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Eficácia da melatonina na redução da incidência de delirium em pacientes adultos graves: um ensaio clínico randomizado

RESUMO

Objetivo:

Determinar se a melatonina enteral diminui a incidência de delirium em adultos em estado grave.

Métodos:

Neste estudo controlado e randomizado, os adultos foram admitidos à unidade de terapia intensiva e/ou receberam apenas o padrão de cuidado habitual (Grupo Controle) ou o tratamento combinado com 3mg de melatonina enteral uma vez ao dia às 21h (Grupo Melatonina). A ocultação da alocação foi feita por meio de envelopes selados opacos e numerados sequencialmente. O intensivista que avaliou o delirium e o pesquisador que realizou a análise dos dados foram cegados quanto à alocação do grupo. O desfecho primário foi a incidência de delirium dentro de 24 horas de internação na unidade de terapia intensiva. Os desfechos secundários foram a incidência de delirium nos dias 3 e 7, a mortalidade na unidade de terapia intensiva, a duração da internação na unidade de terapia intensiva, a duração da ventilação mecânica e o escore da escala de desfecho de Glasgow (na alta).

Resultados:

Foram incluídos 108 pacientes na análise final, com 54 sujeitos em cada grupo. Em 24 horas de internação na unidade de terapia intensiva, a incidência de delirium não foi diferente entre os Grupos Melatonina e Controle (29,6% versus 46,2%; RR = 0,6; IC95% 0,38 - 1,05; p = 0,11). Nenhum desfecho secundário apresentou diferenças estatisticamente significativas.

Conclusão:

Em adultos em estado grave, 3mg de melatonina enteral não foi mais eficaz que os cuidados padrão na redução da incidência de delirium.

Descritores:
Ritmo circadiano; Estado terminal; Delirium; Melatonina; Transtornos do sono-vigília; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To determine whether enteral melatonin decreases the incidence of delirium in critically ill adults.

Methods:

In this randomized controlled trial, adults were admitted to the intensive care unit and received either usual standard care alone (Control Group) or in combination with 3mg of enteral melatonin once a day at 9 PM (Melatonin Group). Concealment of allocation was done by serially numbered opaque sealed envelopes. The intensivist assessing delirium and the investigator performing the data analysis were blinded to the group allocation. The primary outcome was the incidence of delirium within 24 hours of the intensive care unit stay. The secondary outcomes were the incidence of delirium on Days 3 and 7, intensive care unit mortality, length of intensive care unit stay, duration of mechanical ventilation and Glasgow outcome score (at discharge).

Results:

We included 108 patients in the final analysis, with 54 patients in each group. At 24 hours of intensive care unit stay, there was no difference in the incidence of delirium between Melatonin and Control Groups (29.6 versus 46.2%; RR = 0.6; 95%CI 0.38 - 1.05; p = 0.11). No secondary outcome showed a statistically significant difference.

Conclusion:

Enteral melatonin 3mg is not more effective at decreasing the incidence of delirium than standard care is in critically ill adults.

Keywords:
Circadian rhythm; Critically illness; Delirium; Melatonin; Sleepwake disorders; Intensive care units

INTRODUÇÃO

O delirium é um estado confusional agudo caracterizado por distorções flutuantes na cognição e na atenção. Sabe-se que está associado à desregulação da neurotransmissão dopaminérgica, colinérgica, gama-aminobutírica (GABAérgica), serotoninérgica e catecolíngica.(11 Vahia VN. Diagnostic and statistical manual of mental disorders 5: a quick glance. Indian J Psychiatry. 2013;55(3):220-3.) A prevalência de delirium varia entre 11 e 83% em pacientes internados na unidade de terapia intensiva (UTI).(22 Ouimet S, Kavanagh BP, Gottfried SB, Skrobik Y. Incidence, risk factors and consequences of ICU delirium. Intensive Care Med. 2007;33(1):66-73.,33 Malik AK, Baidya DK, Anand RK, Subramaniam R. A new ICU delirium prevention bundle to reduce the incidence of delirium: a randomized parallel group trial. Indian J Crit Care Med 2021;25(7):754-60.) O delirium aumenta o risco de mortalidade, o tempo de internação na UTI e os custos hospitalares e, desse modo, merece tanta atenção quanto outras falências orgânicas que acontecem nessa unidade.(44 Tilouche N, Hassen MF, Ali HB, Jaoued O, Gharbi R, El Atrous SS. Delirium in the intensive care unit: incidence, risk factors, and impact on outcome. Indian J Crit Care Med 2018;22(3):144-9.)

A etiologia do delirium é multifatorial e, em um ambiente de UTI, a interrupção do ritmo circadiano e do ciclo do sono pode ser um importante fator relacionado. A privação do sono na UTI ocorre devido a interferências ambientais, alteração da rotina diurna, pela própria gravidade da doença ou pelo tratamento administrado aos pacientes.(55 Delaney LJ, Van Haren F, Lopez V. Sleeping on a problem: the impact of sleep disturbance on intensive care patients - a clinical review. Ann Intensive Care. 2015;5:3.)

A justificativa para o uso da melatonina na redução dos distúrbios do sono e, possivelmente, do delirium na UTI deriva da constatação de baixas concentrações plasmáticas de melatonina e de padrões anormais de secreção de melatonina em pacientes graves.(66 Olofsson K, Alling C, Lundberg D, Malmros C. Abolished circadian rhythm of melatonin secretion in sedated and artificially ventilated intensive care patients. Acta Anaesthesiol Scand. 2004;48(6):679-84.) Contudo, ainda não foi estabelecido um efeito profilático e nem terapêutico definitivo da melatonina, como fica evidente pelos achados divergentes relatados em revisões sistemáticas e metanálises publicadas por Yan et al. e Aiello et al.(77 Yan W, Li C, Song X, Zhou W, Chen Z. Prophylactic melatonin for delirium in critically ill patients: a systematic review and meta-analysis with trial sequential analysis. Medicine (Baltimore). 2022;101(43):e31411.,88 Aiello G, Cuocina M, La Via L, Messina S, Attaguile GA, Cantarella G, et al. Melatonin or ramelteon for delirium prevention in the intensive care unit: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Clin Med. 2023;12(2):435.)

Neste estudo, avaliamos se a melatonina profilática ou terapêutica diminui a incidência de delirium em comparação com o padrão de cuidado em adultos em estado grave internados na UTI. A duração da ventilação mecânica (VM), o tempo de internação na UTI, a mortalidade e o escore da escala de desfecho de Glasgow na alta foram estudados como desfechos secundários. Nosso objetivo foi, pois, determinar se a melatonina enteral diminui a incidência de delirium em adultos em estado grave.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo controlado randomizado aberto com grupos paralelos realizado em uma UTI mista médico-cirúrgica de um hospital universitário de Atenção Terciária. O estudo foi realizado entre janeiro de 2020 e outubro de 2020, após o registro no Clinical Trials Registry (CTRI/2020/01/023038) da Índia e aprovação do Comitê de Ética institucional. Foram triados para inclusão todos os pacientes entre 18 e 65 anos de idade com previsão de internação na UTI por mais de 24 horas. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido dos pacientes ou responsáveis antes do recrutamento para o estudo. Foram excluídos do estudo pacientes gestantes, já em tratamento com melatonina, comatosos que não puderam ser avaliados quanto ao delirium, com a doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19), já em tratamento com medicamentos antipsicóticos, com doença de Alzheimer ou doença de Parkinson e aqueles para os quais era contraindicada a administração de medicamentos enterais.

Os pacientes foram alocados aleatoriamente em um dos dois grupos usando a randomização permutada em blocos gerada por computador. A ocultação da alocação foi feita por meio de envelopes selados opacos e numerados sequencialmente. O tratamento foi revelado somente quando o paciente foi recrutado para o estudo e antes da primeira administração do medicamento. O intensivista que avaliou o delirium e o pesquisador que realizou a análise dos dados foram cegados quanto à alocação do grupo.

Os pacientes do Grupo Melatonina (Grupo M) receberam 3mg de melatonina por via enteral às 21h por 7 dias consecutivos, além do padrão de cuidado ou até a alta da UTI, o que ocorresse primeiro. Os pacientes do Grupo Controle (Grupo C) receberam apenas o padrão de cuidado. O padrão de cuidado habitual à prevenção do delirium inclui evitar sedação e restrições desnecessárias, suspensão da sedação, maior interação com a família, mobilidade e exercícios precoces, manejo adequado da dor e prevenção da hipóxia e da diseletrolitemia. O uso de sedoanalgesia foi deixado a critério de um intensivista de plantão, mas evitaram-se benzodiazepínicos intravenosos, conforme protocolo da UTI. Os medicamentos comumente usados para a sedoanalgesia em nossa UTI são a dexmedetomidina e o fentanil. A infusão de sedação foi direcionada com base em um escore da escala de agitação e sedação de Richmond (RASS) de zero a um.

Imediatamente após a admissão e o sucesso no recrutamento do estudo, foram coletados dados basais, que incluíam idade, sexo, diagnóstico no momento da admissão, escore da escala de desfecho de Glasgow, escore da Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II) e eletrólitos séricos (sódio, potássio, cálcio e magnésio). Os escores Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), eletrólitos séricos e escores de classificação numérica (NRS - numerical rating scores) de dor foram medidos diariamente.

Realizou-se uma avaliação de delirium por meio do método de avaliação de confusão (CAM) na UTI por um intensivista que não participou do estudo. O CAM na UTI avalia os pacientes em relação a quatro aspecto: flutuações do estado mental, desatenção, alteração do nível de consciência e desorganização do pensamento.(99 Ely EW, Margolin R, Francis J, May L, Truman B, Dittus R, et al. Evaluation of delirium in critically ill patients: validation of the Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM-ICU). Crit Care Med. 2001;29(7):1370-9.) No caso de agitação aguda, quando havia risco de extubação ou falha no desmame, utilizou-se uma dose de 0,5mg de haloperidol intravenoso (IV) a cada 30 minutos como agente de resgate até que a agitação diminuísse ou até que se atingisse uma dose de 2,5mg, ocasião em que se administravam 2mg de lorazepam IV. Se o paciente continuasse agitado, solicitava-se uma consulta psiquiátrica de emergência. Os pacientes que desenvolveram delirium após o período de 7 dias foram tratados com 0,25mg de haloperidol IV duas vezes ao dia, seguindo o protocolo da UTI. Os pacientes foram seguidos diariamente, e foram registrados os seguintes dados: duração da VM, tempo de internação na UTI, necessidade e dose de agentes sedativos ou antipsicóticos, efeitos adversos, caso houvesse, devido à melatonina, mortalidade e escala de desfecho de Glasgow.

O desfecho primário foi a incidência de delirium (proporção de pacientes que estavam delirantes na avaliação) dentro de 24 horas de internação na UTI em ambos os grupos. Os desfechos secundários foram a incidência de delirium nos dias 3 e 7 da internação na UTI; incidência de delirium (delirium de início recente) nas 24 horas nos dias 3 e 7; mortalidade; tempo de internação na UTI; tempo de VM; e escore da escala de desfecho de Glasgow na alta.

Um estudo anterior realizado em nossa UTI mostrou 68% de prevalência e 60% de incidência de delirium.(1010 Grover S, Sarkar S, Yaddanapudi LN, Ghosh A, Desouza A, Basu D. Intensive care unit delirium: a wide gap between actual prevalence and psychiatric referral. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2017;33(4):480-6.) O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no site www.openepi.com. Para obter redução de 50% na prevalência de delirium no grupo de tratamento, foram recrutados 49 pacientes em cada grupo, com poder de 90% e erro alfa de 5%. Pretendíamos recrutar 126 pacientes em cada grupo, contabilizando 25% de desistências durante o período do estudo. Os dados categóricos, como prevalência e mortalidade, foram analisados usando o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher e são apresentados como índices de risco com intervalos de confiança de 95% (IC95%). A normalidade dos dados foi analisada com o teste de Shapiro-Wilk. Os dados que seguem uma distribuição gaussiana, como a idade, são apresentados como média e desvio-padrão e foram analisados com o teste t de Student. Os dados não gaussianos, como tempo de internação na UTI, VM e APACHE II, são apresentados como mediana e intervalo interquartil e foram analisados com o teste U de Mann-Whitney. Todos os testes foram bicaudais, com IC95% e nível de significância de 5% (p < 0,05). Essa análise foi realizada com o Jamovi versão 1.6 baseado na versão 4.0 do R Core.

RESULTADOS

Foram admitidos 209 pacientes na UTI durante o período do estudo, os quais foram avaliados para inclusão no estudo. Foram considerados aptos 126 pacientes, os quais foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos. Dez pacientes no Grupo M e oito pacientes no Grupo C permaneceram na UTI por menos de 24 horas e foram excluídos da análise. A análise final incluiu 108 pacientes (54 em cada grupo) (Figura 1). Os dados demográficos e basais foram comparáveis entre os dois grupos e estão descritos na tabela 1. Os detalhes dos diagnósticos de admissão são fornecidos na tabela 2.

Figura 1
Fluxograma do estudo do Consolidated Standards of Reporting Trials.
Tabela 1
Dados demográficos basais dos dois grupos
Tabela 2
Detalhes dos diagnósticos de admissão

Não houve diferença estatisticamente significativa na incidência de delirium nas primeiras 24 horas (desfecho primário) ou nos dias 3 e 7 após a admissão na UTI (Tabela 3). No subgrupo de pacientes que não apresentaram delirium na admissão, a incidência de delirium de início recente foi significativamente semelhante entre os dois grupos nos dias 1, 3 e 7 ou na alta (Tabela 4). Entre aqueles que estavam delirantes na admissão, as proporções de pacientes que continuaram delirantes no dia 1 (51,7% no Grupo M versus 28,2% no Grupo C), no dia 3 (24,7% versus 28,2%) ou durante todo o período de estudo de 7 dias/alta (20,6% versus 12,8%) também foram significativamente diferentes entre os dois grupos.

Tabela 3
Comparação da incidência de delirium, mortalidade, tempo de internação na unidade de terapia intensiva, duração da ventilação mecânica e escore da escala de coma de Glasgow entre os dois grupos
Tabela 4
Incidência de delirium de início recente na unidade de terapia intensiva em vários momentos

O SOFA diário, os níveis de sódio, potássio, cálcio e magnésio e o NRS de dor foram semelhantes entre os grupos. A mortalidade, o tempo de internação na UTI, a duração da VM e o escore da escala de desfecho de Glasgow também foram semelhantes entre os dois grupos (Tabela 3). Dos 108 pacientes, dez necessitaram usar haloperidol de resgate/adicional, sendo três (5,5%) no Grupo M e sete (12,9%) no Grupo C (razão de risco de 0,42 (IC95% 0,12 - 1,57); p = 0,31).

DISCUSSÃO

Neste estudo, demonstramos que 3mg de melatonina administrada por via enteral não diminuíram a incidência de delirium nos dias 1, 3 e 7 na UTI em comparação com o controle. Além disso, o SOFA no dia 1 foi considerado preditor independente de delirium em pacientes que não estavam inicialmente com delirium no momento da admissão na UTI.

O delirium adquirido na unidade de terapia intensiva é um problema comum encontrado pelos intensivistas e está associado a desfechos mais desfavoráveis em termos de mortalidade, duração da VM, tempo de internação na UTI e custos hospitalares.(1111 Cavallazzi R, Saad M, Marik PE. Delirium in the ICU: an overview. Ann Intensive Care. 2012;2(1):49.1313 Jackson JC, Mitchell N, Hopkins RO. Cognitive functioning, mental health, and quality of life in ICU survivors: an overview. Anesthesiol Clin. 2011;29(4):751-64.) Vários fatores podem levar a um quadro de delirium, incluindo abuso de substâncias, idade avançada, dor, distúrbios eletrolíticos e distúrbios do ciclo sono-vigília. Uma interrupção no ritmo circadiano é um fator de risco importante e independente no delirium adquirido na UTI.(1414 Kamdar BB, Needham DM, Collop NA. Sleep deprivation in critical illness: its role in physical and psychological recovery. J Intensive Care Med. 2012;27(2):97-111) A privação do sono pode resultar de interferências ambientais, alteração da rotina diurna, da própria gravidade da doença ou do tratamento administrado. Não se recomenda a profilaxia farmacológica de rotina para a prevenção do delirium. A suplementação de melatonina por via enteral diminui a interrupção do ritmo circadiano e pode, por sua vez, diminuir a incidência de delirium. Ela é acessível e não apresenta efeitos adversos graves conhecidos. Entretanto, sua eficácia na prevenção do delirium ainda não foi bem estabelecida. Em sua revisão sistemática e metanálise com 12 estudos sobre o uso de melatonina ou ramelteona, Yan et al.(77 Yan W, Li C, Song X, Zhou W, Chen Z. Prophylactic melatonin for delirium in critically ill patients: a systematic review and meta-analysis with trial sequential analysis. Medicine (Baltimore). 2022;101(43):e31411.) relataram diminuição significativa na incidência de delirium no grupo experimental.(1515 Jaiswal SJ, Vyas AD, Heisel AJ, Ackula H, Aggarwal A, Kim NH, et al. Ramelteon for prevention of postoperative delirium: a randomized controlled trial in patients undergoing elective pulmonary thromboendarterectomy. Crit Care Med. 2019;47(12):1751-8.) No entanto, uma análise de sensibilidade e uma análise sequencial de estudos revelaram que essa conclusão pode ser devida a um erro falso-positivo. Esses achados coincidem com os da revisão sistemática e metanálise publicada recentemente por Aiello et al.,(88 Aiello G, Cuocina M, La Via L, Messina S, Attaguile GA, Cantarella G, et al. Melatonin or ramelteon for delirium prevention in the intensive care unit: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Clin Med. 2023;12(2):435.) a qual incluiu nove ensaios clínicos randomizados (seis relataram incidências de delirium) e não relatou diminuição de delirium no grupo experimental. Entretanto, o alto nível de heterogeneidade em ambas as metanálises limitou a qualidade das evidências. Além disso, muitos dos estudos incluídos nessas metanálises foram realizados em pacientes de cirurgia cardíaca, o que difere completamente da população de pacientes incluída neste estudo.(1616 Javaherforoosh Zadeh F, Janatmakan F, Shafaeebejestan E, Jorairahmadi S. Effect of melatonin on delirium after on-pump coronary artery bypass graft surgery: a randomized clinical trial. Iran J Med Sci. 2021;46(2):120-7.1818 Shi Y. Effects of melatonin on postoperative delirium after PCI in elderly patients: a randomized, single-center, double-blind, placebo-controlled trial. Heart Surg Forum. 2021;24(5):E893-7.)

Em nosso estudo, a administração de 3mg de melatonina enteral não teve efeito sobre a incidência de delirium durante a internação na UTI. Esse achado é semelhante aos resultados de Abbasi et al.(1919 Abbasi S, Farsaei S, Ghasemi D, Mansourian M. Potential role of exogenous melatonin supplement in delirium prevention in critically ill patients: a double-blind randomized pilot study. Iran J Pharm Res. 2018;17(4):1571-80.) Sua incidência de delirium foi muito menor do que a nossa, com 4,5% e 1,4% nos grupos melatonina e placebo, respectivamente. Naderi-Behdani et al., em seu ensaio clínico randomizado que investigou o efeito da melatonina nas variações de glicemia e na resistência à insulina, não demonstraram diminuição do delirium (um dos desfechos secundários) com a administração de melatonina.(2020 Naderi-Behdani F, Heydari F, Ala S, Moradi S, Abediankenari S, Asgarirad H, et al. Effect of melatonin on stress-induced hyperglycemia and insulin resistance in critically ill patients: a randomized double-blind, placebo-controlled clinical trial. Caspian J Intern Med. 2022;13(1):51-60.) Um ensaio clínico randomizado multicêntrico publicado recentemente por Wibrow et al. também não conseguiu demonstrar diminuição nos dias sem delirium com a administração de 4mg de melatonina enteral em comparação com placebo em adultos graves.(2121 Wibrow B, Martinez FE, Myers E, Chapman A, Litton E, Ho KM, et al. Prophylactic melatonin for delirium in intensive care (Pro-MEDIC): a randomized controlled trial. Intensive Care Med. 2022;48(4):414-25.) Por outro lado, Baumgartner et al. relataram uma ocorrência significativamente menor de delirium com melatonina do que com placebo.(2222 Baumgartner L, Lam K, Lai J, Barnett M, Thompson A, Gross K, et al. Effectiveness of melatonin for the prevention of intensive care unit delirium. Pharmacotherapy. 2019;39(3):280-7.) No entanto, esse foi um estudo observacional retrospectivo inerentemente limitado pelo viés de recordação e possivelmente pela coleta inadequada de dados. Vijayakumar et al. também relataram diminuição do delirium com melatonina em pacientes com intoxicação por organofosfato.(2323 Vijayakumar HN, Ramya K, Duggappa DR, Gowda KV, Sudheesh K, Nethra SS, et al. Effect of melatonin on duration of delirium in organophosphorus compound poisoning patients: a double-blind randomised placebo controlled trial. Indian J Anaesth. 2016;60(11):814-20.) Em particular, a intoxicação por organofosfato e seu tratamento com atropina resultam em grande incidência de delirium. Além disso, seu desfecho primário foi a duração do delirium, e o tamanho da amostra foi calculado como base em um estudo-piloto não publicado; portanto, seu estudo pode não ter poder suficiente para determinar a prevalência de delirium. Esses achados não foram reproduzidos em estudos subsequentes realizados por Bellapart et al. e Gandolfi et al., que também não incluíram a prevalência de delirium como desfecho primário.(2424 Bellapart J, Appadurai V, Lassig-Smith M, Stuart J, Zappala C, Boots R. Effect of exogenous melatonin administration in critically ill patients on delirium and sleep: a randomized controlled trial. Crit Care Res Pract. 2020;2020:3951828.,2525 Gandolfi JV, Di Bernardo AP, Chanes DA, Martin DF, Joles VB, Amendola CP, et al. The effects of melatonin supplementation on sleep quality and assessment of the serum melatonin in ICU patients: a randomized controlled trial. Crit Care Med. 2020;48(12):e1286-93.)

Dianatkhah et al. relataram menor tempo de internação na UTI, duração da VM e mortalidade em 40 pacientes com acidente vascular cerebral hemorrágico intubados e tratados com altas doses (30mg) de melatonina.(2626 Dianatkhah M, Najafi A, Sharifzadeh M, Ahmadi A, Sharifnia H, Mojtahedzadeh M, et al. Melatonin supplementation may improve the outcome of patients with hemorrhagic stroke in the intensive care unit. J Res Pharm Pract. 2017;6(3):173-7.) No entanto, essas doses elevadas não foram estudadas extensivamente e atualmente não são consideradas seguras. Esses resultados não foram reproduzidos em outros ensaios clínicos randomizados mais amplos, como os de Abbasi et al., Gandolfi et al. ou no nosso estudo.(1919 Abbasi S, Farsaei S, Ghasemi D, Mansourian M. Potential role of exogenous melatonin supplement in delirium prevention in critically ill patients: a double-blind randomized pilot study. Iran J Pharm Res. 2018;17(4):1571-80.,2525 Gandolfi JV, Di Bernardo AP, Chanes DA, Martin DF, Joles VB, Amendola CP, et al. The effects of melatonin supplementation on sleep quality and assessment of the serum melatonin in ICU patients: a randomized controlled trial. Crit Care Med. 2020;48(12):e1286-93.)

Em nosso estudo, observou-se uma adesão rigorosa ao protocolo do estudo. Todos os pacientes randomizados ao Grupo M realmente receberam o medicamento. Além disso, não houve perda de seguimento e todos os pacientes concluíram o período experimental de 7 dias. Em segundo lugar, nosso cálculo do tamanho da amostra foi robusto porque se baseou na literatura já publicada sobre a incidência de delirium em nossa UTI. Por fim, nosso estudo envolveu uma UTI mista médico-cirúrgica com uma boa combinação de pacientes, o que permite uma generalização adequada dos resultados.

Nosso estudo não foi isento de limitações. Em primeiro lugar, não foi um estudo controlado por placebo, o que poderia ter introduzido o viés do cuidador. O avaliador do desfecho não tinha conhecimento da alocação do tratamento para reduzir o viés do observador. Em segundo lugar, apesar da hipótese de uma diminuição na interrupção do ritmo circadiano e melhora na qualidade do sono como o mecanismo putativo de uma diminuição na incidência de delirium, não avaliamos a qualidade do sono dos pacientes. Entretanto, fornecemos a todos os pacientes condições adequadas para promover o sono noturno e mantivemos os pacientes orientados durante o dia para manter o ritmo circadiano. Além disso, o delirium é um distúrbio multifatorial com mecanismos subjacentes complexos, e a abordagem de apenas um desses mecanismos (interrupção do ritmo circadiano) pode não ser suficiente para determinar o tamanho do efeito que inicialmente almejávamos neste estudo.

CONCLUSÃO

Nosso estudo revelou que a melatonina administrada por via enteral na dose de 3mg uma vez ao dia durante uma semana não reduziu a incidência de delirium em adultos graves internados na unidade de terapia intensiva. Não houve diminuição da mortalidade na unidade de terapia intensiva, do tempo de internação na unidade de terapia intensiva, da duração da ventilação mecânica ou do escore da escala de desfecho de Glasgow na alta no Grupo Melatonina em comparação com o Grupo Controle. É necessário realizar mais estudos com diferentes doses de melatonina, em diferentes ambientes de unidades de terapia intensiva e em outros subgrupos populacionais para aprofundar os achados de nosso estudo.

  • Apresentado como e-poster na Criticare 2022: 28th Annual Conference of Indian Society of Critical Care Medicine e na ESICM Lives 2021.

AGRADECIMENTOS

A todos os pacientes e a seus acompanhantes que consentiram em participar deste estudo.

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Editado por

Editor responsável: Antonio Paulo Nassar Jr.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2023
  • Aceito
    16 Nov 2023
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