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VOZES FEMININAS NAS TRADUÇÕES BRASILEIRAS DO DRAMA SHAKESPEARIANO

FEMALE VOICES IN BRAZILIAN TRANSLATIONS OF SHAKESPEAREAN DRAMA

Resumo

O objetivo deste artigo é traçar o perfil de algumas tradutoras da poesia dramática shakespeariana para o português do Brasil, cujo marco inicial foi A megera domada em tradução de Berenice Xavier (1936). A perspectiva adotada insere-se na vertente da sociologia da tradução que se fundamenta nos conceitos de habitus, capital e campo de Pierre Bourdieu (1986Bourdieu, Pierre. “The forms of capital.”. Handbook of Theory and Research for the Sociology of Education, Richardson, J. G. (Ed.). New York: Greenwood Press, 1986, pp. 241-258., 1989Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: DIFEL, 1989., 1996)Bourdieu, Pierre. As regras da arte. Gênese e estrutura do campo literário. Trad. de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. e na subárea dos Estudos da Tradução a que Andrew Chesterman (2009)Chesterman, Andrew. “The name and nature of Translator Studies” (2009). Reflections on Translation Theory, Chesterman, Andrew. Selected Papers 1993-2014. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2017, pp. 323-329. se refere como Estudos do Tradutor. Considerando-se apenas traduções integrais a partir da língua inglesa e publicadas sob forma de livro, contam-se até o final de 2020 um total de 214 traduções brasileiras das 39 obras dramáticas de Shakespeare. Até o momento, 39 tradutores individuais, uma dupla e um coletivo assinaram traduções integrais de peças do cânone, grupo no qual se incluem apenas dez mulheres. Ao examinar conjuntamente dados biográficos, visões de tradução e comportamento tradutório dessas mulheres, levando em conta o contexto sociocultural em que se inseriam ou se inserem, pretendo ressaltar o seu legado, em uma possível contribuição para a historiografia da tradução literária no Brasil.

Palavras-Chave
Mulheres Tradutoras; Shakespeare em Português do Brasil; Sociologia da Tradução; Estudos do Tradutor

Abstract

The purpose of this article is to draw a profile of a number of women translators of Shakespearean drama into Brazilian Portuguese, a tradition that dates back to 1936, when Berenice Xavier’s translation of The Taming of the Shrew came out. The study is informed by the branch of translation sociology that draws on Pierre Bourdieu’s (1986Bourdieu, Pierre. “The forms of capital.”. Handbook of Theory and Research for the Sociology of Education, Richardson, J. G. (Ed.). New York: Greenwood Press, 1986, pp. 241-258., 1989Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: DIFEL, 1989., 1996)Bourdieu, Pierre. As regras da arte. Gênese e estrutura do campo literário. Trad. de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. concepts of habitus, capital, and field, as well as by Andrew Chesterman’s (2009)Chesterman, Andrew. “The name and nature of Translator Studies” (2009). Reflections on Translation Theory, Chesterman, Andrew. Selected Papers 1993-2014. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2017, pp. 323-329. Translator Studies, a subarea of Translation Studies. Up to the end of 2020, taking into account only whole-text translations deriving from an English source and published in book form, 214 Brazilian Portuguese translations of Shakespeare’s 39 plays have appeared. The translations were made by 39 individual translators, a duo, and a theater company; there are only ten women translators in this group. By jointly examining biographical data, notions of translation and translatory behavior of those women, taking into account the sociocultural background of their work, I intend to highlight their legacy, hoping to be able to contribute to the history of literary translation in Brazil.

Keywords
Women Translators; Shakespeare in Brazilian Portuguese; Sociology of Translation; Translator Studies

1. O foco no tradutor1 1 Apesar de ser este um texto sobre tradutoras, optei, nas referências genéricas, pelo substantivo masculino, tanto no singular como no plural, visando evitar a constante repetição da forma “tradutor/a” ou “tradutores/as” e a necessária dupla concordância para todos os artigos, pronomes, numerais e adjetivos que pudessem acompanhar tais vocábulos.

Nas últimas duas décadas, depois de mudanças de paradigma e viradas importantes, os Estudos da Tradução voltaram seu olhar de forma mais persistente e interessada para os fatores sociais que atuam sobre a tradução, com foco muito direcionado para os diversos agentes envolvidos no fenômeno tradutório. Nesse campo de visão, “as sociedades e os tradutores que as compõem, as ideologias, a religião, a mídia, e as editoras [...] são fatores chaves que não podem ser excluídos”, como diz José LambertLambert, José. “Interdisciplinaridade nos estudos da tradução.”. Tradução de Yéo N’gana. Cadernos de Tradução, v. 37, n. 2. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, p. (2017): 246-260. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/2175-7968.2017v37n2p246/34077>.
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no seu artigo “Interdisciplinaridade nos estudos da tradução” (248). Uma das perspectivas que vêm se destacando cada vez mais nos estudos da tradução é a sociológica, que surgiu há relativamente pouco tempo, embora suas bases tenham sido lançadas nos estágios iniciais da disciplina, com a teoria dos polissistemas e os estudos descritivos da tradução (Buzelin 186Buzelin, Hélène. “Sociology and Translation Studies.”. The Routledge Handbook of Translation Studies, Millán, C. e F. Bartrina (Eds.). London: Routledge, 2013, pp. 186-200.). Pode-se considerar que na transição para o século XXI iniciou-se um esforço para sistematizar uma sociologia da tradução, a partir de autores como Daniel Simeoni (1998)Simeoni, Daniel. “The Pivotal Status of the Translator’s Habitus.” Target 10(1), (1998): 1-39., Johan Heilbron (1999)Heilbron, Johan. “Toward a Sociology of Translation: Book Translations as a Cultural World-System.”. European Journal of Social Theory 2(4), (1999): 429-444., Jean-Paul Gouanvic (2005)Gouanvic, Jean-Marc. “A Bourdieusian Theory of Translation, or the Coincidence of Practical Instances. Field, ‘Habitus’, Capital and ‘Illusio’”. Bourdieu and the Sociology of Translation and Interpreting. The Translator, Inghilleri, M. (Ed.). Manchester, UK: St. Jerome, 2005. pp. 147-166. e Theo Hermans (1999)Hermans, Theo. Translation in Systems, Manchester: St Jerome, 1999., esforço este que resultou no que se pode denominar “virada sociológica” ou “social”. Até o momento, como assinala Hélène Buzelin (187), as abordagens sociológicas nos Estudos da Tradução têm se baseado amplamente em Pierre Bourdieu e, em menor proporção, na teoria sistêmica de Niklas Luhmann e na teoria ator-rede de Bruno Latour, três teóricos que desenvolveram arcabouços próprios para explicar o mundo social, sendo que cada um tem seus pressupostos a respeito do que entende por “social” e “sociedade”.

A vertente com a qual me alinho é a que se baseia nas ideias de Bourdieu, que propõe um modelo sociológico “compatível com os fundamentos das abordagens da tradução desenvolvidas no campo dos estudos culturais”2 2 “compatible with the basic tenets of cultural studies approaches to translation.” Tradução minha, assim como nas demais citações extraídas de obras em língua estrangeira sem indicação de tradutor. Agradeço a Ofélia da Conceição Sagres por me apresentar a este volume e por outras sugestões de bibliografia. (Hanna 4Hanna, Sameh. Bourdieu in Translation Studies: the socio-cultural dynamics of Shakespeare translation in Egypt. New York: Routledge, 2016.), uma vez que situa a linguagem no espaço sociocultural e a relaciona aos agentes humanos que a manipulam em relações de poder, perspectiva essa compartilhada por outras abordagens culturalistas da tradução, como a esboçada por Susan Bassnett e André Lefevere (1990). Para Bourdieu (O poder simbólico 133-4), o mundo social pode ser visto como um conjunto de campos simbólicos, e a sociedade, como um espaço hierarquizado e diferenciado, no qual as relações de poder são tão enraizadas nas práticas cotidianas que elas se reproduzem de modo amplamente inconsciente. Parte do seu trabalho pode ser visto como uma tentativa de desvelar os mecanismos subjacentes às relações de dominação em diversos contextos sociais, como o sistema educacional, os meios de comunicação, o universo acadêmico e as esferas da arte e da literatura (Buzelin 187).

A teoria social de Bourdieu se desenvolveu em torno de alguns conceitos-chave dos quais destaco os três que vou mencionar com mais frequência ao enfocar tradutoras de Shakespeare. São eles os conceitos de campo, habitus e capital simbólico, relembrando que campo designa uma esfera de interação relativamente autônoma onde os agentes nela inseridos compartilham um conjunto comum de regras e objetivos, como é o caso do campo literário; habitus é um conjunto de disposições, reflexos e formas de comportamento que as pessoas adquirem por meio de sua atuação na sociedade (BourdieuBourdieu, Pierre. “The politics of protest. An interview by Kevin Ovenden”. Socialist Review, nº: 242, (2000): 18-20. Disponível em: http://pubs.socialistreviewindex.org.uk/sr242/ovenden.htm.
http://pubs.socialistreviewindex.org.uk/...
, “The politics of protest”) e que as leva a se sentirem à vontade num dado campo; e capital simbólico é aquilo a que se denomina prestígio ou honra e que permite identificar os agentes no espaço social.

As ideias de Bourdieu têm sido introduzidas nos Estudos da Tradução por meio de algumas linhas de pensamento, das quais tenho mais afinidade com a que se volta para a atuação do tradutor e de outros agentes ao longo do processo tradutório, e para as inter-relações entre os diferentes agentes. Essa é a perspectiva de Andrew Chesterman, apresentada no artigo “The name and nature of Translator Studies”, de 2009.3 3 Texto republicado em Belas Infiéis, vol. 3, 2014, em tradução de Patrícia Rodrigues Costa e Rodrigo D’Avila Braga Silva.

Para ChestermanChesterman, Andrew. “O nome e a natureza dos Estudos do Tradutor.” Trad. Patrícia Rodrigues Costa e Rodrigo D’Avila Braga Silva. Belas Infiéis, v. 3, n. 2, (2014): 33-42., a sociologia da tradução tem três vertentes: a sociologia das traduções (vistas como produtos), a sociologia dos tradutores e a sociologia do traduzir (que examina o processo tradutório). James HolmesHolmes, J. “The Name and Nature of Translation Studies.”. Translated! Papers on Literary Translation and Translation Studies, Holmes, J (Ed.). Amsterdam: Rodopi, 1988, pp. 67-80, em seu texto fundante sobre o nome e natureza dos Estudos da Tradução (1988), tinha uma visão da disciplina muito mais voltada para os textos – ou seja, para a primeira vertente – do que para as pessoas que os produzem. A estrutura proposta até contempla a possibilidade de enfocar o tradutor em alguns dos ramos, mas não de uma forma consistente. Chesterman não só aponta essa lacuna como observa nas pesquisas sobre tradução uma tendência – à época, ainda recente – de enfocar mais explicitamente o tradutor, e não tanto o texto traduzido. Essa tendência, segundo ele, poderia sinalizar o surgimento de um novo ramo da disciplina, que ele sugere denominar “Estudos do Tradutor”, e que contempla pesquisas que se concentram principalmente nos agentes envolvidos na tradução. A sociologia dos tradutores se interessa por questões como o habitus dos tradutores, o seu status ou capital simbólico, relações de poder, questões de gênero, atitudes dos tradutores com relação a seu trabalho – reveladas, por exemplo, em ensaios, entrevistas e paratextos de tradutores –, e a ideologia e ética dos tradutores.

Antes mesmo desse posicionamento de Chesterman, André Lefevere já tinha colocado em evidência o papel dos tradutores e outros agentes de reescrita na sociedade. Segundo Lefevere, os reescritores e reescritoras têm o poder de criar “imagens de um escritor, uma obra, um período, um gênero e, às vezes, de uma literatura como um todo”4 4 “images of a writer, a work, a period, a genre, sometimes even a whole literature” (Lefevere 5Lefevere, André. Translation, rewriting and the manipulation of literary fame. New York: Routledge, 1992.), imagens essas que tendem a alcançar mais pessoas do que o próprio texto de origem. Considero que esse pressuposto de Lefevere pode corroborar a relevância de se identificar o habitus dos tradutores, diante da influência de tal conjunto de disposições na criação dessas imagens. Para Lefevere, os agentes de reescrita são responsáveis “pela recepção geral e pela sobrevivência de obras literárias entre os leitores não-profissionais, que constituem a grande maioria de leitores em nossa cultura global”5 5 “for the general reception and survival of works of literature among non-professional readers, who constitute the great majority of readers in our global culture” (Lefevere 1), e isso lhes dá grande poder de propagação. Vê-se, portanto, que os estudos descritivos da tradução já reconheciam “a importância do ‘fator humano’ na tradução e em outros tipos de reescrita”6 6 “the importance of the ‘human factor’ in translation and other kinds of rewriting” (Lefevere 72-3), assumindo assim um viés social.

É preciso ressaltar que o interesse pela figura dos tradutores – não “o tradutor” visto como entidade abstrata, mas tradutores de carne e osso, como diz Anthony Pym (161)Pym, Anthony. Method in Translation History. London: Routledge, 2014., considerados individualmente – não é absolutamente privilégio da vertente sociológica, e tampouco os conceitos gerados no âmbito desse viés teórico são os únicos que dão conta desse objeto de estudo. Cito aqui iniciativas como:

  • (i) o Dicionário de Tradutores Literários no Brasil, o DITRA, da Universidade Federal de Santa Catarina, que visa “possibilitar a todos os interessados conhecer o perfil do tradutor literário brasileiro”, segundo o texto de apresentação do site, e foi inspirado por “ideias defendidas por Antoine Berman e Anthony Pym, teóricos para quem importam não apenas a figura discursiva, mas também material do tradutor” (Guerini et al.Guerini, Andréia, et al. “Um mapa dos tradutores literários no Brasil.”. Dicionário de Tradutores Literários no Brasil. 2005. Disponível em: http://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/index.htm.
    http://www.dicionariodetradutores.ufsc.b...
    ). Os idealizadores do projeto, Andréia Guerini, Marie-Hélène Torres, Pablo Cardellino Soto e Walter Carlos Costa, elaboraram critérios para a confecção dos verbetes, atualmente em número de 309, e um questionário destinado aos tradutores, com perguntas que cobrem múltiplos aspectos da atividade do tradutor, entre eles sua trajetória de vida, método de trabalho e concepção da atividade tradutória;

  • (ii) a coleção Palavra de Tradutor (editora Medusa), sob a coordenação geral de Andréia Guerini, Dirce Waltrick do Amarante, Sérgio Medeiros e Walter Carlos Costa, que já tem quatro volumes, dedicados respectivamente aos tradutores Donaldo Schuler, Aurora Bernardini, Paulo Henriques Britto e Christopher Stone. Os volumes não seguem exatamente a mesma estrutura, mas todos trazem uma apresentação dos organizadores, uma entrevista com o tradutor ou tradutora, uma cronologia biográfica e amostras de tradução;

  • (iii) o grupo que pesquisa os escritores-tradutores brasileiros, vinculado ao Núcleo de Estudos em História da Tradução e Tradução Literária (NETHLIT)7 7 https://www.historiadatraducao.com/nehtlit. , coordenado pela Profa. Germana Henriques Pereira, da Universidade de Brasília, bastante alinhado com o pensamento de Antoine Berman, entre outros teóricos; e

  • (iv) o esforço de pesquisadores e pesquisadoras como Denise BottmanBottman, Denise. “Berenice Xavier.” Não gosto de plágio, 12 ago. 2015. Disponível em http://naogostodeplagio.blogspot.com/2015/08/berenice-xavier.html.
    http://naogostodeplagio.blogspot.com/201...
    , Marlova Assef e Dennys da Silva-Reis, que mantêm blogs e sites com informações muito ricas sobre tradutores e tradutoras, com importante contribuição historiográfica.8 8 Respectivamente, Não gosto de plágio (http://naogostodeplagio.blogspot.com/), Poesia traduzida no Brasil (http://poesiatraduzida.com.br/) e Historiografia da tradução no Brasil (http://historiografiadatraducaobr.blogspot.com/)

Pode-se dizer, portanto, que há bastante interesse no Brasil por seus tradutores e tradutoras, e é motivada por esse mesmo interesse que elejo como objeto deste artigo o segmento específico das tradutoras shakespearianas, a partir do lugar teórico que acabei de descrever. Minha proposta é determinar quem são essas tradutoras, qual o habitus de cada uma delas, quais as suas ideias sobre tradução em geral e tradução de Shakespeare em particular, quais os objetivos visados em seus trabalhos e que macroestratégias empregam ou empregaram. Mas antes de abordar as tradutoras propriamente ditas, considero importante enfocar alguns aspectos particulares de se traduzir Shakespeare, atividade na qual os tradutores têm suplantado numericamente as tradutoras, como será visto mais adiante.

2. Sobre traduzir o teatro de Shakespeare

Quando se fala em Shakespeare, a imagem que vem à cabeça de muitos leitores e espectadores leigos é a de um escritor sentado em frente a uma escrivaninha, manejando com destreza sua pena para escrever uma peça de teatro completa, organizada em atos e cenas, burilada à perfeição. Só que a realidade, como se sabe, é outra: as peças eram compostas fragmentariamente, e os textos que conhecemos atualmente são o produto de séculos de edição (BassnettBassnett, Susan. “Women’s Work.”. Reflections on Translation. Bristol: Multilingual Matters, (2011): 94-97., “Plays for Today” 98).

Como ressalta Susan BassnettBassnett, Susan. “Plays for Today.”. Reflections on Translation. Bristol: Multilingual Matters, (2011): 98-101.,

apesar do status canônico das peças, a verdade é que não havia a pretensão de que se tornassem grandes obras literárias, tratando-se de um conglomerado de discursos e cenas escritos de forma fragmentada para atores famosos daquela época. Por esse motivo, a trama e as falas que caracterizam as personagens parecem, em alguns casos, incoerentes, como me disse, em certa ocasião, um famoso diretor e tradutor tcheco. Por vezes as personagens mudam de comportamento de um ato para outro, ou o curso da trama sofre alterações estranhas9 9 “despite the canonical status of the plays, the truth is that they were never intended to be great literary works, they are a composite of speeches and scenes written piecemeal for talented and popular actors of the time. Hence the reason why in some cases the plot and characterisation lines do not seem to be coherent, as a famous Czech translator and diretor pointed out to me once. Sometimes characters behave differently from act to act, or plots change course rather oddly”

(Ibid., 99)

Na verdade, o teatro é, e sempre foi, um processo colaborativo, feito a múltiplas mãos por atores, técnicos, escritores e diretores, dentre outros, inclusive patrocinadores e mecenas. Como observa o consultor de dramaturgia Luís Alberto de Abreu (33)Abreu, Luís Alberto de. “Processo colaborativo: relato e reflexão sobre uma experiência de criação.” Cadernos da escola livre de teatro de Santo André, v. 1, nº:0, (2003): 33-41.,

o palco não é reinado do ator, nem o texto é a arquitetura do espetáculo, nem a geometria cênica é exclusividade do diretor. Todos esses criadores e todos os outros mais colocam experiência, conhecimento e talento a serviço da construção do espetáculo de tal forma que se tornam imprecisos os limites e o alcance da atuação de cada um deles.

O texto é apenas mais um elemento que contribui para que o produto final seja realizado no palco, em frente ao público (Bassnett, “Plays for Today” 99). Daí a importância cada vez maior que vem sendo dada, no caso da tradução de textos teatrais, à interação entre o tradutor e toda a equipe envolvida na peça, para que se negocie e ajuste a tradução na fase preparatória da montagem. Novamente citando Bassnett, “[t]radutores não têm como saber o que um ator considera encenável, mas se estiverem trabalhando em conjunto, revisando e reformulando as palavras no próprio espetáculo, a peça poderá adquirir vitalidade e emoção”10 10 “Translators cannot know what an actor may find performable, they can only guess, yet once they can work with actors, revising and reshaping the words in performance, the play can acquire vitality and excitement.”

(Ibid., 100-1).

É isso que deveria, idealmente, acontecer nas encenações shakespearianas traduzidas para outras línguas. Ocorre, no entanto, que nem todos os tradutores de peças de Shakespeare fazem suas traduções a pedido de um encenador e têm a oportunidade de participar da montagem do espetáculo; muitas vezes a tradução se destina a uma publicação, sem a criação colaborativa de uma proposta cênica. E todos eles, tradutores, trabalham necessariamente com um texto fonte inautêntico no sentido estrito, na medida que nenhum texto shakespeariano disponível reproduz de fato o que Shakespeare teria escrito. Há peças que foram publicadas algumas vezes ainda durante a vida do autor, e com diferenças significativas entre as edições, e outras que só o foram postumamente.

No decorrer de sua carreira como dramaturgo, Shakespeare publicou apenas 20 de suas peças (Wells 17-8Wells, Stanley (Ed.) Shakespeare: A Bibliographical Guide. New Edition. New York: Oxford UP, 1990.). Ao lado de edições exclusivas, com textos razoavelmente confiáveis, havia edições não autorizadas, com discrepâncias textuais facilmente percebidas. Essas edições podiam se originar quer de uma versão “pirateada” – ou seja, transcrita, sem permissão, durante uma apresentação, ou reconstituída de memória por um ator da companhia –, quer de um manual de palco, que seria o texto com o qual o autor e os atores trabalhavam, sofrendo revisões constantes no processo colaborativo de montagem.

Foram os editores do século XVIII – quando Shakespeare já era considerado um “clássico” (Wells 19Wells, Stanley (Ed.) Shakespeare: A Bibliographical Guide. New Edition. New York: Oxford UP, 1990.) – que começaram a tentar elucidar e emendar os textos, dando então início às edições críticas. Ao longo do tempo, houve incontáveis edições e editores, e o fato de alguns tradutores shakespearianos se basearem mais de uma edição em inglês, cada uma tendo um editor diferente e até divergindo em vários aspectos, pode qualificar suas traduções como compilativas ou conflacionadas, por resultarem de múltiplos textos-fonte. Esse certamente será o caso de um tradutor de Hamlet que se proponha a realizar seu trabalho a partir de um amálgama de versões e edições, buscando um Hamlet totalizante.

Esses aspectos da tradução de textos teatrais e, especificamente, da poesia dramática shakespeariana ainda são acrescidos de uma série de decisões gerais a serem tomadas pelos tradutores com relação a métrica, rima e dicção, por exemplo. Há de se preservar a combinação original de verso branco, verso rimado e prosa, ou o texto será integralmente prosificado? No caso da primeira opção, será preciso definir o esquema métrico, escolha que geralmente se dá entre versos decassílabos, na maioria das vezes, ou dodecassílabos. E quanto à linguagem, há de apresentar um viés mais contemporâneo e acessível, ou não se abrirá mão de um léxico, fraseologia e sintaxe mais elaborados, eventualmente com um sabor arcaizante?

As características formais dos textos shakespearianos, complementadas por tantas outras, como, por exemplo, a imagística, os jogos de palavras, as topicalidades com o contexto político, social e cultural elisabetano-jaimesco, e as referências a obras da Antiguidade clássica, evidenciam a complexidade dessas traduções. É uma tarefa que requer conhecimentos e habilidades múltiplos e sofisticados por parte dos/as tradutores/as, o que por si só justifica o interesse por suas concepções, habitus e comportamentos tradutórios.

Considerando exclusivamente as traduções integrais publicadas em forma de livro, sem incluir as edições que se apresentam como adaptações, podemos contabilizar desde 1933, com o pioneiro Hamlet de Tristão da Cunha, 214 traduções brasileiras das 39 obras dramáticas de Shakespeare. Até o momento, 39 tradutores individuais, uma dupla e um coletivo assinaram traduções integrais de peças do cânone, grupo no qual se incluem apenas dez mulheres, como se pode ver no gráfico abaixo:

Gráfico 1
Número de tradutores e tradutoras (shakespearianos/as)

Neste segundo gráfico, é possível ver a distribuição da autoria das traduções entre tradutores e tradutoras:

Gráfico 2
Distribuição das traduções

3. Tradutoras brasileiras de Shakespeare

A tradução sempre foi uma atividade franqueada às mulheres e considerada adequada para elas, ao contrário da criação autoral, que durante muito tempo esteve fora do seu alcance. Em ensaio de 2011, afirma Susan Bassnett: “Quando começamos a examinar a história das literaturas no que diz respeito à tradução, é interessante ressaltar o papel desempenhado pelas tradutoras, cujo trabalho frequentemente teve imenso impacto, embora sua contribuição seja, de modo geral, pouco valorizada, e seus nomes, muitas vezes esquecidos”11 11 “When we start to look at the history of literatures in terms of translation, it is interesting to note the role played by women translators, whose work often had an enormous impact but whose contribution is often overlooked or whose names are often forgotten” (“Women’s work” 94). E complementa que, do século XVII à era vitoriana, a tradução “parecia oferecer uma oportunidade às mulheres de se libertarem do papel tradicional de ‘anjo da casa’ e de falar, muitas vezes de forma radical, por meio da obra de outro escritor”12 12 “appeared to offer an opportunity to women to break out of the traditional role of Angel of the House and speak through the work of another writer, often in radical ways” (96).

A tradução inauguradora de Tristão da Cunha foi logo seguida por duas de Berenice Xavier (A megera domada, em 1936, e O mercador de Veneza, em 1937), o que poderia criar a expectativa de uma presença marcante das mulheres nas traduções shakespearianas, o que não se confirmou. Essa expectativa se justificaria não só pelas contribuições pioneiras de Berenice Xavier nos anos 1930, mas também pela força das personagens femininas em Shakespeare, uma galeria de mulheres maduras (independentemente da idade), sedutoras e decididas, como é o caso de Julieta, possivelmente a primeira adolescente feminista na literatura, e Cleópatra, para citar apenas duas13 13 Protagonistas como Julieta, Cleópatra, Lady Macbeth, Beatrice e Isabella vão de encontro ao patriarcalismo da época de Shakespeare, como observa Anna Camati (138): “Havia toda uma série de preconceitos com relação à mulher, como revela a criação das estruturas de pensamento binárias, cultivadas pelo poder patriarcal, sempre ávido em assegurar a hegemonia masculina. A mulher era considerada fraca, passiva, submissa, dependente, falsa e volúvel, deixando-se guiar demasiadamente pela emoção; em contrapartida, o homem era visto como o exato oposto: forte, ativo, dominador, independente, sincero e verdadeiro, orientado pela razão”. .

Mas o fato é que, depois dessas duas comédias, somente 30 anos e 51 traduções depois é que uma tradutora assinou novamente um Shakespeare brasileiro, desta vez Anna Amélia Carneiro de Mendonça, com o seu Hamlet de 1968. E assim foram se seguindo traduções sucessivas por poetas, estudiosos e dramaturgos, até que em 1990 foi publicada a primeira tradução de Barbara HeliodoraHeliodora, Barbara. “Sobre Ricardo III.”. Shakespeare, W. Ricardo III (trad. Anna Amélia Carneiro de Mendonça) e Henrique V (trad. Barbara Heliodora). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, pp. 11-16., que transpôs para o português brasileiro 36 peças no total, e a partir de 1998 tiveram início as contribuições de Beatriz Viégas-Faria, que já traduziu para a L&PM 21 peças, entre tragédias, comédias e peças históricas, das quais 19 estão publicadas. Esses quatro nomes têm a companhia de Aíla de Oliveira Gomes e Marilise Bertin, com duas peças cada, e Maryland de Moraes, Aimara Cunha Resende, Alda Porto e Bruna Beber, que traduziram uma peça cada.

O quadro abaixo mostra a atuação das tradutoras desde o início da série até os dias de hoje, com as peças traduzidas que publicaram e a estratégia tradutória global adotada.

Quadro 1
Tradutoras e traduções

A seguir, apresento o perfil de cinco dessas tradutoras, número determinado por dois critérios. Um deles foi a disponibilidade de dados, tanto biográficos quanto sobre visões de tradução e projeto tradutório, o que inclusive permite tecer considerações – ou mesmo indagações – sobre os respectivos habitus. Diante da escassez de informações até o momento, não será possível enfocar Maryland de Moraes, tradutora de Rei Lear (1972), e Aíla de Oliveira Gomes, professora de língua e literatura inglesa na UFRJ e tradutora de poesia, que também traduziu e publicou Rei Lear (2000) e, poucos anos depois, Conto de Inverno (2005). O outro critério, motivado por questões de espaço, foi o de não contemplar as tradutoras que tiveram traduções integrais de peças shakespearianas publicadas a partir de 2010, Marilise Bertin, Alda Porto e Bruna Beber, a serem abordadas futuramente. A sequência de tradutoras segue uma ordenação cronológica, tendo como base as datas de publicação da primeira – ou da única – tradução shakespeariana de cada uma.

Berenice Xavier (1899-1986)14 14 As datas de nascimento e morte serão informadas apenas no caso das tradutoras já falecidas.

Durante muito tempo foi praticamente impossível obter informações sobre Berenice Xavier, até que em 2015 a tradutora e historiadora da tradução Denise Bottman supriu essa lacuna em seu blog “Não gosto de plágio”, que por sua vez foi a fonte para um verbete do DITRA postado em 2019. Segundo Bottman, Berenice inicia suas atividades de tradutora profissional em 1936, na Athena Editora, de propriedade de um importante líder antifascista entre as colônias italianas no Brasil e admirador das ideias de Leon Trótski, isso durante a chamada Era Vargas. Ela foi responsável pelas primeiras traduções brasileiras de A megera domada (1936) e O mercado de Veneza (1937). Um fato curioso é que o título A megera domada, escolhido para a tradução de The Taming of the Shrew, acabou sendo adotado por sete das oito traduções da peça publicadas no Brasil, muito embora não reflita a ideia de processo expressa pelo gerúndio do título original. A exceção é Newton Belleza (1977)Belleza, Newton. “Introdução a Amansando Catarina.”. Shakespeare, W. Amansando Catarina. Trad. Newton Belleza. Rio de Janeiro: Emebê, 1977, pp. 17-21., que optou pelo título Amansando Catarina15 15 Na Introdução a Amansando Catarina, Belleza diz que o título traduzido da peça “se convencionou descuidosamente ser, não se sabe bem por que cartas d’água, A megera domada. [...] Gira a comédia em torno do caso de uma moça bonita, atraente, casadoura, cujo temperamento irascível, rabugento, incontrolável, a punha a distância de todo o (sic) mundo, horrorizando os seus possíveis pretendentes. [...] Não se trata, portanto, de uma megera – mulher feia, velha, [...] como uma bruxa. Catarina é fisicamente jovem e encantadora. A tradução inadvertida da primeira vez, e a confirmação pelo comodismo das subseqüentes, consagraram uma impropriedade que se procura agora corrigir, dando-se em português uma denominação mais adequada à comédia de Shakespeare” (Belleza 19-20). , em convergência com as traduções portuguesas: Amansía de uma fúria (tradução de Henrique Braga, 1955) e O amansar da fera (tradução de Nuno Ribeiro, 2003).

A produção tradutória de Berenice Xavier vai de 1936 aos anos 1960, contemplando títulos de Dickens, Melville, Faulkner, Hemingway e Henry James, dentre outros. Com relação a sua concepção de tradução e estratégias tradutórias, não tive acesso a outras fontes além das traduções em si. As duas comédias de Shakespeare foram traduzidas integralmente em prosa, seguindo a ortografia da época, anterior à reforma de 1943. As falas são concisas, como se espera de um texto teatral, empregando sintaxe predominantemente direta, mas muitas mesóclises e ênclises com contrações, como “far-me-eis” e “mostrai-lho”, o que soa formal e datado. O vocabulário, por sua vez, é bastante acessível, com palavras em uso até hoje. Grande parte dos jogos de palavras foram reproduzidos ou recriados, e empregados os pronomes “tu” e “vós”, para traduzir thou e you, respectivamente.

Não há informações disponíveis sobre o que determinou a escolha dos dois títulos traduzidos: se a sugestão veio da própria tradutora, o que indicaria um pendor por determinados gêneros, temas, tramas e até agendas tanto explícitas como implícitas, ou de outros agentes. De qualquer forma, diante dos dados biográficos da tradutora, descrita por Denise Bottman (2017) como simpatizante trotskista, seria natural que ela se interessasse por traduzir não as comédias de Shakespeare, mas sim seus dramas históricos, como Ricardo III, Henrique IV e Ricardo II, em que a política é um tema central, ou mesmo peças romanas como Coriolano e Júlio César, em que são discutidas questões como conspirações, a ascensão de tiranos e a truculência do poder, o que permite a alegorização de situações contemporâneas. No entanto, Berenice foi traduzir precisamente A megera, considerada por muitos a única peça machista do autor inglês, que termina com a triunfal subjugação da protagonista Catarina por seu marido Petrúquio. É evidente que tal escolha pode ter sido decorrente de uma série de fatores independentes da vontade da tradutora, mas por outro lado não há como não notar a ironia da situação. Lembrando que, segundo Bourdieu, o habitus é também produto da história coletiva familiar e de classe (GouanvicGouanvic, Jean-Marc. “A Bourdieusian Theory of Translation, or the Coincidence of Practical Instances. Field, ‘Habitus’, Capital and ‘Illusio’”. Bourdieu and the Sociology of Translation and Interpreting. The Translator, Inghilleri, M. (Ed.). Manchester, UK: St. Jerome, 2005. pp. 147-166. 158-9), fica em aberto uma discussão sobre o habitus de uma tradutora como Berenice Xavier, o que depende de mais dados do que foi possível reunir até o momento.

Anna Amélia Queiroz Carneiro de Mendonça (1896-1971)

Nascida em 1896, quando as mulheres brasileiras não votavam, não dirigiam automóveis nem estudavam em universidades, a intelectual Anna Amélia foi uma verdadeira revolucionária dos costumes. Tinha uma personalidade considerada fascinante: amante dos esportes, torcia pelo América e chegou a jogar futebol (à época, um esporte apreciado pela “melhor sociedade carioca”, como se dizia); aventureira, atravessou a Europa, o Oriente e a África de carro e trem; feminista, atuou em defesa dos direitos das mulheres e nas iniciativas promovidas pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, e foi a primeira mulher a integrar o Tribunal Eleitoral. Além disso, era muito empreendedora, tendo fundado a Casa do Estudante do Brasil (CEB), angariando doações de políticos, intelectuais e membros da sociedade. Publicou seu primeiro livro de poesia aos 14 anos (HeliodoraHeliodora, Barbara. “Barbara Heliodora – 91 anos, escritora e tradutora.”. Rio de Janeiro, 2014. Mais 60, São Paulo, v. 25, n. 60, julho (2014): 88-99., “Barbara Heliodora – 91 anos”), seguindo uma poética parnasiana, e traduziu poemas de várias línguas.

Anna Amélia começou a traduzir trechos de obras de Shakespeare a pedido da filha, Barbara Heliodora, que precisava dessas traduções para suas aulas de teatro e conferências. Mais adiante, animou-se, novamente por solicitação da filha, a transpor integralmente Hamlet e Ricardo III para o português, tendo suas traduções publicadas respectivamente em 1968 e 1993.16 16 A tradução de Hamlet data de 1960 mas só foi publicada em 1968 (Agir), e a de Ricardo III permaneceu inédita por 25 anos (Heliodora, “Sobre Ricardo III” 16) até sair pela Nova Fronteira, em 1993. No que tange aos aspectos formais, optou pela combinação de prosa e versos decassílabos rimados e não rimados. Estabeleceu com objetivos principais: (i) empregar uma linguagem acessível, para permitir uma compreensão imediata por parte do público, como o próprio Shakespeare procurou fazer em sua época, mas procurando evitar os extremos tanto de uma dicção arcaizante quanto de um “vocabulário transitório de regionalismo ou coloquialismo menor” (HeliodoraHeliodora, Barbara. “Introdução.”. Shakespeare, W. Hamlet. Trad. Anna Amélia Carneiro de Mendonça. Rio de Janeiro, Agir, 1968, pp. 7-18., “Introdução” 9); e (ii) produzir traduções encenáveis, em que atores e diretores “pudessem sentir o fluxo da ação”, mas que ao mesmo tempo fossem traduções de poeta, para fazer jus à dimensão da literatura dramática do período elisabetano-jaimesco, como relata Barbara Heliodora em paratexto que vem acompanhando todas as edições dessa tradução (Ibid., 6).

Anna Amélia foi, portanto, uma poeta que, na sua versão tradutora, preocupou-se fundamentalmente em preservar – ou recriar – a poesia de Shakespeare, uma atuação para a qual seu habitus a conduziu. Apesar de todo o seu engajamento com causas sociais e feministas, não há fundamentos para se atribuir a essa agenda a escolha das duas peças que transpôs para o português, uma vez que a própria Barbara afirmou que as traduções foram feitas por sua solicitação, para atender a necessidades profissionais.

Os diferentes excertos que ia traduzindo a pedido, como o “Soneto do Peregrino”, de Romeu e Julieta (I.v), foram posteriormente incorporados por Barbara Heliodora quando esta passou a publicar suas próprias traduções. Temos aqui, portanto, uma simbiose interessante: diversos fragmentos traduzidos por Anna Amélia estão mesclados a traduções de várias peças assinadas somente pela filha, assim como as duas peças integralmente traduzidas pela mãe – e que nas edições mais recentes levam a assinatura de ambas, após uma revisão que introduziu algumas alterações, basicamente nos pronomes de tratamento e no vocabulário17 17 Na Introdução à 3ª. edição, Barbara Heliodora explica: “Para a comunicação com espectador ou leitor, hoje em dia, o tratamento na segunda pessoa do plural parece distante, e por isso mesmo ele só foi preservado quando os personagens se dirigem diretamente a alguém da família real, em ocasiões formais. Do mesmo modo, a crescente intimidade com a peça sugeriu algumas (muito poucas) alterações de palavras ou frases, que pareciam necessárias para serem ou mais fiéis ou mais acessíveis” (25). – frequentemente constam como traduções de Barbara Heliodora nos catálogos de editoras, bibliotecas e livrarias.

Barbara Heliodora (1923-2015)

Heliodora Carneiro de Mendonça, professora de teatro, tradutora, ensaísta, crítica teatral e reconhecidamente uma das maiores autoridades na obra shakespeariana, adotou o nome de autora “Barbara Heliodora” inspirada em uma poeta e ativista política do século XVIII, no que pode ser uma indicação de postura feminista de sua parte, seguindo a tradição da mãe. Começou a traduzir Shakespeare no final dos anos 1970, mas sua familiaridade com o autor teve início muito cedo, aos 12 anos, quando recebeu da mãe um volume de obras completas de Shakespeare no original. Barbara cresceu num ambiente de forte apelo à intelectualidade: como relata em entrevista, seus pais liam muito, e tinham o hábito de manter conversas e incentivar debates em família (“Barbara Heliodora – 91 anos”). O amor pelo teatro também surgiu cedo, ainda criança, e aprofundou-se quando foi terminar a graduação nos Estados Unidos, na área de língua e literatura inglesa, tendo se voltado basicamente para cursos ligados a teatro, como história do teatro, teatro contemporâneo e, sobretudo, Shakespeare. Alguns anos depois do seu retorno ao Brasil, ingressou na escola de teatro Tablado, quando teve oportunidade de vivenciar o exercício teatral, chegando a subir ao palco algumas vezes. Tornar-se professora de teatro – inicialmente no Conservatório Nacional de Teatro, depois na UNIRIO, como professora titular de História do Teatro na Escola de Letras e Artes – foi, portanto, um caminho natural, que também a levou para a crítica teatral, atividade que exerceu ininterruptamente por 28 anos, após sua aposentadoria.18 18 Durante um curto espaço de tempo, antes de começar a traduzir, chegou a escrever críticas na Tribuna da Imprensa e depois no Jornal do Brasil.

Perpassando toda essa trajetória de vida, que moldou seu habitus, esteve a tradução, predominantemente voltada para textos de e sobre Shakespeare. Esse habitus a fazia valorizar a dimensão cênica das obras que traduzia, tendo grande preocupação com a encenabilidade e a falabilidade. Ao traduzir, levava em conta, primordialmente, a função dramática da obra shakespeariana, originalmente escrita para o palco. Por isso mesmo fazia questão de reproduzir, em português, a combinação de prosa, versos brancos e versos rimados de cada peça, diante da relevância dramática da forma original. Para as passagens em verso, usava o decassílabo, considerado por muitos o equivalente mais próximo do pentâmetro iâmbico. E aos defensores das traduções integralmente em prosa, sob a alegação de que teatro em verso é formal e anacrônico, ela sempre respondia que o verso ajuda o ator, na medida em que marca a cadência das falas.

As peças que foram sendo traduzidas por Barbara atendiam a diferentes demandas, desde os cursos ministrados até pedidos de diretores e editoras. Em suas entrevistas, depoimentos e paratextos, não há elementos que revelem uma ou mais escolhas de título motivadas por algum tipo de agenda específica, seja feminista, política ou outra, além de considerações relativas ao potencial artístico da peça para atender à finalidade pretendida. Mas o que se observa é que a trajetória de vida de Barbara foi diferente daquela da maioria de suas contemporâneas, fruto de opções pouco ortodoxas para a época, embora hoje soem como naturais e esperadas. Ela declara, em uma entrevista:

[...] ao longo da minha vida profissional, sempre tive relações com antigas colegas de colégio. A maior parte casou, foi ter filhos e não fez mais nada, ficou em casa. Eu fiquei trabalhando o tempo todo. Difícil você ter diálogo com interesses completamente diferentes, tenho mais diálogo com uma pessoa de outra geração, que faz a mesma coisa que eu, ou que, pelo menos, seja da mesma área.

(“Barbara Heliodora – 91 anos” 94)

O fato é que as atividades realizadas por Barbara, que sempre giraram em torno do teatro – como professora, crítica, ensaísta, jurada dos mais importantes prêmios brasileiros na área e dirigente do Serviço Nacional de Teatro e do Círculo Independente de Críticos Teatrais –, fizeram com que ela construísse uma carreira de excepcional sucesso, reconhecido no Brasil e no exterior, e chancelado por prêmios e comendas19 19 Recebeu a Medalha Connecticut College, a medalha João Ribeiro pela da Academia Brasileira de Letras, tornou-se Oficial da Ordre des Arts et des Lettres, da França e foi agraciada com o Prêmio Jabuti. . Todas essas conquistas profissionais, somadas ao prestígio intelectual do seu meio familiar, lhe garantiram, como seria de se esperar, um grande capital simbólico, transferível para seu legado de obras e traduções.

Quanto às suas crenças sobre tradução, ela considera que o tradutor não tem um trabalho de criação, assim como o crítico: “[...] tradução é em cima de um texto. Crítica é em cima do texto. Eu trabalho em cima de um texto” (“Barbara Heliodora – 91 anos” 98).20 20 Para mais detalhes sobre as concepções de tradução de Barbara Heliodora, ver Martins (2020) e Heliodora (2018). Ressalta que procura ser o mais fiel possível: “Eu não quero que me vejam, eu quero que vejam Shakespeare, então eu tento ficar o mais próximo dele” (Ibid.). Afirma respeitar forma e rima (“onde não tem rima, não coloco rima”), bem como o número de sílabas e o de versos, frisando que “isso exige um trabalho incrível” (Ibid.). É curioso que Barbara não considere que o “trabalho incrível”, como descreve, exigido pelo tipo de tradução a que se dedica, não seja um trabalho de criação. Na verdade, ela parece compreender “criação” como um trabalho de autoria, aquilo a que se costuma chamar de “texto original”. Já a tradução e a crítica se fazem a partir de um texto já existente, constituindo, portanto, metatextos, que não se encaixam no seu conceito de criação, fruto do habitus de alguém que sempre amou, entendeu e até mesmo reverenciou profundamente o teatro e Shakespeare, e se tornou tradutora para despertar no público em geral – alunos, espectadores, leitores – o mesmo amor, entendimento e reverência.

Aimara da Cunha Resende

Pesquisadora de grande prestígio nacional e internacional no universo dos estudos shakespearianos, Aimara Resende se autodefine como professora, pesquisadora e crítica literária. Professora de Literatura Inglesa e Comparada nos cursos de Graduação e Pós-Graduação na Universidade Federal de Minas Gerais, diz não se ver como tradutora, pois nunca traduziu profissionalmente. As traduções que costuma fazer são de citações de Shakespeare e partes de textos teóricos, para inserção em suas publicações críticas. A única peça que transpôs integralmente para o português foi Trabalhos de amor perdidos, por solicitação de um grupo de teatro com o qual havia trabalhado como consultora e que queria produzir esta que é uma das primeiras comédias escritas por Shakespeare, datada aproximadamente de 1594-5.

No momento, Aimara está envolvida com a versão para o inglês da apropriação da peça A tempestade por Augusto Boal, trabalhando em parceria com Michael Warren, Professor Emérito da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e referência internacional dos estudos shakespearianos. Ela quis traduzir essa reescrita de Boal pela ressonância que tem com a sua pesquisa sobre as apropriações brasileiras da obra shakespeariana feitas pela cultura de massa, que incluem adaptações de peças e sonetos para o cinema, televisão, quadrinhos, mangás japoneses e também para a literatura de cordel. Como shakespearianista, tem sido incansável “na batalha por simplificar a imagem elitista criada em torno do dramaturgo” (BragaBraga, Carolina. “Piquenique reúne hoje (26) amantes da poesia e da literatura de William Shakespeare.”. UAI (online), postado em 26 abr. 2016. Disponível em uai.com.br/app/noticia/e-mais/2016/04/26/noticia-e-mais,179317/piquenique-reune-hoje-26-amantes-da-poesia-e-da-literatura-de-willia.shtml.
uai.com.br/app/noticia/e-mais/2016/04/26...
).

Aimara Resende tem ainda uma característica muito forte, que é o empreendedorismo. Entre suas inúmeras iniciativas, destaco: (i) a criação do Centro de Estudos Shakespearianos (CESh), em 1990, tendo pesquisadores da área como membros. Ao longo de 30 anos o CESh promoveu inúmeros eventos, como colóquios, seminários e cursos com especialistas nacionais e estrangeiros, além de assessorar grupos teatrais em montagens de peças do autor inglês; (ii) o projeto “Shakespeare e as crianças”, criado em 2003, que envolve oficinas semanais de discussão de texto com cerca de 40 crianças, além de professores e monitores, enfocando peças de Shakespeare escolhidas pelo grupo para um trabalho de cidadania e educação cultural; e (iii) a criação do Selo CESh na editora mineira Tessitura, com o objetivo de publicar traduções e textos críticos sobre Shakespeare, que lançou duas peças traduzidas e quatro obras críticas de 2006 a 2018. Como editora-geral do selo, Aimara definiu que as traduções das peças deveriam ser norteadas por princípios de tradução cultural e buscar

resgatar as idéias, as criações verbais, a imagística, a riqueza sonora e rítmica e as estruturas dramáticas de Shakespeare, tornando-as acessíveis aos leitores e/ou às platéias brasileiros(as), sem vulgarizá-las ou deturpá-las com rodeios ou linguajar pseudo-culto, que, na ilusão de se aproximarem do ‘Bardo’, apenas contribuem para a incompreensão de seu pensamento e o desinteresse por sua obra.

(ResendeResende, Aimara da Cunha. “Traduções da Shakespeariana.”. Shakespeare, W. Trabalhos de Amor Perdidos. Tradução, introdução e notas de Aimara da Cunha Resende. Belo Horizonte: Tessitura/CESh, 2006, ix-x., “Traduções da Shakespeariana” ix)

Complementando as noções sobre tradução de Aimara que transparecem da proposta para as traduções do Selo CESh, em um paratexto de Trabalhos de amor perdidos ela comenta algumas decisões tomadas, como a tentativa de conservar o esquema métrico de Shakespeare, traduzindo em prosa e versos decassílabos, e de manter “a comicidade e a ironia dos jogos de palavras, recorrendo, quando necessário para tal, a transposições culturais que conservassem o sentido original, ao mesmo tempo que os expressassem através de formas próprias da cultura brasileira” (ResendeResende, Aimara da Cunha. “Introdução.”. Shakespeare, W. Trabalhos de Amor Perdidos. Tradução, introdução e notas de Aimara da Cunha Resende. Belo Horizonte: Tessitura/CESh, 2006, xxiii-xxxiii., “Introdução” xxxii).

A trajetória profissional de Aimara, que ajudou a construir seu habitus, tem sido de dedicação ao ensino e à pesquisa sobre o teatro de Shakespeare e sua época, bem como de iniciativas em torno da sua difusão. E esse habitus, que vem informando suas traduções, agrega ainda elementos de uma forte consciência política e do papel da mulher na sociedade. A respeito de sua tradução de Trabalhos de amor perdidos, ela afirma ter procurado

reproduzir a presença de valores – e críticas subliminares a muitos deles – [evocando] situações atuais, visto meu objetivo ser a comunicação a um público não acostumado às peças de Shakespeare, e vivenciando, com frequência, situações semelhantes às apresentadas no texto de origem. A atitude constante de Shakespeare em relação à superioridade da inteligência feminina, em especial nas comédias, é evidente em Trabalhos, e eu jamais poderia perder de vista este fato.

(ResendeResende, Aimara da Cunha. Entrevista pessoal. 2 nov. 2020., “Entrevista”)

Por fim, o reduzido número de tradutoras shakespearianas no Brasil não causa estranhamento a Aimara, para quem “a realidade fala por si”, acrescentando que, “infelizmente, as mulheres de um modo geral, apesar dos esforços de feministas, ainda não chegaram a um patamar de igualdade com os homens, não só nesse aspecto como em tudo o mais” (ResendeResende, Aimara da Cunha. Entrevista pessoal. 2 nov. 2020., “Entrevista”).

Beatriz Viégas-Faria

Tradutora formada pela UFRGS (1986), com mestrado e doutorado na área de tradução de Shakespeare, integra o corpo docente do Bacharelado em Letras – Tradução (Inglês-Português e Espanhol-Português) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e há duas décadas vem ministrando cursos e oficinas de tradução, tradução teatral e Shakespeare.

Depois de alguns anos de atividade como tradutora de textos de ficção e teatrais, começou a traduzir Shakespeare em 1997, com Romeu e Julieta, a convite da L&PM Editores, que queria publicar mais títulos além dos quatro traduzidos por Millôr Fernandes. Desde então traduziu 21 peças, várias delas encenadas por grupos brasileiros de teatro. Para fazer essas traduções, desenvolve vasta pesquisa, que inclui edições anotadas em língua inglesa, outras traduções das peças para a língua portuguesa, e, é claro, estudos sobre Shakespeare e o teatro elisabetano. Sua inquietação principal como tradutora reside nas dificuldades do subtexto (as entrelinhas, os não-ditos, os pressupostos, os subentendidos), e tem sido especialmente nos estudos de semântica e pragmática que consegue algumas respostas teóricas a questões até então irrespondidas da prática tradutória (Viégas-FariaViégas-Faria, Beatriz. Entrevista concedida ao portal “Escolha seu Shakespeare”. 2008. Disponível em: http://www.dbd.puc-rio.br/shakespeare/pdfs/entrevistaBeatrizViegasFa.pdf.
http://www.dbd.puc-rio.br/shakespeare/pd...
, “Confira entrevista com Beatriz Viégas-Faria”).

Logo de saída decidiu traduzir em prosa, para não ficar “engessada” na métrica, uma vez que desejava espaço para lidar a seu modo com trocadilhos, por exemplo. Ela diz que, livre das restrições de versificação, pode usar de todos os recursos disponíveis para tentar manter, no português de hoje, o máximo possível das várias camadas de significação encontradas nos versos da dramaturgia de Shakespeare conforme as vai identificando, graças aos estudos shakespearianos (Ibid.). Para alcançar seu objetivo, procura encontrar soluções que veiculem as mesmas entrelinhas, preservando-as como subentendidos. Essa preocupação, e as soluções dela decorrentes, revelam a fundamentação teórica que se origina da formação de Beatriz como semanticista. E ela faz também a seguinte reflexão sobre o seu comportamento como tradutora:

Existe também o meu jeito próprio de escrever [...] – este interfere no processo tradutório de uma certa maneira exatamente no sentido de não interferir no texto do autor estrangeiro: é também por ser escritora que consigo reconhecer no trabalho de outro autor as técnicas de composição. Por outro lado, sabe-se que não existe a invisibilidade do tradutor.

Como estudiosa da tradução de diálogos ficcionais, gosto de pensar que, no caso complexo da tradução teatral, soluções tradutórias a princípio seriam sempre possíveis (para trocadilhos, humor, ironia, etc). O tradutor literário enquanto leitor especializado consegue separar o dito (a superfície do texto) do não-dito (a sua interpretação do texto, derivada de seu processo de leitura); enquanto escritor especializado, ele busca (re)colocar na superfície do texto traduzido os interstícios do subtexto – deixando igualmente implícitos (sem omitir e sem explicitar) os significados subentendidos do texto-fonte.”

(Viégas-FariaViégas-Faria, Beatriz. “Confira entrevista com Beatriz Viégas-Faria, tradutora de Shakespeare”. L&PM Editores, 19 set. 2008. Disponível em https://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805133&SecaoID=816261&SubsecaoID=618848&Template=../artigosnoticias/user_exibir.asp&ID=719233.
https://www.lpm.com.br/site/default.asp?...
, “Entrevista a ‘Escolha seu Shakespeare’”, grifos da autora)

É possível perceber o papel que têm a formação de Beatriz como semanticista e as suas facetas de poeta e escritora na constituição de seu habitus, entendido como “história incorporada, incrustada no corpo e na mente dos agentes, uma segunda natureza que orienta o agir, o pensar e o sentir dos agentes em sociedade” (Monteiro 57Monteiro, José Marciano. 10 lições sobre Bourdieu. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.). Os prefácios de sua autoria que vêm complementando as edições mais recentes de peças traduzidas, assim como as entrevistas que concede, são iluminadores quanto à sua visão de tradução em geral, de tradução de Shakespeare em particular e dos seus objetivos e estratégias nesse tipo de tradução. Na reflexão aprofundada abaixo reproduzida, da qual aprendizes de tradução certamente tirarão muito proveito se discutidas em sala de aula, a tradutora analisa o seu processo tradutório e a sua relação com a tradução:

[N]a reescrita do texto fonte, preciso ter nítida para mim a diferença entre a superfície linguística do texto e a minha compreensão do texto, produto de minha leitura, quando então preencho os vazios e os silêncios do que está escrito com minhas inferências — entre elas, eventuais percepções de alusões intertextuais — e com minha percepção. Tendo em mente que cada palavra e cada vírgula e cada instância de paragrafação são frutos do trabalho suado do primeiro autor, posso me dar o direito de suar na tarefa de reengendrar, retrabalhar, mesmo manipular o texto, quando sou eu, nessas ações tradutórias, o segundo autor – autora de obra derivada.

Só assim eu tenho condições de refazer o texto dito original em texto traduzido – encarando e descarnando o texto do qual fiz leitura informada (sobre o autor e suas circunstâncias, sobre questões formais de textos em língua inglesa) e revestindo-o então de meus conhecimentos formais de textos em língua portuguesa do Brasil na contemporaneidade e colocando sangue, suor e lágrimas no trabalhar o texto do outro autor, mas também colhendo imenso prazer nas invenções linguísticas que me ocorrem ou logo, ou dias e dias depois, justamente as invenções que me permitem executar de modo satisfatório a re-criação daquele texto do qual sou eu a tradutora.

(Viégas-FariaViégas-Faria, Beatriz. Entrevista pessoal. 14 nov. 2020., “Entrevista”)

Sua metalinguagem sobre tradução é muito bem elaborada e detalhada, detendo-se sobre diversas questões de tradução diacrônica que afetam em particular o trabalho com os textos shakespearianos. Uma delas, bastante importante, diz respeito ao vocabulário. Como se sabe, Shakespeare criou cerca de duas mil palavras e expressões. Beatriz dá como exemplo o termo heart of stone – em português, “coração de pedra” –, que foi cunhado por ele em Noite de reis (III.iv21 21 Olivia: I have said too much unto a heart of stone/And laid mine honor too unchary on ’t. (Shakespeare). ). Não existia antes na língua inglesa, mas hoje é expressão conhecida em vários idiomas. O que fazer na tradução? Repetir a expressão, que hoje é um grande clichê, provocando um efeito estético oposto? Ou “inventar em português, como Shakespeare inventou em inglês?”, indaga a tradutora (Ibid.), chamando a atenção para mais um desafio que se apresenta a quem se dispõe a traduzir textos produzidos em outro momento e em outro estado da língua.

Beatriz Viégas-Faria é a tradutora com mais títulos do cânone shakespeariano publicados, depois de Barbara Heliodora. Seu capital simbólico é bastante significativo, derivado de sua sólida atuação docente, títulos acadêmicos conquistados, e consistente e premiada produção tradutória, poética e crítica. No entanto, nunca teve a intenção de traduzir alguma peça de Shakespeare pensando em criar alguma ressonância com o momento atual, quer de ordem política, de agenda feminista ou alguma outra. Isso porque, segundo ela, se houver agendas, estas deverão ser de quem vai usar o texto shakespeariano para seus projetos de produção teatral, e não dela, tradutora.

* * *

Finalizando, mesmo com as contribuições de Marilise Bertin, Alda Porto e Bruna Beber na década de 2010, o número de tradutoras continua proporcionalmente inferior ao de tradutores, à razão de um terço, como visto. Enquanto há muitos tradutores shakespearianos em atividade, inclusive produzindo traduções em sequência, como Elvio Funck, José Roberto O’Shea e Lawrence Flores Pereira, do lado das tradutoras o ritmo parece menos intenso, mas esperamos que em breve se intensifiquem as leituras, traduções e interpretações da obra shakespeariana produzidas por seu habitus feminino, de agentes de reescrita, de especialistas em teatro e em Shakespeare, de poetas, de professoras. Tendo sempre em mente que as reescritas de modo geral criam imagens de obras e autores, a importância de traçar perfis de tradutores e tradutoras, sobretudo de clássicos literários, vai muito além do valor anedótico, pois é esse perfil, que inclui concepções de tradução, habitus e comportamento tradutório, que vai ter papel preponderante na inserção e recepção dessas obras e autores em nosso sistema cultural. E no caso de Shakespeare, os perfis de tradutoras, especificamente, despertam especial interesse, diante da forte ressonância das peças com questões contemporâneas e da valorização da mulher por meio de personagens femininas tão emblemáticas.

  • 1
    Apesar de ser este um texto sobre tradutoras, optei, nas referências genéricas, pelo substantivo masculino, tanto no singular como no plural, visando evitar a constante repetição da forma “tradutor/a” ou “tradutores/as” e a necessária dupla concordância para todos os artigos, pronomes, numerais e adjetivos que pudessem acompanhar tais vocábulos.
  • 2
    “compatible with the basic tenets of cultural studies approaches to translation.” Tradução minha, assim como nas demais citações extraídas de obras em língua estrangeira sem indicação de tradutor. Agradeço a Ofélia da Conceição Sagres por me apresentar a este volume e por outras sugestões de bibliografia.
  • 3
    Texto republicado em Belas Infiéis, vol. 3, 2014, em tradução de Patrícia Rodrigues Costa e Rodrigo D’Avila Braga Silva.
  • 4
    “images of a writer, a work, a period, a genre, sometimes even a whole literature”
  • 5
    “for the general reception and survival of works of literature among non-professional readers, who constitute the great majority of readers in our global culture”
  • 6
    “the importance of the ‘human factor’ in translation and other kinds of rewriting”
  • 7
    https://www.historiadatraducao.com/nehtlit.
  • 8
    Respectivamente, Não gosto de plágio (http://naogostodeplagio.blogspot.com/), Poesia traduzida no Brasil (http://poesiatraduzida.com.br/) e Historiografia da tradução no Brasil (http://historiografiadatraducaobr.blogspot.com/)
  • 9
    “despite the canonical status of the plays, the truth is that they were never intended to be great literary works, they are a composite of speeches and scenes written piecemeal for talented and popular actors of the time. Hence the reason why in some cases the plot and characterisation lines do not seem to be coherent, as a famous Czech translator and diretor pointed out to me once. Sometimes characters behave differently from act to act, or plots change course rather oddly”
  • 10
    “Translators cannot know what an actor may find performable, they can only guess, yet once they can work with actors, revising and reshaping the words in performance, the play can acquire vitality and excitement.”
  • 11
    “When we start to look at the history of literatures in terms of translation, it is interesting to note the role played by women translators, whose work often had an enormous impact but whose contribution is often overlooked or whose names are often forgotten”
  • 12
    “appeared to offer an opportunity to women to break out of the traditional role of Angel of the House and speak through the work of another writer, often in radical ways”
  • 13
    Protagonistas como Julieta, Cleópatra, Lady Macbeth, Beatrice e Isabella vão de encontro ao patriarcalismo da época de Shakespeare, como observa Anna Camati (138)Camati, Anna Stetgh. “O lugar da mulher na sociedade elisabetana – jaimesca e na criação poética de Shakespeare.”. Shakespeare, sua época e sua obra, Leão, Liana de C. e Marlene Soares dos Santos (Orgs.). Curitiba: Editora Beatrice, 2008, pp. 133-145.: “Havia toda uma série de preconceitos com relação à mulher, como revela a criação das estruturas de pensamento binárias, cultivadas pelo poder patriarcal, sempre ávido em assegurar a hegemonia masculina. A mulher era considerada fraca, passiva, submissa, dependente, falsa e volúvel, deixando-se guiar demasiadamente pela emoção; em contrapartida, o homem era visto como o exato oposto: forte, ativo, dominador, independente, sincero e verdadeiro, orientado pela razão”.
  • 14
    As datas de nascimento e morte serão informadas apenas no caso das tradutoras já falecidas.
  • 15
    Na Introdução a Amansando Catarina, Belleza diz que o título traduzido da peça “se convencionou descuidosamente ser, não se sabe bem por que cartas d’água, A megera domada. [...] Gira a comédia em torno do caso de uma moça bonita, atraente, casadoura, cujo temperamento irascível, rabugento, incontrolável, a punha a distância de todo o (sic) mundo, horrorizando os seus possíveis pretendentes. [...] Não se trata, portanto, de uma megera – mulher feia, velha, [...] como uma bruxa. Catarina é fisicamente jovem e encantadora. A tradução inadvertida da primeira vez, e a confirmação pelo comodismo das subseqüentes, consagraram uma impropriedade que se procura agora corrigir, dando-se em português uma denominação mais adequada à comédia de Shakespeare” (Belleza 19-20).
  • 16
    A tradução de Hamlet data de 1960 mas só foi publicada em 1968 (Agir), e a de Ricardo III permaneceu inédita por 25 anos (Heliodora, “Sobre Ricardo III” 16) até sair pela Nova Fronteira, em 1993.
  • 17
    Na Introdução à 3ª. edição, Barbara Heliodora explica: “Para a comunicação com espectador ou leitor, hoje em dia, o tratamento na segunda pessoa do plural parece distante, e por isso mesmo ele só foi preservado quando os personagens se dirigem diretamente a alguém da família real, em ocasiões formais. Do mesmo modo, a crescente intimidade com a peça sugeriu algumas (muito poucas) alterações de palavras ou frases, que pareciam necessárias para serem ou mais fiéis ou mais acessíveis” (25).
  • 18
    Durante um curto espaço de tempo, antes de começar a traduzir, chegou a escrever críticas na Tribuna da Imprensa e depois no Jornal do Brasil.
  • 19
    Recebeu a Medalha Connecticut College, a medalha João Ribeiro pela da Academia Brasileira de Letras, tornou-se Oficial da Ordre des Arts et des Lettres, da França e foi agraciada com o Prêmio Jabuti.
  • 20
    Para mais detalhes sobre as concepções de tradução de Barbara Heliodora, ver Martins (2020)Martins, Marcia A.P. “Contribuições para uma história das teorias de tradução no Brasil.”. História da tradução no Brasil: teoria, recepção e cânone, Pereira, G. H. et al. (Orgs.). Coleção Estudos da Tradução. Campinas: Pontes, 2020, v.10, p. 35-58 e Heliodora (2018)Heliodora, Barbara. “My reasons for translating Shakespare/Meus motivos para traduzir Shakespeare.”. Palavra de tradutor/The Translator’s Word, Martins, M.A.P. e Andréia Guerini (Orgs.). Edição bilíngue. Florianópolis: EdUFSC, 2018, pp. 175-191..
  • 21
    Olivia: I have said too much unto a heart of stone/And laid mine honor too unchary on ’t. (ShakespeareShakespeare, William. The Complete Works. Wells, Stanley e Gary Taylor (Eds). Oxford: Clarendon Press. Compact Edition, 1988.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2021
  • Aceito
    27 Dez 2021
  • Publicado
    Fev 2022
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