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EM PROL DA DIFUSÃO DO SABER CIENTÍFICO

Um dos fundamentos da prática científica é o compromisso com a difusão do conhecimento que ela produz. Existe consenso sobre o valor desse princípio – não há sentido em gerar conhecimento que não seja divulgado, publicizado e colocado em diálogo com a comunidade. Nesse movimento temos a medida do seu impacto, pelo que vem somar e desenvolver em relação às bases já estabelecidas, pelo que vem desafiar e renovar essas mesmas bases.

Essa avaliação coletiva é etapa que só ocorre porque existe uma intrincada estrutura, intermediária entre o cientista e seu leitor/destinatário, que viabiliza esse contato. Ela congrega indivíduos comprometidos com o desempenho de funções diversas – editores, pareceristas, revisores, tradutores, bibliotecários, técnicos em informação – que mobilizam saberes técnicos e acadêmicos num trabalho coletivo e articulado. Sem essa teia, os resultados das pesquisas não chegariam até seu destino de direito (e dever). Ou chegariam sem a chancela de qualificação que a estrutura de edição assegura.

Quero destacar a atuação inestimável dos pareceristas, cujo trabalho é o cerne desse processo. Em artigo recentemente publicado em Career Column , blog da revista Nature, Mathew Stiller-Reeve fala sobre como elaborar um parecer completo e efetivo ( STILLER-REEVE, 2018STILLER-REEVE, M. How to write a thorough peer review. 2018. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/d41586-018-06991-0>. Acesso em: 27 out. 2018.
https://www.nature.com/articles/d41586-0...
). O autor oferece um conjunto de recomendações práticas para guiar sobretudo os iniciantes nessa atividade. A descrição diz bem do trabalho que nossos pares, generosamente, têm realizado, emprestando sua expertise e experiência para medir a qualidade das propostas subjacentes aos manuscritos submetidos e do modo como vêm expressas.

Ao apresentar este número 3 do volume 62, a nossa última edição de 2018, quero ressaltar o trabalho voluntário, comprometido e extremamente competente do corpo de pareceristas que compõem a equipe da Alfa. Se, como afirmam McPeek et al. (2009McPEEK, M. A.; DeANGELIS, D. L; SHAW, R. G.; MORRE, A. J.; RAUSHER, M. D.; STRONG, D. R.; ELLISON, A. M.; BARRETT, L.; RIESEBERG, L.; BREED, M. D.; SULLIVAN, J.; OSENBERG, C. W.; HOLYOAK, M.; ELGAR, M. A. The Golden Rule of Reviewing. The American Naturalist , v.173, n.5, p. 156-158, 2009. , p.157), a atividade de avaliação por pares tem uma “natureza reciprocamente altruísta”, nossa equipe segue à risca aquilo que os autores definiram como a “regra de ouro” dessa atividade: “avalie para os outros como você gostaria que os outros avaliassem para você” ( MCPEEK et al., 2009McPEEK, M. A.; DeANGELIS, D. L; SHAW, R. G.; MORRE, A. J.; RAUSHER, M. D.; STRONG, D. R.; ELLISON, A. M.; BARRETT, L.; RIESEBERG, L.; BREED, M. D.; SULLIVAN, J.; OSENBERG, C. W.; HOLYOAK, M.; ELGAR, M. A. The Golden Rule of Reviewing. The American Naturalist , v.173, n.5, p. 156-158, 2009. , p.157).

A presente edição mantém o caráter abrangente e representativo das reflexões de vanguarda nos estudos linguísticos que define a missão da Alfa. Oito artigos a compõem.

Os dois primeiros se situam no âmbito do discurso e do texto. Glushkova analisa o discurso científico-político-empresarial, tipo de discurso que se constitui a partir do diálogo do discurso científico com outras esferas de atividade. Sua abordagem comparativa entre as realidades brasileira e russa tanto vem validar o próprio modelo de análise embasado nos estudos bakhtinianos, como revelar semelhanças entre realidades em princípio distantes e diversas. O segundo estudo, de Biar e Pinheiro, também explora o discurso político, mas para investigar processos de construção de sentido ali presentes. Tomando como corpus discursos de Fernando Collor de Mello durante a campanha presidencial de 1989, os autores se valem da Teoria da Mesclagem Conceptual para analisar o papel argumentativo de estratégias textuais como o emprego de paralelismos sintáticos.

O trabalho de Oliveira, por sua vez, tem como objetivo principal avaliar a relevância e adequação do uso do método de Análise das Redes Sociais de Interação como instrumento para uma descrição da realidade sociolinguística. A autora defende que esse método fornece uma descrição mais completa que aquela possível por meio do controle de macrocategorias sociais, tal como previsto no modelo clássico da Sociolinguística. O estudo testa o método pela sua aplicação no mapeamento da fala de adolescentes moradores de um distrito rural da cidade de Londrina-Paraná, mostrando os ganhos que pode trazer para a compreensão de processos de manutenção e mudança linguística.

O quarto artigo explora um material tão rico como ainda não esgotado – o que se considera a maior obra de Raphael Bluteau, seu Vocabulario Portuguez, e Latino . Bluteau foi um dos mais importantes lexicógrafos portugueses; seu Vocabulario foi o primeiro do gênero construído a partir de um corpus de referência ( MURAKAWA, 2007MURAKAWA, C. de A. A. D. Raphael Bluteau: marco na lexicografia portuguesa de setecentos. In: MURAKAWA, C. de A. A.; GONÇALVES, M. F. (Orgs.). Novas contribuições para o estudo da história e da historiografia da língua portuguesa . São Paulo: Cultura Acadêmica, 2007. p.159-188. ). Da obra, Lopes e Cabral inventariam e analisam os brasileirismos ameríndios de base Tupí, do ponto de vista etimológico e quanto a sua estrutura léxico-gramatical, sistematizando-os, ainda, com base nos campos semânticos em que se inserem.

Em um estudo que tem como pano de fundo a interface entre a linguística e a computação, Rassi, Baptista, Vale e Mamede apresentam uma metodologia para a integração de construções com verbo-suporte do português brasileiro no analisador sintático automático XIP. O desafio de instrumentalizar os processadores automáticos de língua natural para a correta identificação e interpretação desse tipo de construção surge de seu comportamento sintático-semântico diferenciado frente às construções correspondentes com verbo pleno. A proposta metodológica resulta da análise de um conjunto robusto de dados de construções com o verbo suporte dar a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da Léxico-Gramática.

Moura e Miliorini retomam um tema caro às discussões sobre a estrutura sintática das línguas – a distinção entre argumentos e adjuntos no âmbito da complementação verbal. Os autores têm por objetivo avaliar os principais testes sintático-semânticos propostos na literatura para permitir estabelecer essa distinção. Focalizando construções que envolvem principalmente os papeis temáticos de benefactivo e de locativo, por poderem ocorrer tanto com argumentos internos como adjuntos, os autores concluem pela inconsistência da maioria dos testes analisados, exceção feita ao teste de ‘retomada anafórica’.

Da sintaxe para a fonologia, articulada ao processo de aquisição da linguagem. Oliveira e Berti apresentam um estudo sobre a produção dos padrões silábicos de tipo CCV e CV em crianças com desenvolvimento fonológico típico e atípico. A análise por oitiva, por medidas acústicas e ultrassonográficas dos dados de dez crianças apontou diferentes características nas sílabas produzidas, indicando que as crianças com desenvolvimento típico estão mais próximas da produção-alvo para esses padrões silábicos.

Encerrando esta edição, trazemos um estudo situado em uma área que é hoje fronteira do conhecimento linguístico – a Linguística das Línguas de Sinais. Mertzani examina a iconicidade diagramática da forma de mão Y em dados de duas línguas de sinais não-cognatas – a língua de sinais americana e a língua de sinais grega, identificando uma associação entre a forma de mão e referentes do mundo real.

Em um mundo em que a informação parece ser e estar muito facilmente acessível, cada vez mais é necessário que tenhamos critérios e instrumentos para avaliar a qualidade da informação que circula. Reiteramos aqui o compromisso da Alfa de continuar a servir de canal para a difusão da pesquisa séria, idônea, eticamente fundada, solidamente fundamentada e inovadora.

A todos proveitosas leituras-diálogos!

REFERÊNCIAS

  • McPEEK, M. A.; DeANGELIS, D. L; SHAW, R. G.; MORRE, A. J.; RAUSHER, M. D.; STRONG, D. R.; ELLISON, A. M.; BARRETT, L.; RIESEBERG, L.; BREED, M. D.; SULLIVAN, J.; OSENBERG, C. W.; HOLYOAK, M.; ELGAR, M. A. The Golden Rule of Reviewing. The American Naturalist , v.173, n.5, p. 156-158, 2009.
  • MURAKAWA, C. de A. A. D. Raphael Bluteau: marco na lexicografia portuguesa de setecentos. In: MURAKAWA, C. de A. A.; GONÇALVES, M. F. (Orgs.). Novas contribuições para o estudo da história e da historiografia da língua portuguesa . São Paulo: Cultura Acadêmica, 2007. p.159-188.
  • STILLER-REEVE, M. How to write a thorough peer review. 2018. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/d41586-018-06991-0>. Acesso em: 27 out. 2018.
    » https://www.nature.com/articles/d41586-018-06991-0

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018
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