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A biologia molecular na USP

A biologia molecular na USP

Erney F. Plessmann de Camargo* * Vice-diretor do Instituto de Ciências Biomêdicas da USP e presidente da Comissão de Biologia Molecular da USP, integrada pelos profs. Fernando Reinach, Hugo Aguirre Armelin, Lewis Joel Green e Sergio Olavo Pinto da Costa.

A intervalos variáveis, novas disciplinas ou novas metodologias surgem no domínio das Ciências Naturais, trazendo consigo profundas reformulações conceituais e marcados avanços no conhecimento biológico. Foi assim, no passado, quando a Citoquímica fertilizou a Citologia, a Bioquímica permeou a Biologia Celular ou, muito antes, quando a Anatomia ou a Zoologia comparadas agitaram as Ciências Naturais em seguida a Darwin.

A cada um desses episódios inovadores, os pesquisadores sempre se dividem entre adeptos e, se não inimigos declarados, pelo menos censores da nova disciplina que consideram apenas mais um modismo.

Independentemente, porém, de cismas e feudos, de prosélitos e detratores, a realidade histórica mostra que cada um desses episódios leva o conhecimento biológico a novos patamares, com a abertura simultânea de novas perspectivas experimentais.

A mais recente invasora das Ciências Naturais foi a Biologia Molecular (BM), que, como disciplina, resultou da fusão de técnicas e conceitos da Bioquímica, da Genética, da Biologia Celular e mesmo da Imunologia.

Como em todos os episódios precedentes, a invasora trouxe consigo uma metodologia revolucionária e muito sucesso na solução de problemas crónicamente não-resolvidos, ao lado de inúmeras novidades operacionais.

O sucesso e a popularidade da BM se devem a técnicas de alto poder analítico, que permitiram aos pesquisadores penetrar na intimidade molecular dos genes, isolá-los, inseri-los em organismos distintos dos originais, amplificá-los, determinar sua exata seqüência codificante, modificá-los e até mesmo fabricar em tubos de ensaio os produtos naturais desses genes, sem se esquecer, quando oportuno, de levar esses produtos à escala industrial. (Por estas razões, esse segmento da BM foi também denominado Engenharia Genética, para o distinguir academicamente de outro segmento da BM que se ocupa dos estudos de estrutura, conformação/função molecular e das interações supramoleculares.)

Além disto, a BM acrescentava uma característica nova à experimentação biológica: praticamente cada descoberta de valor acadêmico era acompanhada de uma aplicação prática imediata. Pesquisa e aplicação passaram a andar juntas na BM, haja vista a quantidade significativa de empresas biotecnológicas (com objetivos essencialmente comerciais) que têm contribuído para o avanço do conhecimento ao nível molecular e, inversamente, a rapidez com que um achado científico puro é convertido em produto biotecnológico.

Graças a estas características, a BM se estendeu por todo o reino da Biologia, sem deixar intocado um só de seus ramos, da análise genética pura à medicina diagnóstica ou terapêutica.

A consciência sobre a importância contemporânea da BM levou a Universidade de São Paulo a inquirir sobre sua própria capacitação na área e sobre as medidas que poderiam estimular essa capacitação. Para tanto, foi articulada uma comissão, encarregada de efetuar esse levantamento, e incumbida de fazer um diagnóstico preliminar da situação e a seguir propor uma política para o desenvolvimento do setor.

Diagnóstico da Situação da Biologia Molecular na USP

Para aferir a situação da BM na USP, a Comissão decidiu utilizar, como indicadores, as técnicas listadas na Tabela 1, técnicas essas indispensáveis à pesquisa nos vários setores da Biologia Molecular.

O critério adotado pela Comissão foi o de registrar somente as unidades da USP que estivessem efetivamente utilizando as técnicas mencionadas e não aquelas apenas com potencial ou intenção de utilizá-las.

O mesmo critério foi adotado na definição de lideranças de pesquisa em BM, constante da Tabela 2, em que não foram incluídos os pesquisadores apenas iniciados na disciplina ou que se limitaram a seguir cursos. A Tabela 2 procurou registrar somente os pesquisadores em reais condições de dirigir experimentação em BM. Os dados assim compilados têm inevitável margem de erro (por sinal, refletida nos próprios limites de variação apresentados), mas permitem, sem a menor sombra de dúvida, concluir que a BM na USP ainda está muito aquém da importância da própria disciplina e das necessidades da Universidade.

Paralelamente, a Comissão verificou que, em toda a graduação da Universidade, não existiam cursos versando sobre tópicos da Engenharia Genética ou Biologia Molecular, senso estrito. Só a partir de 1988, o Instituto de Ciências Biomédicas e o Instituto de Química passaram a ministrar os primeiros cursos de graduação específicos sobre o assunto.

A carência de pesquisadores e de cursos de graduação é certamente um fator que conspira contra o desenvolvimento da BM na USP. A todo esse quadro desfavorável, acrescente-se o custo elevado da pesquisa em BM e a sua dependência quase absoluta, no momento, de equipamento e material de consumo importados com as respectivas dificuldades e restrições à importação.

Proposta para o Desenvolvimento da BM na USP

Na elaboração de sua proposta, a Comissão levou em consideração dois fatores fundamentais: primeiro, o caráter multidisciplinar da BM e, segundo, o fato de ela hoje penetrar em todos os campos da Biologia.

Em virtude desses fatos, a Comissão descartou, já de início, a possibilidade de se promover a BM através da criação de um departamento ou instituto específico para a disciplina. Pelo contrário, a Comissão entendeu que a BM deveria ser desenvolvida, na medida do possível, em todas as unidades da USP diretamente relacionadas ao assunto.

Para que isto fosse possível, a Comissão sugeriu a seguinte estratégia: as unidades interessadas na contratação de biólogos moleculares solicitariam a abertura de postos específicos para estes pesquisadores. Estas solicitações seriam acompanhadas dos curricula vitarum dos candidatos, e aqueles aprovados por uma comissão específica seriam contratados em quotas especiais da Universidade.

Além da contratação de docentes, a Comissão entendeu que se deveria dispor de unidades de prestação de serviços, que atenderiam a todas as unidades da USP. Existem serviços em BM, como seqüenciamento de DNA e proteínas ou síntese de nucleotídeos e peptídeos, que geralmente são comuns a vários laboratórios. Esses serviços exigem equipamento relativamente caro e excedem em muito as necessidades de um único laboratório. Para atender esse tipo de necessidade, a Comissão sugeriu que as diferentes unidades ou departamentos da USP, interessados em abrigar tal tipo de serviço, se candidatassem, apresentando as credenciais dos pesquisadores envolvidos e alguma garantia de que contariam com financiamento externo à Universidade. Uma comissão específica julgaria as propostas e selecionaria a unidade mais credenciada, que receberia então da USP os técnicos necessários à implantação do serviço e os fundos necessários para sua infra-estrutura física.

Com relação à graduação, a Comissão sugeriu que a Universidade:

a) privilegiasse com auxílios específicos ou apoio técnico à criação de disciplinas de BM nas diferentes unidades;

b) promovesse amplo estudo dos atuais curricula das unidades da área biológica, no sentido de implantar, onde pertinente, o ensino da BM.

No que diz respeito ao segmento da BM referente à estrutura e função de macromoléculas (que requerem equipamento e investimentos muito elevados), a Comissão sugeriu que a Universidade promovesse um estudo da viabilidade e interesse na implantação desse tipo de unidades de pesquisa (provavelmente multidepartamental) e elaborasse o plano correspondente de instalação para médio e longos prazos.

Finalmente, a Comissão sugeriu sua própria dissolução e a criação de duas outras comissões: uma Comissão Executiva, para implementação das propostas para desenvolvimento da Biologia Molecular na USP e uma Comissão de Acompanhamento, constituída por pesquisadores nacionais e estrangeiros não-vinculados à USP, que responderiam pela avaliação permanente do projeto.

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    Vice-diretor do Instituto de Ciências Biomêdicas da USP e presidente da Comissão de Biologia Molecular da USP, integrada pelos profs. Fernando Reinach, Hugo Aguirre Armelin, Lewis Joel Green e Sergio Olavo Pinto da Costa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 1988
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