ao simular os cenários alterando o salário inicial anual do indivíduo, nota-se a relação inversa dos impactos ocasionados pelo aumento salarial nos recursos necessários a acumular para o futuro, conforme Tabela 6.

Tabela 6
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com o Salário Inicial

É imprescindível salientar, contudo, que os impactos são menos expressivos que os percebidos pela variação das idades de entrada e de aposentadoria. Conforme esperado, nota-se que, quanto maior o salário, menos dos rendimentos anuais deveria ter sido reservado e vice-versa.

De mesmo modo, variando a taxa de crescimento salarial (TCS), apresentada na Tabela 7, tem-se, assim como o salário, relação inversa entre a variável e os recursos necessários a acumular para o futuro, ou seja, quanto maior o crescimento médio anual do salário do indivíduo, menor o percentual salarial anual que deveria ter sido empreendido no plano.

Tabela 7
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com a Taxa de Crescimento Salarial

Assim, percebe-se que, caso o indivíduo possuísse uma taxa de crescimento salarial 2 pontos percentuais menor, ou seja, caso sua TCS fosse de 1% ao invés de 3%, teria que ter contribuído com mais de 40% a mais. Já caso sua TCS fosse 2 pontos percentuais maior, ou seja, de 5%, ele deveria ter contribuído com 33% a menos.

Vale notar que, apesar de impactar no montante a ser reservado do salário, o impacto da TCS não é tão notável quanto o impacto de outras premissas apresentadas anteriormente e o impacto da taxa de juros, como visto na Tabela 8.

Tabela 8
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com a Taxa de Juros

O impacto da variação da taxa de juros (valor do dinheiro no tempo, isto é, o que o mercado paga para tomar emprestado e reembolsar no futuro), como o salário e a TCS, apresenta relação inversa entre a premissa e os recursos a reservar. Ou seja, quanto maior a taxa de juros ao ano da economia, menor o percentual salarial a ser empreendido no produto.

Vale notar que, diferente do observado no impacto das premissas salário e TCS em relação a α, a variação da taxa de juros da economia pode impedir a evolução do plano, dado que, caso a taxa tivesse sido menor do que o esperado, é notável a diferença no resultado: caso a taxa tivesse caído 40% em relação ao cenário base, o valor de α aumentaria em mais de 140%, enquanto, caso a taxa tivesse subido 40%, o valor de α teria caído para apenas 59%. Verifica-se, portanto, que o efeito marginal da variação da taxa de juros é um dos mais importantes a ser explorado.

Logo, para cenários de taxas baixas de juros, o produto é completamente inviável, mesmo para um indivíduo que busque custear unicamente o plano de saúde ambulatorial para sua aposentadoria em sua vida ativa.

Em relação à alteração da segmentação assistencial, por sua vez, essa premissa também apresenta forte impacto no percentual necessário a se contribuir do salário, como pode ser observado na Tabela 9.

Tabela 9
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com a Segmentação Assistencial

O plano ambulatorial conta com os menores VCM, apresentando-se como a escolha mais viável dentre as três opções analisadas, visto que a opção ambulatorial e hospitalar, bem como a opção hospitalar, ostenta valores mais elevados.

Mantendo-se as demais variáveis constantes, há crescimento de mais de 200% no percentual salarial que deveria ter sido reservado ao alterar a segmentação assistencial da mais básica para a mais completa. Verifica-se, portanto, que o efeito marginal da variação da segmentação assistencial é outro ponto importante a ser explorado.

Já a variável tipo de contratação, conforme visto na Tabela 10, apesar de ter impacto menor do que as variáveis apresentadas anteriormente na definição do percentual salarial a se contribuir, reforça a diferença entre os tipos de contratação.

Tabela 10
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com o Tipo de Contratação

A contratação individual, devido a diversos fatores econômicos, incluindo a seleção adversa, torna o produto menos acessível para indivíduos de baixa renda. No estudo, seu impacto não foi considerado de extrema relevância para as projeções da reserva.

A premissa seguinte (região), demonstra que o VCM dos planos de saúde é maior para as demais regiões além de sudeste, considerada no cenário base.

Tabela 11
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com a Região

Percebe-se que, mantendo as demais variáveis constantes e apenas alterando a região de sudeste para norte ou nordeste, o percentual salarial a ter sido resguardado anualmente aumenta em mais de 50%. Já com a mudança para a região sul, há pequena alteração e, para a região centro-oeste, há aumento de quase 40%. Apesar do aumento percentualmente expressivo, o maior valor de contribuição necessário, ceteris paribus, constitui menos de 15%, o que, apesar de não ser o ideal, ainda pode ser entendido como acessível.

Este fato é importante, pois denota a desigualdade nos preços praticados entre os planos de saúde em diferentes regiões do Brasil. Coelho (2019Coelho, Luana Martins. 2019. “Dinâmica de Expansão do Mercado de Planos de Saúde no Brasil: Uma Análise por Meio de um Modelo Baseado em Agentes”. Dissertação, Universidade do Vale do Rio Sinos. Recuperado em 19 de março de 2022 de:http://www.repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/8132/Luana%20Martins%20Coelho_.pdf
http://www.repositorio.jesuita.org.br/bi...
) argumenta que as barreiras impostas pelo regulador acabam por restringir o mercado, de modo que as OPSs estão distribuídas de forma desproporcional, concentrando-se mais nas regiões sudeste e sul, o que pode impactar os preços praticados.

Finalizando, assim, os impactos individuais das premissas no resultado do produto, foi variada a taxa de reajuste, conforme observado na Tabela 12 a seguir.

Tabela 12
Percentual de Contribuição Necessário de acordo com a Taxa de Reajuste

Variando a taxa de reajuste, percebe-se seu forte impacto no valor necessário a se acumular e, consequentemente, no percentual anual a se reservar do salário. Além disso, é possível notar o grave impacto no aumento da taxa de reajuste em contraste com sua diminuição, visto que, no primeiro caso, a variação do valor α é maior: ao diminuir a TR em 33,3%, há queda de aproximadamente 50% em α; já ao aumentar a TR em 33,3%, o impacto em α é de quase 150%.

7.1.2. Impactos conjuntos

Na sequência, é avaliada a variação do valor de contribuição α de acordo com a combinação de mais de uma premissa, para que os efeitos marginais conjuntos possam ser avaliados em situações de interesse. Para tanto, são explorados os impactos conjuntos das premissas atuariais (Tabela 13) e assistenciais (Tabela 14), sendo apresentados os valores de α para cada cenário denotado. Nas tabelas, as demais premissas do cenário base que não constam nela não foram alteradas. Importante reforçar que os valores de α apresentados consideram a análise contrafactual, em que BIaIe=VCM.

Com isto, ao analisar os resultados da variação conjunta das premissas atuariais na Tabela 13, nota-se que, independentemente do sexo ou da idade de entrada do indivíduo no produto, para ambas as tábuas atuariais exploradas, o aumento da taxa de juros reduz notavelmente o percentual de contribuição: ao agravar a taxa de juros em 60% (de 5% para 8%), o percentual de contribuição reduz em 73% (de 11% para 2,95%) para o indivíduo do sexo masculino que entrar no plano com 21 anos, salário anual de R$ 14.300, tábua BR-EMSsb.v-2015 e aposentar aos 65 anos.

A partir de seus resultados, a Tabela 13 reforça o entendimento de que, apesar de a alteração de tábua ter impacto nos resultados, as premissas biométricas de idade de entrada e aposentadoria, junto com as premissas econômicas de salário e taxa de juros da economia, possuem impactos mais expressivos. Para entender como o impacto marginal da tábua biométrica é menos expressivo, basta verificar o seguinte fato: enquanto o indivíduo do sexo masculino, entrando no plano aos 18 anos, salário anual de R$ 14.300,00, taxa de juros de 3% e idade de aposentadoria aos 65 anos precisaria contribuir com 18,97% de seu salário em um cenário com tábua AT-2000 (Basic), com a Tábua BR-EMSsb-v.2015-m, o valor de contribuição seria de 22,46%. Por sua vez, para o mesmo cenário, um adiamento em 10 anos de aposentadoria faria com que a taxa de contribuição fosse de 4,14%, mesmo em um cenário com uma tábua mais agravada (BR-EMSsb-v.2015-m).

Tal como era esperado, o efeito sexo possui resultados expressivos. Mantendo-se todas as demais variáveis constantes, uma mulher sempre deverá contribuir mais quando comparada a um homem. Por exemplo, uma mulher cuja idade de entrada fosse de 18 anos, tivesse um salário anual de R$ 39.000,00, se aposentasse aos 65 anos de idade e sob um cenário de taxa de juros de 3%, deveria contribuir com 9,34% de seu salário, ao passo em que um homem com as mesmas condições deveria contribuir com 6,95%.

Já com relação aos efeitos conjuntos das premissas assistenciais, nota-se a real distinção entre o VCM de acordo com a taxa de reajuste do plano, visto que, independentemente da região, tipo e segmentação de contratação, o valor de α é fortemente impactado com o aumento da taxa de reajuste. Por exemplo, aumentando a taxa de reajuste em 33,3% (de 15% para 20%), o valor de α aumenta em 146,3% e, ao aumentar a taxa de reajuste em 100% (de 10% para 20%), o valor de α aumenta em expressivos 430,4%. Não obstante, em alguns casos, ao considerar a taxa de reajuste de 20%, o valor de α chega a ultrapassar 100% do salário do indivíduo.

Com relação às diferenças regionais, em conjunto com o tipo de contratação, quando comparamos as demais regiões com os resultados observados na região Sudeste, a variação do valor de α pode ir de 2,4% (menor variação observada - Tipo Contratação Empresarial na região Sul com Segmentação Ambulatorial e Hospitalar) até 76,3% (maior variação observada - Tipo Contratação Adesão na região Nordeste com Segmentação Ambulatorial).

Tabela 13
Efeitos Conjuntos das Premissas Atuariais no Percentual de Contribuição de Planos Ambulatoriais
Tabela 14
Efeitos Conjuntos das Premissas Assistenciais no Percentual de Contribuição

7.2. Análise 2 - Viabilidade do produto

A análise da viabilidade do produto, diferente da análise dos impactos das premissas, considera a data atual como sendo a data de entrada do indivíduo no mercado de trabalho, também dada pelo início das contribuições para o acúmulo da reserva. Portanto, esta análise considera em seu fluxo a evolução do VCM pela TR até a data da aposentadoria, sendo o benefício inicial conforme equação 10.

B I a I e = V C M × ( 1 + T R ) ( I a I e ) (10)

Neste caso, considerando o cenário base utilizado para a análise das premissas, ajustando apenas o benefício inicial pela mesma TR de 15%, o percentual necessário a ser reservado anualmente do salário aumenta para 5.553,03%, ou seja, completamente inviável considerando as hipóteses em questão.

A Tabela 15 demonstra o quanto que cada variável deveria variar, ceteris paribus, em relação ao Cenário Base, para que um indivíduo que ingressasse hoje no mercado de trabalho precisasse reservar 20% de seu salário.

Tabela 15
Premissas ajustadas para viabilidade do produto

Por meio da Tabela 15, é possível verificar, que tudo o mais mantido constante, os rendimentos mensais iniciais que viabilizariam o produto seriam de R$ 305.283,81, algo completamente fora da realidade. Já alterando apenas a TCS, esta deveria ser de 22,77% para que o indivíduo hipotético precisasse reservar 20% de seu salário. Além disto, ao calcular a taxa de juros necessária, chegou-se a 17,61% ao ano, acima dos padrões brasileiros, especialmente nos anos recentes ao estudo. Por fim, para que o produto seja viável mantendo as demais premissas inalteradas, a TR do plano deve ser de, no máximo, 5,07% ao ano. Com isto, pode-se compreender que a premissa com maior impacto dentro do produto é a TR, dado que, para as demais premissas, a alteração necessária é maior, visto que a premissa salário precisou aumentar em 27.753%; a TCM em 759%; a taxa de juros em 352% e a TR diminuir em apenas 66,2%. Não obstante, ao tentar encontrar uma variação de idade de entrada que agindo individualmente viabilizasse o produto, não houve resultados, assim como com idade de aposentadoria, sexo e tábua biométrica.

A fim de verificar a viabilidade do produto de forma geral, abrangendo a alteração de mais de uma premissa em conjunto e ainda considerando como factível uma reserva de 20% do salário, foram obtidos os resultados constantes na Tabela 16.

Tabela 16
Cenário necessário para viabilidade do produto

Ou seja, o cenário que viabilizaria o produto pede que o indivíduo se aposente 10 anos mais tarde, que inicie no mercado de trabalho com salário mensal R$ 573,00 maior, conte com TCS e taxa de juros 2 pontos percentuais maior e tenha a taxa de reajuste de seu plano 5 pontos percentuais menor, em no máximo 10% ao ano. Ao ajustar a tábua biométrica da AT-49 para a AT-2000, de forma a condizer mais com a realidade, o percentual necessário a contribuir do salário passa de 20% para 37,21%. É imprescindível complementar que ainda assim, esse cenário somente contemplaria um plano de saúde ambulatorial, mostrando a dificuldade em manter a viabilidade deste produto.

É imprescindível salientar que na prática, reservar 20% do salário somente para custear este produto é completamente inviável para a maioria dos indivíduos. Para fins de contextualização, a alíquota de cobrança de INSS máxima autorizada em 2022 é de 14%. Logo, um indivíduo que desejasse também adquirir este produto, bem como se aposentar, deveria contribuir com no mínimo 34%, salientando a inviabilidade do produto.

8. Considerações finais

O objetivo geral do trabalho foi avaliar a viabilidade e fatores de impacto de um modelo de plano de saúde por acumulação como alternativa para o modelo atual de repartição simples, que seleciona de forma adversa seu público, reduzindo espontaneamente a viabilidade de manutenção do plano para os beneficiários em idade mais avançada, devido ao elevado valor da contraprestação acima dos 59 anos.

Assim, o trabalho analisou um modelo que incentivasse e tornasse mais acessível a permanência dos beneficiários no plano de saúde no longo prazo, permitindo que o indivíduo não perdesse a qualidade de vida ao entrar na terceira idade, momento em que mais precisaria de cuidados.

No modelo proposto, foi adotada a hipótese de que o participante contribui ao plano durante sua vida ativa, acumulando os recursos necessários para que possa custear integralmente um plano de saúde em sua aposentadoria, utilizando sua reserva e, consequentemente, minimizando possíveis problemas financeiros e de saúde, especialmente ao considerar que os gastos com saúde de idosos são significativamente maiores quando comparados aos gastos com saúde dos jovens.

No estudo, portanto, foram considerados os padrões atuais da Saúde Suplementar, levando em conta as resoluções e regulações atuais do sistema, além do VCM referente à última faixa etária considerada pela ANS.

As premissas consideraram hipóteses atuariais, como idades de entrada e aposentadoria, tábua biométrica, sexo, salário, taxa de crescimento salarial e taxa de juros; e hipóteses assistenciais, como o tipo de contratação e a segmentação assistencial do plano de saúde, a região e a taxa de reajuste do plano.

Assim, foram utilizados dados do Painel de Precificação da ANS para obtenção do VCM dos planos de saúde para que pudesse ser elaborado o fluxo financeiro-atuarial que teve como resultado a razão do salário do indivíduo necessária a ser reservada para contribuição ao plano, permitindo, então, que fossem analisados os impactos marginais de cada premissa.

A partir da análise dos resultados, pode-se concluir que algumas premissas são responsáveis por apresentar impactos maiores, mesmo quando há pouca variação, sendo as que mais se destacaram as atuariais referentes às idades de entrada, idade de aposentadoria e taxa de juros da economia; e as premissas assistenciais referentes à segmentação assistencial do plano de saúde e a taxa de reajuste. Portanto, estas variáveis foram percebidas com força suficiente para limitar o acesso ao plano dos indivíduos que não possuem os recursos necessários.

Notou-se que, quanto maior a idade de entrada no produto, mais barreiras de acesso o indivíduo encontraria, o que representa indícios de dificuldade de implementação do produto em âmbito brasileiro, considerando a alta informalidade e a entrada no setor formal da economia mais tardia.

Além disto, em todos os casos, o produto é menos acessível para o público feminino, resultado da maior expectativa de vida deste em relação ao sexo masculino, bem como dos fatores sociais. Complementarmente, o IBGE (2021) assinala que as mulheres em 2019 no Brasil dedicaram-se aos afazeres domésticos quase o dobro de tempo do que os homens, contribuindo ainda mais para a desigualdade entre os gêneros. Consequentemente, a taxa de participação feminina na força de trabalho brasileira foi menor para elas (54,5%) se comparado aos homens (73,7%). Apesar de globalmente o emprego informal ser maior para homens do que mulheres, tanto para as economias em desenvolvimento quanto as desenvolvidas, a OIT (2018) assinala que as mulheres lotadas nos empregos informais são frequentemente encontradas em situação de maior vulnerabilidade.

Assim, pode-se inferir que o produto é mais viável para indivíduos do sexo masculino que iniciem cedo suas contribuições ao plano e se aposentem tarde. Além disto, o produto se revelou mais acessível aos residentes do Sudeste e do Sul e apresentou menor impacto quanto maior o salário inicial. O cenário ideal para que este indivíduo possa formar sua reserva de forma menos restringente é constituído por uma maior taxa de juros da economia e menor taxa de reajuste do plano, bem como a contratação de um plano mais básico, dado que os planos diferentes do ambulatorial se mostraram inviáveis para a maioria dos casos.

Não obstante, vale mencionar que o trabalho apresenta algumas limitações. Dentre elas, encontram-se a assunção de que a taxa de crescimento dos salários e a taxa de reajuste dos planos se mantém constante. Não obstante, o modelo adotado não considera que a variável taxa de juros seja estocástica, por exemplo.

Outra limitação relevante diz respeito à assunção sobre o comportamento da mortalidade no Brasil. Por se utilizar de tábuas atuariais únicas para todo território nacional, o trabalho está adotando a premissa de que a mortalidade entre as diferentes regiões geográficas é homogênea, quando há um conjunto de evidências que estas não o são.

Ademais, as premissas atuariais assumidas por Winklevoss (1993Winklevoss, Howard E. 1993. Pension Mathematics with Numerical Illustrations. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.) adotadas no escopo do trabalho podem ser mais detalhadas. Entre as premissas assumidas pelo autor, estão os diferentes tipos de decremento, ou seja, a morte, o fim do contrato de trabalho, a invalidez e a aposentadoria, sendo que, no estudo, foi considerado apenas o risco de morte e de aposentadoria. Além das premissas decrementais, o autor dispõe sobre os fatores salariais a serem considerados, sendo eles o aumento devido ao mérito, o aumento devido ao ganho de produtividade e o aumento devido à inflação. No estudo, não houve segregação ou inferência sobre os fatores. Outra premissa apresentada pelo autor é a da taxa de juros que, de acordo com ele, possui um efeito poderoso nos custos, visto que é utilizada para encontrar o valor presente das obrigações financeiras no futuro. Os componentes desta premissa são uma taxa livre de retorno, uma taxa de retorno sobre investimento e a taxa de inflação. Novamente, não houve segregação ou inferência sobre os componentes da taxa de juros considerada no trabalho.

A partir disto, cabe também uma reflexão adicional, como foi feito no trabalho de Cataldi e Afonso (2020Cataldi, Flávia Regina, e Luís Eduardo Afonso. 2020. “Um Estudo Exploratório Sobre a Viabilidade de um Modelo Híbrido de Plano de Saúde com Acumulação”. Revista de Gestão em Sistemas de Saúde - RGSS 9, no. 2: 215-240. Recuperado em 8 de outubro de 2020 de: https://periodicos.uninove.br/revistargss/article/view/15866
https://periodicos.uninove.br/revistargs...
). Conforme constatado pelos autores em seu estudo da viabilidade de um plano no qual o indivíduo acumula recursos para custear os gastos individuais com a saúde, o produto pode não ser considerado atrativo para indivíduos mais jovens, devido ao horizonte temporal necessário de planejamento. Esta é uma dificuldade, visto que estes são os indivíduos que melhor se adequariam às condições para a formação de sua reserva.

Não obstante, dada a situação retratada neste trabalho, verifica-se que o produto se mostra inviável para a maior parcela da população brasileira. Logo, é de se esperar que indivíduos com menor renda não consigam aderir ao sistema, onerando o SUS. O produto pode até se mostrar sustentável de ser ofertado pelas OPSs. Contudo, o público-alvo se limitaria a pessoas de alta renda, que já estão cobertas pelo Sistema de Saúde Suplementar. Pessoas tradicionalmente marginalizadas no acesso a produtos securitários continuariam sendo excluídas, retratando desigualdades regionais, sociais e econômicas já marcadas em outros segmentos.

Referências

  • JEL Classification

    I13, I14, J26.
  • 1
    A tábua de mortalidade AT-83 (Basic), também chamada de 1983 Individual Annuity Mortality (IAM) Table, reflete a experiência da Society of Actuaries (SOA) referentes aos anos de 1971 e 1976, começando a vigorar em 1983 (SOA, 2013).
  • 2
    A tábua de mortalidade AT-2000 (Basic), também chamada de Annuity 2000 Basic Table, reflete a atualização da tábua AT-83 (Basic), começando a vigorar em 2000 (SOA, 2013).
  • 3
    A tábua, divulgada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), refere-se à experiência do mercado segurador brasileiro. O órgão publica atualizações a cada 5 anos, sendo que a versão de 2015 esteve vigente entre Jul/15 e Jun/21 (SUSEP, 2022).

Editor Responsável:

Luís Eduardo Afonso

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2021
  • Aceito
    08 Jun 2022
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