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VARIAÇÃO E MUDANÇA NA HISTÓRIA DAS VOGAIS MÉDIAS TÔNICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA: UMA INTERPRETAÇÃO DAS RIMAS DA POESIA DO PASSADO

RESUMO

O objetivo deste artigo é obter pistas sobre a pronúncia das vogais médias tônicas no português dos séculos XIII, XV, XVI e XVII, a partir da observação das rimas da poesia de então. Serviram de corpora para esta pesquisa as Cantigas de Santa Maria de Afonso X, o Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, Os Lusíadas de Camões e os sonetos do poeta luso-brasileiro Gregório de Matos. A metodologia adotada neste estudo consiste, essencialmente, no mapeamento e análise de todas as rimas, nos corpora referidos, envolvendo vogais médias, na sílaba acentuada. Levando-se em consideração o fato de que a escrita antiga, como a atual, dispunha de apenas dois grafemas para representar os quatro fonemas referentes às vogais médias tônicas da língua portuguesa, foram avaliadas e comparadas, neste trabalho, as possibilidades e impossibilidades de rima entre vogais médias representadas por grafemas idênticos. Os resultados da pesquisa sugerem que havia intensa variação fonética na pronúncia das vogais médias tônicas da língua portuguesa, entre os séculos XV e XVII (pelo menos), e que, em alguns casos, essa variação resultou em mudança, no decorrer da história da língua.

Vogais médias tônicas; rimas; história do português; variação; mudança

ABSTRACT

This research aims to investigate the pronunciation of the stressed mid vowels in Portuguese of the 13th, 15th, 16th and 17th centuries, through the observation of the rhymes of the poetry from that period. The corpora comprise the Cantigas de Santa Maria by Alfonso X, the Cancioneiro Geral by Garcia de Resende, Os Lusíadas by Camões and the sonnets by Gregório de Matos. Knowing that the ancient writing, like the present, had only two graphemes to represent phonemes concerning stressed mid vowels of Portuguese, the possibilities and impossibilities of rhyme between mid vowels represented by identical graphemes were evaluated in this work. The results of this research suggest that there was constant phonetic variation in the speech of the stressed mid vowels of the Portuguese language, between the 15th and 17th centuries (at least), and that, in some cases, this variation resulted in a change, throughout the history of the language.

KEYWORDS: stressed mid vowels; rhymes; history of Portuguese; variation; change

Introdução

O objetivo deste trabalho é apresentar e examinar rimas da poesia escrita em língua portuguesa, nos séculos XIII, XV, XVI e XVII, que podem contribuir para o estudo dos processos de variação e mudança envolvendo as vogais médias tônicas do português.

Devido ao fato de o sistema de escrita do português antigo (assim como o atual) dispor de apenas dois símbolos (<e,o>) para representar os fonemas referentes às vogais médias da língua, ou seja, como a escrita não atribui símbolos distintos para representar vogais médias abertas (/ε,ͻ/) e fechadas (/e,o/), torna-se indispensável, na pesquisa dedicada às vogais médias (tônicas) de períodos remotos da língua, que não deixaram registros orais, a consulta às rimas empregadas na poesia de então, já que as possibilidades e impossibilidades de rima entre vogais médias (da sílaba acentuada) representadas por grafemas idênticos podem revelar informações sobre a diferença de timbre (aberto e fechado) entre os fonemas do passado.

Fonte (2010a, 2010b, 2014) obteve pistas significativas a respeito da pronúncia das vogais médias tônicas no português dos séculos XIII, XV e XVI, tomando como base as possibilidades e impossibilidades de rima nas Cantigas de Santa Maria (CSM) de Afonso X, no Cancioneiro Geral (CG) de Garcia de Resende e em Os Lusíadas de Camões.

No caso das vogais médias do século XIII, Fonte (2010a, 2010b) mostra que as rimas das CSM não apenas atestam a ocorrência de quatro fonemas (/e, ε, o, ͻ/), em posição tônica, no sistema vocálico de então, como também sugerem uma mudança, ao longo da história da língua, na pronúncia da vogal média de alguns vocábulos específicos (ex.: f/ͻ/go > f/o/go, inv/e/ja > inv/ε/ja).

Para Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português: uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014., essa mudança linguística teve origem, muito provavelmente, em variações fonéticas vigentes nos séculos XV e XVI, entre vogais médias abertas e fechadas. A autora chegou a essa conclusão após analisar as rimas do CG e de Os Lusíadas.

Em pesquisa mais recente, constatamos que também as rimas do século XVII sugerem variação na pronúncia das vogais médias tônicas da época. Nessa pesquisa, que tinha por objetivo ampliar a delimitação temporal anteriormente estabelecida por Fonte (2010a, 2010b, 2014), mapeamos e analisamos rimas da poesia barroca não apenas portuguesa, mas também brasileira, já que o Brasil viu despontar, no século XVII, registros poéticos significativos. Serviram de corpora à referida pesquisa (recente) o cancioneiro português A Fénix Renascida e os sonetos do poeta luso-brasileiro Gregório de Matos (edição crítica de Topa, 1999TOPA, F. Edição crítica da obra poética de Gregório de Matos. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, 1999. 4 v.).

Neste artigo, os dados de Fonte (2010a, 2010b, 2014) para os séculos XIII, XV e XVI serão retomados e associados aos dados (inéditos) do século XVII oriundos da vertente brasileira da poesia barroca.1 1 Os dados oriundos da vertente portuguesa da poesia seiscentista foram divulgados e discutidos em artigo publicado pela Revista ALFA (Fonte; Massini-Cagliari, 2021). Pretendemos mostrar, por meio dessa combinação de dados, os possíveis casos de variação e mudança entre as vogais médias tônicas, no percurso histórico da língua portuguesa.

Ao apresentar as rimas dos séculos referidos, o presente trabalho fornece dados que contemplam diferentes fases da história da língua, segundo a periodização proposta por estudos dedicados ao tema (cf. Castro, 2008CASTRO, I. Introdução à história do português. 2. ed. Lisboa: Edições Colibri, 2008.). O século XIII corresponde ao início do português arcaico (fase trovadoresca), período em que haveria uma unidade entre as línguas faladas em Portugal e Galiza (o galego-português). O século XV corresponde à segunda fase do português arcaico (ou fase do português médio), caracterizada pelo distanciamento entre o falar galego, ao extremo Norte da Península Ibérica, e o falar português propriamente dito. Já o século XVI representa o início do português clássico ou moderno. Por último, o século XVII, embora não configure uma fase de ruptura em relação ao século anterior, também pode ser considerado um marco na história da língua portuguesa, na medida em que testemunhou o despertar da poesia brasileira (ou luso-brasileira), também contemplada neste trabalho.

As obras poéticas que forneceram os dados considerados neste estudo são representantes expressivos de cada um dos séculos abordados. As Cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o rei Sábio de Leão e Castela, foram escritas em galego-português, na segunda metade do século XIII, e constituem um testemunho importante da primeira fase do português arcaico. Para Leão (2007, p. 21), esse cancioneiro mariano, por sua riqueza lexical, condicionada por uma considerável diversidade temática, e pela primazia de suas estruturas poéticas (em termos de métrica e de rima), é “de longe a maior e mais rica coleção produzida nos vernáculos românicos da Idade Média sobre esse tema”. O Cancioneiro Geral (1516), de Garcia de Resende, que reúne poemas escritos ao longo do século XV e início do XVI, por cerca de 300 poetas, é de consulta imprescindível, pela multiplicidade de temas que aborda, a quem queira estudar o período em questão (cf. Rocha, 1987ROCHA, A. C. Garcia de Resende e o Cancioneiro Geral. 2. ed. Lisboa: ICALP, 1987.). A obra épica de Camões, Os Lusíadas (1572), composta por 10 cantos e 1102 estrofes, pode ser considerada uma representante genuína do português moderno, não apenas por figurar como o ícone do Renascentismo em Portugal, mas também (e sobretudo!) pelo seu papel decisivo na história da língua portuguesa, exercendo influência significativa na caracterização do português padrão, inclusive no que diz respeito à criação de nossa ortografia (cf. Souza, N., 2009). A vertente brasileira da poesia barroca tem seu representante máximo em Gregório de Matos, que foi um dos fundadores da literatura brasileira e é um dos mais importantes poetas satíricos de nossa história. É oportuno esclarecer, no entanto, que os sonetos de Gregório de Matos analisados neste trabalho não se restringem ao viés satírico: além da sátira, figuram, na coletânea estudada, poemas amorosos, sacros, laudatórios, entre outros, garantindo a diversidade temática da obra, que é expressa por meio de uma estrutura poética fixa, sempre representada por 14 versos decassílabos rimados.

As seções a seguir estão dedicadas, respectivamente, às vogais médias tônicas dos séculos XIII, XV, XVI e XVII. O objetivo principal dessas seções é apresentar as rimas referentes a cada uma das sincronias focalizadas neste estudo. Essas rimas (especialmente as dos séculos XV, XVI e XVII), por apresentarem muitas equivalências entre si, serão interpretadas conjuntamente na última seção (5) deste artigo.

As rimas do século XIII a partir das Cantigas de Santa Maria

Nesta seção, estão apresentados e discutidos os resultados alcançados por Fonte (2010a, 2010b) a partir da observação das rimas das 420 CSM de Afonso X, que correspondem à vertente religiosa da lírica trovadoresca.

Sabendo que as rimas dos textos poéticos são capazes de distinguir uma vogal média aberta de uma vogal média fechada, Fonte (2010a, 2010b) lançou-se ao rimário das CSM, elaborado por Betti (1997)BETTI, M. P. Rimario e Lessico in Rima delle Cantigas de Santa Maria di Alfonso X di Castiglia. Pisa: Pacini Editore, 1997., com o intuito de averiguar se o sistema vocálico do galego-português (primeira fase do português arcaico) também era constituído, como o português atual, de quatro vogais médias, duas abertas (/ε,ͻ/) e duas fechadas (/e,o/), na posição acentuada.

Após fazer um levantamento, no rimário referido, de todas as rimas contendo vogal média na sílaba tônica, Fonte (2010a, 2010b) investigou, nos dados levantados, a ocorrência de vocábulos que não rimavam entre si, apesar de apresentarem terminações idênticas. A partir dessa pesquisa, a autora constatou que algumas rimas podiam claramente ser divididas em dois grupos: os vocábulos de cada grupo rimavam entre si, mas jamais apareciam rimando com os integrantes do outro grupo. Para a terminação -er, por exemplo, Fonte (2010a,b) registrou, nas CSM, um grupo constituído de verbos no infinitivo, tais como comer, vencer, querer, prometer, vender etc., e outro composto por alguns verbos irregulares da segunda conjugação, flexionados no futuro do subjuntivo, tais como disser, quiser, souber etc., ou, no caso do verbo querer, flexionado na terceira pessoa do singular do presente do indicativo (quer). Além das formas verbais, os substantivos prazer e moller (mulher) integraram o primeiro e o segundo grupo, respectivamente. Entre as vogais médias posteriores, Fonte (2010a, 2010b) identificou para a terminação -ores um grupo rimante menor, composto pelas formas verbais chores e demores, e outro maior, composto por vocábulos como sennores (senhores), amores, doores (dores), coores (cores), entre outros.

Fonte (2010a, 2010b) interpretou essas impossibilidades de rima como um indício de que os grafemas <e> e <o> representavam fonemas distintos (/e,ε/ e /o,ͻ/), nas terminações correspondentes a cada um dos grupos rimantes. Feita essa constatação, ainda faltava à pesquisa definir os fonemas (/e/ ou /ε/, /o/ ou /ͻ/) correspondentes a cada grupo. Nesse ponto do trabalho, a autora lançou mão de dados do presente para interpretar as pistas do passado, uma vez que as palavras apontadas nos parágrafos anteriores também não poderiam compor rimas perfeitas no português atual (na maior parte das variedades, pelo menos), por apresentarem fonemas vocálicos diferentes nas sílabas acentuadas: a vogal tônica é fechada (/e,o/) em formas como comer, vencer, amores, dores etc., mas é aberta (/ε,ͻ/) em verbos como disser, quiser, quer, chores, demores, entre outros. Assim, para associar cada fonema a seu respectivo grupo rimante, Fonte (2010a, 2010b) deduziu que, nesses casos específicos, a pronúncia da vogal média tônica do galego-português era equivalente à pronúncia que se verifica no português atual.

Os dados apresentados até aqui não apenas evidenciam a diferença de timbre (aberto e fechado) entre as vogais médias tônicas do século XIII, como também sugerem uma equivalência entre as pronúncias do passado e do presente. Essa semelhança não se sustenta, contudo, quando se examina a totalidade das rimas das CSM. E é nesse ponto que se fixa a outra grande contribuição (para além da constatação da diferença de timbre entre as vogais médias tônicas do século XIII) do trabalho de Fonte (2010a, 2010b): a que indica mudanças, no decorrer da história, na pronúncia da vogal média tônica de determinadas palavras do português.

Ao analisar todas as rimas das CSM, Fonte (2010a, 2010b) constatou que, em alguns casos, rimavam entre si vocábulos que apresentam, no português de hoje, vogais tônicas diferentes, em termos fonológicos. Os exemplos arrolados a seguir correspondem aos casos envolvendo vogais médias tônicas anteriores (<e>) e posteriores (<o>), respectivamente:2 2 Para facilitar a interpretação dos dados, destacamos em azul, nessas e nas demais listas de exemplos apresentadas neste artigo, todos os vocábulos que são pronunciados, no português atual, com vogal média aberta, na sílaba tônica.

(01)

deseja/peleja/enveja (CSM 67)

enveja/peleja/sobeja (CSM 184)

enveja/seja/deseja (CSM 241)

seja/Eigreja/enveja/peleja/deseja/sobeja/veja (CSM 280)

Eigreja/seja/sobeja/deseja/enveja/peleja (CSM 409)

sejas/envejas/ygrejas (CSM 78)

sela/donzela/vee-la (CSM 153)

daquela/vence-la/move-la (CSM 305)

prende-la/ela (CSM 369)

essa/abadessa/condessa/promessa (CSM 195)

essa/abadessa (CSM 285)

teta/saeta (CSM 51)

(02)

logo/rogo/jogo (CSM 79)

logo/jogo (CSM 422)

loor/Sennor/mellor/trobador (CSM B)

mayor/Sennor/for/amor (CSM 30)

sabor/mayor/pavor (CSM 35)

mayor/mellor/Sennor (CSM 70)

Sennor/flor/peor (CSM 72)

pavor/coor/derredor (CSM 82)

arredor/Mayor/Sennor (CSM 86)

redor/loor/Sennor (CSM 157)

Sennor/pecador/mẽor (CSM 168)

sabedores/mayores/fiadores (CSM 214)

loores/sennores/mellores (CSM 288)

loores/sennores/mayores (CSM 315, 341)

esposa/fremosa/Groriosa (CSM 241)

fremosa/Esposa/maravillosa (CSM 309)

groriosa/esposa/preciosa (CSM 340)

Em uma primeira análise, com base apenas nas pronúncias atuais da língua, esses dados poderiam suscitar a conclusão de que ocorrem, nas CSM, rimas entre vogais médias abertas e fechadas. Fonte (2010a, 2010b) mostra, no entanto, que a origem histórica das vogais médias presentes na sílaba tônica dessas palavras rimantes permite-nos afirmar que, no século XIII, diferentemente do que se observa no português atual, essas rimas eram perfeitas, isto é, entre vogais médias de mesmo timbre (aberto ou fechado).

Sabendo que as vogais médias breves (/ĕ,ŏ/) do latim clássico originaram, no português, vogais médias abertas (ex.: pĕtram > p/ε/dra, lŏcum > l/ɔ/go), na sílaba tônica, e que vogais médias longas (/ē,ō/) e altas breves (/ĭ,ŭ/) do latim clássico deram origem a vogais médias fechadas (ex.: bēstiam > b/e/sta, vĭridem > verde, tōtum > t/o/do, *tŭrrem > torre), a autora concluiu que, no século XIII, a pronúncia da vogal tônica (pelo menos, no caso desses vocábulos) ainda correspondia ao timbre herdado da vogal etimológica:3 3 Todas as informações sobre a origem histórica das palavras, neste texto, estão baseadas nos dicionários de Corominas (1961), A. G. Cunha (2010) e Saraiva (2006).

Quadro 1
– Supostas mudanças de timbre envolvendo a vogal média anterior, na história do português

Quadro 2
– Supostas mudanças de timbre envolvendo a vogal média posterior, na história do português

Diante do exposto, pode-se dizer que a análise das possibilidades de rima (estranhas ao português atual) apresentadas em (01) e (02) revelou duas características importantes da época dos trovadores: uma sobre a poesia e outra sobre as pronúncias.

No que diz respeito à poesia trovadoresca, as análises de Fonte (2010a, 2010b) esclarecem que, pelo menos na vertente religiosa, ou seja, nas 420 CSM de Afonso X, as rimas são todas perfeitas, isto é, não ocorrem, na coletânea afonsina, rimas entre vogais médias abertas e fechadas.

Com relação às pronúncias da época, os argumentos apresentados por Fonte (2010a, 2010b) sustentam a hipótese de que algumas palavras do português apresentavam, no século XIII, um fonema vocálico diferente do atual, na sílaba acentuada.

É importante observar, a propósito, que estudos anteriores já haviam considerado a hipótese de a vogal tônica de alguns desses vocábulos ter apresentado um timbre diferente do atual, no português antigo (cf. Williams, 1975WILLIAMS, E. B. Do Latim ao Português: fonologia e morfologia histórica da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. (1. edição: 1938) [1938]; Silva Neto, 1952; Nunes, 1960NUNES, J. J. Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa: fonética e morfologia. 6. ed. Lisboa: Livraria Clássica, 1960.; Coutinho, 1974COUTINHO, I. L. Pontos de gramática histórica. 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1974.; Cunha, C., 1985, 1991). Os dados de Fonte (2010a, 2010b) confirmam, pois, essa proposição dos estudos precedentes, sugerindo que houve, no decorrer da história da língua, uma mudança linguística que originou o timbre vocálico atual.

As rimas apresentadas nas seções a seguir levam-nos a acreditar que essa mudança teve origem, muito provavelmente, em variações fonéticas vigentes nos séculos XV, XVI e XVII (pelo menos) entre vogais médias abertas e fechadas, na sílaba tônica. Veremos, nas próximas seções, que as demais obras poéticas abordadas neste estudo também apresentam rimas entre vogais médias abertas e fechadas (segundo os padrões atuais). Contudo, ao contrário do que foi observado para o século XIII (com as CSM), a etimologia não explica todas as possibilidades de rima registradas na poesia dos séculos XV, XVI e XVII.

Num primeiro momento, poderíamos pensar que o CG, Os Lusíadas e os sonetos de Gregório de Matos, ao contrário da coletânea afonsina, dispõem de rimas imperfeitas. C. Cunha (1985 CUNHA, C. O valor das finais -eu e -eo na língua portuguesa do século XVI . In: CONGRÈS INTERNATIONAL DE LINGUISTIQUE ET DE PHILOLOGIE ROMANES (Aix-en-Provence, 29 août-3septembre 1983), 17., Marseille, 1983. Actes [...]. Marseille: [ s.n .], 1985. v.3, p. 272-278., 1991CUNHA, C. Valor das grafias -eu e -eo na língua portuguesa do século XIII ao século XVI. In: PICCHIO, L. S. Estudos Portugueses: homenagem a Luciana Stegagno Picchio. Lisboa: Difel, 1991. p. 913-927.), por exemplo, afirma que, após Gil Vicente, passou a ser comum, na poesia portuguesa, rima entre vogal média aberta e fechada. Consideramos, todavia, precipitada essa interpretação e, após apresentarmos as rimas dos séculos XV, XVI e XVII, nas seções a seguir, defenderemos, na seção 5, com base não apenas na etimologia, mas também em pronúncias atuais de outras línguas de origem românica (ex.: galego, espanhol, italiano, francês) e de diferentes variedades do português, a hipótese de que uma suposta variação fonética do passado estaria garantindo a perfeita homofonia entre as vogais médias rimantes em todas as obras poéticas analisadas.

As rimas do século XV a partir do Cancioneiro Geral

Após um século e meio de lírica trovadoresca, a poesia desapareceu dos registros portugueses até o século XVI, quando Garcia de Resende decidiu reunir, em seu Cancioneiro Geral (CG), publicado pela primeira vez em 1516, os textos poéticos produzidos ao longo do século XV e início do século XVI.

Com o propósito de acompanhar o percurso das vogais médias do português, ao longo dos séculos, e de investigar se a vogal tônica das palavras citadas na seção anterior ainda era pronunciada com um timbre diferente do atual, na segunda fase do período arcaico - momento em que já teria ocorrido a separação entre os falares galego e português -, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português: uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. fez um levantamento de todas as rimas do CG envolvendo vogal média na sílaba tônica. Como não há rimário da coletânea de Resende, foi preciso que a autora mapeasse as rimas diretamente da obra poética, a partir da edição de Dias (1990-1993), publicada em quatro volumes.

Ao analisar os dados levantados, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português: uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. constatou que ocorrem, no Cancioneiro de Resende, muitos outros casos (para além daqueles que suscitaram a hipótese de mudança, na seção anterior) de rima entre vogais médias abertas e fechadas, segundo o parâmetro atual - inclusive entre aqueles vocábulos que, nas CSM, constituíram grupos rimantes distintos, conforme mostram os exemplos a seguir:4 4 Os dados destacados em negrito, nesses e nos demais exemplos apresentados neste artigo, correspondem a terminações que também constituem rimas entre vogais médias abertas e fechadas (segundo os parâmetros atuais) nas demais obras poéticas abordadas neste estudo.

(03)

vier/morrer (nº 134)

molher/escrever (nº 142)

quiser/querer (nº 238)

tevera/atrevera/conhecera (nº 280)

falecesse/soubesse/quisesse (nº 281)

interesse/quisesse (nº 561)

quisestes/perdestes (nº 1)

fizestes/prendestes/perdestes/soubestes (nº 167)

fe/mercê (nº: 394)

quê/fe/é (nº: 566)

peça/esqueça/empeça (nº: 597)

mereço/empeço/peço (nº: 566)

arreda/leda (nº: 57, 82)

Raboreda/moeda/azeda/queda/vereda (nº: 71)

seda/moeda/queda (nº: 618)

leda/queda (nº: 668)

leda/moeda (nº: 869)

moedas/azedas (nº: 57)

entrega/chega (nº: 57)

negra/regra (nº 142)

enveja/sobeja (nº: 394)

deseja/enveja(nº: 574)

inveja/veja (nº: 618)

dela/sofrê-la (nº: 22)

querela/dizê-la (nº: 119)

perdê-la/ela(nº: 251)

naquela/vê-la/nela(nº: 360)

ela/conhecê-la/vê-la (nº: 582)

ela/mazela/conhecê-la (nº: 725)

dizê-las/querelas(nº: 345)

delas/estrelas (nº: 361)

elas/conhecê-las (nº: 519)

estrelas/elas/querelas(nº: 832)

pele/querele/ele (nº: 611)

velhas/ovelhas (nº: 623)

Arelho/conselho/coelho/vermelho/velho (nº: 802)

velho/artelho (nº: 838)

elo/perdê-lo (nº: 35)

capelo/selo/amarelo (nº: 480)

espero/desespero/quero (nº: 728)

desconcerto/descuberto (nº: 264)

certo/perto/concerto/incerto (nº: 333)

portugues/reves (nº: 169)

Princesa/pesa (nº: 216)

pesa/mesa/defesa/acesa (nº: 280)

pesa/empresa (nº: 613)

defesa/pesa/despesa (nº: 626)

Quaresma/mesma (nº: 805)

pressa/avessa (nº: 1)

processo/avesso (nº: 1)

Valdevesso/atravesso/avesso (nº: 618)

fresta/besta (nº: 611)

festa/besta (nº: 611)

poetas/netas/planetas/profetas (nº 367)

reto/prometo/carreto (nº: 535)

deve/teve (nº: 20, 86, 561, 611)

fez/Fez (nº: 618)

vez/Fez (nº: 836)

Alteza/tristeza/largueza/reza (nº: 367)

vileza/lindeza/preza/fortaleza (nº: 445)

natureza/nobreza/graveza/despreza/rudeza (nº: 475)

preza/Alteza (nº: 598)

(04)

toca/boca (nº: 453)

modo/todo (nº: 588)

modos/todos (nº: 615)

logo/rogo/fogo (nº: 87)

logo/jogo/fogo (nº: 183)

autor/maior/amador (nº: 1)

derredor/honor/emperador (nº: 1)

melhor/maior/Senhor (nº: 86)

dor/pior(nº: 103)

servidor/milhor(nº: 169)

cor/derredor/valor (nº: 457)

favor/pior(nº: 535)

redor/Senhor (nº: 711)

derredor/temor/Senhor (nº: 861)

maiores/valores/vencedores (nº: 1)

melhores/amores (nº: 31)

maiores/amores (nº: 119)

esforça/força (nº: 753)

socorre/torre (nº: 437)

mortos/tortos/portos/abortos (nº: 439)

renovo/novo (nº: 1)

As rimas do século XVI a partir de Os Lusíadas

Com o objetivo de investigar se a poesia do português dito clássico ou moderno adotava rimas semelhantes àquelas registradas na obra de Resende, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português: uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. mapeou e analisou todas as rimas de Os Lusíadas contendo vogal média na sílaba acentuada. Esta seção está dedicada à apresentação dos resultados obtidos por Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português: uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014., a partir da pesquisa referida.

Para fazer o levantamento das rimas de Os Lusíadas, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português: uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. partiu do rimário da obra épica de Camões, elaborado por J. Souza (1948)SOUZA, J. B. P. E. Rimário de Os Lusíadas. Rio de Janeiro: Edições Pedagógicas, 1948.. As eventuais dúvidas surgidas durante o processo foram sanadas por meio da consulta direta aos versos do autor, em uma das edições de 1572, em versão digitalizada e disponível na web.

Ao analisar as possibilidades de rima em Os Lusíadas, Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português: uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. constatou uma equivalência entre o esquema rímico adotado por Camões e aquele identificado para o CG. De acordo com a estudiosa, ocorrem, em Os Lusíadas, como na coletânea de Resende, diversos casos de rima entre palavras que, no português atual, apresentam fonemas vocálicos diferentes, na sílaba tônica. Grande parte desses casos de rima envolve, inclusive, exatamente os mesmos termos registrados nas rimas do Cancioneiro de Resende apresentadas na seção anterior, como mostram os exemplos (05) e (06) a seguir, correspondentes às terminações com vogal média (tônica) anterior e posterior, respectivamente:

(05)

disser/dizer/saber (III-5)

tivêra/recebêra (II-69)

viera/fera/acontecèra (III-88)

fizerão/tiverão/obedecerão (I-3)

fizerão/viverão/merecerão (II-103)

erão/receberão/vierão (V-62)

erão/conhecerão/gerão (VI-17)

poderão/vierão/crescerão (VI-79)

tivesse/sometesse/desse (I-75)

desse/interesse/quisesse (VII-84)

vivesse/viesse/interesse (VIII-67)

recebesse/detivesse/podesse (VIII-95)

podessem/revolvessem (VI-79)

viessem/trouxessem/convertessem (VII-33)

tiverdes/quiserdes/moverdes (IV-18)

perdes/verdes/quiserdes (IX-59)

poderem/correrem (II-84)

receberes/poderes/quiseres (VI-15)

pareceres/poderes/quiseres (VIII-60)

celeste/este (III-73)

celeste/deste/defendeste (VI-81)

deste/naceste/fizeste (X-44)

fè/crè/dè (I-63)

cabeça/começa/floreça (III-20)

faleça/começa/peça (VIII-78)

começão/adereção/conheção (V-25)

peças/favoreças (X-118)

leda/seda/arremeda (II-93)

seda/veda/leda (II-96)

queda/leda (IX-67)

cega/nega/achega (II-98)

chega/nega/rega (V-7)

chegão/navegão (I-32)

navegão/chegão/regão (IV-62)

sosego/Mondego/cego (III-80)

cego/Mondego/navego (VII-78)

veja/Beja/deseja (III-76)

pelleja/deseja/enveja (V-93)

enveja/seja/veja (X-113)

bella/nella/estrella (I-33)

Palmella/estrella/della (III-65)

Castella/socorrella 5 5 Como Fonte (2014) trabalhou com a primeira edição (1572) de Os Lusíadas, a grafia dos dados corresponde exatamente à que foi empregada na época, ou seja, não há adaptações ortográficas como as que verificamos para o CG, na edição de Dias (1990-1993). Por isso, a grafia adotada para as formas verbais acompanhadas de clíticos não corresponde à grafia atual, nos dados arrolados em (05): socorrella (socorrê-la), vencella (vencê-la), perdella (perdê-la), regelos (regê-los) etc. (III-99)

donzella/vencella/della (III-127)

Castella/estrella/nella (VI-47)

Estrella/Castella/bella (VIII-29)

della/estrella/donzella (IX-81)

dellas/vellas/estrellas (V-23)

bellas/estrellas (VI-87)

Caravellas/cometellas (X-18)

aquelle/elle/pelle (V-28)

aquelle/Hele/impelle (VI-63)

velha/aparelha/ovelha (III-131)

aparelha/velha/aconselha (IX-50)

velho/conselho/aparelho (I-82)

velho/aparelho/vermelho (III-75)

velho/espelho (VIII-13)

zelo/amarelo (X-62)

regelos/Vasconcelos (IV-24)

bellos/cabellos/amarellos (IX-56)

perde/verde (III-52, V-7)

enxerga/verga/erga (X-78)

eterno/governo/Inverno (I-28)

eterno/governo/moderno (VI-52)

ferro/erro/desterro (III-128, X-53)

temerte/converte (VI-89)

desconcerto/aperto/perto (III-138)

Portuguesa/defesa/pesa (I-90)

Teresa/pesa/defesa (III-34)

Portuguesa/empresa/pesa (III-41)

Inglesa/acesa/pesa (VI-44)

presa/pesa (IX-80)

Princesas/desprezas/estranhezas (III-122)

Meneses/Portugueses/reveses (X-104)

bestas/florestas/sestas (IX-67)

Planeta/Meta/secreta (II-1)

inquieta/Mahometa/Planeta (III-19)

meta/secreta/preta (V-27)

penetras/letras (III-13)

treva/leva/atreva (V-30)

leva/escreva/treva (IX-15)

teve/atreve/leve (III-22)

teve/deve/breve (III-26)

leve/teve/neve (VI-43)

teve/leve/breve (VI-52)

atreve/deve/teve (VIII-32)

nobreza/preza/pureza (II-75)

Veneza/preza (II-97)

despreza/fortaleza/destreza (III-112)

certeza/pureza/preza (X-121)

Princesas/desprezas/estranhezas (III-122)

(06)

toda/roda/noda (III-17)

todas/vodas/rodas (X-74)

todo/modo (II-58)

modos/todos (VI-12, VI-15, 50)

fogo/jogo/logo (IV-39)

logo/Diogo/rogo (VIII-94)

valor/milhor (III-18)

amor/maior (III-31)

senhores/milhores (II-46)

temores/mayores/antecessores (VI-95)

menores/corrutores (VIII-40)

mercadores/milhores/trabalhadores (IX-10)

sabores/milhores/amores (IX-58)

moradores/cores/milhores (X-97)

senhores/mayores (X-114)

Aurora/vencedora/chora (I-14)

senhora/vencedora/adora (II-51)

fora/fora/senhora (III-95)

fora/mora/vencedora (VII-1)

agora/adora/fora (VII-32)

fora/Aurora/Flora (IX-61)

caçadora/fora/mora (IX-73)

horas/roubadoras/moradoras (I-78)

pastoras/senhoras/horas (IX-35)

desacordo/bordo/acordo (VI-72)

choro/sonoro/coro (V-60)

morre/corre/torre (IV-5)

sorte/morte/corte (IV-86)

vos/avôs/pos (IV-17)

esposa/fermosa/preciosa (VI-21)

temerosas/esposas/bellicosas (IV-26)

fosse/posse (III-25)

posso/vosso/grosso (I-15)

posso/Colosso/grosso (V-40)

posta/Lagosta (VI-17)

postos/sottopostos/desgostos (V-58)

mova/prova/nova (X-112)

As rimas do século XVII a partir dos sonetos de Gregório de Matos

O poeta Gregório de Matos é considerado, conforme já exposto neste artigo, um dos fundadores da poesia, no Brasil, e o maior ícone do barroco, no âmbito da Literatura Brasileira. Mais conhecido por sua poesia satírica, esse poeta luso-brasileiro compôs versos sobre os mais variados temas e deixou uma vasta obra como legado.

No presente estudo, uma parte dessa obra de Gregório de Matos foi tomada como fonte (linguística) do português do século XVII, nas variedades brasileiras da época. Com o propósito de obter informações sobre a pronúncia das vogais médias tônicas, no português brasileiro de antanho, fizemos um mapeamento de todas as rimas, nos sonetos do poeta Gregório de Matos, contendo vogal média, nas sílabas acentuadas.

A opção por trabalhar, neste estudo, apenas com os sonetos do autor explica-se pelo rigor formal desse tipo de poema, que não admite, por exemplo, o emprego de versos brancos, isto é, não-rimados.

O mapeamento das rimas foi feito diretamente dos versos dos sonetos (já que não há um rimário da obra poética do autor), a partir da edição crítica de Topa (1999)TOPA, F. Edição crítica da obra poética de Gregório de Matos. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, 1999. 4 v.. Como existem muitas especulações acerca da autoria dos poemas atribuídos a Gregório de Matos, a edição referida separa, com base em uma criteriosa pesquisa do editor, os autênticos sonetos do poeta daqueles com autoria duvidosa. Além disso, a edição de Topa (1999)TOPA, F. Edição crítica da obra poética de Gregório de Matos. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, 1999. 4 v. propõe uma divisão, entre os sonetos de autoria autêntica, baseada nos temas tratados pelo poeta: sacros e morais, encomiásticos, fúnebres, amorosos, satíricos e burlescos.

As rimas apresentadas e discutidas nesta seção foram levantadas dos autênticos sonetos de Gregório de Matos e abarcam todas as categorias (temáticas) referidas. Conforme mostram os exemplos arrolados a seguir, o poeta luso-brasileiro, como os poetas portugueses (ou galego-portugueses) considerados neste trabalho, também dispôs em rima vogais médias tônicas que, no português atual, apresentam timbres diferentes:

(07)

morrera/excedera/of’recera/tivera (Fúnebres, 61, p. 180)

espera/dissera/escondera (Amorosos, 153, p. 378)

conhecer[d]es/poderes/quiser[d]es (Amorosos, 132, p. 332-333)

haveres/deres/Prazeres (Fúnebres, 91, p. 243)

agreste/quiseste/nasceste (Sacros e morais, 21, p. 85)

entristeceste/fizeste/mereceste (Fúnebres, 64, p. 186-187)

rendeste/quiseste/celeste/apeteceste (Fúnebres, 82, p. 223)

adoecestes/vertestes/discorrestes/tivestes (Amorosos, 147, p. 362)

que/se/vê/ré (Satíricos e burlescos, 180, p. 442)

que/dê/fé/crê (Satíricos e burlescos, 190, p. 462)

chesmininés/mês/montês/Irlandês (Satíricos e burlescos, 173, p. 425-426)

rés/revés/rês (Satíricos e burlescos, 214, p. 515)

Meneses/vezes/entremezes/reveses (Satíricos e burlescos, 169, p. 413-414)

peca/peca/seca (Fúnebres, 83, p. 226)

Emprego/sossego/cego/desapego (Amorosos, 116, p. 298-299)

seja/inveja/veja/reja (Encomiásticos, 41, p. 135)

invejam/cortejam/motejam/morejam (Satíricos e burlescos, 154, p. 379-380)

bela/cautela/anela/estrela (Fúnebres, 59, p. 176)

estrela/aquela/atropela/zela (Fúnebres,73, p. 203-204)

desvela/estrela (Fúnebres, 84, p. 228)

bela/nela/estrela (Fúnebres, 90, p. 240-241)

bela/ela/vê-la/cautela (Amorosos, 181, p. 444-445)

belas/ofendê-las/estrelas (Amorosos, 130, p. 326-327)

belo/modelo (Sacros e morais, 8, p. 57-58)

carepa/decepa/trepa/increpa (Satíricos e burlescos, 148, p. 367)

merca/perca (Satíricos e burlescos, 191, p. 465)

mesma/Quaresma/resma/Ledesma (Satíricos e burlescos, 176, p. 432-433)

conheça/cessa/confessa/começa (Fúnebres, 86, p. 231-232)

decreta/Planeta/gineta (Encomiásticos, 46, p. 146)

barrete/topete/falsete/promete (Satíricos e burlescos, 199, p. 481-482)

(08)

acomoda/toda/roda (Satíricos e burlescos, 200, p. 485-486)

boda/acomoda/roda (Satíricos e burlescos, 201, p. 487-488)

modos/todos (Satíricos e burlescos, 181, p. 445)

engodos/todos/modos/apodos (Satíricos e burlescos, 201, p. 487-488)

logo/fogo/desafogo/rogo (Satíricos e burlescos, 202, p. 489-490)

hora/Aurora/namora/brilhadora (Amorosos, 112, p. 290-291)

forca/porca (Satíricos e burlescos, 191, p. 465)

andores/Menores/gritadores (Satíricos e burlescos, 157, p. 386)

adornos/contornos/cornos (Satíricos e burlescos, 185, p. 453)

sonoro/choro/foro/decoro (Fúnebres, 74, p. 206)

corroboro/sonoro/choro (Amorosos, 97, p. 258)

morro/socorro/recorro/torro (Amorosos, 98, p. 259-260)

pôs/cadoz/nós (Amorosos, 121, p. 309)

pôs/foz/voz (Satíricos e burlescos, 180, p. 442-443)

arroz/Socós/sós/catrapós (Satíricos e burlescos, 214, p. 514-515)

descose/doze/cose (Encomiásticos, 44, p. 142)

Variação e mudança na história das vogais médias tônicas do português

Os dados apresentados nas seções anteriores (2, 3 e 4) mostram os diversos casos de rima, na poesia remanescente dos séculos XV, XVI e XVII, entre vogais tônicas que, no português atual, apresentam timbres distintos.

Nesta seção, serão apresentados argumentos para defender a hipótese de que essas rimas eram perfeitas, no momento em que foram criadas, porque havia, ao que tudo indica, variação na pronúncia das vogais médias tônicas do português do passado.

O primeiro argumento a ser considerado diz respeito ao fato de a concepção de mudança trazer consigo a ideia de variação: se “toda mudança implica variabilidade e heterogeneidade” (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 126), é preciso reconhecer que as mudanças de timbre vocálico suscitadas no início deste artigo (a partir das rimas das CSM), antes de terem sido concretizadas, certamente passaram por um período de variação.

Outro ponto a ser considerado é que, embora nem todas as possibilidades de rima possam ser explicadas a partir da origem da vogal tônica (ex.: entre velho e coelho, do latim vĕtulus e cunīculus, ou entre modo e todo, do latim mŏdus e tōtus), no latim clássico, grande parte dos casos pode ser justificada por meio da etimologia (e da hipótese de mudança). Os quadros a seguir mostram exemplos de nomes e verbos, presentes nas rimas analisadas, cujas vogais tônicas, no português atual, não apresentam um timbre correspondente ao que teriam herdado do latim:

Quadro 3
– Supostas mudanças envolvendo a vogal média anterior de formas não-verbais do português

Quadro 4
– Supostas mudanças envolvendo a vogal média anterior de formas verbais do português

Quadro 5
– Supostas mudanças envolvendo a vogal média posterior de formas não-verbais do português

Quadro 6
– Supostas mudanças envolvendo a vogal média posterior de formas verbais do português

Se considerarmos a possibilidade de as pronúncias etimológicas (na segunda coluna de cada quadro) terem ocorrido, provavelmente em variação com as pronúncias fonéticas (na terceira coluna dos quadros), no português falado entre os séculos XV e XVII (inclusive nas variedades das, então, colônias portuguesas, como o Brasil), reconheceremos como perfeita grande parte das rimas arroladas neste artigo (ex.: s[e]das/mo[e]das/conc[e]das, inv[e]ja/v[e]ja/des[e]ja, naqu[e]la/v[e]-la/n[e]la, d[e]lla/estr[e]lla/donz[e]lla, estr[e]las/[e]las/quer[e]las, [e]ssa/abad[e]ssa/cond[e]ssa/prom[e]ssa, proc[e]sso/av[e]sso, po[e]tas/plan[e]tas/prof[e]tas, m[e]ta/secr[e]ta/pr[e]ta, cab[e]ça/com[e]ça/flor[e]ça, p[e]ca/s[e]ca, ch[e]ga/nav[e]ga, p[e]sa/m[e]sa/d[e]fesa/ac[e]sa, decr[e]ta/Plan[e]ta/gin[e]ta, pen[e]tra/l[e]tra, t[e]ve/d[e]ve, tem[e]r-te/conv[e]rte, f[o]ra/Aur[o]ra/Fl[o]ra, enganad[o]ra/matad[o]ra/senh[o]ra, son[o]ro/ch[o]ro/f[o]ro/dec[o]ro, melh[o]r/mai[o]r/Senh[o]r, red[o]r/Senh[o]r, esp[o]sa/ferm[o]sa/preci[o]sa, grori[o]sa/esp[o]sa/preci[o]sa, p[o]s/v[o]z, l[ͻ]go/j[ͻ]go/f[ͻ]go, ren[ͻ]vo/n[ͻ]vo, f[o]ge/h[o]je, desc[o]se/d[o]ze/c[o]se, c[o]rre/t[o]rre, soc[o]rre/t[o]rre etc.).

Com relação às mudanças concretizadas entre as formas nominais, é interessante notar que, por coincidência ou não, muitas das palavras que tiveram alterado o seu timbre vocálico, na diacronia do português, são terminadas em -o ou -a, vogais tradicionalmente apontadas como gatilho em processos de metafonia.6 6 Os estudiosos classificam a metafonia como o processo assimilatório responsável pela mudança de timbre da vogal tônica por influência de uma vogal átona, geralmente final (cf. Xavier; Mateus, 1990, p. 245). Esse tipo de coincidência pode estar indicando que o chamado processo de metafonia, embora não seja muito produtivo na maioria das variedades do português atual, teve um papel significativo em momentos passados da língua, promovendo, ao que tudo indica, variação entre vogais médias tônicas e, em alguns casos (como aqueles apontados nos quadros), mudança.

No tocante às formas verbais, os dados sugerem que as mudanças foram condicionadas pela atuação das regras de harmonização e de abaixamento vocálicos.

Segundo Mateus (1975MATEUS, M. H. M. Aspectos da Fonologia do Português. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1975., 2003MATEUS, M. H. M. A harmonização vocálica e o abaixamento de vogais nos verbos do português. In: FONSECA, F. I.; BRITO, A. M.; DUARTE, I. M.; GUIMARÃES, J. (org.). Língua Portuguesa: estruturas, usos e contrastes: volume comemorativo dos 25 anos do Centro de Linguística da Universidade do Porto. Porto: Universidade do Porto, 2003. p. 289-301.), na primeira pessoa do singular do presente do indicativo e nas formas rizotônicas do presente do subjuntivo, ocorre harmonização entre a vogal média tônica e a vogal temática dos verbos, nas três conjugações (-ar, -er, -ir). De acordo com a autora, a vogal temática, antes de ser suprimida, deixa o seu traço de altura flutuante, que se liga à vogal subespecificada (o que ocorre antes da colocação do acento). Assim, na primeira conjugação, a vogal média fica aberta (l[ε]vo, l[ε]ve, m[ͻ]ro, m[ͻ]re), por influência da vogal temática a; na segunda conjugação, a vogal média é fechada (d[e]vo, d[e]va, m[o]vo, m[o]va), por influência da vogal temática e; e na terceira conjugação, a vogal tônica torna-se alta (f[i]ro, f[i]ra, d[u]rmo, d[u]rma), por influência da vogal temática i. Há, entretanto, algumas exceções a essa regra: ch[e]go, qu[ε]ro, p[ε]ço e imp[ε]ço, por exemplo.

No que diz respeito ao abaixamento da vogal média, nas formas rizotônicas do presente do indicativo e do imperativo, Mateus (1975MATEUS, M. H. M. Aspectos da Fonologia do Português. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1975., 2003MATEUS, M. H. M. A harmonização vocálica e o abaixamento de vogais nos verbos do português. In: FONSECA, F. I.; BRITO, A. M.; DUARTE, I. M.; GUIMARÃES, J. (org.). Língua Portuguesa: estruturas, usos e contrastes: volume comemorativo dos 25 anos do Centro de Linguística da Universidade do Porto. Porto: Universidade do Porto, 2003. p. 289-301.) explica que, nos casos em que a vogal temática não é suprimida, após a colocação do acento, a vogal média recebe o traço [+baixo] (ex.: l[ε]vas, m[ͻ]ras, d[ε]ves, m[ͻ]ves, f[ε]res, d[ͻ]rmes). Cabe observar que tal regra só se aplica a vogais que não apresentem o traço [+alto] (i, u). Há, contudo, exceções envolvendo a vogal posterior: f[ͻ]ge (verbo fugir) e s[ͻ]be (verbo subir), por exemplo.7 7 Para conhecer outras propostas de análise fonológica à alternância vocálica envolvendo determinadas formas verbais do português, veja-se o trabalho de Battisti e Vieira (2005).

Os dados deste trabalho sugerem que a aplicação dessas regras de harmonização e abaixamento vocálicos é relativamente recente, na história da língua portuguesa, na medida em que, até o século XVII, pelo menos, ocorriam, ao que tudo indica, pronúncias em que o timbre da vogal média tônica do radical condizia com a quantidade herdada do latim clássico (ex.: nav[e]ga, pen[e]tra, d[e]ve etc.). É possível, por outro lado, que essas regras já estivessem começando a atuar, sobretudo a partir do século XV, gerando, assim, variações entre formas etimológicas e formas fonéticas. A mudança, contudo, ainda não estava efetivada, muito provavelmente, no século XVII.

A análise das rimas reproduzidas neste artigo também nos permite suspeitar que a variação não era sempre condicionada por processos assimilatórios: é bem provável que, após um período inicial caracterizado pela prevalência do condicionamento linguístico, a variação tenha sido difundida no léxico, tornando-se livre (ex.: merc[e] ~ merc[ε], f[e] ~ f[ε]).

Além dos argumentos apresentados até aqui, também há pronúncias atuais (etimológicas e não etimológicas) de outras línguas românicas (ex.: galego, espanhol, italiano, francês) que afiançam a possibilidade de a vogal tônica de algumas palavras, no português do passado, ter sido pronunciada com um timbre diferente daquele que conhecemos hoje. No galego em curso, por exemplo, ocorrem: mo[e]da, l[e]da(o) ~ l[ɛ]da(a), env[e]xa “inveja”, [e]la ~ [ε]la, aqu[e]la ~ aqu[ε]la, quer[e]la ~ quer[ε]la, cap[ɛ]lo ~ cap[e]lo, [e]saessa”, prom[e]sapromessa”, def[e]nsa ~ def[ɛ]nsadefesa, av[ɛ]sa(o) ~ av[e]sa(o)avessa(o), proc[ε]so ~ proc[e]soprocesso”, po[e]ta, prof[e]ta, m[e]ta, secr[e]to(a), sos[ε]go, c[ε]lo “zelo”, p[ε]rda, gob[ε]rno, ap[ε]rto, (des)conc[ε]rto, desesp[ε]ro, [ε]rro, dest[ε]rro, m[ε]smo(a), ag[o]ra, Aur[ͻ]ra ~ Aur[o]ra, h[o]ra ~ h[ɔ]ra, señ[o]rasenhora”, fl[o]ra, son[o]ro ~ son[ͻ]ro, mai[o]r, men[o]r, mell[o]rmelhor”, pe[o]rpior”, red[o]r, ferm[o]sa, glori[o]sa, preci[o]sa, f[ͻ]go ~ f[o]go, x[ͻ]go ~ x[o]gojogo”, f[ͻ]rca, ac[o]rdo ~ ac[ͻ]rdo, gr[ͻ]so, n[ͻ]vo ~ n[o]vo e arr[ͻ]z, entre as formas não-verbais, e ch[ε]ga ~ ch[e]ga, com[ε]za ~ com[e]zacomeça”, esqu[ε]za ~ esqu[e]zaesqueça”, decr[ε]ta ~ decr[e]ta, nav[e]ga ~ nav[ε]ga, enx[e]rga ~ enx[ε]rga, dec[e]pa, tr[e]pa, p[e]sa, pr[e]za, pen[e]tra, d[e]be (imperativo) “deve”, p[e]rde (imperativo), conv[e]rte (imperativo), [o]llaolha”, c[o]se (imperativo), c[o]rre (imperativo), m[o]rre (imperativo) e soc[o]rre (imperativo), entre as formas verbais.8 8 As pronúncias referentes aos não-verbos do galego são baseadas em informações disponíveis (online) no Dicionario de pronuncia da lingua galega. Já as pronúncias referentes a formas verbais flexionadas foram obtidas por meio da consulta (também online) ao Dicionario da academia galega e ao Prof. Dr. Xosé Luís Regueira, diretor do Dicionario de pronuncia da lingua galega, que respondeu, muito gentilmente, por e-mail, às nossas dúvidas sobre o galego atual. No italiano atual, merece destaque a pronúncia da vogal média tônica em: conc[ε]rto, f[o]cefoz”, v[o]cevoz”, ac[ͻ]rdo, col[ͻ]sso, entre as formas nominais, e t[o]co e t[o]ca(s), entre as formas verbais. No francês, é aberta a vogal média tônica de: v[ε]rtverde”, princ[ε]sseprincesa”, alt[ε]ssealteza”, nobl[ε]ssenobreza”, rich[ε]sseriqueza”, entre outros nomes com a terminação -esse. No espanhol, chamam a atenção, pelas diferenças em relação ao português atual, a forma verbal muevamova” e as formas nominais anilloanel”, amarilloamarelo”, pierdaperda”, acuerdo “acordo”, gruesogrosso” e nuevo “novo”.9 9 No espanhol, ocorrem os ditongos ie e ue na sílaba tônica de palavras que continham, no latim clássico, vogais médias breves anteriores (ex.: pĕtra > piedra) e posteriores (ex.: nŏvus > nuevo), respectivamente.

Ademais, dentro da própria língua portuguesa, nas diferentes variedades atuais, há dados que ratificam a hipótese de ter ocorrido variação na pronúncia das vogais médias tônicas do passado. Segundo o Portal da Língua Portuguesa, por exemplo, são comuns, em variedades do português moçambicano (inclusive na variedade padrão de Maputo), pronúncias como: v[e]lho, az[ε]da, l[ε]da, s[ε]da, ver[ε]da, def[ε]sa, desp[ε]sa, empr[ε]sa, m[ε]sa, princ[ε]sa, alt[ε]za, trist[ε]za, plan[ε]ta, [ε]le (variedade não-padrão), b[ͻ]ca, t[ɔ]da, v[ɔ]dasbodas”, past[ɔ]ra, matad[ͻ]ra, pesquisad[ͻ]ra etc. Na variedade padrão de Lisboa, de acordo com Mateus e d’Andrade (2000)MATEUS, M. H. M.; d’ANDRADE, E. The Phonology of Portuguese. Oxford: Oxford University, 2000., [ɐ] sempre substitui [e] tônico e, por vezes, [ε], diante de consoante palatal na sílaba seguinte (ex.: telha [ˡtɐ/ʎɐ], abelha [ɐˡbɐ/ʎɐ], velha [ˡvɐ/ʎɐ], fecho [ˡfɐʃu], cereja [sɨˡɾɐʒɐ], senha [ˡsɐɲɐ], venho [ˡvɐɲu]). Isso quer dizer que, enquanto, no Brasil, há uma clara distinção entre as terminações de vocábulos como velho e vermelho, por exemplo, porque apresentam vogais médias distintas, do ponto de vista fonológico (v/E/lho e verm/e/lho), em Portugal, por vezes, essa diferença não é assim tão evidente, em virtude da influência da consoante palatal (/ʎ/) da sílaba seguinte. Por último, cabe acrescentar que, embora a variação entre vogais médias tônicas não seja muito frequente nas variedades do português brasileiro atual, a flutuação pode ser observada em exemplos como: sap[ε] ~ sap[e], bl[ε]fe ~ bl[e]fe, retr[ε]te ~ retr[e]te, f[ε]cha ~ f[e]cha, pel[ε]ja ~ pel[e]ja, c[ε]dro ~ c[e]dro, esm[ε]ro ~ esm[e]ro, top[ε]te ~ top[e]te, bof[ε]te ~ bof[e]te, T[ε]jo ~ T[e]jo, p[ͻ]ça ~ p[o]ça, d[ͻ]lo ~ d[o]lo etc.10 10 A maior parte dessas variações (blefe, bofete, esmero, retrete, sapê/sapé, topete, poça) está registrada no Novo Dicionário Eletrônico Aurélio (Ferreira, 2004).

Também é importante salientar que, no português atual, existem poucos exemplos de pares mínimos envolvendo os fonemas /e/ e /ɛ/, de um lado, e /o/ e /ɔ/, de outro (cf. Wetzels, 2011WETZELS, W. L. The representation of vowel height and vowel height neutralization in Brazilian Portuguese (Southern Dialects). In: GOLDSMITH, J.; HUME, E.; WETZELS, W. L. (ed.). Tones and Features. Berlin: Walter De Gruyter, 2011. p. 331-360.). Se interpretarmos as rimas apresentadas neste artigo como um indício de variação fonética entre vogais médias (tônicas) abertas e fechadas de antanho, poderemos reconhecer que é provável que o português, em determinado momento de sua história, tenha estado próximo de adquirir uma fonologia semelhante à do espanhol, em que a distinção de timbre entre as vogais médias não é fonológica.

A partir dos argumentos expostos, é possível conceber como perfeitas as rimas dos séculos XV, XVI e XVII estudadas. De acordo com a interpretação proposta neste artigo, no momento em que essas rimas foram compostas, havia uma total coincidência entre os sons rimantes.

Em suma, pode-se dizer que as rimas dos textos poéticos abordados neste estudo permitem-nos supor que, entre os séculos XV e XVII, pelo menos, a vogal média tônica de grande parte dos vocábulos do português passava por um processo de variação (ex.: aqu[e]la ~ aqu[ε]la, estr[e]la ~ estr[ε]la, prom[e]ssa ~ prom[ε]ssa, cond[e]ssa ~ cond[ε]ssa, po[e]ta ~ po[ε]ta, plan[e]ta ~ plan[ε]ta, nav[e]ga ~ nav[ε]ga, ch[e]ga ~ ch[ε]ga, glori[o]sa ~ glori[ɔ]sa, marip[o]sa ~ marip[ɔ]sa, f[ɔ]go ~ f[o]go, l[ɔ]go ~ l[o]go). Em alguns casos, essa variação resultou em mudança (ex.: aqu[ε]la, prom[ε]ssa, po[ε]ta, nav[ε]ga, glori[ɔ]sa, f[o]go etc.). Em outros casos, apesar de envolverem, normalmente, o mesmo contexto fonético-fonológico, a variação perdeu-se, com o passar dos séculos, sem que a mudança tenha ocorrido, ou seja, apenas as variantes etimológicas sobreviveram (ex.: estr[e]la, cond[e]ssa, plan[e]ta, ch[e]ga, marip[o]sa, l[ɔ]go etc.), embora existam variedades da língua que adotem as pronúncias fonéticas, como é caso do português de Maputo, por exemplo.

Considerações finais

É conhecida, entre os estudiosos, a definição de Labov (1982LABOV, W. Building on Empirical Foundations. In: LEHMANN, W. MALKIEL, Y (org.). Perspectives on Historical Linguistics. Amsterdam; Philadelphia: John Benjamins, 1982. p. 17-92., p. 20, tradução nossa) para trabalhos desenvolvidos na área da Linguística Histórica: “a arte de fazer o melhor uso de maus dados”. Lass (1997LASS, R. Historical Linguistic and Language Change. Cambridge: Cambridge University Press, 1997., p. 45) também lança mão de uma metáfora semelhante para se referir aos estudos dedicados a períodos remotos de uma língua: “ouvir o inaudível” (tradução nossa). Essas definições representam perfeitamente os desafios enfrentados por um pesquisador que pretende investigar, por meio de dados de escrita, os antigos aspectos de uma língua.

Neste artigo, buscamos reconstruir antigas pronúncias da língua portuguesa a partir da interpretação de rimas poéticas remanescentes dos séculos XIII, XV, XVI e XVII. Ampararam essa interpretação informações sobre a origem histórica das vogais rimantes e sobre as pronúncias atuais do português (em suas diferentes variedades) e de outras línguas românicas. Esses recursos, se considerados isoladamente, poderiam induzir a conclusões equivocadas.

Não se pode, por exemplo, pautar uma pesquisa sobre vogais médias (tônicas), do português ou de qualquer outra língua românica, apenas em informações etimológicas, sobretudo porque, em muitos casos, não há um consenso entre os estudiosos sobre qual teria sido, de fato, a quantidade da vogal latina.11 11 Constatamos, durante esta pesquisa, que Saraiva (2006) e A. G. Cunha (2010) divergem muitas vezes em relação à quantidade da vogal média tônica no latim (ex.: regra, pele, belo, festa, fresta, neta, reto, morto, torto, porto, grosso etc.). Em geral, enquanto, para Saraiva (2006), a vogal média tônica dos substantivos (divergentes) provém de uma vogal média longa do latim, para A. G. Cunha (2010), no latim clássico, a vogal média tônica desses nomes era breve. Se, por um lado, as propostas de A. G. Cunha (2010) têm respaldo na manifestação atual dessas vogais, na maior parte das línguas românicas (e é possível que isso tenha influenciado as propostas de Cunha), por outro lado, as propostas de Saraiva (2006) são capazes de justificar, com base na hipótese de mudança, mais rimas do passado. É importante esclarecer que, nos quadros apresentados na seção anterior, foram arrolados somente exemplos em que as etimologias propostas por A. G. Cunha (2010) e por Saraiva (2006) são coincidentes. Como a reconstrução da quantidade é feita, em geral, a partir da observação dos resultados gerados nas diferentes línguas românicas, a falta de uma regularidade entre alguns desses resultados acaba por dificultar o trabalho dos estudiosos, já que há muitos exemplos em que uma mesma raiz latina originou fonemas diferentes, em cada uma das línguas românicas (ex.: m[e]smo, no português; mismo, no espanhol; m[ε]smo, no galego; amar[ε]lo, no português; amarillo, no espanhol) - ou até dentro de uma mesma língua, nos casos em que uma única raiz deu origem a mais de um vocábulo, como em segr[e]do e secr[ε]to (do lat. secrētus), por exemplo, ou em av[e]ssso e adv[ε]rso (do lat. advērsus, segundo Saraiva, 2006SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006.), no português atual.

É preciso considerar, também, o fato de que nem todos os vocábulos que compõem o léxico do português (e das línguas românicas, em geral) provêm das transformações do latim vulgar: há palavras que entraram para o vocabulário mais recentemente, por via erudita (como empréstimo direto do latim clássico) ou por empréstimos de outras línguas (românicas ou não). Nesses casos, a quantidade da vogal latina não exerceu influência direta na pronúncia da vogal média tônica (inclusive porque o latim já não existia como língua falada). Em outras palavras, se um item lexical não percorreu a trajetória que conduziu, ao longo de séculos de mudança, do latim ao português, não se pode dizer que o timbre de sua vogal tônica seja, de fato, baseado (naturalmente) na pronúncia do latim.

Somente o recurso (isolado) a pronúncias atuais do português ou de outras línguas românicas, sem qualquer consulta a dados históricos, também não seria suficiente para interpretar as rimas do passado, porque não levaria em consideração o fato de que as línguas mudam, com o passar do tempo. Tampouco seria eficaz uma interpretação das rimas fundamentada em dados atuais de apenas uma língua românica, pois foi o conjunto dos exemplos que ajudou a reforçar a hipótese de algumas línguas preservarem, atualmente, pronúncias que, no passado, também podem ter ocorrido no português.

A abordagem exclusiva de qualquer um desses tópicos forneceria, pois, um quadro limitado dos fatos e levaria à constatação de que as rimas abordadas neste artigo são, como concluíram estudos anteriores, imperfeitas.

A interação de perspectivas, contudo, não apenas permitiu que se considerassem perfeitas as rimas analisadas, como também ressaltou a ideia de variação e mudança, que permeia este trabalho. Afinal, o estranhamento (atual) a essas rimas que, no passado, foram, possivelmente, perfeitas, sugere, antes de tudo, que algo mudou, comprovando que é insustentável a ideia de que as línguas estejam imunes à ação do tempo. Além disso, se algo mudou, podemos dizer que, antes de mudar, passou por um processo de variação, já que é ingênuo acreditar que as mudanças linguísticas ocorrem instantaneamente.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP) pelo apoio financeiro concedido à pesquisa de Pós-Doutorado que deu origem a este artigo (processo 2014/14516-1).

REFERÊNCIAS

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  • XAVIER, M. F.; MATEUS, M. H. M. (org.). Dicionário de termos linguísticos. Lisboa: Cosmos, 1990. v. 1.
  • 1
    Os dados oriundos da vertente portuguesa da poesia seiscentista foram divulgados e discutidos em artigo publicado pela Revista ALFA (Fonte; Massini-Cagliari, 2021FONTE, J. S.; MASSINI-CAGLIARI, G. As vogais médias tônicas do português do século XVII a partir das rimas do cancioneiro barroco A Fénix Renascida. Alfa, São Paulo, v.65, e12503, p. 1-31, 2021.).
  • 2
    Para facilitar a interpretação dos dados, destacamos em azul, nessas e nas demais listas de exemplos apresentadas neste artigo, todos os vocábulos que são pronunciados, no português atual, com vogal média aberta, na sílaba tônica.
  • 3
    Todas as informações sobre a origem histórica das palavras, neste texto, estão baseadas nos dicionários de Corominas (1961)COROMINAS, J. Breve diccionario etimológico de la lengua castellana. Madrid: Gredos, 1961., A. G. Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. e Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006..
  • 4
    Os dados destacados em negrito, nesses e nos demais exemplos apresentados neste artigo, correspondem a terminações que também constituem rimas entre vogais médias abertas e fechadas (segundo os parâmetros atuais) nas demais obras poéticas abordadas neste estudo.
  • 5
    Como Fonte (2014)FONTE, J. S. As vogais na diacronia do português: uma interpretação fonológica de três momentos da história da língua. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. trabalhou com a primeira edição (1572) de Os Lusíadas, a grafia dos dados corresponde exatamente à que foi empregada na época, ou seja, não há adaptações ortográficas como as que verificamos para o CG, na edição de Dias (1990-1993). Por isso, a grafia adotada para as formas verbais acompanhadas de clíticos não corresponde à grafia atual, nos dados arrolados em (05): socorrella (socorrê-la), vencella (vencê-la), perdella (perdê-la), regelos (regê-los) etc.
  • 6
    Os estudiosos classificam a metafonia como o processo assimilatório responsável pela mudança de timbre da vogal tônica por influência de uma vogal átona, geralmente final (cf. Xavier; Mateus, 1990XAVIER, M. F.; MATEUS, M. H. M. (org.). Dicionário de termos linguísticos. Lisboa: Cosmos, 1990. v. 1., p. 245).
  • 7
    Para conhecer outras propostas de análise fonológica à alternância vocálica envolvendo determinadas formas verbais do português, veja-se o trabalho de Battisti e Vieira (2005)BATTISTI, E.; VIEIRA, M. J. B. O sistema vocálico do português. In: BISOL, L. Introdução a estudos de Fonologia do Português Brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p. 171-206..
  • 8
    As pronúncias referentes aos não-verbos do galego são baseadas em informações disponíveis (online) no Dicionario de pronuncia da lingua galega. Já as pronúncias referentes a formas verbais flexionadas foram obtidas por meio da consulta (também online) ao Dicionario da academia galega e ao Prof. Dr. Xosé Luís Regueira, diretor do Dicionario de pronuncia da lingua galega, que respondeu, muito gentilmente, por e-mail, às nossas dúvidas sobre o galego atual.
  • 9
    No espanhol, ocorrem os ditongos ie e ue na sílaba tônica de palavras que continham, no latim clássico, vogais médias breves anteriores (ex.: pĕtra > piedra) e posteriores (ex.: nŏvus > nuevo), respectivamente.
  • 10
    A maior parte dessas variações (blefe, bofete, esmero, retrete, sapê/sapé, topete, poça) está registrada no Novo Dicionário Eletrônico Aurélio (Ferreira, 2004)FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2004..
  • 11
    Constatamos, durante esta pesquisa, que Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. e A. G. Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. divergem muitas vezes em relação à quantidade da vogal média tônica no latim (ex.: regra, pele, belo, festa, fresta, neta, reto, morto, torto, porto, grosso etc.). Em geral, enquanto, para Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006., a vogal média tônica dos substantivos (divergentes) provém de uma vogal média longa do latim, para A. G. Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010., no latim clássico, a vogal média tônica desses nomes era breve. Se, por um lado, as propostas de A. G. Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. têm respaldo na manifestação atual dessas vogais, na maior parte das línguas românicas (e é possível que isso tenha influenciado as propostas de Cunha), por outro lado, as propostas de Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. são capazes de justificar, com base na hipótese de mudança, mais rimas do passado. É importante esclarecer que, nos quadros apresentados na seção anterior, foram arrolados somente exemplos em que as etimologias propostas por A. G. Cunha (2010)CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. e por Saraiva (2006)SARAIVA, F. R. dos S. Novíssimo Dicionário Latino-Português: etimológico, prosódico, histórico, geográfico, mitológico, biográfico, etc. 12. ed. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2006. são coincidentes.
  • Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP) pelo apoio financeiro concedido à pesquisa de Pós-Doutorado que deu origem a este artigo (processo 2014/14516-1).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2022
  • Aceito
    23 Dez 2022
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