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A presença do Brasil e da América Hispânica nos Congressos da Associação Internacional de Literatura Comparada* * Os dados utilizados no presente texto foram extraídos dos Anais dos Congressos da AILC, na Biblioteca Central da Universidade de Illinois, em Urbana/Champaign (EUA), onde lecionei cursos para o Mestrado e Doutorado, no ano acadêmico de 2011-2012, na qualidade de Distinguished Visiting Professor. Registro aqui meus agradecimentos a essa universidade, que me facilitou o acesso ao material.

Brazil's and Hispanic America's Presence in International Comparative Literature Association Conferences

RESUMO

Este trabalho aborda a relevância da ampliação do campo de estudo da Literatura Comparada no século XX no Ocidente, que se consolidou com a fundação da Associação Internacional de Literatura Comparada (AILC/ICLA). Esta, por meio de congressos realizados tanto na Europa quanto na América do Norte, conseguiu reunir pesquisadores de diversas partes do globo e lançar as bases para a difusão de diretrizes e o aprofundamento de trabalhos relativos a este âmbito do saber. Redefinindo problemas e ampliando visões de mundo com colaborações de alcance internacional, tanto ligadas ao ensino quanto à análise de métodos utilizados pela disciplina, a AILC/ICLA colaborou para um intercâmbio entre as mais variadas nações e a inclusão de uma pluralidade de olhares. A despeito das polêmicas suscitadas (historicistas versus formalistas), que deram origem às chamadas “escola francesa” e “escola americana”, bem como a tímida participação de estudiosos oriundos da América Latina, é importante destacar a atuação dos teóricos hispano-americanos e brasileiros, que desempenharam e desempenham um papel sobremaneira relevante, mas nem sempre reconhecido, para a compreensão da disciplina. Desse modo, esta pesquisa busca lançar luz sobre o universo da teoria e crítica literária produzida no contexto latino-americano, fazendo justiça àqueles que atuam neste espaço geográfico e que têm prestado contribuição, através de publicações, criação de cursos de pós-graduação, congressos ou diversas associações pioneiras e longevas (como a ABRALIC e a AALC) ao desenvolvimento dos estudos comparatistas, em plena conformidade com o espírito transnacional e transcultural que é a principal marca da disciplina, sobretudo na contemporaneidade.

Palavras-chave:
Literatura Comparada; estudos literários; crítica literária; América Latina; teoria literária contemporânea

ABSTRACT

This essay deals with the relevance of the enlargement of Comparative Literature’s field of studies in the West throughout the 20th century, which was consolidated with the founding of the International Comparative Literature Association (ICLA). Through conferences held both in Europe and in North America, this association has managed to gather researchers from different parts of the world as well as to lay the grounds for the dissemination of lines of action and of the increase of works related to this field of knowledge. By redefining problems and broadening world views in face of international collaboration, both linked to the teaching and analyzing of the discipline’s methods, the ICLA played an important role in the interchange of ideas among a myriad of nations. Despite controversies (between historicists vs. formalists), which resulted in a division between the so-called “French” and “American” schools, as well as the modest participation of Latin American scholars in the association, it is important to highlight the role that both Brazilian and Spanish-Americans had in the development of the discipline. This study is intended to shed some light on the cadre of literary theory and criticism produced in Latin America, and to do justice to those who have contributed to the discipline’s expansion, in conformity with the transnational and transcultural spirit that is perhaps its main trait, especially in contemporary times.

Keywords:
Comparative Literature; literary studies; literary criticism, Latin America; contemporary literary theory

Com a ampliação do número de cátedras de Literatura Comparada na Europa Ocidental e na América do Norte, bem como com o surgimento de revistas, bibliografias especializadas, e, inclusive, manuais de ensino da disciplina, surgiu, em meados do século XX, a necessidade de criação de um fórum para que se debatessem periodicamente os principais rumos e tendências que a disciplina vinha apresentando e as diretrizes que se deveriam tomar em seu ensino nos principais centros acadêmicos onde se desenvolviam pesquisas na área. Assim, em um Congresso realizado na Universidade de Oxford (Inglaterra), em 1954, organizado pela Federação Internacional de Línguas e Literaturas Modernas (FILLM), foi fundada a Associação Internacional de Literatura Comparada, a AILC/ICLA1 1 A associação tem essa sigla como referência aos seus dois idiomas oficiais: o francês e o inglês. , que irá consolidar sua criação no ano seguinte, 1955, em seu primeiro Congresso, localizado na cidade de Veneza (Itália).2 2 Na verdade, desde 1900 já se faziam reuniões de especialistas de Literatura Comparada e, a partir de 1928 houve grandes tentativas de criação de uma associação internacional para congregar esses especialistas, mas é só em 1954 que a ideia se concretizará. Durante esse evento, organizado por Carlos PellegriniPELLEGRINI, Carlo (ed.). Venezie nelle Letterature Moderne. Atti del Primo Congresso dell’Associazione Internazionale di Letteratura Comparata. Venezia;Roma: Istituto per la Collaborazione Culturale, 1961., que teve como título “Venezia nelle Letterature Moderne”, e esteve voltado principalmente para o papel que a cidade sede desempenhou na literatura, sobretudo moderna, foram discutidos e aprovados os estatutos da Associação, e estabelecido que esta realizaria, a cada três anos, um Congresso, em universidade diferente do globo, onde houvesse estudos desenvolvidos de Literatura Comparada.

Embora o Congresso de Veneza se tenha voltado mais especificamente para o tópico proposto e se tenha restringido, por razões de ordem financeira e prática, a pesquisadores radicados na Europa, seu objetivo maior foi plenamente alcançado, e sua repercussão, altamente favorável, constituiu forte estímulo para a realização do Segundo Congresso da Associação, que teve lugar, em 1958, na cidade universitária estadunidense de Chapel Hill, na Carolina do Norte. Agora, com mais recursos, obtidos graças aos esforços do comparatista suíço Werner FriederichFRIEDERICH, Werner (ed.). Comparative Literature. Proceedings of the Second Congress of the International Comparative Literature Association. Chapel Hill, NC: UNC Studies in Comparative Literature , 1959., radicado, como muitos outros europeus, no pós-guerra, nos Estados Unidos, o Congresso contou com significativa representação de professores e pesquisadores do mundo euro-norte-americano e ainda de outras partes, perfazendo um total de vinte nações diferentes de quatro dos cinco continentes. Dividido em cinco grandes seções - “Dimensões e Metodologia da Literatura Comparada”, “Movimentos, Temas e Gêneros Especiais”, “Relações Europa/ América”, “Literatura de Emigração” e “Relações Inter-Europeias” - com mesas plenárias e comunicações, o Congresso teve como uma de suas principais preocupações a discussão e redefinição de problemas ligados ao ensino da Literatura Comparada em diferentes países, e a indagação sobre a eficácia dos métodos empregados pela disciplina para um enriquecimento mútuo dos indivíduos e um intercâmbio mais atuante entre as diversas nações.

Entretanto, a despeito da importância dos temas tratados, nos quais se percebe um forte sentido humanístico, o Congresso destacou-se particularmente pela polêmica que desencadeou entre duas grandes correntes do comparatismo - os historicistas, de um lado, que abordavam o fenômeno literário a partir do contexto histórico-cultural em que a obra surgia, e os formalistas, influenciados pelas novas correntes estético-filosóficas, de cunho imanentista, que defendiam a primazia do texto literário, relegando a um segundo plano o contexto de sua produção. Na verdade, essas duas tendências correspondem a dois momentos distintos na evolução da disciplina, e se constituíam a primeira de pesquisadores franceses ou radicados na França que introduziram o comparatismo no meio acadêmico, e a segunda de estudiosos de universidades norte-americanas, muitos deles emigrantes europeus, que clamavam a necessidade de reformulação da área. Mas o resultado foi uma cisão entre os dois grupos, que deu origem ao que passou a ser conhecido como “escolas” do comparatismo, definidas pelos pátrio-gentílicos do local onde se desenvolveram: “escola francesa” e “escola americana” de Literatura Comparada.

Embora tanto no Brasil quanto na América Hispânica já existissem estudos de Literatura Comparada, realizados muitas vezes por grandes nomes da esfera da Crítica e da Historiografia literária, como Antonio Candido, Afrânio Coutinho, Eugênio Gomes, Augusto Meyer e Tasso da Silveira3 3 Tasso da Silveira veio, inclusive, a publicar, mais tarde, em 1964, um manual da disciplina, à maneira dos franceses, de Van Tieghem (1931) e de Guyard (1951), mantendo até o mesmo título genérico de Literatura Comparada. , entre os primeiros, e Ángel Rama, Rodríguez Monegal, Estuardo Núñez e Fernández Retamar, entre os segundos, a presença de estudiosos desse universo no Congresso de Chapel Hill foi muito tímida, limitando-se a dois expoentes dos estudos literários no México e na Argentina. Em um texto incluído na seção “Scope and Methodology of Comparative Literature”, Guillermo de Torre, após afirmar, de modo bastante procedente, que a “literatura comparada não é substancialmente outra coisa senão um “diálogo de literaturas’”, e que é na América que ele se manifesta mais intensamente, discorre sobre as relações literárias entre a Hispano-América e a Europa Ocidental, chamando atenção para a desigualdade existente entre os dois contextos. Na mesma esteira, mas com base sobre a produção literária dos espanhóis que se refugiaram no México em função da guerra civil de 1936-39, Antonio Alatorre, do Colégio do México, discute, no texto “Literatura de la emigración republicana española en México”, da seção “Literature of Emigration”, a “literatura de emigração” em três de seus aspectos - o afastamento do escritor de sua pátria de origem e sua adaptação à nova terra; a repercussão de sua obra na terra que o acolheu; e a ressonância desta mesma obra no país de origem.

Além dos dois textos mencionados, houve outros, de estudiosos de universidades norte-americanas, em que a literatura hispano-americana é abordada, mas apenas em um deles ela aparece como foco da discussão: o texto “Literary Characters and their Subterranean Sources: the Amazon Type in Literature”, de Helen Adolf, da Pennsylvania State University. Nos demais, ela figura apenas no processo da comparação, como em “Heine and Spanish-American Modernism”, de John E. Englekirk, de Los Angeles, e “The Influence of Thomas Paine in the United States, England, France, Germany, and South America”, de Alfred Owen Aldridge, de Maryland, por sinal um nome de destaque no comparatismo internacional.

Nos Congressos que se seguiram, a presença da literatura brasileira permaneceu praticamente nula e a da hispano-americana bastante reduzida. No terceiro, realizado em Utrecht (Holanda), sob a organização geral de W.A.P. Smit, em 1961SMIT, W.A.P. (ed.). Proceedings of the IIIrd Congress of the International Comparative Literature Association. Haia: Mouton & Co. Publishers, 1962., e que teve como uma de suas principais preocupações a criação de um dicionário internacional de termos literários, não há, em seus anais, registro de nenhum professor ou pesquisador brasileiro nem hispano-americano. Há apenas um trabalho, de caráter comparatista, do já citado Owen Aldridge, com o título “The Brazilian Maxim and its Relations with Other Literatures”. No entanto, em um dos discursos pronunciados logo após a seção de abertura, faz-se menção à necessidade de se ampliar a colaboração com estudiosos de outros países, dentre os quais os da América Latina.4 4 Os termos “América Latina” e “latino-americano” são empregados neste ensaio não como sinônimos de “América Hispânica” e “hispano-americano”, mas com o objetivo claro e mais amplo de incluir o Brasil. No quarto Congresso, ocorrido em Friburgo (Suíça) em 1964JOST, François (ed.). Actes du IVè Congrès de l’Association Internationale de Littérature Comparée. Haia; Paris: Mouton & Co., 1966., sob a organização de François Jost, com o título “Nationalisme et cosmopolitisme en littérature”, e dois temas - o primeiro que dá título ao evento e o segundo intitulado “Termes et notions littéraires: imitation, influence, originalité”, tampouco se verifica a participação de nenhum brasileiro, mas há um argentino, Héctor Ciocchini, que apresenta a comunicação “Papel de las elites en el fenómeno pan-europeo”, na seção “Le cosmopolitisme littéraire”, uma das subdivisões do primeiro tema, e o pesquisador radicado em universidade norte-americana, José de Onís, que apresenta o texto “Messianic Nationalism in the Literature of the Americas: Melville and the HIspanic World”, na seção “Le nationalisme littéraire”, outra das subdivisões do primeiro tema. Neste Congresso houve ainda um simpósio, que constituiu uma seção à parte, mas todo ele voltado para as literaturas do Extremo Oriente e suas relações com as Literaturas Europeias.

O quinto Congresso, organizado por N. BanasevicBANASEVIC, Nikola (ed.). Actes du Vè Congrès de l’Association Internationale de Littérature Comparée. Amsterdam: Swets & Zeitlinger, 1969., e que teve lugar em Belgrado (Iugoslávia), em 1967, - pela primeira vez no leste europeu - tampouco contou com a participação de nenhum brasileiro e, neste caso, também de nenhum hispano-americano. O evento foi dividido em três grandes seções, com os temas “Les courants littéraires en tant que phenomènes internationaux”, “Littérature orale et littérature écrite” e “Les littératures slaves et leurs interprétations dans les autres littératures”, e dois simpósios, o primeiro com o mesmo tema da primeira seção, e o segundo, mais específico, sobre o Expressionismo como fenômeno internacional, mas em nenhum deles se verificou algum trabalho que explorasse, ainda que apenas em termos comparativos, a produção literária da América Latina. Neste Congresso, foi apresentado e aprovado também um projeto de criação de uma História da Literatura Europeia, que não só foi realizado com grande sucesso mais tarde, como deu margem a diversos outros na mesma linha, que vieram a se concretizar em momentos posteriores.5 5 Um dos projetos daí derivados e de interesse especial para os latino-americanos é o que se realizou na Universidade de Toronto (Canadá), sob a direção de Mario Valdés e Djelal Kadir, e que foi publicado em três volumes em 2004, com o título de Literary Cultures of Latin America: A Comparative History (Oxford: Oxford University Press, 2004).

O sexto Congresso, realizado em Bordeaux (França) em 1970ESCARPIT, Robert (ed.). Actes du VIè Congrès de l’Association Internationale de Littérature Comparée. Stuttgart: Erich Bieber, 1975., sob a organização de Robert Escarpit, foi dividido em quatro seções - “Littérature et société”, “Les littératures du monde méditerranéen”, “Les relations littéraires Europe-Afrique” e “Les relations littéraires Orient-Occident - , seguidas de uma seção especial em que se apresentaram relatórios dos projetos criados em eventos anteriores: o do “Dictionaire international des termes littéraires” e o de “Histoire comparée des Littératures de langues européennes”. E aqui também, ao contrário do que se esperaria em um Congresso ocorrido na França, não há registro de participantes do Brasil nem da América Hispânica, mas apenas uma comunicação, de Owen Aldridge, com o título de “The Vogue of Thomas Paine in Argentina”.

Foi no Congresso seguinte, o sétimo da Associação, organizado por Eva Kushner e Milan DimicKUSHNER, Eva; DIMIC, Milan (eds.). Literatures of America: Dependence, Independence, Interdependence. Proceedings of the 7th Congress of the International Comparative Literature Association. Stuttgart: Erich Bieber , 1979., que pela primeira vez se verificou uma participação mais expressiva de estudiosos latino-americanos, bem como de um número mais representativo de textos sobre a literatura dos países do continente. E tal pode ser atribuído, talvez, ao fato de que este Congresso, realizado em 1973 no Canadá, nas cidades de Montreal e Otawa, teve como tema geral “Literatures of America: Dependence, Independence, Interdependence”, com duas de suas subseções dedicadas à produção literária latino-americana: “The Rise of Latin American Literature”, uma das subdivisões da primeira seção “The Rise of American Literatures”, e “Latin American Literatures”, parte da segunda seção, intitulada “European Influence on Latin American Literature”. Neste evento, que marcou, segundo a professora e pesquisadora Eva Kushner, a entrada das literaturas latino-americanas na órbita do Comparatismo, o Brasil esteve representado por um de seus maiores críticos, Antonio Candido, que apresentou o texto “Le roman latino-américain et les novateurs brésiliens”, em que critica a dicotomia entre realismo e fantasia, mostrando como esses dois elementos se complementam, ao invés de antagonizar-se, na literatura brasileira. Mas a produção literária do Brasil esteve presente também nas apresentações de E. Wenzel White, “Le surréalisme au Brésil”; J.B. Rudnyackyj, “Canadian and Argentine-Brazilian Novels on Ukrainian Pioneers”; e J. M. Massa, “La structure du récit dans les oeuvres indianistes du Brésil au XIXè siècle”.

Do mesmo modo, a América Hispânica achou-se bem representada no Congresso pelas figuras de Ángel Rama, com dois textos seminais - “Um processo autonómico: de las literaturas nacionales a la literatura latino-americana”, em que o autor discute aspectos que considera fundamentais na nova narrativa da América Latina, como suas relações com outras manifestações culturais e a forma de apropriação de culturas estrangeiras, e “Formation du roman et modèles narratifs en Amérique Latine”, em que focaliza mais especificamente o gênero romanesco dentro desse quadro; Emir Rodríguez Monegal, com “A Game of Shifting Mirrors: The New Latin American Narrative and the North American Novel”, em que discorre sobre a influência já recíproca àquela época de uma literatura sobre a outra, e “The New Latin American Novel”, em que faz uma espécie de apologia da nova literatura latino-americana e chama atenção para a necessidade de sua maior divulgação no contexto norte-americano; e finalmente Roberto Fernández Retamar, com o texto “El papel de las vanguardias en la história de la literatura”, em que desenvolve uma instigante reflexão sobre o papel das vanguardas na América Hispânica e no Brasil”. Além disso, houve ainda um bom número de textos em que a literatura hispano-americana se faz presente, seja como eixo central, como em “L’investigation de la littérature latino-américaine et les méthodes comparatistes”, de Adalbert Dessau; “Tirano Banderas and El señor Presidente: Two Tyrants and Two Visions”, de Susan Kirkpatrich; “Surrealism in the Essays of Octavio Paz”, de Eugenia V. Osgood; “A Search for Identity: The Adolescent in the Spanish American Novel”, de Vivian Gruber; e “Reasons and Characteristics of Faulkner’s Influence on Juan Carlos Onetti, Juan Rulfo and Gabriel García Márquez”, de Katalin Kulin, seja dentro do processo da comparação, como em “”Balzac and the Latin American Novel”, de Carey A. Taylor; “Octavio Paz, Stephen Spender et le mythe de la ‘mémoire poétique’”, de Hans-George Ruprecht; e “Trois arts poétiques modernes: Francis Ponge, Wallace Stevens et Octavio Paz”, de Wladimir Krysinski.

O oitavo Congresso da AILC, ocorrido em Budapeste (Hungria), em 1976VAJDA, György M.; KÖPECZI, Béla (ed.). Actes du VIIIè. Congrès de l’Association Internationale de Littérature Comparée. Stuttgart: Erich Bieber, 1980., sob a organização de György M. Vajda e Béla Köpeczi, compôs-se de três grandes eixos temáticos, com diversas subdivisões: “Trois grandes mutations dans l’histoire des littératures de langues européennes (Renaissance, Lumière et Début du XXème siècle), “Relations entre littératures de divers cultures au XXème siècle” e “Littérature comparée et théorie littéraire”, e o fato de se tratar do segundo Congresso da Associação realizado em país do Leste Europeu constitui uma evidência da importância que os estudos de Literatura Comparada tinham naquele contexto, cabendo lembrar que já no final do século XIX havia uma cátedra da disciplina na Universidade de São Petersburgo. A participação de pesquisadores brasileiros neste Congresso limitou-se a duas apresentações - de Neide de Faria, da Universidade de Brasília, intitulada “Zola et le naturalisme au Brésil”; e de Maria Luisa Nunes, radicada em New Haven (EUA), com o título de “Sources for the Study of Brazilian Literature”. No entanto, a presença de hispano-americanos foi expressiva, bem como de comunicações sobre a produção literária hispano-americana por parte de estudiosos de fora da região. Entre os primeiros, encontram-se figuras de relevo, como Roberto Fernández Retamar (La Habana), com o texto “La contribution des littératures de l”Amérique Latine à la littérature universelle au XXè siècle”; Emir Rodríguez Monegal (New Haven), com “The Integration of Latin American Culture”, A. Dessau (Rostock), com “La littérature latino-américaine dans la littérature universelle. Historicité, traditions et universalisme”, e o grupo de Caracas, composto por Gustavo Luis Carrera, com “Consideration critique d’une proposition comparative: la littérature vénézuelienne au bébut du XXè siècle et son rapport avec la littérature française. Le problème general et le cas particulier”; Ana María Rodríguez, com “Style and its Image - The Aesthetics of Subversion in the Novissima of Latin American Literature”; e Ana Pizarro, com “La dependence culturelle en Amérique Latine”. E finalmente entre os últimos estão: Vera Kuteichikova (Moscou), “Los hallazgos artísticos de la nueva novela latin-americana em el contexto de la literatura mundial”; Alejandro Losada (Erlangen/ Nürnberg), “Producción cultural y cambio social en América Latina”; Ricardo Benavides (San Antonio, Texas), “Myth and Reality in Contemporary Hispanic Narrative”; I. Terterian (Moscou), “Cortázar y Dostoyesvky: crítica del individualismo burguês”; Manuel Durán (New Haven), “Pablo Neruda and the Romantic-Symbolist Tradition”; Hans Otto Dill (Berlim), “Dante et Neruda, une étude comparée de la Comédie Divine et du Chant Général”; R. Noack (Halle), “La prise de conscience nationale dans la littérature cubaine contemporaine”; e A. García de Aldridge (New York), “From “Sub Specie Temporis Nostra to Terra Nostra: James Joyce and Carlos Fuentes”.

O Congresso seguinte, de 1979KONSTANTINOVIC, Zoran (ed.). Classical Models in Literature. Proceedings of the IXth Congress of the International Comparative Literature Association. Innsbruck AMOE, 1981., em Innsbruck (Áustria), coordenado por Zoran Konstantinovic, marca um certo retrocesso no que diz respeito à presença de estudiosos latino-americanos, uma vez que não registra a presença de nenhum pesquisador brasileiro ou hispano-americano, e traz apenas um trabalho voltado para a literatura brasileira e outro para a hispano-americana. Este nono Congresso, que tem como título “Classical Models in Literature”, acha-se dividido em cinco seções, com diversas subdivisões cada, e os trabalhos acima referidos fazem parte o primeiro da subseção “Literature and the Visual Arts”, localizada em seção voltada para as relações entre a Literatura e as outras artes (“Literature and the Other Arts”), e o segundo da subseção “Novel and Myth”, localizada em seção dedicada toda ela ao gênero “romance” (“The Novel and History”). O primeiro trabalho, de Claus Clüver, da Universidade de Indiana (EUA) tem como título “Brazilian Concrete: Painting, Time and Space” e consiste em um estudo comparativo da poesia dos concretistas, sobretudo de Haroldo de Campos, com a pintura. E o segundo, de Katalin Kulin, “The Myth of Job in the Works of Juan Carlos Onetti and Salvador Espriu”, é um estudo do mito presente no título na obra dos dois autores: o uruguaio Onetti e o catalão Espriu.

O décimo Congresso da AILC, realizado em 1982, na New York University, Nova Iorque (EUA), sob a organização de Anna BalakianBALAKIAN, Anna (ed.). Proceedings of the 10th Congress of the International Comparative Literature Association. New York: Garland Publishing Inc., 1985., volta a registrar uma presença maior da literatura brasileira e, em especial, da hispano-americana, esta última com um número bem maior de participantes e um leque expressivo de trabalhos. O evento foi dividido em três grandes seções, com os temas “General Problems of Literary History”, “Comparative Poetics” e “Inter-American Relations” cada um deles com diversas subdivisões, mas foi nesta última que se concentraram os trabalhos sobre o Brasil e a América Hispânica. Em sua segunda subseção, registra-se o trabalho de Jorge Schwartz, presente no Congresso, com o titulo de “Estética comparada entre los movimentos de vanguardia en América Latina”, e na terceira o de Nádia Gotlib, também presente, “La ‘visión del paraíso’ en las cartas de descubrimiento: Cristóbal Colón y Pero Vaz de Caminha”. Além destes, há ainda, entre os trabalhos que incluem o Brasil, os de Elizabeth Lowe, “Visions of Violence: From Faulkner to the Contemporary City Fiction of Brazil and Colombia”; Nina M. Scott, “Humor and Society in the Frontier Novels of the Americas: Wister, Güiraldes and Amado”; Maria Luisa Nunes, “Becoming Whole: Literary Strategies of Decolonization in the Works of Jean Rhys, Frantz Fanon, and Oswald de Andrade”; Alfred J. MacAdam, “Mario Vargas Llosa and Euclides da Cunha: Some Problems of Intertextuality”; Christiane Séris, “Modernistes hispano-américains et symbolists brésiliens, témoins des arts plastiques en France entre 1880 et 1914”; e Albert Blasi, “Mário de Andrade como lector de los vanguardistas rio-platenses”.

Entre os professores e pesquisadores hispano-americanos presentes ao Congresso estão Nadine M. de Aguilar, da Argentina, com o texto “L’homme face aux ‘forces étranges’ chez Poe et Lugones”; e o grupo da Universidade Autónoma do México, composto de: Dietrich Rall, com “La muerte como espacio vacío”; Angelina Muñiz, com “Mitos precolombinos en la literatura contemporânea norteamericana y mexicana”; Federico Patán, com “El umbral: paso a otros mundos”; e Cecilia Tercero Vasconcelos, com “La literature fantástica: reflexiones sobre un género literario”. Mas, além destes, há um grande componente de estudiosos de outras partes, alguns deles de renome internacional, que enumeramos a seguir, junto com o título do trabalho apresentado: Wladimir Krysinski, “Formes du poème subjectif et du poème autonome dans les théories de Fernando Pessoa, Vicente Huidobro et Tedeusz Peiper”; D. Fernández-Morera, “The Term ‘Modenism’ in Literary History”; Carmen Bustillo, “Una aproximación a la idea del barroco en Latinoamérica”; Joel D. Black, “Paper Empires of the New World: Pyncheon, Gaddis, Fuentes”; Cynthia Steele, “Ideology and the Indigenist Novel in the Nineteenth-Century United States and in Twentieth-Century Mexico”; Paul di Virgilio, “Literary Negativity in ‘Shifting-Out’ Aquin, Faulkner and García Márquez”; Earl E. Fitz, “The First Inter-American Novels: Some Choices and Some Comments”; Jacques Leenhardt, “Función de la estructura ensayística en la novela hispano-americana”; Anthony Percival, “Metafiction in the Short Fiction of Borges, Cortázar and Barthelme”; Lois Parkinson Zamora, “Le Chaudron Fêlé: The Use of Clichés in Fiction by Manuel Puig, Luis Rafael Sánchez and Thomas Pyncheon”; Ana Pizarro, “Sobre las direcciones del comparatismo en América Latina”; Mario Valdés, “The Challenge to Comparative Literature in Hispanic America: Toward a New Comparatist Theory”; A. Owen Aldridge, “The Tenth Muse of America: Anne Bradstreet or Sor Juana Inés de la Cruz”; Peter Earle, “Whitman and Neruda and Their Implicit cultural Revolution”; Emma Marras, “Robert Bly’s Reading of South American Poetry and its Impact on Contemporary North American Poetry”; John L. Brown, “The Exuberant Years: Mexican-American Literary and Cultural Relations between the Two Wars”; Malva Filer, “Variaciones sobre el tema de la culpa en Cambio de piel y Sophie’s Choice”; David M. Hayne, “European Literary Influences in Nineteeth-Century Canada and South America: Parallels and Peculiarities”; and Mary Louise Pratt, “Margin Release: Canadian and Latin American Literature in the Context of Depedency”.

O décimo primeiro Congresso da AILC, organizado por Daniel-Henri Pageaux, e realizado na Université de la Sorbonne, em Paris, no ano de 1985PAGEAUX, Daniel-Henri (ed.). Actes du XIème Congrès de l’Association Internationale de Littérature Comparée. New York; Bern; Frankfurt; Paris: Peter Lang, 1989-95., contou com um número maior de participantes do Brasil e manteve um equilíbrio com relação ao número de professores e pesquisadores da América Hispânica. Mas neste último caso, verificou-se uma novidade: um grupo de estudiosos que apresentaram trabalhos sobre a produção chicana. No caso do Brasil, entretanto, este Congresso constituiu um marco no que diz respeito aos estudos de Literatura Comparada, pois foi aí que surgiu a ideia de criação de uma associação brasileira de Literatura Comparada, a futura ABRALIC, proposta pela Profa. Tania F. Carvalhal ao Prof. Eduardo F. Coutinho, e apoiada pelos demais brasileiros presentes ao evento. A associação será criada no ano seguinte, 1986, em evento organizado pela Profa. Tania Carvalhal, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com o título de “I Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada”, e, a partir desse momento, não só os estudos de Literatura Comparada no Brasil ganharão muito maior visibilidade no plano nacional e internacional, como a participação de pesquisadores brasileiros nos eventos da AILC aumentará consideravelmente.

Em sua estrutura, o Congresso compôs-se de nove grandes seções, com um número altamente significativo de mesas, de diversos ateliers e de dois simpósios, o primeiro com o tema “Diáspora Protestante: Arts et littérature” e o segundo centrado em torno da figura de Victor Hugo. As seções do Congresso foram as seguintes: “Littérature comparée et littérature mondiale”, “Théorie de la Littérature”, “Narratologie, intertextualité, sémiologie”, “Dialogues des Cultures”, “Esthétique de la réception”, “Comité de la traduction”, “Oral & écrit”, “Acculturation” e “Émergence des nouvelles littératures”. E os estudiosos brasileiros que apresentaram trabalhos listam-se a seguir, junto com os títulos de seus trabalhos: Claudius Armbruster (Recife) “Communication et intertextualité littéraire au Brésil: Jorge Amado et les versions paralittéraires”; Janer Cristaldo (Florianópolis) “Le réalisme socialiste et la literature brésilienne”; Tania Franco Carvalhal (Rio Grande do Sul) “Le miroir à l’envers: la littérature comparée au Brésil”; Eduardo de Faria Coutinho (Rio de Janeiro) “The New Narrative in Latin America as a Synthesis Narrative”; Roberto Ventura (Bochum) “Transculturation ou acculturation: anthropologie et culture populaires au Brésil”; Wolfgang Bader (Rio de Janeiro) “L’émergence de nouvelles littératures et lectures: le cas des Antilles -Guyane” e “Confluences littéraires dans les Caraïbes sous l’horizon de la Tempête de Shakespeare”; Maria Luisa Ramos (Belo Horizonte) “Du mythe à la poésie”; Idelette Fonseca dos Santos (João Pessoa) “Oral et écrit: échanges et recréation entre romanceiro et littérature de ‘cordel’ au Brésil”; e Neide de Faria (Brasília) “V. Hugo et le Brésil au XIXè siècle”. Acrescente-se a estes o trabalho do professor Manuel Gusmão (Lisboa), “Poétique et énonciation: poésie et poétique chez Francis Ponge et João Cabral de Melo Neto”, e registre-se finalmente o fato de que dois dos professores brasileiros presentes foram também coordenadores de mesa, a saber Tania Franco Carvalhal e Roberto Ventura, o que indica uma visibilidade também maior de participantes do Brasil.

Os professores e pesquisadores hispano-americanos presentes ao Congresso foram os seguintes: Marthe Villafuerte Thomas (México), com o texto “Anagnorisis in Shakespeare and Calederón”; Cecilia Tercero Vasconcelos (México), com “Cervantes and Hoffman”; Ignacio Zuleta (Mar del Plata, Argentina), com “Los límites de la perspectiva comparatista: las literaturas hispánicas”; Nicolas Dornheim (Mendoza, Argentina), com “Literatura argentina y literatura comparada”; Pierina Lidia Moreau (Mendoza), com “Victor Hugo en Amérique Latine: Rubén Darío, Lugones”; Angelina Muñiz (México), com “Influencias clássicas, barrocas e indígenas en la obra de Sor Juana Inés de la Cruz” e Luz Aurora Pimentel (México), com “Metaphoric Narration: the Role of Metaphor in Narrative Discourse”. E assinale-se também que o Prof. Ignacio Zuleta foi, além de expositor, coordenador da seção “Hugo et les littératures ibérique”, do simpósio sobre Victor Hugo.

Observe-se, no entanto, que houve um bom número de estudiosos de outros países, com textos sobre a América Hispânica. Segue-se a relação deles, com as comunicações que apresentaram: Katalin Kulin (Budapeste) “Libros de caballería y actual narrativa latinoamericana”; Albert Blasi (New York) “Ricardo Güiraldes et Larbaud: la correspondence inédite”; Ghazoul Ferial (Cairo) “Dialectics of the Self and the Other: Arabian Tales in North America and South American Literature”; Pierre Rivas (Paris X) “Emergence et differentiation des littératures sous dépendence (Amérique Latine, Magheb)”; Carmen Vásquez (Paris) “Histoire et invention Chez Edgardo Rodríguez Juliá: une nouvelle littérature pour Porto-Rico”; Helmut Groschup (Berlim) “Cuban Literature and Revolutionary Process: novella testimonio”; Wendy Faris (Arlington, Texas) “Magic Realism and the Emergence of New Literatures”; Flora Botton-Burla (México) “’The Mock Turtle’: problème de traduction et de reception” e Fernando de Toro (Ottawa) “Un cas d’acculturation: le cas chilien au Canada”. E acrescente-se a estes o grupo que se dedicou à produção literária chicana, já bastante solidificada no contexto estadunidense, e cujos nomes e comunicações listam-se a seguir: Ramón Saldívar (Austin) “Chicano Autobiography: Ideologies of the Self”; Julio Rodríguez-Luis (Binghamton) “Outside vs. Center: the Emergence of a Chicano Nuyorican Text”; José David Saldívar (Houston) “Rolando Hinojosa’s Klail City Death Trip” e Ruprecht, Hans-George (Otawa) “Linguistique et acculturation: analyse du discours littéraire chicano”.

A partir da criação da ABRALIC, no ano seguinte, e o interesse cada vez maior pela disciplina no Brasil, acentuado pela realização de Congressos bianuais em diferentes universidades do país, o surgimento de programas de pós-graduação na área em diversas instituições de ensino superior - federais, estaduais e particulares - e o incremento do volume de publicações, inclusive com a criação de uma revista especializada - a Revista Brasileira de Literatura Comparada - os Congressos da AILC passaram a contar com números bastante representativos de participantes brasileiros. É o que se verifica no 12º Congresso - “Espaces et Frontières” - ocorrido na Universidade Ludwig-Maximilians, em Munique (Alemanha), em 1988, organizado por Roger BauerBAUER, Roger; FOKKEMA, Douwe (eds.). Proceedings of the XIIth Congress of the International Comparative Literature Association. Munique: Iudicium-Verlag, 1990.; no 13º - “The Force of Vision - organizado por Haga Toru, e realizado na Universidade Aoyama Gakuin, em Tóquio (Japão), em 1991TORU, Haga et al. (ed.). The Force of Vision. Proceedings of the XIIIth Congress of the International Comparative Literature Association. Tóquio: University of Tokyo Press, 1995., pela primeira vez no Oriente; no 14º -- “Literature and Diversity” -, na Universidade de Edmonton (Canadá), em 1994, sob a organização de Milan Dimic; no 15º - “Literature as Cultural Memory” - na Universidade de Leiden (Holanda), em 1997, organizado por Theo D’HaenD’HAEN, Theo (ed.). Proceedings of the XVth Congress of the International Comparative Literature Association. Amsterdam/Atlanta: Rodopi, 2000. ; no 16º - Transitions and Transgressions in na Age of Multiculturalism - na Univeridade da África do Sul (UNISA), em Pretoria, em 2000, organizado por Ina Gräbe; e no 17º, na Universidade Politécnica de Hong-Kong, em Hong-Kong (China), em 2004, sob a organização de Eugene Eoyang.6 6 Este Congresso era para ter ocorrido em 2003, mas devido à epidemia de gripe asiática na China, foi adiado para 2004. Acrescente-se ainda que alguns brasileiros passaram a integrar o Conselho Executivo da Associação - Tania Carvalhal e Eduardo F. Coutinho - que mais tarde se tornaram Vice-Presidentes, a primeira de 1997 a 2004, quando passou a Presidente, e o segundo de 2007 a 2013 - e Márcio Seligmann Silva.

Como se pode observar, a realização dos Congressos, que inicialmente estava prevista para alternar-se entre a Europa Ocidental e a América do Norte, foi sofrendo uma gradativa alteração, primeiro com a ocorrência de dois desses eventos na Europa do Leste - os de Belgrado e Budapeste - e, a partir da década de 1990, em outras partes do mundo, o que se mostra em plena conformidade com o espírito transnacional e transcultural da disciplina. À medida que a Literatura Comparada foi-se disseminando em outras partes do globo e o diálogo com a produção desses novos contextos foi-se tornando mais necessária e eficaz, a AILC foi também ampliando suas fronteiras e estabelecendo laços cada vez maiores e mais sólidos tanto com essas regiões antes pouco levadas em conta como com outras áreas do conhecimento. No que concerne a estas áreas, bastaria acompanhar o espectro temático dos Congressos, que se vem ampliando consideravelmente, a ponto de hoje se haver tornado por vezes quase impossível reconhecerem-se as barreiras que caracterizaram a disciplina em sua fase inicial novecentista. E com relação à ampliação de fronteiras espaciais, o Congresso de Tóquio, de 1991, e posteriormente o de Hong-Kong, de 2004, marcaram momentos relevantes no seio da AILC, especialmente pelo acirramento do diálogo entre a produção do Oriente e do Ocidente, que constituiu um dos eixos centrais de ambos os eventos (observe-se que já existiam amplos estudos de Literatura Comparada em universidades como as de Tóquio, Pequim e Calcutá, mas que eram pouco conhecidos no Ocidente, devido em grande parte à barreira linguística existente), e o de Pretória chamou atenção para toda uma produção vigorosa ainda muito pouco reconhecida nos centros ocidentais de estudos da disciplina.

Na esteira desse alargamento de fronteiras, o 18º Congresso da Associação, organizado por Eduardo F. Coutinho, ocorreu na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2007, pela primeira vez agora na América Latina. Com o tema geral “Beyond Binarisms: Discontinuities and Displacements in Comparative Literature”, o Congresso teve sete grandes seções - “Comparatismos: permanências e transformações”, “Os discursos críticos e o papel do intelectual”, “Cruzamentos e contaminações”, “Humano, in-humano, pós-humano”, Identidades em processo: multiculturalismo, mestiçagem, hibridismos”, “Tradições, traduções, traições” e “Nacionalismos e sexualidades: gênero, classe e relações de poder” -, três simpósios - “O Rio de Janeiro como centro cultural”, “América Latina: unidade na diversidade” e “Mundialização.com” - e dez workshops, e contou com mais de oitocentos participantes, dentre os quais, evidentemente, um número elevado de brasileiros e hispano-americanos. Os Anais do evento foram publicados em 2009, sob a forma de livros temáticos, e há uns poucos ainda disponíveis na UFRJ. Na seção de abertura do Congresso, foi feita uma homenagem especial à Profa. Tania Carvalhal, Presidente da AILC, que faleceu durante a sua gestão como Presidente da Associação, e um ano antes da realização do evento.

Com a mesma proposta da ABRALIC, foi fundada em 1992 a Associação Argentina de Literatura Comparada, durante um “Encuentro de Colegas Argentinos e Invitados Estranjeros”, organizado por Nicolás J. Dornheim e Jorge Dubatti, na Librería Fausto de Buenos Aires. A AALC foi logo também filiada à AILC, e a partir desse momento, assim como ocorrera no Brasil, a presença de intelectuais argentinos nos Congressos da AILC se tornou muito mais expressiva. Pouco depois, foram criadas também as Associações Uruguaia e Peruana, ambas graças em grande parte à atuação de Tania Carvalhal junto a grupos de professores e pesquisadores desses países, dentre os quais, no caso da última, o pesquisador italiano Biagio D’Angelo. Os Congressos da Associação Internacional que se seguiram a essas iniciativas evidenciam o interesse crescente de estudiosos dessas regiões, como é o caso dos de Edmonton, Leiden, Hong Kong e, sobretudo, do Rio de Janeiro. Mas uma das principais contribuições que o surgimento dessas associações veio a ter foi o maior intercâmbio que passou a ocorrer entre o Brasil e os demais países latino-americanos, principalmente através da participação recíproca de intelectuais nos Congressos dessas diversas associações nacionais.

Os Congressos mais recentes da AILC ocorreram em Seul (Coreia do Sul), em 2010CHO, Sung-Won (ed.). Expanding the Frontiers of Comparative Literature. Proceedings of the XIXth Congress of the International Comparative Literature Association. Seul: Chung-Ang University Press, 2013. 2 vols. , na Universidade Chung-Ang, com o tema geral “Expanding the Frontiers of Comparative Literature”; em Paris, na Sorbonne IV, em 2013, sob o tema “Le Comparatisme comme Approche Critique”; em Viena (Áustria), na Universität Wien, em 2016, com o tema “The Many Languages of Comparative Literature”; e em Macau (China), em 2019, sob o tema geral “World Literature and the Future of Comparative Literature”. Cabe observar a alternância das sedes entre países da Ásia e da Europa Ocidental, o que acentua ainda mais o cunho inclusivo da disciplina e a ampliação do diálogo entre os diversos centros de estudo em partes distintas do mundo. O próximo Congresso, o 23º, está previsto para ocorrer em Tblisi, na Geórgia, pela primeira vez também numa região até recentemente à margem dos estudos comparatistas, e traz o título bastante significativo de “Re-Imagining Literatures of the World: Global and Local. Mainstreams and Margins”. Em todos os quatro últimos Congressos, a presença tanto de brasileiros quanto de hispano-americanos foi bastante expressiva, e espera-se que o mesmo venha a se dar no próximo, uma vez que a disciplina continua em plena efervescência em nossos países.

Além dos Congressos trienais, a AILC/ICLA já estabeleceu também a tradição de realizar, nos anos de intervalo entre os Congressos, reuniões da Diretoria, do Conselho Executivo (Bureau) e dos membros de seus comitês de pesquisa, seguidas de eventos, com um número restrito de participantes, em pontos também diversos dos cinco continentes, onde se desenvolvem estudos de Literatura Comparada. Dentre esses eventos, cabe destacar o que se realizou em Veneza, em 2005COUTINHO, Eduardo F. (ed.). Beyond Binarisms. Proceedings of the XVIIIth Congress of the International Comparative Literature Association. Discontinuities and Displacements; Crossings and Contaminations; Identities in Process. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009. 3 vols. , sob a organização de Paola Mildonian, como comemoração dos cinquenta anos da fundação da Associação. A este Congresso, que teve como título “À partir de Venise: héritages, passages, horizons - Cinquante Ans de l’AILC”, estiveram presentes os professores brasileiros Tania Carvalhal, Eduardo F. Coutinho, Gilda Neves Bittencourt, Maria Luiza Berwanger da Silva, John Milton e Rita T. Schmidt, e a renomada professora uruguaia, titular da Universidad de la República, Lisa Block de Behar.

Rio de Janeiro, maio 2020.

Referências

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  • VAJDA, György M.; KÖPECZI, Béla (ed.). Actes du VIIIè. Congrès de l’Association Internationale de Littérature Comparée Stuttgart: Erich Bieber, 1980.
  • 1
    A associação tem essa sigla como referência aos seus dois idiomas oficiais: o francês e o inglês.
  • 2
    Na verdade, desde 1900 já se faziam reuniões de especialistas de Literatura Comparada e, a partir de 1928 houve grandes tentativas de criação de uma associação internacional para congregar esses especialistas, mas é só em 1954 que a ideia se concretizará.
  • 3
    Tasso da Silveira veio, inclusive, a publicar, mais tarde, em 1964, um manual da disciplina, à maneira dos franceses, de Van Tieghem (1931) e de Guyard (1951), mantendo até o mesmo título genérico de Literatura Comparada.
  • 4
    Os termos “América Latina” e “latino-americano” são empregados neste ensaio não como sinônimos de “América Hispânica” e “hispano-americano”, mas com o objetivo claro e mais amplo de incluir o Brasil.
  • 5
    Um dos projetos daí derivados e de interesse especial para os latino-americanos é o que se realizou na Universidade de Toronto (Canadá), sob a direção de Mario Valdés e Djelal Kadir, e que foi publicado em três volumes em 2004, com o título de Literary Cultures of Latin America: A Comparative History (Oxford: Oxford University Press, 2004).
  • 6
    Este Congresso era para ter ocorrido em 2003, mas devido à epidemia de gripe asiática na China, foi adiado para 2004.
  • *
    Os dados utilizados no presente texto foram extraídos dos Anais dos Congressos da AILC, na Biblioteca Central da Universidade de Illinois, em Urbana/Champaign (EUA), onde lecionei cursos para o Mestrado e Doutorado, no ano acadêmico de 2011-2012, na qualidade de Distinguished Visiting Professor. Registro aqui meus agradecimentos a essa universidade, que me facilitou o acesso ao material.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2020
  • Aceito
    13 Jul 2020
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