Acessibilidade / Reportar erro

BIBLIOTECONOMIA, DOCUMENTAÇÃO E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: REDES COLONIAIS DE DESENCANTAMENTO

Librarianship, Documentation and Information Science: colonial networks of disenchantment

RESUMO

Objetivo:

As áreas da Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação (BDCI) estiveram atravessadas pelas dinâmicas ocidentais da colonialidade histórica da metafísica moderna. Como objetivo, este texto busca situar algumas redes coloniais de objetificação do conhecimento que erigiram e institucionalizaram os domínios materiais da BDCI como lugares de racionalização instrumental da vida e desencantamento do mundo.

Método:

Perante a problemática inerente aos contextos de surgimento da BDCI, a questão-problema abordada é: quais elementos estruturais da colonialidade auxiliaram na formação do pensamento biblioteconômico, documentalista e informacional da modernidade ao contemporâneo? A hipótese defendida é que as relações coloniais de desencantamento operadas pelos processos de depuração epistêmica do conhecimento objetivo da ciência legaram aos campos da BDCI os modos de conhecer do Ocidente, deficitários em alteridade. O método está baseado em uma leitura filosófica da BDCI a partir do entrelaçamento da assinatura das coisas em Agamben, da desconstrução narrativa em Derrida e da geofilosofia em Deleuze e Guattari.

Resultado:

As colonialidades do ser, do saber e do poder apresentam-se como índices da cartografia dos territórios de conhecimento da BDCI e apontam para os elementos coloniais que tecem as redes de desencantamento do mundo presentes nos respectivos campos.

Conclusões:

A desobediência epistêmica de tematizar os campos da BDCI desde um ponto de vista colonial cria as condições de possibilidade para transformarmo-nos enquanto ciência e, por meio desta alteração, nos libertar das ruínas coloniais e seus modos de expressão. A conclusão está na eminência de reencantar o mundo com vista a adiar o seu fim.

PALAVRAS-CHAVE:
Biblioteconomia - colonialidade; Documentação - colonialidade; Ciência da Informação - colonialidade; Desencantamento do mundo

ABSTRACT

Objective:

The areas of Librarianship, Documentation and Information Science (BDCI) were crossed by the western dynamics of the historical coloniality of modern metaphysics. As an objective, this text seeks to situate some colonial networks of objectification of knowledge that erected and institutionalized the material domains of the BDCI as places of instrumental rationalization of life and disenchantment of the world.

Methods:

Faced with the problems inherent in the contexts in which the BDCI emerged, the question-problem addressed is: which structural elements of coloniality helped in the formation of library, documentalist and informational thought from modernity to the contemporary? The hypothesis defended is that the colonial relations of disenchantment operated by the processes of epistemic purification of the objective knowledge of science bequeathed to the fields of the BDCI the Western ways of knowing, deficient in otherness. The method is based on a philosophical reading of the BDCI from the interweaving of the signature of things in Agamben, the narrative deconstruction in Derrida and geophilosophy in Deleuze and Guattari.

Results:

The colonialities of being, knowledge and power are presented as indexes of the cartography of the territories of knowledge of the BDCI and point to the colonial elements that weave the networks of disenchantment of the world present in the respective fields.

Conclusions:

The epistemic disobedience of thematizing the BDCI fields from a colonial point of view creates the conditions of possibility for us to transform ourselves as a science and, through this alteration, free ourselves from the colonial ruins and their modes of expression. The conclusion is on the verge of re-enchanting the world with a view to postponing its end.

KEYWORDS:
Librarianship - coloniality; Documentation - coloniality; Information Science - coloniality; Disenchantment of the world

1 “NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO”: BIBLIOTECAS, BIBLIOTECÁRIOS E BIBLIOTECONOMIA NOS ENREDOS ESPECULATIVOS DA COLONIALIDADE OCIDENTAL

Enquanto colocava em prática a organização inicial da Biblioteca [de Alexandria], Zenódoto1 1 Primeiro a ocupar o cargo de diretor da Biblioteca de Alexandria, Zenódoto foi pioneiro no reestabelecimento dos poemas homéricos, fundadores da arte hermenêutica, e o primeiro a empregar a ordem alfabética de organização de acervos bibliográficos. deve ter recrutado a equipe que ela precisava - classificadores, inspetores, atendentes, pajens, copistas, restauradores, entre outros. Deve ter havido dúzias desses empregados [...]. Como muitos dos trabalhadores das áreas administrativas no mundo grego e romano, a grande maioria muito provavelmente era constituída por escravos.

Lionel Casson (2018CASSON, Lionel. Bibliotecas no mundo antigo. São Paulo: Vestígio, 2018., p. 50).

A instituição bibliotecária surge na Antiguidade e alcança seu ápice cultural, social e técnico no Ocidente com a Biblioteca de Alexandria, um empreendimento colonial de espoliação e acumulação dos bens culturais de diferentes povos subjugados pelo império alexandrino. Em sua ambiência, a Biblioteca de Alexandria reproduzia a estrutura social de sua época através i) dos ideais do homem livre pensador e cidadão da tradição greco-romana (anthropos), refletidos em seus diretores intelectuais advindos da vida contemplativa, e ii) dos escravos bibliotecários (aneu logon, sem discurso), patrimônios2 2 “A palavra latina patrimonium significava, entre os antigos romanos, tudo o que pertencia ao pai, pater ou pater familias, pai de família — inclusive a mulher, os filhos e os escravos, os animais e os bens móveis e imóveis. [...] O conceito de patrimônio surgiu, portanto, no âmbito privado e no do direito de propriedade, estando intimamente ligado à visão de mundo e aos interesses aristocráticos da elite patriarcal romana.” (CASTRO, 2008, p. 11) capturados juntos às pilhagens de guerra e, enquanto cativos, utilizados como tradutores dos bens culturais locais, pilhados pelo processo de colonização alexandrina (CASSON, 2018CASSON, Lionel. Bibliotecas no mundo antigo. São Paulo: Vestígio, 2018.). O paradigma acumulativo da Biblioteca de Alexandria fundou a gramática da civilização ocidental a partir das materializações linguísticas das colonizações alexandrinas espelhadas em suas coleções (BRAUDEL, 2004; BARATIN, 2000BARATIN, Marc. Da biblioteca à gramática: o paradigma da acumulação. In: BARATIN, Marc; JACOB, Christian (Orgs.). O poder das bibliotecas: a memória dos livros no ocidente. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2000. p. 227-233.). A gramática, nosso modo de representação do mundo como dizia Wittgenstein, surgiu em seus usos e normas como um reflexo especular da pluralidade cultural e material das escrituras acumuladas colonialmente nas estantes de Alexandria. A Biblioteca de Alexandria foi a Babel gramatical das línguas do Ocidente.

Cultuada nos microcosmos dos feudos e monastérios, as bibliotecas fertilizaram, através das suas artes liberais, as gramáticas dos nomes do Ocidente. Com o surgimento dos Estados e Nações modernas, as diferentes linguagens ganharam formatações idiomáticas próprias/nacionais e a massificação dos materiais bibliográficos passou a (re)definir politicamente a hegemonia cultural dos estados europeus (CHARTIER, 1998CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Ed. UNB, 1998.). Em outras palavras, segundo Frédéric Barbier (2018aBARBIER, Frédéric. A Europa de Gutenberg: o livro e a modernidade ocidental (séculos XIII-XVI). São Paulo: Edusp, 2018a., 2018bBARBIER, Frédéric. História das bibliotecas: de Alexandria às bibliotecas virtuais. São Paulo: Edusp, 2018b.), a partir do século XIII, o livro inventa a modernidade ocidental e, após o século XVI, ela passa a se sustentar e, de modo parasitário, nutrir-se do colonialismo histórico das Américas e África (MBEMBE, 2014MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014.).

Formadores da infraestrutura informacional da Modernidade, os “centros de cálculo” ou estações de sentidos (bibliotecas, laboratórios, coleções, etc.) regulavam os fluxos das inscrições que os países europeus extraíam das colônias. Através da estrutura inscritiva da colonialidade e sua moderna dimensão histórica, a informação renasce modernamente como um operador de relação entre uma periferia - objeto de exploração - e um centro - sujeito explorador3 3 A informação “[...] não é um signo, mas uma relação que se estabelece entre dois lugares, o primeiro que vem a ser uma periferia e o segundo que se torna um centro, com a condição de que entre eles circule um veículo que se costuma chamar de forma, mas que, para insistir em seu aspecto material, eu prefiro chamar de inscrição.” (LATOUR, 2000, p. 22) . Fartamente construídas no contexto do colonialismo histórico, as bibliotecas modernas e suas coleções foram frutos da transformação das matérias coloniais em signos imperiais (BURKE, 2003BURKE, Peter. História social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. São Paulo: Zahar, 2003. v. 1.; LATOUR, 2000LATOUR, Bruno. Redes que a razão desconhece: laboratórios, bibliotecas, coleções. In: BARATIN, M.; JACOB, C. (org.). O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2000. p. 21-44.). Informar, nos diz Latour (2000LATOUR, Bruno. Redes que a razão desconhece: laboratórios, bibliotecas, coleções. In: BARATIN, M.; JACOB, C. (org.). O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2000. p. 21-44., p. 23), era “uma relação muito prática e muito material entre dois lugares, o primeiro dos quais negocia o que deve retirar do segundo, a fim de mantê-lo sob sua vista e agir à distância sobre ele”.

A biblioteca patrimonial moderna era um nó regulador das redes naturalistas de transferências ontológicas, epistêmicas e narrativas4 4 “O naturalista não está em sua terra, mas longe, enviado pelo rei para levar na volta desenhos, espécimes naturalizados, mudas, herbários, relatos e, quem sabe, indígenas. [...] o mundo indígena deve fazer-se ver a fim de ser colhido pelo movimento da informação.” (LATOUR, 2000, p. 22-23) entre as metrópoles coloniais e os redutos marginais de exploração - as suas colônias. Elo entre os diferentes mundos, a biblioteca moderna patrimonial formada pelas coleções senhoriais, em grande parte extraídas dos mundos indígenas americanos, será em 1627, através dos Advis pour dresser une bibliothèque de Gabriel Naudé (2016NAUDÉ, Gabriel. Conselhos para formar uma biblioteca. Brasília: Briquet de Lemos, 2016.), alçada à modelo universal de biblioteca pelo projeto iluminista (ARAUJO; ARAÚJO, 2018ARAUJO, Andre Vieira de Freitas; ARAÚJO, Diná Marques Pereira. Fundamentos da Biblioteconomia Moderna em Gabriel Naudé: notas transversais pela lente e episteme da Bibliografia e da Bibliofilia. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 14, n. esp., 2018.).

Fundamento da Biblioteconomia Moderna, a obra de Naudé reproduz a estrutura ontológica da sociedade ocidental por meio da instituição bibliotecária. A transição do ideal do homem livre greco-romano, o patriarca (anthropos) em vista de si mesmo (ho hautoû héneka) (ARISTÓTELES, 2002ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002., §982b 20-28, p. 10-13), detentor do patrimônio material e imaterial, móvel e imóvel, para o homem ideal, livre, branco e europeu (sujeito histórico-universal moderno), marca a passagem do trabalho intelectual bibliotecário à modernidade. Esta transição epistemológica apresenta-se na ideia institucional da biblioteca patrimonial como modelo paradigmático da biblioteca universal. A ideia da biblioteca de todos os povos, culturas e sociedades é, no fundo, uma ideia patriarcal do sujeito moderno (branco), destino espiritual do povo universal (europeu) (HEIDEGGER, 1966HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966.). No caso brasileiro, por exemplo, a Biblioteca Nacional do Brasil nasce de um conjunto de coleções fundacionais portuguesas (SCHWARCZ, 2002SCHWARCZ, Lilia M. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.). O ideal nacionalista da cultura brasileira refletido na instituição da Biblioteca Nacional encontra-se, em seu ato de fundação, pervertido pela colonialidade epistêmica das suas coleções. A desconcertante retórica da pergunta: “universal para quem?”, precisa ser cotidianamente recolocada perante as redes coloniais de desencantamento e seus atributos raciais desvitalizadores. No mundo ocidental da Biblioteconomia, por vezes, o espelho voltado ao outro tem reiterado um vicioso reflexo de si.

2 DOCUMENTAÇÃO E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: DOMESTICAÇÕES DAS ALMAS E CORPOS SELVAGENS

Apesar de toda a sua retórica nobre sobre paz e unidade internacional, Otlet lutou para conciliar esses nobres sentimentos com o fato do colonialismo europeu generalizado e o contínuo interesse da Bélgica no Congo. Em The End of War, ele dedicou uma seção aos ‘territórios internacionais’ ou colônias, afirmando que ‘o continente africano é um domínio completamente internacional’. Ecoando as racionalizações humanísticas de Leopold II para sua exploração da população indígena, Otlet caracterizou todo o projeto europeu na África como ‘uma grande missão civilizadora’, nascida da amizade com as populações nativas e baseada no respeito por suas crenças religiosas, estruturas familiares e direitos de propriedade - e, no processo, ‘fazê-los apreciar os benefícios da civilização’.

Alex Wright (2014WRIGHT, Alex. Cataloging the world: Paul Otlet and the birth of the information age. New York: Oxford University Press, 2014., p. 152, tradução nossa).

A ideia unificadora e universalizante do Controle Bibliográfico Universal (CBU) renasceu nos projetos igualmente universais e objetificantes da Documentação e do Repertório Bibliográfico Universal (RBU) no final do século XIX e início do XX. A Documentação surge como um saber pacificador das relações coloniais, especificamente, da Bélgica civilizadora do selvagem povo do Congo. Alex Wright em Cataloging the world: Paul Otlet and the birth of the information age (2014WRIGHT, Alex. Cataloging the world: Paul Otlet and the birth of the information age. New York: Oxford University Press, 2014.) nos recorda que por trás da retórica da paz e do internacionalismo, Paul Otlet lutou para conciliar sua altivez pacifista com o colonialismo europeu, em especial, do Congo Belga.

Wright (2014WRIGHT, Alex. Cataloging the world: Paul Otlet and the birth of the information age. New York: Oxford University Press, 2014.) apresenta a defesa de Otlet do projeto do Congo como um empreendimento cristão e humanitário, sendo os belgas, para Otlet, libertadores da longa decadência moral e intelectual dos povos africanos. Por mais de uma vez, Otlet declarou ser “um visionário” o Rei Leopoldo II - genocida que dizimou mais de 10 milhões de congoleses no processo de colonização - e caracterizou todo o projeto europeu na África como “uma grande missão civilizadora”. Dentre outros aspectos do sujeito imperial impregnado no homem Otlet, Wright (2014, p. 53) ainda revela que o jovem Mayalé, filho de um chefe do Congo, foi sequestrado e escravizado pela família Otlet a partir de 1886. Dissimulado nas pretensões universais do conhecimento objetivo da Modernidade (RAYWARD, 2008RAYWARD, W. B. Introduction. In: RAYWARD, W. B. (ed.). European Modernism and the Information Society: informing the Present, Understanding the Past. Aldershot: Routledge, 2008. p. 1-26.), Paul Otlet fundou a Documentação como um projeto atravessado pelas colonialidades do ser, do poder e do saber.

Um senhor dos signos, Paul Otlet diante das suas pretensões universais visava documentar todo o mundo para pacificá-lo como ele é - colonial e baseado na relação moderna elementar entre centros (Mundaneum, a cidade mundial) e periferias, ou, em termos modernos hegelianos, entre senhores e escravos5 5 Alexandre Kojève (2002, p. 15) argumenta que a dialética entre senhor e escravo é a “relação social fundamental” e o mundo humano caracteriza-se necessariamente por “um elemento de dominação e um elemento de sujeição, existências autônomas e existências dependentes”. Em Hegel, a transformação de um mundo hostil em um mundo humano, “começa pelo ato de impor-se ao ‘primeiro’ outro com que se depara” (KOJÈVE, 2002, p. 17). (KOJÉVE, 2002KOJÈVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002., p. 15-17). O conceito de documento em Paul Otlet guarda o ideário desta relação fundamental do Ocidente entre senhores e escravos. Caso interpretemos o suporte como a dimensão externa e material do corpo (escravo) e os signos representativos dos dados intelectuais (do senhor) como as impressões internas e ativas que informam a superfície material do suporte (SILVA, 2022SILVA, Denise Ferreira da. Homo modernus: para uma ideia global de raça. Rio de Janeiro: Cobogó, 2022.), reconstruímos a máquina conceitual da Documentação otletiana: “a definição mais geral que se pode dar de livro ou documento é: um suporte, feito de determinado material e com determinada dimensão, onde se colocam os signos representativos de certos dados intelectuais.” (OTLET, 2018OTLET, Paul. Tratado de documentação: o livro sobre o livro: teoria e prática. Brasília: Briquet de Lemos, 2018., p. 59) A impressão da representação dos dados intelectuais em um suporte material é a definição clássica da informação, seja do ponto de vista ontológico, da informação como dar a forma ideal (eidos) ou o sentido substancial (ousía) a algo - coisa material (hylé) -, seja do ponto de vista epistemológico, da informação como a matéria subjetiva informante sendo objetivada na matéria informada do mundo e seus suportes materiais (MENEZES, 2017MENEZES, Vinícios Souza de. Rasum Tabulae: um limiar metafórico-escritural dos estudos da informação, ou, Le Livre. 2017. 306 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.; CAPURRO, 2014CAPURRO, Rafael. Apud Arabes: notes on Greek, Latin, Arabic, Persian, and Hebrew Roots of the Concept of Information. 2014. Disponível em: http://www.capurro.de/iran.html. Acesso em: 11 jun. 2016.
http://www.capurro.de/iran.html...
). Essa conexão conceitual encontra um elo histórico e institucional na proposição da Ciência da Informação como um campo oriundo da Documentação, conforme defendido por Boyd Rayward (1997RAYWARD, W. B. The origins of Information Science and the International Institute of Bibliography/International federation for Information and Documentation (FID). Journal of the American Society for Information Science, v. 48, n. 4, p. 289-300, 1997.).

A “explosão informacional” oriunda do “caos documentário” acontece no contexto do avanço científico demandado pelo imperialismo e suas guerras coloniais do final do século XIX e início do século XX (SCHELLENBERG, 2006SCHELLENBERG, T. R. Arquivos modernos: princípios e técnicas. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.; SOLLA PRICE, 1976SOLLA PRICE, Derek. O desenvolvimento da ciência: análise histórica, filosófica, sociológica e econômica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1976.; BRADFORD, 1961BRADFORD, Samuel. Documentação. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.). Com o capitalismo industrial exigindo cada vez mais insumos e matéria-prima para a transformação em bens de consumo, as expansões coloniais são um passo inicial para as duas grandes guerras do século XX, a posterior Guerra Fria e, por conseguinte, as guerras anticoloniais de independência, convertidas ou pervertidas, em muitos casos, em regimes autoritários de governo promovidos por guerras (des)informacionais, como o caso brasileiro.

É neste contexto imperialista dos colonialismos ocidentais que a Ciência da Informação nasce como um campo tecno-burocrático, estrategicamente configurado pelas relações bélicas (BUSH, 1945BUSH, V. As We may think. Atlantic Monthly, v. 176, n. 1, p.101-108, 1945. Disponível em: http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1945/07/as-we-may-think/3881/1/. Acesso em: 28 abr. 2015.
http://www.theatlantic.com/magazine/arch...
; WIENER, 1968WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. São Paulo: Cultrix, 1968.; HEIDEGGER, 1973HEIDEGGER, Martin. O que é a metafísica? In: SARTRE, J. P.; HEIDEGGER, M. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 223-261. (Os pensadores); DAY, 1999DAY, Ronald. Information and Entropy in the Cold War and Its Present: emergent meaning in the Art of Robert Smithson. SOCIALITY/MATERIALITY: THE STATUS OF THE OBJECT IN SOCIAL SCIENCE CONFERENCE, 1., 1999, Brunel. Proceedings [...]. Brunel: Brunel University, 1999. p. 1-6., 2001), cujas finalidades instrumentais seriam capturar as propriedades, os comportamentos, os fluxos e os meios de circulação informacional para racionalizar e otimizar os seus usos (BORKO, 1968BORKO, H. Information Science: What is it? American Documentation, v. 19, n. 1, p. 3-5, 1968.). Em outras palavras, recuperar a informação científica contida na massa documentária produzida pela guerra para otimizar as decisões dos operadores do poder6 6 Recorrendo ao caráter interdocumentário e público da Documentação, Suzanne Briet (2016, p. 11) perante tal contexto bélico de formação epistêmica reconhecia a ciência como um instrumento bélico, mas que poderia servir para a paz: “[...] ‘a ciência’ surge agora ‘como a mais essencial das atividades bélicas em tempos de paz’. O grande Einstein deu um grito de alarme: ‘o domínio da informação diminui cada vez mais sob a pressão das necessidades militares’. A documentação secreta é uma afronta à documentação.” . Até as décadas de 1960 e 1970, o horizonte bélico das virtudes instrumentais e estratégicas ocupou os debates da informação científica (BOURDIEU, 2019BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Florianópolis: Ed. UFSC, 2019., 2004) - objeto por excelência do controverso nascimento da Ciência da Informação (MOSTAFA, 1985MOSTAFA, Solange. Epistemologia da Biblioteconomia. 1985. 140 f. Tese (Doutorado em Filosofia da Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1985.). O final dos anos 1970 e a década de 1980 se caracterizaram como os anos do advento do neoliberalismo e da sociedade informacional (MACHLUP, 1962MACHLUP, Fritz. The production and distribuition of knowledge in the United States. Princeton: Princeton University Press, 1962.; PORAT, 1977PORAT, Marc U. The information economy: definition and measurement. Washington: Office of Telecomunication, 1977.), uma continuação da guerra por outros meios (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.; STENGERS, 2015STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes. São Paulo: Cosac & Naify, 2015.).

Neste intercurso histórico entre os séculos XIX, XX e, agora, XXI, o Ocidente esteve permeado por retrações e avanços coloniais, destituições oficiais e sobrevivências estruturais das colonialidades nos regimes imperiais do capital. Neste contexto temporal, e não alheio a ele, surgem e são institucionalizados os campos da Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação no Ocidente. Atravessados pelas dinâmicas sociais deste mundo, os objetos destes campos configuraram, desde o nascimento da escrita alfabética, a organização e a lógica estrutural destas sociedades (DERRIDA, 2013DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2013.; GOODY, 2019GOODY, Jack. A lógica da escrita e a organização da sociedade. Petrópolis: Vozes, 2019.). Conformado pelo Ocidente como um artefato onto-teológico de saber absoluto (DERRIDA, 2004; CURTIUS, 2013CURTIUS, Ernst. Literatura europeia e idade média latina. São Paulo: EDUSP, 2013.), o livro, objeto bibliotecário por excelência, desempenhou o papel de domesticador das mentes selvagens (GOODY, 2012) e catalisou em seu espaço de memória, a história eurocêntrica como a história da verdadeira humanidade. Partindo desta ideia, Paul Otlet fala do documento como um potencial livro absoluto: “precisamos da ‘suma das sumas’ (summa summarum), ‘o livro universal’.” (OTLET, 2018OTLET, Paul. Tratado de documentação: o livro sobre o livro: teoria e prática. Brasília: Briquet de Lemos, 2018., p. 669)

Escrivão dos espaços sociais e seus territórios (DAY, 1997DAY, Ronald. Paul Otlet’s Book and the writing of social space. Journal of the American Society for Information Science, v. 48, n. 4, p. 310‐317, 1997.), com a Modernidade, o documento torna-se a escrita do Estado (WEBER, 1979WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979., p. 231-233). Deste imaginário, preservando as categorias epistemológicas da Modernidade ocidental e demarcando uma “diferença documentária” colonial e desencantada entre a natureza e a cultura, Suzanne Briet em “O que é a Documentação?” (2016BRIET, Suzanne. O que é a documentação? Brasília: Briquet de Lemos, 2016.) afirmava que o documento somente poderia ser fabricado por uma técnica cultural7 7 “A documentação para si mesmo ou para outrem aparece aos olhos de muitos como ‘uma técnica cultural’ [...].” (BRIET, 2016, p. 5) (2016, p. 5). Entes da natureza (seres ônticos) como o antílope (animal) e a estrela (mineral) não poderiam ser alçados à condição de documentos pois culturalmente não possuem a depuração técnica da alma humana8 8 “A unidade documentária tende a se aproximar da ideia elementar, da unidade de pensamento [...].” (BRIET, 2016, p. 5) , ou, do homo documentator (ser ontológico) (BRIET, 2016BRIET, Suzanne. O que é a documentação? Brasília: Briquet de Lemos, 2016., p. 13). A “diferença documentária” brietiana acaba por reproduzir a “diferença ontológica” ocidental e o homo documentator é narcisisticamente como o anthropos de Aristóteles (2002ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.) ou o dasein de Heidegger (2011HEIDEGGER, Martin. Conceitos fundamentais da metafísica: mundo, finitude, solidão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.): um ser em vista de si mesmo.

Em termos contemporâneos, chamo a atenção especialmente para o que Heidegger (2011HEIDEGGER, Martin. Conceitos fundamentais da metafísica: mundo, finitude, solidão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.) chamou na sua ontologia fundamental de “diferença ontológica”. A “diferença ontológica” está fundamentada na diferença entre humanos (ser) e não-humanos (entes) e esta distinção encontra-se desdobrada na seguinte tríade de teses: i) o ente-humano é o ser capaz de compreensão e formação de mundo, ii) dos entes não-humanos, os animais e as plantas são pobres de mundo e iii) os entes inanimados são sem mundo. Logo, o mundo é uma designação do ser-aí humano (dasein) no cerne da sua essência existencial de sentido (ek-sistente). O mundo é um isolamento metafísico exclusivo do humano e o dasein “ente que nós mesmos somos”, dirá Heidegger, é essencialmente “em vista de si mesmo” (um seiner selbst willen). Neste gesto de exclusão do mundo das diferentes presenças e dos seres diferentemente humanos, encontra-se o homo documentator e a diferença documentária, direta e indiretamente, fabricadores dos sem-documentos - aqueles que não são humanos como “nós” (DERRIDA, 2004DERRIDA, Jacques. Papel-máquina. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.).

Neste mundo moderno maculado pelas relações epistemológicas coloniais entre sujeitos e objetos (S-O), Rafael Capurro (1992CAPURRO, Rafael. What is Information Science for? a philosophical reflection. In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (eds.). Conceptions of Library and Information Science: historical, empirical and theoretical perspectives. London: Taylor Graham, 1992. p. 82-96.) identificou dois modelos interpretativos da informação: 1) um de tradição objetivista e fisicalista, que lia a informação como algo objetivo na realidade externa, a partir de três versões: 1.1) platônica9 9 A tradição objetivista platônica interpreta a informação em si mesma, fora das dinâmicas sociais do mundo imanente. A informação é uma entidade objetiva configuradora de um mundo informacional em si mesmo. Este mundo pode ser abordado em duas dimensões: a materialista e a idealista. A dimensão materialista é uma cópia do modelo ideal, onde a informação corrompe-se e atualiza-se materialmente em suportes e continentes imagéticos (escriturais), isto é, o conteúdo objetivo materializa-se em documentos e/ou substitutos eletrônicos. A dimensão idealista vê a informação como uma entidade objetiva fadada a si mesmo, um decalque original do modelo ideal. , 1.2) da representação10 10 A tradição objetivista da representação descreve os seres humanos (autoconscientes) como observadores e conhecedores de uma realidade alheia, exterior a si. O sujeito, imperador dos signos, ao observar alhures, narcisicamente vê-se re-apresentado fora do mundo. A estratégia conceitual da representação (da consciência) como espelho do mundo deflagra a teoria do objeto; no plano “informacional” se dá uma dialética entre a intenção informante do sujeito e a matéria informada do objeto. A teoria do conhecimento está baseada na apropriação das coisas ou fatos através das representações provocadas na mente do sujeito cognoscente - a interpretação do conhecimento como teoria dos objetos. Imagina-se que uma vez codificados os dados da consciência, as informações representadas poderiam ser comunicadas entrementes e/ou armazenadas e processadas por máquinas, num processo de simulação cérebro-máquina. , 1.3) da comunicação autômata (paradigma fonte-canal-receptor11 11 A tradição objetivista comunicacional está baseada no esquema fonte-canal-receptor. Ao se comunicarem, os seres “autômatos” realizam uma troca de informações entre emissores e receptores. Esta troca, dependente de um estoque comum de sinais (linguagem como código), aponta para um conceito central de mensagem, ao qual se relacionará a o conceito de informação. A troca de informações é intrinsecamente dependente da estrutura da mensagem. A comunicação autômata da mensagem codificada está voltada para o impacto seletivo da informação no receptor e seu consequente processo de interpretação (decodificação). Os receptores podem ser sistemas e/ou usuários de informação (“buscadores”). Neste paradigma físico, o “sujeito” é muito mais uma “inteligência artificial” que troca mensagens a partir de uma teoria sintática da informação que preza não pelo excesso ou pela abundância informacional, provocadores de entropia, mas pela identidade redundante e seletiva da informação (neguentrópica). ) e, 2) um de tradição subjetivista, que lia a informação como uma entidade extrafísica que só existe em espaços cognitivos, cujo efeito era a mudança das estruturas de conhecimento através de acréscimos informacionais subjetivos, revelados por Bernd Frohmann (1992FROHMANN, Bernd. The power of images: a discourse analysis of the cognitive viewpoint. Journal of Documentation, v. 48, n. 4, p. 365-386, 1992.) como incrementos induzidos pelas necessidades de consumo do mercado neoliberal nascente nos anos 1980. Tanto a tradição física quanto a cognitiva estavam associadas ao mundo febril das guerras dos séculos XIX e XX, trazendo consigo o ímpeto colonial desses empreendimentos hostis ao outro - visto, quase sempre, como um inimigo. Entre sistemas e usuários (ARAÚJO, 2009ARAÚJO, Carlos Alberto V. Correntes teóricas da Ciência da Informação. Ciência da Informação, v. 38, n. 3, p. 192-204, 2009.; WERSIG; WINDEL, 1985WERSIG, G.; WINDEL, G. Information Science needs a theory of ‘information actions’. Social Science Information Studies, v. 5, p. 11-23, 1985.), indivíduos e sociedade (MOSTAFA, 1985MOSTAFA, Solange. Epistemologia da Biblioteconomia. 1985. 140 f. Tese (Doutorado em Filosofia da Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1985.; EGAN; SHERA, 1952EGAN, Margaret; SHERA, Jesse. Foundations of a theory of bibliography. Library Quarterly, v. 22, n. 2, p. 125-137, 1952.; SHERA, 1972, 1970), funções e comportamentos (ARAÚJO, 2013; MOSTAFA; LIMA; MURGUIA MARANON, 1992), regimes patrimonialistas de custódia e de acesso pós-custodial (SILVA, 2006), eruditismos humanistas e tecnicismos modernos (FONSECA, 2007FONSECA, Edson Nery. Introdução à Biblioteconomia. Brasília: Briquet de Lemos, 2007.; CASTRO, 2000CASTRO, César Augusto. História da Biblioteconomia brasileira: perspectiva histórica. Brasília: Thesaurus, 2000.), a demarcação epistemológica dos campos da Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação pendulou sob o horizonte objetivante que se estende entre os sujeitos e os objetos, relação que, para os povos logocêntricos do Ocidente, em termos de teoria do conhecimento, estabelece a condição comum do conhecer. Para o povo universal, a forma geral do Outro é a coisa: conhecer é dessubjetivar (VIVEIROS DE CASTRO, 2017VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2017., p. 358). Os sujeitos agem coletivamente, de modo intersubjetivo, para dessubjetivar o mundo e representá-lo de forma reificada, ou, re-apresentá-lo como um ente objetivamente significativo e válido segundo as condições gerais do enunciado legítimo (POPPER, 1974POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1974.). Em outras palavras, para as redes coloniais do Ocidente, conhecer é desencantar-se do mundo (WEBER, 1979WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.).

3 BIBLIOTECONOMIA, DOCUMENTAÇÃO E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: RELAÇÕES COLONIAIS DE DESENCANTAMENTO

A representação é um operador ontológico informacional de colonização. [...] Sentença por excelência da ontologia informacional, dar a forma algo é uma das faces políticas do projeto metafísico e colonial do Ocidente. A ontologia fundamental inaugura o pensamento informacional e funda a representação. Dar a forma a algo é uma formulação primaz da filosofia da representação - da submissão da diferença à identidade.

Vinícios Souza de Menezes (2021MENEZES, Vinícios Souza de. Da representação à perspectivação de(s)colonial do conhecimento: a ontologia informacional sob a tez ameríndia. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 1-25, nov. 2021., p. 6-7).

Transpassada para a Documentação e para a Ciência da Informação, a tradição idealista de serviço da Biblioteconomia, nascida com as revoluções liberais e os avanços democráticos da esfera pública (BERTRAM; OLSON, 1996BERTRAM, Sheila; OLSON, Hope. Culture clash. Library Journal, v. 15, p. 36-37, 1996.), foi sufocada pelos interesses privados do dinheiro (capitalismo) e do poder (nações e estados). Em Librarianship: the Erosion of a Woman’s Profession, Roma Harris (1992HARRIS, Roma. Librarianship: The Erosion of a Woman’s Profession. New York: Ablex Pub., 1992.) argumenta que a comercialização da informação, exacerbada pela tecnologia da informação, se choca com os valores da tradição de serviço da Biblioteconomia que considera a informação um bem público, e não uma mercadoria. Harris (1992) defende a ética profissional biblioteconômica, de origens femininas, baseada no uso e contra os abusos corrosivos da cultura empresarial da infotech, fundadora política de um “classismo da informação”.

No contexto moderno da colonialidade dos territórios, o ato biblioteconômico de servir deixou de ser uma ação solidária destinada ao outro e passou a referir-se ao modo substantivo e servil das opressões coloniais. Afastado da condição hospitaleira de estar a serviço do público para o engrandecimento das relações libertárias da democracia, desde um ponto de vista colonial, o servidor tornou-se servo das imposições objetivas da ciência tecnocrática a serviço do dinheiro e do poder, travestidos nas paisagens das guerras do nosso tempo. Por exemplo, no campo da Biblioteconomia, Sheila Bertram e Hope Olson (1996BERTRAM, Sheila; OLSON, Hope. Culture clash. Library Journal, v. 15, p. 36-37, 1996.) argumentam que a cultura de serviço de tradição “feminista” foi sendo sufocada pela cultura infotech masculina, baseada na ciência, na tecnologia e na transformação neoliberal da informação em mercadoria12 12 “A cultura de serviço, tão suave e tradicional, representa a cultura histórica da Biblioteconomia, trazendo consigo nosso tradicional compromisso social e responsabilidade de serviço. Em contraste, a cultura empresarial da tecnologia de informação é orientada para um futuro obstinado, científico e material. A primeira está ligada ao serviço pessoal, a segunda à tecnologia impessoal. A primeira está ligada ao livre acesso à informação, a segunda à informação como mercadoria. A primeira está diretamente vinculada ao setor público, a segunda trabalha em estreita colaboração, ou, está situada no setor corporativo. A primeira é feminina e a segunda é masculina.” (BERTRAM; OLSON, 1996, p. 36, tradução nossa) . Esta transição foi fomentada e fundamentada no campo da Biblioteconomia a partir de obras como i) An introduction to Library Science, de Lee Pierce Butler (1933BUTLER, Lee Pierce. An introduction to library science. Chicago: University of Chicago Press, 1933.), que rejeitava o papel de responsabilidade social da Biblioteconomia e defendia a ciência no lugar do serviço, ii) The Foundations of Education for Librarianship, de Jesse Shera (1972SHERA, Jesse. The foundations of education for librarianship. New York: J. Wiley, 1972.), que concordava com Butler e pedia uma profissão mais racional, objetiva e científica, em acordo com a nova sociedade voltada para a ciência, iii) Into the Future: The Foundations of Library and Information Services in the Post-Industrial Era, de Michael Harris e Stan Hannah (1993HARRIS, Michael H.; HANNAH, Stan A. Into the Future: The Foundations of Library and Information Services in the Post-Industrial Era. New York: Ablex Pub., 1993.), que atualizam com conotações moralistas neoliberais essa tradição e vinculam a abordagem científica à era da informação e sua visão empresarial da informação como uma mercadoria em oposição a um bem público.

No campo da Documentação, a partir do mesmo contexto do progresso objetivante da “evolução dos conhecimentos humanos” promovidos pela ciência, Suzanne Briet (2016BRIET, Suzanne. O que é a documentação? Brasília: Briquet de Lemos, 2016., p. 5) recorre à relação fundamental da colonialidade entre senhores e servos para dizer que “a Documentação é sua serva [da ciência], despojada como uma camponesa ou vestida suntuosamente segundo o desejo de seus senhores, os pesquisadores [cientistas].” Esta formulação colonial de Briet ressoava o lema de Otlet (2018OTLET, Paul. Tratado de documentação: o livro sobre o livro: teoria e prática. Brasília: Briquet de Lemos, 2018., p. 615), que dizia ser o documentalista “o auxiliar da ciência, o servus servorum scientiae. O ‘servo dos servos da ciência’ [Serviteur des Serviteurs de la Science]”, pensamento corroborado também pela obra “Documentação” de Samuel Bradford (1961BRADFORD, Samuel. Documentação. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961., p. 180-195).

Por meio dessa imagem colonial de servidão, torna-se perceptível a estrutura social configuradora do território do Homo Academicus, descrita anos depois por Pierre Bourdieu (2019BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Florianópolis: Ed. UFSC, 2019.), e que foi reivindicada pelos cientistas da informação na primavera de 1962, durante a reunião do Georgia Institute of Technology, considerada por parte da literatura como um evento fundacional para o campo da Ciência da Informação (GARCIA, 2002GARCIA, Joana Coeli R. Conferências do Georgia Institute of Technology e a Ciência da Informação: “de volta para o futuro”. Informação & Sociedade: Estudos, v. 12 n. 1, 2002.). Nesta reunião de 1962, Jesse Shera (1980SHERA, Jesse H. Sobre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação. In: GOMES, Hagar Espanha (org.). Ciência da Informação ou Informática? Rio de Janeiro: Calunga, 1980. p. 91-105., p. 96), que esteve presente, descreve a “nova” configuração do campo da Ciência da Informação a partir de uma divisão social do trabalho intelectual organizada em duas categorias: técnicos e pesquisadores. Seriam os técnicos: a) bibliotecários, b) bibliotecários especializados, c) bibliotecários científicos e d) analistas de publicações técnicas. Já os pesquisadores seriam exclusivamente os cientistas da informação ou especialistas em Ciência da Informação. A Documentação (ciência) e os documentalistas (profissão) foram terminologicamente excluídos pela comunidade presente, seguindo o entendimento norte-americano de que i) a Documentação nos Estados Unidos é um ramo da microfotografia (SHERA, 1980SHERA, Jesse H. Sobre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação. In: GOMES, Hagar Espanha (org.). Ciência da Informação ou Informática? Rio de Janeiro: Calunga, 1980. p. 91-105., p. 92), ii) as atividades da Documentação estão implícitas no escopo das tarefas da Biblioteconomia Especializada (Special Libraries) e, iii) a Documentação é um campo francófono, uma estrangeira em terras de novos imperialismos. Ou seja, a “nova” configuração do que se convencionou chamar posteriormente de Library and Information Science13 13 Birger Hjørland (2000, p. 508-509) assinala que essa atribuição surge em 1969 a partir da mudança do nome do Library Science Abstracts para Library and Information Science Abstracts. não destruiu, nem alterou a estrutura colonial de hierarquização social do trabalho intelectual do campo científico, ao contrário, o cientista da informação pleiteou para si o lugar do senhor - nas palavras de Briet, o pesquisador -, enquanto aos bibliotecários foi legada a ambiência servil do técnico, requerida outrora pelos documentalistas.

Perante as linguagens sintáticas e semânticas das tradições físicas e cognitivas, Miguel Rendón Rojas (2005RENDÓN ROJAS, Miguel A. R. Bases teóricas y filosóficas de la bibliotecología. México: UNAM, 2005., 1996) assinala para um contraponto epistêmico: o enfoque pragmático e social das relações biblioteconômicas e informacionais. Rafael Capurro (1992CAPURRO, Rafael. What is Information Science for? a philosophical reflection. In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (eds.). Conceptions of Library and Information Science: historical, empirical and theoretical perspectives. London: Taylor Graham, 1992. p. 82-96., 2003) denominou, em um primeiro momento, de paradigma hermenêutico-retórico da informação e, posteriormente, de paradigma social da informação, esta terceira tradição interpretativa da informação. A gramática dos usos da perspectiva social da informação está associada à contingência das ações informacionais e suas condições materiais de produção. Criticamente direcionada às dinâmicas que estruturam as conjunturas informacionais, a interpretação social dos campos da Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação surgiu sob diferentes denominações.

Na Biblioteconomia, um dos primeiros esforços críticos de inclusão das dinâmicas sociais no cenário das relações bibliotecárias foi a epistemologia social de Margareth Egan e Jesse Shera (1952EGAN, Margaret; SHERA, Jesse. Foundations of a theory of bibliography. Library Quarterly, v. 22, n. 2, p. 125-137, 1952.), seguido pelo marco dos direitos civis da Biblioteconomia Negra (Black Librarianship) (JOSEY; SCHOCKLEY, 1977JOSEY, E. J.; SCHOCKLEY, Ann Allen (ed.). Handbook of black librarianship. Littleton, Colorado: Libraries Unlimited, 1977.) em sua luta anticolonial contra segmentação racial e os discursos supremacistas (white dominant narratives) (LEUNG; LÓPEZ-MCKNIGHT, 2021LEUNG, Sofia Y.; LÓPEZ-MCKNIGHT, Jorge R. (eds.). Knowledge justice: disrupting library and information studies through critical race theory. Cambridge: The MIT Press, 2021.; WIEGAND; WIEGAND, 2018WIEGAND, Wayne A.; WIEGAND, Shirley A. The desegregation of public libraries in the Jim Crow South: civil rights and local activism. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 2018.), da Biblioteconomia Indígena (Indigenous Librarianship), que compartilha da mesma luta, além do combate contra os apagamentos culturais presentes nos processos e sistemas de organização do conhecimento que classificam o conhecimento indígena de modo inadequado, homogêneo e como relíquias de um passado selvagem superado (GOSART, 2021GOSART, Ulia. Indigenous librarianship: Theory, practices, and means of social action. International Federation of Library Associations and Institutions, Haia, v. 47, n. 3, p. 293-304, 2021.), e da Biblioteconomia Crítica (Critical Librarianship) atualmente desdobrada nas questões transgressoras da Biblioteconomia Social14 14 As expressões biblioteconômicas para este movimento crítico do campo são as mais diversas. Podemos traduzir em português, além dos termos Biblioteconomia Social (Bibliotecología Social, Social Librarianship) e Biblioteconomia Crítica (Bibliotecología Crítica, Critical Librarianship), a Biblioteconomia Progressista (Bibliotecología Progressista, Progressive Librarianship) e a Biblioteconomia Ativista (Bibliotecología Activista, Activist Librarianship). e suas mediações direcionadas à radicalização democrática do acesso ao conhecimento (SPUDEIT; MORAES, 2008).

Na Documentação, a visão social emergiu no final dos anos 1980 e início dos 1990 com o movimento da Neodocumentação ou da Redocumentalização (LUND, 2009LUND, Niels. Document Theory. Annual review of information science social and technology, v. 43, n. 1, p. 1-55, 2009.) que dirigia uma crítica voraz às interpretações físicas (fisicalistas) e cognitivas (mentalistas) da informação (FROHMANN, 1990FROHMANN, Bernd. Rules of indexing: a critique of mentalism in information retrieval theory. Journal of Documentation, v. 46, n. 2, p. 81-101, 1990., 1992) e propunha uma Filosofia da Informação Outra (FROHMANN, 2004), baseada na cultura material e na materialidade documental que nomeia a informação enquanto uma “coisa significativa” (FROHMANN, 2008; BUCKLAND, 1991BUCKLAND, Michael. Information as thing. Journal of the American Society of Information Science, v. 42, n. 5, p. 351-360, 1991., 1997).

Na Ciência da Informação, segundo Capurro (1992CAPURRO, Rafael. What is Information Science for? a philosophical reflection. In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (eds.). Conceptions of Library and Information Science: historical, empirical and theoretical perspectives. London: Taylor Graham, 1992. p. 82-96.), a perspectiva social surge com as publicações de Norman Roberts (1982ROBERTS, Norman. A search for information man. Social Science Information Studies, v. 2, p. 93-104, 1982.) - A search for information man - e de Wersig e Windel (1985WERSIG, G.; WINDEL, G. Information Science needs a theory of ‘information actions’. Social Science Information Studies, v. 5, p. 11-23, 1985.) - Information science needs a theory of ‘information actions’ -, textos inaugurais da virada pragmática da informação nos anos 1980. Desde um ponto de vista pragmático compreensivo e hermenêutico existencial, Capurro (1992) afirma que a informação significa temática e situacionalmente compartilhar um mundo comum. Através de um contexto de uso comum, informar é uma seleção de sentido que se dá por meio das mensagens compartilhadas por uma forma de vida comunitária (CAPURRO, 2003CAPURRO, Rafael. Epistemologia y ciencia de la información. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 5., 2003, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: Escola de Ciência da Informação da UFMG, 2003.; GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1999GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. O caráter seletivo das ações de informação. Informare, v. 5, n. 2, p. 7-31, 1999.). Deste modo, a informação é determinada pela trama social que a atravessa. Hjørland (2000HJØRLAND, Birger. Library and Information Science: practice, theory, and philosophical basis. Information Processing and Management, v. 36, p. 501-531, 2000.) argumenta que entre os técnicos (bibliotecários e documentalistas) e os pesquisadores (cientistas da informação) assinalados por Shera (1980SHERA, Jesse H. Sobre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação. In: GOMES, Hagar Espanha (org.). Ciência da Informação ou Informática? Rio de Janeiro: Calunga, 1980. p. 91-105.), com a perspectiva social, surge nos anos 1980 e 1990 a categoria híbrida dos “culturalistas”. Dispersos entre os diferentes movimentos filosóficos de tradição social, os culturalistas trouxeram para os campos da Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação, ao menos 8 tradições de pensamento: i) construtivismo social, ii) epistemologia feminista, iii) hermenêutica e fenomenologia, iv) historicismo, v) filosofia marxista da ciência de orientação soviética, vi) pós-modernismo e pós-estruturalismo, vii) pragmatismo e viii) realismo crítico (HJØRLAND, 2000HJØRLAND, Birger. Library and Information Science: practice, theory, and philosophical basis. Information Processing and Management, v. 36, p. 501-531, 2000., p. 525). Grande parte desses movimentos, especialmente os de origem ocidental que possuem mais influência nos campos da BDCI, tem um modo socialmente específico de dar sentido e informar seus próprios mundos.

Como argumentado por Maria Nélida González de Gómez (2002GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Dos estudos sociais da informação aos estudos do social desde o ponto de vista da informação. In: AQUINO, Mirian de A. (org.). O campo da Ciência da Informação: gênese, conexões e especificidades. João Pessoa: Ed. UFPB, 2002. p. 25-48., 1999), a informação é um operador de relação e sob esta insígnia da “relação” se desnudam tanto os vínculos impositivos das sociedades ocidentais dos campos da BDCI, quanto, por exemplo, os elementos ameríndios para uma crítica decolonial da informação. Desde um ponto de vista social da informação de cunho ocidental, relacionar-se é pressupor um mundo socialmente comum. Preservando a estrutura ontológica dos povos gregos, informar é uma dimensão existencial circunscrita na lógica do sentido15 15 “Pode-se, no entanto, demonstrar por refutação [...] que há impossibilidade ‘de que o mesmo pertença e não pertença ao mesmo segundo o mesmo’ desde que o adversário simplesmente diga algo; e se ele não diz nada, é ridículo procurar o que dizer em resposta àquele que não sustenta discurso sobre nada, na medida em que, em função disso, ele não sustenta nenhum discurso; pois um tal homem enquanto tal é de saída semelhante a uma planta [...] O ponto de partida em todos os casos desse gênero não é pedir que se diga que algo é ou não é (pois rapidamente se afirmaria que está aí a petição de princípio), mas que ao menos signifiquemos algo, tanto para si quanto para um outro, pois isso é necessário, a partir do momento que se diz algo. Pois para o que não significa, não haveria discurso, nem se dirigindo a si mesmo nem dirigido a um outro. [...] Se [...] afirmássemos significar uma infinidade de coisas, é claro que não haveria; pois não significar uma única coisa é não significar nada absolutamente, e se as palavras não significam, destrói-se a possibilidade de dialogar uns com os outros, e na verdade consigo mesmo: pois não se pode pensar em nada sem pensar em algo único, e se o pudermos, colocaremos então uma palavra única sobre essa coisa.” (ARISTÓTELES, 2002, p. 145-147) , onde para ter sentido “deve antes de mais nada ser um on, isto é, existir” (CASSIN, 1993CASSIN, Barbara. Que quer dizer: dizer alguma coisa? Discurso, v. 20, p. 19-39, 1993., p. 32). Existir implica tanto ter, objetivamente presença física no mundo, quanto ser, neste mundo, subjetivamente grego ou ocidental - em outros termos, valorativa e politicamente, “ser algo”. Tudo aquilo que não possui uma relação lógica de identidade entre as palavras e as coisas, ou, que não é grego/ocidental, torna-se falso (sem sentido) e selvagem (sem discurso). Excluindo aquilo que o torna possível16 16 “O escravo, que se define por intermédio desse ‘uso do corpo’, é o homem sem obra, aquele ser vivo que, embora sendo humano, é excluído da humanidade - e, por essa exclusão, incluído nela - para que os homens possam ter uma vida humana, ou seja, política.” (AGAMBEN, 2017, p. 41) , o sentido é a primeira entidade que não pode tolerar a contradição (CASSIN, 2005, p. 96) e o não-contraditório é a essência formal do homem (anthropos) - patriarca (homem livre). O sentido é feito de tal modo que algo ou tem sentido ou não é, ou seja, “é da natureza do sentido o fato de ser totalitário, quer dizer, reduzir a si mesmo tudo o que não é ele” (CASSIN, 2005, p. 84-85). Possuir sentidos múltiplos, significar uma infinidade de coisas e falar sem pretensões de significar algo único são predicados contra os quais a máquina antropológica ocidental opera suas exclusões e informa ao mundo tudo aquilo que é informe (sem forma): a multiplicidade de significados e os seres diferentemente humanos (não-homens/não-patriarcas).

Portanto, a relação social que informa o Ocidente está baseada em uma origem que os engloba - o mundo ocidental - e em um ideal de semelhança e fraternidade cuja identidade os identifica - o povo universal. Neste mundo, os semelhantes ocupam um mesmo ponto de vista acerca de um mundo exterior comum, o que os torna “primos paralelos, irmãos classificatórios: filhos de Adão, da Igreja, da Nação, do Genoma, ou de qualquer outra figura de transcendência”, isto é, “todos os homens são irmãos em alguma medida, uma vez que a fraternidade é em si a forma geral da relação.” (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A Antropologia perspectivista e o método da equivocação controlada. Aceno: Revista de Antropologia do Centro-Oeste, v. 5, n. 10, p. 247-264, 2018., p. 260-261) Desta maneira, desde o ponto de vista social da informação, relacionar é assimilar, unificar e identificar, seja através do i) paradigma da produção da filosofia marxista da ciência de orientação soviética, ou, ii) da versão crítico-reconstrutiva do paradigma historicista da compreensão consensual, iii) do paradigma hermenêutico-retórico da informação e da sua partilha fenomenológica de um mundo em comum (CAPURRO, 1992CAPURRO, Rafael. What is Information Science for? a philosophical reflection. In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (eds.). Conceptions of Library and Information Science: historical, empirical and theoretical perspectives. London: Taylor Graham, 1992. p. 82-96.), iv) do realismo informacional e suas relações de produção da verdade a partir da adequação e da correspondência com a realidade (RENDÓN ROJAS, 1994RENDÓN ROJAS, Miguel A. R. Las tareas de la fundamentación de la Bibliotecología. Investigación Bibliotecológica, v. 8, n. 17, p. 6-11, 1994.), v) da modelização da realidade como uma entidade informacional ontocentrada em modelos objectuais (FLORIDI, 2011FLORIDI, Luciano. The philosophy of information. Oxford: Oxford University Press, 2011.), ou, vi) da concessão e atribuição da autoridade epistêmica à constructos cognitivos que fazem do social uma medida da semelhança. Identificadas por Hjørland (2000HJØRLAND, Birger. Library and Information Science: practice, theory, and philosophical basis. Information Processing and Management, v. 36, p. 501-531, 2000.), essas tradições filosóficas do social guardam, em suas diferenças, uma perspectiva da relação social baseada no princípio objetivo e formal de uma irmandade identitária, onde o diferente é um outro de si mesmo.

4 CONCLUSÃO: REENCANTAR O MUNDO

Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui.

Ailton Krenak (2022KRENAK, Ailton. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., p. 11).

Diferente da colonialidade do ato de impor-se ao primeiro outro com que se depara e da necessidade transparente do eu transcendental reduzir a si mesmo tudo aquilo que não é ele, as redes decoloniais de encantamento interessam-se por tudo aquilo que não é si mesmo: “só me interessa o que não é meu”, “lei do antropófago” (ANDRADE, 2011ANDRADE, Oswald. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 2011., p. 67). A abertura à diferença marca uma ética decolonial do encontro com as outras presenças que habitam mundos diferentemente humanos e extra-humanos e estabelecem com eles relações sociocósmicas interdependentes. Reconhecer os pontos de vista das múltiplas existências que compõem o mundo e partilhar destas outras palavras, gestos e escritas, é a tarefa que nos falta. Um outro mundo já existe, resta à Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação encantarem-se para adiar o seu fim.

Ao longo do texto procuramos apresentar elementos coloniais que tecem as redes de desencantamento presentes nos campos da Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação, com o propósito seminal de responder à interrogação da aurora do texto: quais elementos estruturais da colonialidade auxiliaram na formação do pensamento biblioteconômico, documentalista e informacional da modernidade ao contemporâneo? A hipótese defendida assinala que as relações coloniais de desencantamento operadas pelos processos de depuração epistêmica do conhecimento objetivo da ciência ocidental legaram aos campos da Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação modos de conhecer deficitários em alteridade. O método desta construção está baseado em uma leitura filosófica da BDCI a partir do entrelaçamento da colonialidade do poder na assinatura das coisas (AGAMBEN, 2010AGAMBEN, Giorgio. Signatura rerum: sobre el método. Barcelona: Anagrama, 2010.), da desconstrução narrativa da colonialidade do saber em seus epistemicídios bibliográficos, documentários e informacionais (DERRIDA, 2013DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2013.) e da repressão dos planos de agenciamentos dos seres através de uma territorialização geofilosófica da categoria do humano pelo ato de dar a forma (“informar”) ocidental - humanos, possuidores de mundo, somos apenas “nós”, o povo universal (DELEUZE; GUATTARI, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia?. São Paulo: Ed. 34, 1992.). Outras colonialidades impregnadas nas estruturas sociais precisam ser estudadas com maior profundidade através do ponto de vista de BDCI, por exemplo, a colonialidade da natureza (ESCOBAR, 2005ESCOBAR, Arturo. Más allá del Tercer Mundo. Globalización y diferencia. Bogotá, Colômbia: Instituto Colombiano de Antropología e Historia - Universidad del Cauca, 2005.; LANDER, 2002LANDER, Edgardo. La utopía del mercado total y el poder imperial. Revista Venezolana de Economía y Ciencias Sociales, v. 8, n. 2, p. 51-79, 2002. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=17780203. Acesso em: 24 jun. 2021.
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=1...
; ALIMONDA, 2011ALIMONDA, Héctor (ed.). La naturaleza colonizada. Ecología política y minería em América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2011.), a colonialidade de gênero (PALERMO, 2006PALERMO, Zulma. Inscripción de la crítica de gênero en procesos de descolonización. In: PALERMO, Zulma. Cuerpo(s) de mujer: representación simbólica y crítica cultural. Córdoba: Universidad Nacional de Salta, 2006. p. 237-65.; CURIEL, 2007CURIEL, Ochy. Crítica poscolonial desde las prácticas políticas del feminismo antirracista. Nómadas, n. 26, p. 92-101, 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1051/105115241010.pdf. Acesso em: 8 mar. 2021.
https://www.redalyc.org/pdf/1051/1051152...
; LUGONES, 2008LUGONES, María. Colonialidad y género: hacia un feminismo descolonial. In: Jiménez-Lucena, Isabel; LUGONES, María; MIGNOLO, Walter; TLOSTANOVA, Madina (eds.). Género y descolonialidad. Buenos Aires: Del Signo, 2008. p. 13-54.) e a biocolonialidade (CAJIGAS-ROTUNDO, 2007CAJIGAS-ROTUNDO, Juan Camilo. La biocolonialidad del poder. Amazonía, biodiversidade y ecocapitalismo. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, Colômbia: Pontificia Universidad Javeriana, 2007. p. 169-194.; BELTRÁN-BARRERA, 2019).

A construção argumentativa foi montada a partir da interpretação dos elementos das colonialidades do ser (MIGNOLO, 1995MIGNOLO, Walter. Decires fuera de lugar: sujetos dicentes, roles sociales y formas de inscripción. Revista de crítica literaria latino-americana, v. 21, n. 41, p. 9-31, 1995. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4530794. Acesso em: 29 mar. 2021.
https://www.jstor.org/stable/4530794...
; MALDONADO-TORRES, 2007MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana, 2007. p. 127-167.), do saber (LANDER, 2000LANDER, Edgardo (ed.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2000.) e do poder (QUIJANO, 1991QUIJANO, Aníbal, 1991. Colonialidad y modernidad / racionalidad. Perú indígena, v. 13, n. 29, p. 11-20, 1991. Disponível em: https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf. Acesso em: 13 jun. 2021.
https://www.lavaca.org/wp-content/upload...
, 2000, 2007) como índices cartográficos dos territórios de conhecimento da BDCI: a formação colonialista e escravocrata da Biblioteca de Alexandria, a linguagem privada do claustro, a conotação patrimonialista e patriarcal da biblioteca universal moderna e suas coleções coloniais, a colonialidade metafísica por detrás do projeto internacionalista e pacifista da Documentação otletiana, a presença das relações entre senhores e servos na estrutura de poder da organização social do trabalho epistêmico-intelectual da Documentação e Ciência da Informação, a perspectiva social dos estudos informacionais como um componente redutor do outro ao espectro de si e, por fim, a metafísica colonial que através do ato de dar a forma a algo funda a ontologia informacional como uma operadora da máquina antropológica de exclusão do outro no Ocidente.

Como alternativa reflexiva, assinalamos para as veredas propositivas do reencantamento do mundo presentes no movimento negro da Biblioteconomia Negra (Black Librarianship) e no movimento indigenista da Biblioteconomia Indígena (Indigenous Librarianship). Desde um ponto de vista regional de Abya Yala, o pensamento amefricano (GONZALEZ, 2018GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. São Paulo: Diáspora Africana, 2018.) germina uma perspectiva encantada e transformacional da produção bibliográfica, documentária e do ato de informar. Uma contraconduta encantada pela potencialização da vida em detrimento dos empreendimentos de morte do Ocidente. Sob este sentido, uma estória anarqueológica da BDCI consiste em recusar previamente a obrigação e a força de coação que os instrumentos de representação, sob a insígnia da forma, imprimem sobre os vivos. A anarqueologia da informação visa desenraizar radicalmente a forma da informação, o branco dos livros e a invisibilidade dos documentos. Trata-se de um ato de transgressão ao poder ontológico e colonial de dar a forma a algo e de materializar em formatos bibliográficos e documentários os sentidos da forma ocidental hegemônica e patriarcal. A anarqueologia é um “ato de desobediência como ponto de partida e condição de análise” (AVELINO, 2011AVELINO, Nildo. Foucault e a anarqueologia dos saberes. In: FOUCAULT, Michel. Do governo dos vivos: curso no Collège de France, 1979-1980 (excertos). São Paulo: Achiamé, 2011. p. 17-37., p. 24), onde a desobediência epistêmica é uma opção decolonial (MIGNOLO, 2008MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF, n. 34, p. 287-324, 2008.) e a diferença informacional - o informe (MENEZES, 2018MENEZES, Vinícios Souza de. O sertão da palavra informação: o informe em língua de brincar. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018, Londrina. Anais [...]. Londrina: UEL, 2018. v. 19. p. 272-292.) -, um modo humano alterante de colocar-se no mundo perante a radicalidade dos outros seres. O informe (informis) é uma força de resistência ao pensamento representacional e colonial da BDCI, uma estória anarqueológica e encantada do irrepresentável nas redes coloniais de desencantamento. Uma afirmação da vida, em seu encanto.

REFERÊNCIAS

  • AGAMBEN, Giorgio. O uso dos corpos. São Paulo: Boitempo, 2017.
  • AGAMBEN, Giorgio. Signatura rerum: sobre el método. Barcelona: Anagrama, 2010.
  • ALIMONDA, Héctor (ed.). La naturaleza colonizada. Ecología política y minería em América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2011.
  • ANDRADE, Oswald. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 2011.
  • ARAUJO, Andre Vieira de Freitas; ARAÚJO, Diná Marques Pereira. Fundamentos da Biblioteconomia Moderna em Gabriel Naudé: notas transversais pela lente e episteme da Bibliografia e da Bibliofilia. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 14, n. esp., 2018.
  • ARAÚJO, Carlos Alberto V. Correntes teóricas da Biblioteconomia. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 9, n. 1, p. 41-58, 2013.
  • ARAÚJO, Carlos Alberto V. Correntes teóricas da Ciência da Informação. Ciência da Informação, v. 38, n. 3, p. 192-204, 2009.
  • ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.
  • AVELINO, Nildo. Foucault e a anarqueologia dos saberes. In: FOUCAULT, Michel. Do governo dos vivos: curso no Collège de France, 1979-1980 (excertos). São Paulo: Achiamé, 2011. p. 17-37.
  • BARATIN, Marc. Da biblioteca à gramática: o paradigma da acumulação. In: BARATIN, Marc; JACOB, Christian (Orgs.). O poder das bibliotecas: a memória dos livros no ocidente. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2000. p. 227-233.
  • BARBIER, Frédéric. A Europa de Gutenberg: o livro e a modernidade ocidental (séculos XIII-XVI). São Paulo: Edusp, 2018a.
  • BARBIER, Frédéric. História das bibliotecas: de Alexandria às bibliotecas virtuais. São Paulo: Edusp, 2018b.
  • BELTRÁN-BARRERA, Yilson J. La biocolonialidad: una genealogía decolonial. Nómadas, v. 50, p. 77-91, 2019. Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/noma/n50/0121-7550-noma-50-77.pdf Acesso em: 24 jun. 2021.
    » http://www.scielo.org.co/pdf/noma/n50/0121-7550-noma-50-77.pdf
  • BERTRAM, Sheila; OLSON, Hope. Culture clash. Library Journal, v. 15, p. 36-37, 1996.
  • BORKO, H. Information Science: What is it? American Documentation, v. 19, n. 1, p. 3-5, 1968.
  • BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Florianópolis: Ed. UFSC, 2019.
  • BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: UNESP, 2004.
  • BRADFORD, Samuel. Documentação. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.
  • BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1969.
  • BRIET, Suzanne. O que é a documentação? Brasília: Briquet de Lemos, 2016.
  • BUCKLAND, Michael. Information as thing. Journal of the American Society of Information Science, v. 42, n. 5, p. 351-360, 1991.
  • BUCKLAND, Michael. What is a document? Journal of the American Society for Information Science, v. 48, n. 9, p. 804-809, 1997.
  • BURKE, Peter. História social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. São Paulo: Zahar, 2003. v. 1.
  • BUSH, V. As We may think. Atlantic Monthly, v. 176, n. 1, p.101-108, 1945. Disponível em: http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1945/07/as-we-may-think/3881/1/. Acesso em: 28 abr. 2015.
    » http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1945/07/as-we-may-think/3881/1
  • BUTLER, Lee Pierce. An introduction to library science. Chicago: University of Chicago Press, 1933.
  • CAJIGAS-ROTUNDO, Juan Camilo. La biocolonialidad del poder. Amazonía, biodiversidade y ecocapitalismo. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, Colômbia: Pontificia Universidad Javeriana, 2007. p. 169-194.
  • CAPURRO, Rafael. Apud Arabes: notes on Greek, Latin, Arabic, Persian, and Hebrew Roots of the Concept of Information. 2014. Disponível em: http://www.capurro.de/iran.html Acesso em: 11 jun. 2016.
    » http://www.capurro.de/iran.html
  • CAPURRO, Rafael. Epistemologia y ciencia de la información. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 5., 2003, Belo Horizonte. Anais [...]. Belo Horizonte: Escola de Ciência da Informação da UFMG, 2003.
  • CAPURRO, Rafael. What is Information Science for? a philosophical reflection. In: VAKKARI, P.; CRONIN, B. (eds.). Conceptions of Library and Information Science: historical, empirical and theoretical perspectives. London: Taylor Graham, 1992. p. 82-96.
  • CASSIN, Barbara. O efeito sofístico. São Paulo: Ed. 34, 2005.
  • CASSIN, Barbara. Que quer dizer: dizer alguma coisa? Discurso, v. 20, p. 19-39, 1993.
  • CASSON, Lionel. Bibliotecas no mundo antigo. São Paulo: Vestígio, 2018.
  • CASTRO, Celso. Pesquisando em arquivos. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2008.
  • CASTRO, César Augusto. História da Biblioteconomia brasileira: perspectiva histórica. Brasília: Thesaurus, 2000.
  • CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Ed. UNB, 1998.
  • CURIEL, Ochy. Crítica poscolonial desde las prácticas políticas del feminismo antirracista. Nómadas, n. 26, p. 92-101, 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1051/105115241010.pdf Acesso em: 8 mar. 2021.
    » https://www.redalyc.org/pdf/1051/105115241010.pdf
  • CURTIUS, Ernst. Literatura europeia e idade média latina. São Paulo: EDUSP, 2013.
  • DAY, Ronald. Information and Entropy in the Cold War and Its Present: emergent meaning in the Art of Robert Smithson. SOCIALITY/MATERIALITY: THE STATUS OF THE OBJECT IN SOCIAL SCIENCE CONFERENCE, 1., 1999, Brunel. Proceedings [...]. Brunel: Brunel University, 1999. p. 1-6.
  • DAY, Ronald. Paul Otlet’s Book and the writing of social space. Journal of the American Society for Information Science, v. 48, n. 4, p. 310‐317, 1997.
  • DAY, Ronald. The modern invention of information: discourse, history, and power. Southern Illinois: Southern Illinois University Press, 2001.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia?. São Paulo: Ed. 34, 1992.
  • DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2013.
  • DERRIDA, Jacques. Papel-máquina. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
  • EGAN, Margaret; SHERA, Jesse. Foundations of a theory of bibliography. Library Quarterly, v. 22, n. 2, p. 125-137, 1952.
  • ESCOBAR, Arturo. Más allá del Tercer Mundo. Globalización y diferencia. Bogotá, Colômbia: Instituto Colombiano de Antropología e Historia - Universidad del Cauca, 2005.
  • FLORIDI, Luciano. The philosophy of information. Oxford: Oxford University Press, 2011.
  • FONSECA, Edson Nery. Introdução à Biblioteconomia. Brasília: Briquet de Lemos, 2007.
  • FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
  • FROHMANN, Bernd. Documentation redux: prolegomenon to (another) philosophy of information. Library Trends, v. 52, n. 3, p. 387-407, 2004.
  • FROHMANN, Bernd. O caráter social, material e público da informação. In: FUJITA, M.; MARTELETO, R.; LARA, M. (org.). A dimensão epistemológica da ciência da informação e suas interfaces técnicas, políticas e institucionais nos processos de produção, acesso e disseminação da informação. São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Fundepe, 2008. p. 19-34.
  • FROHMANN, Bernd. Rules of indexing: a critique of mentalism in information retrieval theory. Journal of Documentation, v. 46, n. 2, p. 81-101, 1990.
  • FROHMANN, Bernd. The power of images: a discourse analysis of the cognitive viewpoint. Journal of Documentation, v. 48, n. 4, p. 365-386, 1992.
  • GARCIA, Joana Coeli R. Conferências do Georgia Institute of Technology e a Ciência da Informação: “de volta para o futuro”. Informação & Sociedade: Estudos, v. 12 n. 1, 2002.
  • GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. São Paulo: Diáspora Africana, 2018.
  • GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. Dos estudos sociais da informação aos estudos do social desde o ponto de vista da informação. In: AQUINO, Mirian de A. (org.). O campo da Ciência da Informação: gênese, conexões e especificidades. João Pessoa: Ed. UFPB, 2002. p. 25-48.
  • GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida. O caráter seletivo das ações de informação. Informare, v. 5, n. 2, p. 7-31, 1999.
  • GOODY, Jack. A domesticação da mente selvagem. Petrópolis: Vozes, 2012.
  • GOODY, Jack. A lógica da escrita e a organização da sociedade. Petrópolis: Vozes, 2019.
  • GOSART, Ulia. Indigenous librarianship: Theory, practices, and means of social action. International Federation of Library Associations and Institutions, Haia, v. 47, n. 3, p. 293-304, 2021.
  • HARRIS, Michael H.; HANNAH, Stan A. Into the Future: The Foundations of Library and Information Services in the Post-Industrial Era. New York: Ablex Pub., 1993.
  • HARRIS, Roma. Librarianship: The Erosion of a Woman’s Profession. New York: Ablex Pub., 1992.
  • HEIDEGGER, Martin. Conceitos fundamentais da metafísica: mundo, finitude, solidão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
  • HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966.
  • HEIDEGGER, Martin. O que é a metafísica? In: SARTRE, J. P.; HEIDEGGER, M. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 223-261. (Os pensadores)
  • HJØRLAND, Birger. Library and Information Science: practice, theory, and philosophical basis. Information Processing and Management, v. 36, p. 501-531, 2000.
  • JOSEY, E. J.; SCHOCKLEY, Ann Allen (ed.). Handbook of black librarianship. Littleton, Colorado: Libraries Unlimited, 1977.
  • KOJÈVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.
  • KRENAK, Ailton. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
  • LANDER, Edgardo (ed.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2000.
  • LANDER, Edgardo. La utopía del mercado total y el poder imperial. Revista Venezolana de Economía y Ciencias Sociales, v. 8, n. 2, p. 51-79, 2002. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=17780203 Acesso em: 24 jun. 2021.
    » https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=17780203
  • LATOUR, Bruno. Redes que a razão desconhece: laboratórios, bibliotecas, coleções. In: BARATIN, M.; JACOB, C. (org.). O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2000. p. 21-44.
  • LEUNG, Sofia Y.; LÓPEZ-MCKNIGHT, Jorge R. (eds.). Knowledge justice: disrupting library and information studies through critical race theory. Cambridge: The MIT Press, 2021.
  • LUGONES, María. Colonialidad y género: hacia un feminismo descolonial. In: Jiménez-Lucena, Isabel; LUGONES, María; MIGNOLO, Walter; TLOSTANOVA, Madina (eds.). Género y descolonialidad. Buenos Aires: Del Signo, 2008. p. 13-54.
  • LUND, Niels. Document Theory. Annual review of information science social and technology, v. 43, n. 1, p. 1-55, 2009.
  • MACHLUP, Fritz. The production and distribuition of knowledge in the United States. Princeton: Princeton University Press, 1962.
  • MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Pontificia Universidad Javeriana, 2007. p. 127-167.
  • MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014.
  • MENEZES, Vinícios Souza de. Da representação à perspectivação de(s)colonial do conhecimento: a ontologia informacional sob a tez ameríndia. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 1-25, nov. 2021.
  • MENEZES, Vinícios Souza de. Rasum Tabulae: um limiar metafórico-escritural dos estudos da informação, ou, Le Livre. 2017. 306 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.
  • MENEZES, Vinícios Souza de. O sertão da palavra informação: o informe em língua de brincar. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018, Londrina. Anais [...]. Londrina: UEL, 2018. v. 19. p. 272-292.
  • MIGNOLO, Walter. Decires fuera de lugar: sujetos dicentes, roles sociales y formas de inscripción. Revista de crítica literaria latino-americana, v. 21, n. 41, p. 9-31, 1995. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4530794 Acesso em: 29 mar. 2021.
    » https://www.jstor.org/stable/4530794
  • MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF, n. 34, p. 287-324, 2008.
  • MOSTAFA, Solange. Epistemologia da Biblioteconomia. 1985. 140 f. Tese (Doutorado em Filosofia da Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1985.
  • MOSTAFA, Solange; LIMA, Ademir B. A.; MURGUIA MARANON, Eduardo I. Paradigmas teóricos da Biblioteconomia e Ciência da Informação. Ciência da Informação, v. 21, n. 3, p. 216-222, 1992.
  • NAUDÉ, Gabriel. Conselhos para formar uma biblioteca. Brasília: Briquet de Lemos, 2016.
  • OTLET, Paul. Tratado de documentação: o livro sobre o livro: teoria e prática. Brasília: Briquet de Lemos, 2018.
  • PALERMO, Zulma. Inscripción de la crítica de gênero en procesos de descolonización. In: PALERMO, Zulma. Cuerpo(s) de mujer: representación simbólica y crítica cultural. Córdoba: Universidad Nacional de Salta, 2006. p. 237-65.
  • POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1974.
  • PORAT, Marc U. The information economy: definition and measurement. Washington: Office of Telecomunication, 1977.
  • QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”. In: LANDER, Edgardo (ed.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2000. p. 203-241.
  • QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder y clasificación social. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (eds.). El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, Colômbia: Pontificia Universidad Javeriana, 2007. p. 93-126.
  • QUIJANO, Aníbal, 1991. Colonialidad y modernidad / racionalidad. Perú indígena, v. 13, n. 29, p. 11-20, 1991. Disponível em: https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf Acesso em: 13 jun. 2021.
    » https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
  • RAYWARD, W. B. The origins of Information Science and the International Institute of Bibliography/International federation for Information and Documentation (FID). Journal of the American Society for Information Science, v. 48, n. 4, p. 289-300, 1997.
  • RAYWARD, W. B. Introduction. In: RAYWARD, W. B. (ed.). European Modernism and the Information Society: informing the Present, Understanding the Past. Aldershot: Routledge, 2008. p. 1-26.
  • RENDÓN ROJAS, Miguel A. R. Bases teóricas y filosóficas de la bibliotecología. México: UNAM, 2005.
  • RENDÓN ROJAS, Miguel A. R. Hacia un nuevo paradigma en bibliotecología. Transinformação, v. 8, n. 3, p. 17-31, 1996.
  • RENDÓN ROJAS, Miguel A. R. Las tareas de la fundamentación de la Bibliotecología. Investigación Bibliotecológica, v. 8, n. 17, p. 6-11, 1994.
  • ROBERTS, Norman. A search for information man. Social Science Information Studies, v. 2, p. 93-104, 1982.
  • SCHELLENBERG, T. R. Arquivos modernos: princípios e técnicas. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.
  • SCHWARCZ, Lilia M. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
  • SHERA, Jesse H. Sobre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação. In: GOMES, Hagar Espanha (org.). Ciência da Informação ou Informática? Rio de Janeiro: Calunga, 1980. p. 91-105.
  • SHERA, Jesse. Sociological foundations of librarianship. New York: Asia Pub. House, 1970.
  • SHERA, Jesse. The foundations of education for librarianship. New York: J. Wiley, 1972.
  • SILVA, Denise Ferreira da. Homo modernus: para uma ideia global de raça. Rio de Janeiro: Cobogó, 2022.
  • SOLLA PRICE, Derek. O desenvolvimento da ciência: análise histórica, filosófica, sociológica e econômica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1976.
  • SPUDEIT, Daniela F. A. de Oliveira; MORAES, Marielle Barros de (org.). Biblioteconomia social: epistemologia transgressora para o Século XXI. São Paulo: ABECIN Editora, 2018.
  • STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes. São Paulo: Cosac & Naify, 2015.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A Antropologia perspectivista e o método da equivocação controlada. Aceno: Revista de Antropologia do Centro-Oeste, v. 5, n. 10, p. 247-264, 2018.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2017.
  • WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
  • WERSIG, G.; WINDEL, G. Information Science needs a theory of ‘information actions’. Social Science Information Studies, v. 5, p. 11-23, 1985.
  • WIEGAND, Wayne A.; WIEGAND, Shirley A. The desegregation of public libraries in the Jim Crow South: civil rights and local activism. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 2018.
  • WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. São Paulo: Cultrix, 1968.
  • WRIGHT, Alex. Cataloging the world: Paul Otlet and the birth of the information age. New York: Oxford University Press, 2014.
  • LICENÇA DE USO

    Os autores cedem à Encontros Bibli os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution (CC BY) 4.0 International. Esta licença permite que terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico.
  • PUBLISHER

    Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
  • 1
    Primeiro a ocupar o cargo de diretor da Biblioteca de Alexandria, Zenódoto foi pioneiro no reestabelecimento dos poemas homéricos, fundadores da arte hermenêutica, e o primeiro a empregar a ordem alfabética de organização de acervos bibliográficos.
  • 2
    “A palavra latina patrimonium significava, entre os antigos romanos, tudo o que pertencia ao pai, pater ou pater familias, pai de família — inclusive a mulher, os filhos e os escravos, os animais e os bens móveis e imóveis. [...] O conceito de patrimônio surgiu, portanto, no âmbito privado e no do direito de propriedade, estando intimamente ligado à visão de mundo e aos interesses aristocráticos da elite patriarcal romana.” (CASTRO, 2008, p. 11)
  • 3
    A informação “[...] não é um signo, mas uma relação que se estabelece entre dois lugares, o primeiro que vem a ser uma periferia e o segundo que se torna um centro, com a condição de que entre eles circule um veículo que se costuma chamar de forma, mas que, para insistir em seu aspecto material, eu prefiro chamar de inscrição.” (LATOUR, 2000, p. 22)
  • 4
    “O naturalista não está em sua terra, mas longe, enviado pelo rei para levar na volta desenhos, espécimes naturalizados, mudas, herbários, relatos e, quem sabe, indígenas. [...] o mundo indígena deve fazer-se ver a fim de ser colhido pelo movimento da informação.” (LATOUR, 2000, p. 22-23)
  • 5
    Alexandre Kojève (2002, p. 15) argumenta que a dialética entre senhor e escravo é a “relação social fundamental” e o mundo humano caracteriza-se necessariamente por “um elemento de dominação e um elemento de sujeição, existências autônomas e existências dependentes”. Em Hegel, a transformação de um mundo hostil em um mundo humano, “começa pelo ato de impor-se ao ‘primeiro’ outro com que se depara” (KOJÈVE, 2002, p. 17).
  • 6
    Recorrendo ao caráter interdocumentário e público da Documentação, Suzanne Briet (2016, p. 11) perante tal contexto bélico de formação epistêmica reconhecia a ciência como um instrumento bélico, mas que poderia servir para a paz: “[...] ‘a ciência’ surge agora ‘como a mais essencial das atividades bélicas em tempos de paz’. O grande Einstein deu um grito de alarme: ‘o domínio da informação diminui cada vez mais sob a pressão das necessidades militares’. A documentação secreta é uma afronta à documentação.”
  • 7
    “A documentação para si mesmo ou para outrem aparece aos olhos de muitos como ‘uma técnica cultural’ [...].” (BRIET, 2016, p. 5)
  • 8
    “A unidade documentária tende a se aproximar da ideia elementar, da unidade de pensamento [...].” (BRIET, 2016, p. 5)
  • 9
    A tradição objetivista platônica interpreta a informação em si mesma, fora das dinâmicas sociais do mundo imanente. A informação é uma entidade objetiva configuradora de um mundo informacional em si mesmo. Este mundo pode ser abordado em duas dimensões: a materialista e a idealista. A dimensão materialista é uma cópia do modelo ideal, onde a informação corrompe-se e atualiza-se materialmente em suportes e continentes imagéticos (escriturais), isto é, o conteúdo objetivo materializa-se em documentos e/ou substitutos eletrônicos. A dimensão idealista vê a informação como uma entidade objetiva fadada a si mesmo, um decalque original do modelo ideal.
  • 10
    A tradição objetivista da representação descreve os seres humanos (autoconscientes) como observadores e conhecedores de uma realidade alheia, exterior a si. O sujeito, imperador dos signos, ao observar alhures, narcisicamente vê-se re-apresentado fora do mundo. A estratégia conceitual da representação (da consciência) como espelho do mundo deflagra a teoria do objeto; no plano “informacional” se dá uma dialética entre a intenção informante do sujeito e a matéria informada do objeto. A teoria do conhecimento está baseada na apropriação das coisas ou fatos através das representações provocadas na mente do sujeito cognoscente - a interpretação do conhecimento como teoria dos objetos. Imagina-se que uma vez codificados os dados da consciência, as informações representadas poderiam ser comunicadas entrementes e/ou armazenadas e processadas por máquinas, num processo de simulação cérebro-máquina.
  • 11
    A tradição objetivista comunicacional está baseada no esquema fonte-canal-receptor. Ao se comunicarem, os seres “autômatos” realizam uma troca de informações entre emissores e receptores. Esta troca, dependente de um estoque comum de sinais (linguagem como código), aponta para um conceito central de mensagem, ao qual se relacionará a o conceito de informação. A troca de informações é intrinsecamente dependente da estrutura da mensagem. A comunicação autômata da mensagem codificada está voltada para o impacto seletivo da informação no receptor e seu consequente processo de interpretação (decodificação). Os receptores podem ser sistemas e/ou usuários de informação (“buscadores”). Neste paradigma físico, o “sujeito” é muito mais uma “inteligência artificial” que troca mensagens a partir de uma teoria sintática da informação que preza não pelo excesso ou pela abundância informacional, provocadores de entropia, mas pela identidade redundante e seletiva da informação (neguentrópica).
  • 12
    “A cultura de serviço, tão suave e tradicional, representa a cultura histórica da Biblioteconomia, trazendo consigo nosso tradicional compromisso social e responsabilidade de serviço. Em contraste, a cultura empresarial da tecnologia de informação é orientada para um futuro obstinado, científico e material. A primeira está ligada ao serviço pessoal, a segunda à tecnologia impessoal. A primeira está ligada ao livre acesso à informação, a segunda à informação como mercadoria. A primeira está diretamente vinculada ao setor público, a segunda trabalha em estreita colaboração, ou, está situada no setor corporativo. A primeira é feminina e a segunda é masculina.” (BERTRAM; OLSON, 1996, p. 36, tradução nossa)
  • 13
    Birger Hjørland (2000, p. 508-509) assinala que essa atribuição surge em 1969 a partir da mudança do nome do Library Science Abstracts para Library and Information Science Abstracts.
  • 14
    As expressões biblioteconômicas para este movimento crítico do campo são as mais diversas. Podemos traduzir em português, além dos termos Biblioteconomia Social (Bibliotecología Social, Social Librarianship) e Biblioteconomia Crítica (Bibliotecología Crítica, Critical Librarianship), a Biblioteconomia Progressista (Bibliotecología Progressista, Progressive Librarianship) e a Biblioteconomia Ativista (Bibliotecología Activista, Activist Librarianship).
  • 15
    “Pode-se, no entanto, demonstrar por refutação [...] que há impossibilidade ‘de que o mesmo pertença e não pertença ao mesmo segundo o mesmo’ desde que o adversário simplesmente diga algo; e se ele não diz nada, é ridículo procurar o que dizer em resposta àquele que não sustenta discurso sobre nada, na medida em que, em função disso, ele não sustenta nenhum discurso; pois um tal homem enquanto tal é de saída semelhante a uma planta [...] O ponto de partida em todos os casos desse gênero não é pedir que se diga que algo é ou não é (pois rapidamente se afirmaria que está aí a petição de princípio), mas que ao menos signifiquemos algo, tanto para si quanto para um outro, pois isso é necessário, a partir do momento que se diz algo. Pois para o que não significa, não haveria discurso, nem se dirigindo a si mesmo nem dirigido a um outro. [...] Se [...] afirmássemos significar uma infinidade de coisas, é claro que não haveria; pois não significar uma única coisa é não significar nada absolutamente, e se as palavras não significam, destrói-se a possibilidade de dialogar uns com os outros, e na verdade consigo mesmo: pois não se pode pensar em nada sem pensar em algo único, e se o pudermos, colocaremos então uma palavra única sobre essa coisa.” (ARISTÓTELES, 2002, p. 145-147)
  • 16
    “O escravo, que se define por intermédio desse ‘uso do corpo’, é o homem sem obra, aquele ser vivo que, embora sendo humano, é excluído da humanidade - e, por essa exclusão, incluído nela - para que os homens possam ter uma vida humana, ou seja, política.” (AGAMBEN, 2017, p. 41)

EDITORES

Franciéle Garcês, Natalia Duque Cardona, Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Genilson Geraldo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2023
  • Aceito
    27 Mar 2023
  • Publicado
    05 Maio 2023
Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima - Trindade. CEP-88040-900, Telefone: +55 (48) 3721-2237 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: encontrosbibli@contato.ufsc.br