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Blanco, Amanda; Rizzon, Carlos; Gorrostorrazo, Mayte. Viceversa: tópicos de traducción entre español y portugués. Jaguarão: UNIPAMPA, 2020. 121 p.

Blanco, Amanda; Rizzon, Carlos; Gorrostorrazo, Mayte. Viceversa: tópicos de traducción entre español y portugués. Jaguarão: UNIPAMPA, 2020. 121 p.

A língua portuguesa e a língua espanhola compartilham uma similaridade notável, na escrita e na pronúncia. Da Península Ibérica aos confins da América Sul, as duas línguas convivem em contato direto entre fronteiras de nações, o que talvez explique sua proximidade estrutural mas não torna o processo de tradução uma tarefa de fácil realização. O livro Viceversa: tópicos de traducción entre español y portugués apresenta, questiona e reflete sobre diversos contextos de tradução e esta resenha se propõe a comentar sobre os autores e artigos publicados neste compêndio, de forma a despertar o interesse de pesquisadores e tradutores por esta obra.

Os organizadores são pesquisadores com larga experiência e produção acadêmica. Amanda Blanco é doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisou sobre Teoria e Análise Linguística e tem participação em diversos projetos de pesquisa em tradução; Carlos Rizzon é doutor em Letras na área de Literatura Comparada também pela UFRGS, pesquisador da língua e literatura espanhola, atuando com os temas: fronteira, regionalismo, biblioteca e tradução; Mayte Gorrostorrazo é revisora da Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación (FHCE) da Universidad de la República (UdelaR, Uruguay) e tradutora juramentada de língua portuguesa pela Faculdade de Direito da mesma universidade.

No início do livro, Alma Bolón, docente da UdelaR, nos leva a um passeio por toda a obra, comentando cada trabalho apresentado no livro. De início traz trechos de um conto de Jorge Luis Borges que narra a estória de um homem do subúrbio de Buenos Aires, na Argentina que se muda para Montevidéu, passando pelas áreas fronteiriças do Brasil, estado do Rio Grande do Sul. A escolha deste conto se justifica pela temática do livro, a tradução entre as línguas português e espanhol. A narrativa se desenrola no extremo sul das Américas onde as línguas espanhola e portuguesa se encontram e os três países “parecen convertirse en una extensa frontera, un espacio «inagotable» e «interminable», una «llanura» o unas «cuchillas» en que se producen transformaciones” (p. 8). Em seguida, Bolón comenta sobre o título do livro, “vice-versa”, que se traduz em ponte, uma metáfora em que a tradução é vista como um lugar de trânsito, de movimento, o processo que está sempre em andamento. A autora continua suas considerações sobre o título da publicação, salientando o vocábulo “entre”, que, na sua opinião, é o lugar da tradução, dada a impossibilidade de concluí-la mas que está em perfeita concordância com o inacabado da obra literária, sempre aberta a algum novo sentido. A seguir trata dos artigos que versam sobre o processo tradutório e não sobre o produto, resumindo alguns deles e declarando que o Uruguai caminha para um monolinguismo por causa das urgências comunicacionais. O que não fica claro no texto é a crítica que aparece ao final do texto “Es de temer que algo de esto ocurre hoy en Uruguay, país que evoluciona hacia un monolingüismo sin fulgor, acompañado de un globish igualmente desprovisto de brillo”.Tal comentário se apresenta em um prólogo de uma organização de publicações atuais que tratam da tradução entre o português e o espanhol, revelando a demanda desta tarefa e a importância de tais pesquisas expostas. Também não é explicado em que direção o monolinguismo citado caminha.

O primeiro trabalho é assinado por Walter Carlos Costa e Rosario Lázaro Igoa, ambos pesquisadores da área de tradução atuantes em universidades federais brasileiras. Os autores realizam um apanhado das obras literárias brasileiras que recebem apoio público para tradução e publicação no exterior. Para eles, os programas de apoio são importantes porque “tienen la capacidad de ir a contramano de tendencias generales del mercado del libro e incidir en la introducción de autores, géneros o lenguas dentro del marco de proyectos ligados a los espacios nacionales” (p. 12). Um gráfico apresenta de forma clara o número destes financiamentos entre os anos de 2011 e 2018, revelando uma queda na quantidade de publicações. Após a amostragem deste panorama, Costa e Igoa trazem de forma muito objetiva um apanhado histórico das publicações de autores brasileiros que tiveram suas obras traduzidas para a língua espanhola na Argentina e Uruguai, detalhando as editoras envolvidas nos dois países e as bolsas concedidas para que o trabalho fosse feito. Mesmo que no início do texto os autores destaquem que a escolha das obras a serem traduzidas não levam em consideração o mercado editorial, não há evidências de como e por que tais obras são escolhidas. Outro destaque do artigo é a revelação do fluxo literário que tem sido exportado “El intercambio editorial constante entre los dos espacios, fomentado por los respectivos estados y con oportuna participación de los agentes privados, es aún una materia pendiente para una investigación de largo aliento.” (p. 21).

Os autores do segundo artigo são Bruna Ussandizaga Gonçalves Neves Araújo e Carlos Rizzon. Rizzon, doutor em Letras pela UFRGS e Araújo, pesquisadora da língua espanhola, apresentam o trabalho de Faraco como tradutor de Arregui, destacando a tarefa do tradutor. O trabalho mostra o estudo das trocas de ideias entre o autor e o tradutor, que se deram por correspondência durante quatro anos, a partir de 1981. Percebe-se a tradução como escolha e construção através da narrativa mostrada no texto, quando Faraco se interessa por transpor para o português pela identificação com as obras de Arragui, ambos nascidos em áreas fronteiriças. O ato tradutório de Faraco evidencia a influência do tradutor no processo e no produto da tradução, mas não apresenta como um trabalho solitário. Ao contrário, Arragui participa ativamente com sugestões e propostas nas cartas: “No caso da tradução de Faraco dos contos de Arregui, encontramos a valorização de um caráter fronteiriço, marcado pelas identidades e alteridades que revelam o regionalismo pampiano presente no Uruguai e no sul do Brasil. (p. 35)”.

A terceira pesquisa é assinada por Karina de Castilhos Lucena, doutora em Letras e Rodrigo Foresta Wolffenbüttel doutor em Sociologia, ambos pela UFRGS. O artigo faz uma comparação entre o conto “El Aleph” do livro de mesmo nome, de Jorge Luis Borges (1949) e o capítulo “O Delírio”, de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Lucena e Wolffenbüttel realizam uma análise bastante detalhada do perfil e obra dos dois autores canônicos, Machado no Brasil e Borges no Uruguai, traçando uma confrontação das duas similaridades entre as duas obras mesmo que seus respectivos autores não sejam contemporâneos e não compartilhem histórias de vidas semelhantes. Os Estudos da Tradução, por seu alcance multidisciplinar, permitem que tais obras possam ser comparadas.

Liliam Ramos da Silva é doutora em Letras pela UFRGS e, no quarto trabalho, apresenta uma pesquisa sobre as especificidades e problemáticas da Tradução Audiovisual (TAV), realizando uma análise de diferentes abordagens teóricas e destacando o tradutor como mediador cultural. No início, é feito um breve histórico da TAV no Brasil; em seguida, a autora aborda o mercado, a demanda por tradutores especializados, bem como o surgimento de legendadores amadores graças à liberação do programa uruguaio Subtitle Workshop. Silva aponta o embate teórico do aceite da TAV como processo tradutório, comparando os autores e focando na aproximação com as teorias de tradução literária na perspectiva de que o tradutor é um mediador entre duas culturas. O trabalho se mostra relevante também ao investigar a formação acadêmica de tais profissionais na sistematização do processo. A autora discute a participação ativa dos tradutores, criticando a pesquisa universitária que se centra na parte técnica em detrimento da abordagem linguística e cultural.

O linguista e acadêmico uruguaio Adolfo Elizaincín começa o quinto trabalho com uma narrativa em primeira pessoa. O autor nos conta a história das línguas portuguesa e espanhola, que se originam no latim imperial, adotada como língua oficial durante o Império Romano na na Península Ibérica. Depois de séculos de contato com outras línguas e culturas, surgem esboços do que viria a ser o português e o espanhol como são conhecidas atualmente. Elizaincín continua comentando sobre o contato americano das duas línguas que ocorrerá durante séculos, após a colonização europeia. A introdução serve para historicamente uma variável linguística que emerge a partir do contato direto entre as línguas. O autor comenta achados feitos através de análise comparativa, ao estudar a aplicação de verbos e pronomes e como uma língua influencia a outra em contatos de falantes. No entanto, deixa claro que a pesquisa apresenta resultados que são mutáveis: “Todas estas consideraciones tienen que ver con el enfoque sincrónico del problema, es decir, cómo se presenta hoy, en la diacronía actual, visto a través de la lupa del análisis del contacto y comparación de las dos lenguas.” (p. 80). A leitura do texto nos permite inferir que, apesar de sua similaridade sonora e estrutural, estudantes e tradutores precisam estar atentos às peculiaridades de ambas as línguas.

O sexto trabalho traz as considerações de Ricardo Soca, acadêmico da UdelaR sobre o lunfardo, a fala coloquial que nasce nas periferias e prisões de Buenos Aires e Montevidéu na segunda metade do século XIX. O autor afirma que o lunfardo se popularizou não como uma variedade linguística, mas como um extenso repertório lexical, que foi permeando a língua até se cruzar com a linguagem do Rio da Prata de tal forma que se tornou difícil a descrição de ambas as linguagens. Soca explica que a convivência entre galegos, genoveses, italianos do sul enriqueceram a região do Rio da Prata com palavras que, no contato com o português e o espanhol dos fronteiriços deu origem ao lunfardo. Na sequência, somos apresentados a diversas expressões e palavras numa comparação da língua portuguesa com o vocabulário lunfardo numa demonstração clara da influência pelo contato das línguas. São apresentados citações que evidenciam os diversos autores que retratam em seus textos exemplos de vocábulos lunfardos; Rachel de Queiroz (1975) ao falar de um “punguista” que remete a um ágil ladrão ou Graciliano Ramos (1969) ao se referir a “escrunchante”, um roubo praticado com arrombamento. Percebemos nos exemplos mencionados uma forte ligação com o que parece ser gírias utilizadas por quem estava à margem da sociedade. O autor nos leva a refletir sobre as influências por que passou e passa a língua portuguesa no Brasil e que não se limitam às zonas fronteiriças, tendo impacto na fala e na escrita de todo o país.

Sabrina Araujo Pacheco, doutora em Letras, assina o penúltimo artigo do livro trazendo uma importante reflexão acerca sobre os dicionários bilíngues escolares espanhol/português - português/espanhol no que diz respeito ao léxico malsonante, ou seja, palavras e/ou expressões que podem chocar porque são reprovadas socialmente. A definição de malsonante é tirada do Diccionario de la Lengua Española 2003 (DRAE), um dicionário monolíngue do espanhol. A autora analisa dicionários disponíveis em bibliotecas de escolas públicas e privadas. Em seguida, tece considerações sobre o uso linguístico das obras lexicográficas por aprendizes da língua espanhola e da necessidade de informações pragmáticas que tais aprendizes têm. Pacheco apresenta um quadro com todos os verbetes pesquisados, apontando erros nas informações prestadas, destacando: “Os dados acerca do uso são essenciais para o aprendizado de uma língua e, por esse motivo, devem ser repensados no âmbito lexicográfico, sobretudo em dicionários bilíngues.” (p. 103). A autora propõe uma pesquisa para sistematizar as marcas de uso dos verbetes malsonantes com o objetivo de auxiliar os estudantes de língua espanhola e evitar situações de constrangimento.

Duas das organizadoras do livro assinam o último texto, Blanco e GostorazzoBlanco, Amanda; Rizzon, Carlos; Gorrostorrazo, Mayte. Viceversa: tópicos de traducción entre español y portugués. Jaguarão: UNIPAMPA, 2020. 121 p., apresentadas no início desta resenha. As autoras tecem considerações a respeito da tradução do infinitivo pessoal do português para o espanhol, com um recorte das publicações de traduções literárias da revista Pontis (Práticas de Tradução), revista que tem por objetivo a tradução e divulgação de obras não canônicas uruguaias e brasileiras nos dois países e a formação de tradutores. Antes de analisar a tradução do infinitivo pessoal, as autoras fazem uma revisão bibliográfica minuciosa de diversos autores que se dedicaram a pesquisar o tema. Elas apresentam exemplos de explicações para o uso de tal recurso na língua e traçam um histórico do processo que levou a língua portuguesa a aceitá-lo na norma culta. Em seguida, abordam o infinitivo verbal na língua espanhola, sublinhando que “o infinitivo em espanhol, junto com o gerúndio e o particípio, é uma das formas não pessoais do verbo, pois não possui flexão de pessoa, número, tempo e modo, característica das demais formas verbais” (p. 114). A análise se concentra em dois textos de uma edição da revista Pontis.

O livro Viceversa: tópicos de traducción entre español y portugués constitui uma referência na área de tradução português-espanhol. Em suas 121 páginas, apresenta pesquisas relevantes e de abordagem multidisciplinar, acolhendo autores experientes e novatos. Recomendo Viceversa a todo leitor interessado nas questões de tradução entre o português e o espanhol, por sua abrangência e competência no tratamento do tema.

Referências

  • Blanco, Amanda; Rizzon, Carlos; Gorrostorrazo, Mayte. Viceversa: tópicos de traducción entre español y portugués Jaguarão: UNIPAMPA, 2020. 121 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2022
  • Aceito
    14 Jan 2022
  • Publicado
    Mar 2023
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
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