Acessibilidade / Reportar erro

Meu corpo, suas regras? Reflexões sobre grupos de referência e sacrifício percebido pelo consumidor fitness

¿Mi cuerpo, tus reglas? Reflexiones sobre grupos de referencia y sacrificio percibido por el consumidor fitness

Resumo

Neste artigo, objetivamos compreender o envolvimento dos grupos de referência no sacrifício percebido pelo consumidor fitness. Para isso, buscamos analisar as tipologias grupais envolvidas nesse processo sacrificante, seus modos de influência, o impacto exercido, a identidade social ofertada, bem como os papéis dos grupos sociais na (re)construção e manutenção da percepção de sacrifício pelo consumidor fitness. O estudo está alicerçado em duas teorias oriundas da Psicologia Social, são elas: a Teoria do Impacto Social e a Teoria da Identidade Social. A construção dos dados foi realizada por meio de entrevistas episódicas pessoais e o conteúdo foi analisado por meio da Análise Temática. Identificamos que os grupos de referência influenciam normativa e informativamente as esferas penosa e conchegativa do sacrifício realizado pelo consumidor e exercem papéis sociais que contribuem para que a ação sacrificante ocorra, permaneça ou não seja praticada: encorajam (encorajador) ou a inibem (inibidor), educam (educador) ou confrontam (confrontador) o sujeito fitness, auxiliando na formação da identidade social. Reconhecemos que os indivíduos podem desenvolver estratégias de mobilidade e criatividade social em suas coletividades, demonstrando que o impacto social é mutável e que os agrupamentos são permeáveis. Por fim, identificamos que os grupos podem ser tipificados para além das categorias de afiliação, aspiração e dissociação. Diante disso, observou-se, nesta pesquisa, um quarto agrupamento inédito, que foi intitulado grupo de prescrição. Assim, o artigo contribui para o desenvolvimento de pesquisas que partem do social para a esfera individual, visando ao entendimento do consumidor com base em seu contexto e relações.

Palavras-chave:
Grupos de referência; Sacrifício percebido; Consumidor fitness; Identidade social; Impacto social

Resumen

En este artículo pretendemos comprender la implicación de los grupos de referencia en el sacrificio percibido por el consumidor fitness. Para ello, buscamos analizar las tipologías grupales involucradas en este proceso sacrificial, sus modos de influencia, el impacto ejercido, la identidad social ofrecida, así como los roles de los grupos sociales en la (re)construcción y mantenimiento de la percepción de sacrificio del consumidor fitness. El estudio se basa en dos teorías de la Psicología Social, a saber: la teoría del impacto social y la teoría de la identidad social. La construcción de datos se llevó a cabo a través de entrevistas episódicas personales y el contenido se analizó mediante análisis temático. Identificamos que los grupos de referencia influyen normativa e informativamente en las dolorosas y agradables esferas de sacrificio que realiza el consumidor, ejerciendo roles sociales que contribuyen a que la acción sacrificial ocurra, permanezca o no sea practicada, alentándola (alentador) o inhibiéndola (inhibidor), educando (educador) o confrontando (confrontador) al sujeto fitness, ayudando en la formación de la identidad social. Reconocemos que los individuos pueden desarrollar estrategias de movilidad y creatividad social en sus comunidades, demostrando que el impacto social es cambiante y que los grupos son permeables. Finalmente, observamos que los grupos pueden tipificarse más allá de las categorías de afiliación, aspiración y disociación, identificando, en esta investigación, una cuarta agrupación inédita denominada grupo de prescripción. Así, el artículo contribuye al desarrollo de investigaciones que parten de lo social hacia lo individual, con el objetivo de comprender al consumidor desde su contexto y sus relaciones.

Palabras clave:
Grupos de referencia; Sacrificio percibido; Consumidor fitness; Identidad social; Impacto social

Abstract

In this article, we aim to understand the involvement of reference groups in the sacrifice perceived by the fitness consumer. We analyze the group typologies involved in this sacrificial process, their modes of influence, the impact exerted, the social identity offered, and the roles of social groups in the (re)construction and maintenance of the sacrificial perception of the fitness consumer. The study is based on two theories from Social Psychology: Social Impact Theory and Social Identity Theory. Data construction was carried out through personal episodic interviews, and the content was analyzed using Thematic Analysis. We identified that reference groups influence normatively and informatively the painful and congenial spheres of sacrifice performed by the consumer, exercising social roles that contribute to the sacrificial action to occur, remain, or not practiced, encouraging (the encourager) or inhibiting (the inhibitor), educating (the educator) or confronting (the confronter) the fitness subject, helping in the formation of social identity. We recognize that individuals can develop mobility and social creativity strategies in their communities, demonstrating that the social impact is changeable and that groups are permeable. Finally, we recognize that groups can be typified beyond the categories of affiliation, aspiration, and avoidance, identifying, in this research, a fourth unpublished grouping called the prescription group. Thus, the article contributes to the development of research that departs from the social to the individual sphere, aiming at understanding the consumer from their context and relationships.

Keywords:
Reference groups; Perceived sacrifice; Consumer fitness; Social identity; Social impact

INTRODUÇÃO

As percepções em relação ao sacrifício estão presentes em diferentes esferas de nossa vida diária, incluindo o consumo. Acreditamos que fazemos algum sacrifício para consumir mais ou menos, para adotar padrões de compra sustentáveis ou hedônicos e para a adequação a determinado estilo de vida (Achabou, Dekhili, & Codini, 2020Achabou, M. A., Dekhili, S., & Codini, A. P. (2020). Consumer preferences towards animal-friendly fashion products: an application to the Italian market. Journal of Consumer Marketing, 37(6), 661-673.; Chwialkowska & Flicinska-Turkiewicz, 2021Chwialkowska, A., & Flicinska-Turkiewicz, J. (2021). Overcoming perceived sacrifice as a barrier to the adoption of green non-purchase behavior. International Journal of Consumer Studies, 45(2), 205-220.). O que sacrificamos compõe uma lista extensa, na qual há mais que o mero dinheiro gasto em nossa jornada como consumidores: sacrificamos tempo, relacionamentos e comportamentos.

De maneira especial, muitas percepções de sacrifício surgem na busca dos indivíduos por uma boa imagem corporal, por um corpo idealizado que reflita as normas sociais e contextuais. Essa busca os orienta ao estabelecimento de um estilo de vida fitness, caracterizado por exercícios físicos, muitos deles levados ao extremo, a dietas e restrições alimentares e até cirurgias estéticas. O estilo de vida fitness envolve ações do consumidor que reforçam a ideologia ‘no pain, no gain’ (‘sem dor, sem ganho’) (van Hooff, Benthem de Grave, & Geurts, 2019Van Hooff, M. L. M., Benthem de Grave, R. M., & Geurts, S. A. E. (2019). No pain, no gain? Recovery and strenuousness of physical activity. Journal of Occupational Health Psychology, 24(5), 499-511.), exigindo uma forte disciplina e uma série de sacrifícios (percebidos como tal), com base em práticas dolorosas. Nele, os indivíduos se engajam em ações físicas e emocionais que podem estar associadas a dor, abdicação e transformação, com o objetivo de criar uma narrativa associada à forma e ao ajuste corporal (Scott, Cayla, & Cova, 2017Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling Pain to the Saturated Self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.).

A esfera social induz os indivíduos à busca de uma imagem corporal ideal que comunique beleza, saúde, sensualidade e sucesso, padronizando gestos e práticas de sacrifício, demarcando posições sociais (Thompson & Hirschman, 1995Thompson, C., & Hirschman, E. (1995). Understanding the Socialized Body: a Poststructuralist Analysis of Consumers’ Self Conceptions, Body Images, and Self-Care Practices. Journal of Consumer Research, 22(2), 139-153.). Assim, embora descrita como um elemento individual, a percepção do sacrifício se dá sob um universo coletivo e social representado por grupos de referência (Stafford, 1966Stafford, E. J. (1966). Effects of Group Influences on Consumer Brand Preferences. Journal of Marketing Research, 3(1), 68-75.). Pessoas mudam por seus agrupamentos, podem morrer por eles (Whitehouse, 2018Whitehouse, H. (2018). Dying for the group: Towards a general theory of extreme self-sacrifice. Behavioral and Brain Sciences, 41, E192.). Por exemplo, um rito de passagem que incluirá algum tipo de sacrifício pode ser necessário para um indivíduo entrar ou permanecer em um grupo social, envolvendo ações dolorosas, expiatórias e catárticas (Ferrero, 2014Ferrero, M. (2014). From Jesus to Cristianity: the economics of sacrifice. Racionality and Society, 26(4), 397-424.; Hubert & Mauss, 1968Hubert, H., & Mauss, M. (1968). Essai sur la nature et la hist. du sacrifice. In M. Mauss (Ed.), Les fonctions sociales du sacré (pp. 193-307). Paris, France: Minuit.; Whitehouse, 2018Whitehouse, H. (2018). Dying for the group: Towards a general theory of extreme self-sacrifice. Behavioral and Brain Sciences, 41, E192.).

Os grupos são, desse modo, um possível meio de acesso à compreensão do desenvolvimento e modificação da percepção de sacrifício na busca por uma imagem corporal fit. Portanto, neste artigo, objetivamos compreender o envolvimento dos grupos de referência no sacrifício percebido pelo consumidor fitness. Para isso, buscamos analisar as tipologias grupais envolvidas nesse processo sacrificante, seus modos de influência, o impacto exercido, a identidade social ofertada, bem como os papéis dos grupos sociais na (re)construção e manutenção da percepção de sacrifício pelo consumidor.

Ao reconhecer os grupos de referência como agentes de interação na percepção do consumidor quanto ao sacrifício, o artigo é orientado pelo discernimento de um sujeito-ator indissociável dos laços sociais para construção de comportamentos e para a modificação e manutenção de seu corpo, mente e valores, reconhecendo que a cognição deve ser vista não como atividade individual, mas como atividade sociocognitiva dos atores sociais (Martins-Silva, Silva, Peroni, Medeiros, & Vitória, 2016Martins-Silva, P., Silva, A. Jr., Peroni, G., Medeiros, C., & Vitória, N. (2016). Teoria das representações sociais nos estudos organizacionais no Brasil: análise bibliométrica de 2001 a 2014. Cadernos EBAPE.BR, 14(4), 891-919.). Por isso, o sujeito é entendido como ser pensante e processador de informações geradas no meio social, que é influenciado por elementos externos; estes elementos são a fonte para o indivíduo pensar e transformar as interações sociais cotidianas (Moscovici, 2012Moscovici, S. (2012). A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis, RJ: Vozes .).

Com tal perspectiva, a pesquisa está alicerçada em duas teorias oriundas da Psicologia Social: a Teoria do Impacto Social (TIS), que aborda como os indivíduos impactam e são impactados em termos comportamentais, sentimentais e reflexivos por ações ou presença (reais, implícitas ou imaginadas) dos outros (Latané, 1981Latané, B. (1981). The psychology of social impact. American Psychologist, 36(4), 243-256.); e a Teoria da Identidade Social (Social Identity Theory [SIT]), embasada na ideia de que a definição do eu e do outro é estabelecida de modo relacional e comparativo, por meio de categorizações sociais (Ashforth & Mael, 1989Ashforth, B. E., & Mael, F. (1989). Social Identity Theory and the Organization. The Academy of Management Review, 14(1), 20-39.; Hogg, Terry, & White, 1995Hogg, M. A., Terry, D. J., & White, K. M. (1995). A Tale of Two Theories: a Critical Comparison of Identity Theory with Social Identity Theory. Social Psychology Quarterly, 58(4), 255-269.; Tajfel & Tuner, 1986Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.).

A Teoria do Impacto Social é útil neste estudo por abordar os fatores sociais do impacto do grupo. Reconhece-se que os indivíduos possuem diversos grupos de referência, de modo que cada um exercerá impactos diferentes sobre as percepções do consumidor que os considera para tomar suas decisões, baseando-se na força, no imediatismo e número de fontes que possuem (Latané, 1981Latané, B. (1981). The psychology of social impact. American Psychologist, 36(4), 243-256.). Assim, a TIS “[...] fornece um quadro útil para entender como os indivíduos são afetados pelo seu ambiente social” (Chang, Zhu, Wang, & Li, 2018Chang, J. H., Zhu, Y. Q, Wang, S. H, & Li, Y. J. (2018). Would you change your mind? An empirical study of social impact theory on Facebook. Telematics and Informatics, 35(1), 282-292., p. 284). Já a Teoria da Identidade Social colabora para este estudo ao oferecer subsídios à compreensão sobre a percepção do indivíduo a respeito de si e dos demais. Tal percepção é moldada de forma relacional e comparativa, mediante mecanismos de distinção e aproximação que os grupos de referência possuem (Ashforth & Mael, 1989Ashforth, B. E., & Mael, F. (1989). Social Identity Theory and the Organization. The Academy of Management Review, 14(1), 20-39.; Tajfel & Tuner, 1986Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.), e cria uma identidade social que engloba não somente benefícios, mas também perdas significativas para os sujeitos em suas ações de consumo, envolvendo uma (des)personalização do indivíduo para se tornar membro de um agrupamento. Isso não significa, necessariamente, uma perda de identidade pessoal, mas a aquisição de uma identidade adicional, que, para Hogg e McGarty (1990Hogg, M. A., & Mcgarty, C. (1990). Self-Categorization and Social Identity. In D. Abrams & M. A. Hogg (Eds.), Social Identity Theory: Constructive and Critical Advances (pp. 10-27). London, UK: Harvester Wheatsheaf.), é mais poderosa, levando os consumidores a acompanhar os grupos com os quais se identificam. Por isso, a SIT pode contribuir no entendimento da (re)construção e manutenção da percepção de sacrifício pelo consumidor fitness com base no grupo de referência.

Apesar do reconhecimento do social no comportamento do consumidor (Kamboj, Sarmah, Gupta, & Dwivedi, 2018Kamboj, S., Sarmah, B., Gupta, S., & Dwivedi, Y. (2018, abril). Examining branding co-creation in brand communities on social media: Applying the paradigm of Stimulus-Organism-Response. International Journal of Information Management, 39, 169-185.) e da percepção de sacrifício para construir o valor percebido pelo cliente (Beldona & Kher, 2014Beldona, S., & Kher, H. V. (2014). The Impact of Customer Sacrifice and Attachment Styles on Perceived Hospitality. Cornell Hospitality Quarterly, 56(4), 355-368.; Bradford & Boyd, 2020Bradford, T. W., & Boyd, N. W. (2020). Help Me Help You! Employing the Marketing Mix to Alleviate Experiences of Donor Sacrifice. Journal of Marketing, 84(3), 68-85.; Dodds & Monroe, 1985Dodds, W. B., & Monroe, K. B. (1985). The Effect of Brand and Price Information on Subjective Product Evaluations. In E. C. Hirschman & M. B. Holbrook (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 12, pp. 85-90). Provo, UT: Association for Consumer Research.; Zeithaml, 1988Zeithaml, V. A. (1988). Consumer perceptions of price, quality, and value: a means-end model and synthesis of evidence. Journal of Marketing, 52(3), 2-22.), pesquisas que abordem diretamente o envolvimento dos grupos sociais na percepção do indivíduo quanto ao sacrifício enquanto consumidor não foram encontradas nas bases de dados a que os autores tiveram acesso (Association for Consumer Research e ProQuest). Tal lacuna orientou o desenvolvimento desta pesquisa. Destarte, considerar os grupos de referência como temática de investigação implica adotar uma visão social sobre o sacrifício, contrária à percepção meramente de custos predominante no marketing (Teas & Argawal, 2000Teas, R. K., & Agarwal, S. (2000). The effects of extrinsic product cues on consumers’ perceptions of quality, sacrifice, and value. Journal of the Academy of marketing Science, 28(2), 278-290.), abrindo possibilidades para descobertas referentes às formas de influência e configurações dos grupos. Ademais, por meio da adoção de uma perspectiva inclusiva do contexto, torna-se possível refletir sobre as relações entre consumo e sacrifício na contemporaneidade. Diante disso, para iniciar a investigação, realizamos um breve esclarecimento em termos conceituais sobre o sacrifício percebido, estabelecendo sua conexão com o social.

SACRIFÍCIO PERCEBIDO E SUA LIGAÇÃO COM GRUPOS SOCIAIS

Na área de Marketing, a atenção ao vocábulo sacrifício se dá a partir da década de 1980, por meio de estudos sobre a Teoria do Valor que elencaram o sacrifício percebido pelo consumidor como parte constituinte do modelo de trade-off na decisão de compra (Dodds & Monroe, 1985Dodds, W. B., & Monroe, K. B. (1985). The Effect of Brand and Price Information on Subjective Product Evaluations. In E. C. Hirschman & M. B. Holbrook (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 12, pp. 85-90). Provo, UT: Association for Consumer Research.; Zeithaml, 1988Zeithaml, V. A. (1988). Consumer perceptions of price, quality, and value: a means-end model and synthesis of evidence. Journal of Marketing, 52(3), 2-22.). Nessa perspectiva, a percepção de sacrifício tem sido entendida como sinônimo de custo monetário ou não monetário para comprar algo (Achabou et al., 2020Achabou, M. A., Dekhili, S., & Codini, A. P. (2020). Consumer preferences towards animal-friendly fashion products: an application to the Italian market. Journal of Consumer Marketing, 37(6), 661-673.; Beldona & Kher, 2014Beldona, S., & Kher, H. V. (2014). The Impact of Customer Sacrifice and Attachment Styles on Perceived Hospitality. Cornell Hospitality Quarterly, 56(4), 355-368.; Koch & Sauerbronn, 2018Koch, E., & Sauerbronn, J. (2018). To love beer above all things: an analysis of Brazilian craft beer subculture of consumption. Journal of Food Products Marketing, 25(1), 1-25.), bem como esforço ou riscos para a aquisição de um bem ou serviço (Macias, 2015Macias, T. (2015). Risks, trust, and sacrifice: Social structural motivators for environmental change. Social Science Quarterly, 96(5), 1264-1276.). Nesse conceito, estão incluídos também a energia e o tempo despendidos para a compra (Chwialkowska & Flicinska-Turkiewicz, 2021Chwialkowska, A., & Flicinska-Turkiewicz, J. (2021). Overcoming perceived sacrifice as a barrier to the adoption of green non-purchase behavior. International Journal of Consumer Studies, 45(2), 205-220.; Murphy & Enis, 1986Murphy, P. E., & Enis, B. M. (1986). Classifying Products Strategically. Journal of Marketing, 50(3), 24-42.).

Destacam-se ainda estudos que consideram o sacrifício como um comportamento de transformação que traz um sentimento de perda pessoal, visando a um benefício (Matear, 2014Matear, M. A. (2014). The Role and Nature of Willingness to Sacrifice in Marketing Relationships (Tese de Doutorado). Queen’s University, Kingston, Ontario, Canada.), e que pode ser percebido como uma expressão de amor e como um presente perfeito para outra pessoa (Belk & Coon, 1993Belk, R. W., & Coon, G. S. (1993). Gift Giving as Agapic Love: An Alternative to the Exchange Paradigm Based on Dating Experiences. Journal of Consumer Research, 20(3), 393-417.). Refletindo sobre a multiplicidade dos conceitos na área de Marketing, Silva e Farias (2020Silva, M. J. B., Farias, S. A., Grigg, M. K., & Barbosa, M. L. A. (2020). Online Engagement and the Role of Digital Influencers in Product Endorsement on Instagram. Journal of Relationship Marketing, 19(2), 133-163.) sugerem características centrais que qualifiquem uma ação como um sacrifício percebido pelo consumidor, englobando também aspectos específicos do sacrifício ao observar o estilo de vida fitness (Figura 1). Segundo tais autores (Silva & Farias, 2020Silva, M. J. B., & Farias, S. A. (2020). No pain, no gain! Reflections on the perception of sacrifice in the fitness consumer. Brazilian Journal of Marketing, 19(2), 388-405.), o sacrifício percebido é descrito como uma ação e/ou estado de abdicação de desejos, com vistas ao alcance de um objetivo recompensador, envolvendo uma decisão voluntária de o fazer, mediante ponderação das esferas penosa e conchegativa. A esfera penosa é composta pelos custos, riscos e pela sensação de perda, ou seja, constitui os elementos negativos, os prejuízos percebidos com a ação abdicadora. Já a esfera conchegativa engloba os ganhos gerados com a ação abdicadora, retratando o alcance do objetivo recompensador, trazendo sensações positivas, benefícios e transformações que justificam a prática do sacrifício.

Figura 1
Sacrifício percebido no estilo fitness

Por fim, presentes nas duas esferas, Silva e Farias (2020Silva, M. J. B., Farias, S. A., Grigg, M. K., & Barbosa, M. L. A. (2020). Online Engagement and the Role of Digital Influencers in Product Endorsement on Instagram. Journal of Relationship Marketing, 19(2), 133-163., p. 392) identificam a dor e o ato de (des)amor ao observarem o estilo fitness: “Tais aspectos retratam que o sacrifício percebido emerge da contradição que exalta e rejeita o corpo e, ao mesmo tempo, da relação de amor e ódio consigo mesmo”. Adotamos o conceito proposto por Silva e Farias (2020) na presente pesquisa, uma vez que leva em conta os elementos constituintes do sacrifício percebido como desenvolvidos dentro de determinado contexto social, alinhando-se à proposta deste artigo, que considera os agrupamentos no desenvolvimento da percepção de sacrifício do consumidor. Afinal, como apontam Hubert e Mauss (1968Hubert, H., & Mauss, M. (1968). Essai sur la nature et la hist. du sacrifice. In M. Mauss (Ed.), Les fonctions sociales du sacré (pp. 193-307). Paris, France: Minuit.), a prática do sacrifício pode ser compreendida como um ritual totalizante coletivo em que cada indivíduo do grupo possui papéis na ação.

De fato, o aspecto de sacrifício está intimamente relacionado aos comportamentos inter e intragrupos. Hirsch (1990Hirsch, E. L. (1990). Sacrifice for the Cause: Group Processes, Recruitment, and Commitment in a Student Social Movement. American Sociological Review, 55(2), 243-254.), por exemplo, ao observar o movimento social estudantil na década de 80, afirmou que, ao serem recrutados, os alunos passam por um processo grupal que os leva ao comprometimento e, ao mesmo tempo, convence-os a abdicar de algo em prol de uma causa maior. Trata-se de um autossacrifício: o membro do grupo desenvolve um comportamento altruísta dispondo-se a qualquer gasto de recurso, energia e tempo que possa vir a beneficiar outro ser. No entanto, o nível deste sacrifício e a predisposição para ele dependerão de diversas condições, tais como o tipo e o tamanho do grupo (Leung, Shek, & Ma, 2015Leung, J. T. Y., Shek, D. T. L., & Ma, C. M. S. (2015). Measuring Perceived Parental Sacrifice Among Adolescents in Hong Kong: Confirmatory Factor Analyses of the Chinese Parental Sacrifice Scale. Child Indicators Research, 9(1), 173-192.), o grau de identificação (Brewer & Schneider, 1990Brewer, M. B., & Schneider, S. K. (1990). Social Identity and Social Dilemmas: a DoubleEdged Sword. In D. Abrams & M. A. Hogg (Ed.), Social Identity Theory (pp. 169-184). New York, NY: Springer-Verl.), a confiança no grupo (Macias, 2015Macias, T. (2015). Risks, trust, and sacrifice: Social structural motivators for environmental change. Social Science Quarterly, 96(5), 1264-1276.), o impacto que a ação gerará para o agrupamento e para a posição social do sacrificante, bem como o nível de egoísmo presente na identidade de seus membros (Caporael, Dawes, Orbell, & Van De Kragt, 1989Caporael, L. R., Dawes, R. M., Orbell, J. M., & Van De Kragt, J. C. (1989). Selfishness examined: Cooperation in the absence of egoistic incentives. Behavioral and Brain Sciences, 12(4), 683-699.).

De acordo com Owen, Fincham, e Polsen (2017Owen, J., Fincham, F. D., & Polser, G. (2017). Couple Identity, Sacrifice, and Availability of Alternative Partners: Dedication in Friends with Benefits Relationships. Archives of Sexual Behavior, 46(6), 1785-1791.), o sacrifício a favor do grupo pode gerar benefícios ao indivíduo que se sacrifica, em termos de reconhecimento, identificação, valorização e liderança, causando também satisfação aos próprios sacrificados pela realização do sacrifício e suas consequências. Um desses benefícios é retratado como a demarcação do sujeito como membro de dada coletividade. No artigo desenvolvido por Ferrero (2014Ferrero, M. (2014). From Jesus to Cristianity: the economics of sacrifice. Racionality and Society, 26(4), 397-424.), por exemplo, grupos que perseguem ideais cristãos veem-se envolvidos em custos para alcançar os ensinamentos desta doutrina. Nessa perspectiva, o grupo, com base na prática do sacrifício, auxilia os indivíduos a se manterem no movimento, evitando a deserção, ou seja, o abandono do lugar que frequenta. Ao se deparar com um sacrifício desempenhado por todos os membros, evitam-se comportamentos em que um indivíduo se privilegia do benefício criado por meio dos outros indivíduos do grupo. O agrupamento se apresenta, dessa maneira, como um elemento central na continuidade de certos sacrifícios e na percepção diferenciada das perspectivas negativas e positivas da ação sacrificante (Ferrero, 2014Ferrero, M. (2014). From Jesus to Cristianity: the economics of sacrifice. Racionality and Society, 26(4), 397-424.).

Reconhecendo o caráter social da ação sacrificante, abordamos na seção seguinte os grupos de referência e as lentes teóricas utilizadas na pesquisa para analisá-los em suas interações com o sacrifício percebido pelo consumidor.

GRUPOS DE REFERÊNCIA: TIPOLOGIA, INFLUÊNCIAS, PAPÉIS SOCIAIS, IDENTIDADE E IMPACTO SOCIAL

Buscando apresentar e conectar os conceitos e teorias abordadas sobre grupos de referência, desenvolvemos a Figura 2. É possível compreender que há tipologias para tais agrupamentos, bem como papéis desenvolvidos por seus membros na sociedade. Tais grupos possuem impacto social, que refletem a influência exercida por eles sobre o indivíduo e/ou fonte, criando uma identidade social que será ofertada ao sujeito. O impacto, a influência e a identidade social irão se relacionar com a percepção do indivíduo sobre o mundo, sobre si e sobre as práticas de sacrifício vivenciadas. Para a compreensão do impacto, utilizamos a Teoria do Impacto Social, e, para observar a influência e a identidade social, adotamos a Teoria da Identidade Social. Cada um dos conceitos e teorias é descrito ao longo desta seção.

Figura 2
Conceitos e teorias relacionados aos grupos de referência

Os grupos de referência podem ser tipificados em agrupamentos de afiliação, de aspiração e de dissociação (Stafford, 1966Stafford, E. J. (1966). Effects of Group Influences on Consumer Brand Preferences. Journal of Marketing Research, 3(1), 68-75.). Os primeiros são considerados agrupamentos a que uma pessoa pertence (afiliação), englobando grupos primários, de constante interação com o indivíduo - familiares; e secundários, com interações mais esporádicas, tais como amigos e colegas de trabalho (Decrop, Pecheux, & Bauvin, 2004Decrop, A., Pecheux, C., & Bauvin, G. (2004). Make a Trip Together: an Exploration Into Decision Making Within Groups of Friends. In B. E. Kahn & M. F. Luce (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 31, pp. 291-297). Valdosta, GA: Association for Consumer Research.; Pereira & Strehlau, 2012Pereira, C., & Strehlau, S. (2012). Family Indebtedness in a Gift Relationship. In AP - Asia-Pacific Advances in Consumer Research (Vol. 10, pp. 326-328). Duluth, MN: Association for Consumer Research.). Os de aspiração, por sua vez, são retratados como grupos aos quais o indivíduo deseja pertencer, pois são constituídos por pessoas dignas de imitação e de serem seguidas e que podem ser vistas e admirados de maneira constante nas mídias digitais (Centeno & Wang, 2017Centeno, D., & Wang, J. J. (2017, maio). Celebrities as human brands: an inquiry on stakeholder-actor co-creation of brand identities. Journal of Business Research, 74, 133-138.). Por fim, os grupos de dissociação ou evitação são tidos como aqueles aos quais o indivíduo não quer estar associado, por lhes conferir associações negativas (White & Dahl, 2006White, K., & Dahl, D.W. (2006). To Be or Not Be? The Influence of Dissociative Reference Groups on Consumer Preferences. Journal of Consumer Psychology, 16(4), 404-414.). É ainda possível subdividir os agrupamentos em formais e informais, segundo a estrutura e organização do grupo (Meurer, Medeiros, Dal’maso, & Holz, 2010Meurer, A. M., Medeiros, J. F., Dal’maso, C. B., & Holz, G. (2010). Grupos de Referência e Tribos Urbanas: um Estudo junto a Tribo “Emo”. In Anais do 4º Encontro de Marketing da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, Florianópolis, SC.).

Tais grupos de referência podem influenciar o consumidor de diversas maneiras. O estudo de Park e Lessing (1977Park, C. W., & Lessig, V. P. (1977). Students and housewives: differences in susceptibility to reference group influences. Journal of Consumer Research, 4(2), 102-110.) destaca-se na área de Marketing ao propor três tipos de influência: informacional, utilitária e expressiva de valor. Na primeira, a influência é exercida por meio de informações oriundas da busca do consumidor por opiniões dos líderes ou grupo especializado ou por meio da observação do comportamento do outro; já a utilitária envolve a influência de agrupamentos sobre comportamentos do consumidor que busca receber recompensas e evitar punições dos grupos; por fim, a influência expressiva de valor é exercida por meio da percepção do grupo como autoexpressão do consumidor, como digno de afeto pelo sujeito (Upadhyaya, Shukla, & Upadhyaya, 2017Upadhyaya, A., Shukla, R., & Upadhyaya, A. (2017). Gender Effect on Consumer Susceptibility to Reference Group Influence (pp. 9-10). In Proceedings of the 19º International Scientific Conference on Economic and Social Development, Melbourne, Australia.). O indivíduo influenciado pode se preocupar, portanto, com normas, opiniões e/ou sentimentos grupais, pensando, agindo e consumindo baseado nestes. Segundo Leal, Hor-meyll, e Pessôa (2014Leal, G. P., Hor-Meyll, L. F., & Pessôa, L. A. (2014). Influence of virtual communities in purchasing decisions: The participants’ perspective. Journal of Business Research, 67(5), 882-890.), as influências expressivas de valor e utilitárias podem ser agrupadas na chamada influência normativa, que envolve a busca por pertencimento e aprovação, conformação aos padrões e às normatizações dos grupos. Tal busca reflete-se no desenvolvimento de uma identidade social.

Assim, para aprofundar a compreensão da influência dos grupos de referência na percepção de sacrifício pelo consumidor, adotamos a Teoria da Identidade Social. Os agrupamentos ofertam ao indivíduo uma identidade coletiva pela percepção deste em pertencer simbólica ou realmente a eles (Ashforth & Mael, 1989Ashforth, B. E., & Mael, F. (1989). Social Identity Theory and the Organization. The Academy of Management Review, 14(1), 20-39.; Tajfel & Turner, 1986Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.). Tal identidade é reflexo da influência grupal que estabelece mecanismos e princípios para tal poder. No que se refere aos mecanismos, podemos citar quatro deles, conforme Nejad, Sherrell, e Babakus (2014Nejad, M. G, Sherrell, D. L., & Babakus, E. (2014). Influentials and influence mechanisms in new product diffusion: an integrative review. Journal of Marketing Theory and Practice, 22(2), 185-208.). O contato do indivíduo com o agrupamento é um mecanismo, de modo que a influência ocorre pela comunicação e observação expressas nas relações. A socialização que gera influências também é descrita como mecanismo, mediante discussões que estabelecem normativas sociais. Uma terceira ferramenta de influência é a competição por status que faz do consumo um meio de manter e adquirir o status social por meio da distinção. Por fim, as próprias normas sociais são mecanismos de influência, gerando conformidade e identificação social (Nejad et al., 2014Nejad, M. G, Sherrell, D. L., & Babakus, E. (2014). Influentials and influence mechanisms in new product diffusion: an integrative review. Journal of Marketing Theory and Practice, 22(2), 185-208.).

Além dos mecanismos, há princípios que fomentam a identidade social e, consequentemente, a percepção do consumidor sobre o que e como sacrificar. Por exemplo, Ashforth e Mael (1989Ashforth, B. E., & Mael, F. (1989). Social Identity Theory and the Organization. The Academy of Management Review, 14(1), 20-39.) descrevem que a identificação social depende dos princípios de categorização, distinção, congruência e prestígio ou status grupal. Trepte e Loy (2017Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.), por sua vez, reestruturam esses princípios em sete, organizando-os em um processo cronológico com vários ciclos de feedback:

  1. Categorização: o indivíduo cria protótipos (características) dos grupos a serem acessados na memória em dado contexto (Hogg, 2001Hogg, M. A. (2001). A Social Identity Theory of Leadership. Personality and Social Psychology Review, 5(3), 184-200.), aguçando os limites intergrupais por meio de estereótipos (Hogg et al., 1995);

  2. Saliência: representa a percepção de o quão importante é uma categoria social em dada situação (Trepte & Loy, 2017Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.);

  3. Comparações sociais: são as avaliações comparativas entre os grupos ao qual o indivíduo pertence e os grupos externos relevantes, visando aumentar a pressão por distinção (Hogg, 2001Hogg, M. A. (2001). A Social Identity Theory of Leadership. Personality and Social Psychology Review, 5(3), 184-200.), quando são observadas diferenças que revelem superioridade de seus agrupamentos (Mangum & Block, 2018Mangum, M., & Block, R. Jr. (2018). Social Identity Theory and Public Opinion towards Immigration. Social Sciences, 7(41), 1-16.);

  4. Distinção social: os indivíduos desejam fortemente uma avaliação que gere distinção positiva do seu grupo perante os demais (Jetten, Spears, & Postmes, 2004Jetten, J., Spears, R., & Postmes, T. (2004). Intergroup Distinctiveness and Differentiation: a Meta-Analytic Integration. Journal of Personality and Social Psychology, 86(6), 862-879.; Trepte & Loy, 2017Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.);

  5. Identidade social: trata-se de uma parte do self individual derivada do pertencimento real ou imaginário a um grupo. A identidade social gera sentimentos de apego emocional ou compromisso com o agrupamento, criando motivações para participar dele (Hackel, Coppin, Wohl, & Bavel, 2018Hackel, L. M., Coppin, G., Wohl, M. J. A., & Bavel, J. J. V. (2018). From groups to grits: Social identity shapes evaluations of food pleasantness. Journal of Experimental Social Psychology, 74, 270-280.), especialmente quando a associação permite ao indivíduo o desempenho de papéis sociais importantes (Djafarova & Rushworth, 2017Djafarova, E., & Rushworth, C. (2017, março). Exploring the credibility of online celebrities’ Instagram profiles in influencing the purchase decisions of young female users. Computers in Human Behavior, 68, 1-7.; Fombelle, Jarvis, Ward, & Ostrom, 2012Fombelle, P. W., Jarvis, C. B., Ward, J., & Ostrom, L. (2012). Leveraging customers’ multiple identities: identity synergy as a driver of organizational identification. Journal of the Academy of Marketing Science, 40(4), 587-604.);

  6. Autoestima: o indivíduo se esforçará para alcançar ou manter uma identidade social positiva, o que contribui para o aumento da autoestima (Tajfel & Turner, 1986Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.). Consequentemente, ele buscará a melhoria de sua reputação cumprindo as normas coletivas (Bartikowski & Cleveland, 2017Bartikowski, B., & Cleveland, M. (2017, hist. ). “Seeing is being”: Consumer culture and the positioning of premium cars in China. Journal of Business Research, 77, 195-202.); e

  7. Mobilidade, criatividade e competição social: é possível vivenciar um self social insatisfatório, que leva ao desenvolvimento de estratégias para reinterpretar o mundo (Fujita, Harrigan, & Soutar, 2018Fujita, M., Harrigan, P., & Soutar, G. N. (2018). Capturing and Co-Creating Student Experiences: a Social Identity Theory Perspective. Journal of Marketing Theory and Practice, 26(1/2), 55-71.). Uma delas é a mobilidade individual, que tem como objetivo transformar o grupo de pertencimento ou hist.-lo e se juntar ao agrupamento externo mais positivamente distinto, tornando grupos de aspiração em agrupamentos de afiliação (Hogg et al., 1995Hogg, M. A., Terry, D. J., & White, K. M. (1995). A Tale of Two Theories: a Critical Comparison of Identity Theory with Social Identity Theory. Social Psychology Quarterly, 58(4), 255-269.; Trepte & Loy, 2017Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.). Também é possível desenvolver a estratégia de criatividade social, buscando alternativas para melhorar a identidade social sem sair do grupo (Hogg et al., 1995; Trepte & Loy, 2017). Ainda é possível adotar a competição social, caracterizada pela busca de distinção entre grupos, via dimensões valorizadas por consenso social, que protegem e mostram o quão único é o agrupamento (Hogg, 2001; Reiche, Harzing, & Pudelko, 2015Reiche, B. S., Harzing, A. W., & Pudelko, M. (2015). Why and how does shared language affect subsidiary knowledge inflows? A social identity perspective. Journal of International Business Studies, 46, 528-551.). Segundo Reid, Giles, e Abrams (2004Reid, S. A, Giles, H., & Abrams, J. R. (2004). A social identity model of media usage and effects. Zeitschrift für Medienpsychologie, 16(1), 17-25.), a escolha por uma destas ações dependerá do status e da permeabilidade dos agrupamentos, e só ocorrerá com a percepção da possível melhoria da identidade social. Isso implica considerar que os agrupamentos são mutáveis, mediante mobilidade, bem como suas influências.

A identidade social gera associações entre indivíduo e grupo, estabelecendo papéis sociais desempenhados por eles, definindo-os mediante a comunidade em que vivem. Um papel social é descrito como

[...] uma combinação de comportamentos, funções, relacionamentos, privilégios, deveres e responsabilidades que é definido socialmente, é altamente compreendido dentro de uma sociedade (ou, no mínimo, dentro de um dos seus subsistemas) e é característico ou esperado de uma pessoa que ocupa uma particular posição dentro de um sistema social (Wolfensberger, 2000Wolfensberger, W. (2000). A brief overview of Social Role Valorization. Mental Retardation, 38(2), 105-123., p. 110).

Ao considerar o sacrifício como uma ação ritualística (Hubert & Mauss, 1968Hubert, H., & Mauss, M. (1968). Essai sur la nature et la hist. du sacrifice. In M. Mauss (Ed.), Les fonctions sociales du sacré (pp. 193-307). Paris, France: Minuit.), papéis sociais serão atribuídos em incentivo à prática de sacrifício ou em desestímulo ao ato.

As influências até aqui mencionadas dos grupos sobre o indivíduo responsáveis pela geração de identidade e, consequentemente, de papéis sociais, decorrem do impacto que esses agrupamentos possuem sobre o indivíduo. Assim, ao tratar de influência, devemos salientar também a TIS desenvolvida por Bibb Latané (1981Latané, B. (1981). The psychology of social impact. American Psychologist, 36(4), 243-256.), segundo a qual, o impacto de qualquer fonte sobre o alvo é uma função de três fatores, também denominados forças sociais, são eles: força, imediatismo e número. A primeira, igualmente chamada de importância ou relevância (Kwon, Há, & Im, 2016Kwon, H., Ha, S., & Im, H. (2016, hist. ). The impact of perceived similarity to other customers on shopping mall satisfaction. Journal of Retailing and Consumer Service, 28, 304-309.), corresponde ao prestígio e à persuasão da fonte (Latané, Liu, Nowak, Bonevento, & Zheng, 1995Latané, B. (1996). Dynamic Social Impact: The Creation of Culture by Communication. Journal of Communication, 46(4), 13-25.), ou seja, a força, a autoridade que o ser social possui para influenciar o outro. O imediatismo, por sua vez, reflete a distância espacial ou temporal entre fonte e alvo; equivale ao grau de proximidade ou distância da presença de outras pessoas em relação ao indivíduo que a percebe (Aguiar, 2016Aguiar, E. C. (2016). O Papel Moderador da Similaridade Percebida na Relação entre Percepção de Crowding e Respostas do Consumidor em Ambiente Varejista (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE.). Por fim, o número refere-se à quantidade de fontes de influência, incluindo o self (Latané et al., 1995Latané, B. (1981). The psychology of social impact. American Psychologist, 36(4), 243-256.). Com base nessas forças sociais, considera-se que o impacto do grupo será maior, à medida que estes fatores forem maiores; ressaltando-se que o efeito do aumento no número de fontes em um indivíduo-alvo será uma função de potência e não uma função linear, de modo que cada pessoa adicionada a um ambiente social terá um efeito incremental decrescente em sua influência sobre o indivíduo (Dewall, Twenge, Bushman, Im, & Williams, 2010Dewall, C. N., Twenge, J. M., Bushman, B., Im, C., & Williams, K. (2010). A Little Acceptance Goes a Long Way: Applying Social Impact Theory to the Rejection-Aggression Link. Social Psychological and Personality Science, 1(2), 168-174.; Latané et al., 1995Latané, B., Liu, J. H., Nowak, A., Bonevento, M., & Zheng, L. (1995). Distance Matters: Physical Space and Social Impact. Society for Personality and Social Psychology, 21(8), 795-805.); o impacto, desse modo, é dividido entre os membros do agrupamento.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa conduzida foi de natureza qualitativa básica, operacionalizada por meio da seleção de um perfil de consumidor que possuísse o estilo de vida fitness, que foi caracterizado pela busca por um corpo ajustado, envolvendo atividades de consumo pautadas em dietas, exercícios físicos e até cirurgias estéticas. Um estilo de vida reflete padrões gerados pela interação entre sujeito e ambiente, demonstrando certos valores, atitudes e comportamentos do indivíduo que o adota. Ao observar o estilo de vida, o pesquisador pode efetuar uma ampla análise das opiniões, dos interesses e padrões de gastos de diferentes práticas de consumo que formam tal modo de vivência (Edey & Knight, 2018Edey, P., & Knight, J. (2018, maio). Profiling the entitled consumer when individualism and collectivism are codominant. Journal of Retailing and Consumer Services, 42, 98-106.).

Vinte e quatro consumidores foram selecionados por meio da estratégia de bola de neve, iniciada mediante critério de acessibilidade dos pesquisadores. Todos os sujeitos de pesquisa são praticantes de exercícios e detêm algum cuidado com a alimentação; apenas quatro deles são realizadores de procedimentos estéticos invasivos (entrevistado 1 [abdominoplastia]; entrevistadas 2 e 12 [prótese de silicone]; e entrevistada 15 [striort]. Treze dos entrevistados são do sexo masculino e onze do feminino, compreendidos numa faixa etária de 16 a 42 anos de idade (idade média de 30 anos). Eles praticam, em sua maioria, mais de uma atividade física, que pode englobar musculação, crossfit e suas categorias (kettlebell), corrida, natação, futebol, pilates, ginástica, kung fu chinês, yoga, rapel e treinos funcionais. Dentre elas, destacou-se a musculação, modalidade de treinamento físico praticada por 17 dos 24 informantes que contribui para o crescimento muscular. A frequência com que os indivíduos entrevistados realizam suas atividades físicas é alta, alternando-se predominantemente entre cinco e sete dias da semana.

Utilizamos como técnica de construção de dados a entrevista episódica. Tal tipologia se atém ao sentido subjetivo e social da temática abordada, interessando-se pelo relato do episódio, pela narrativa do sujeito sobre uma situação específica lembrada (Flick, 2008Flick, U. (2008). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.). As entrevistas foram realizadas virtualmente pelos pesquisadores e gravadas por dispositivos digitais, com o apoio de um guia semiestruturado que elencava questões ligadas a estilo de vida, sacrifício e grupos sociais. Ao longo da exposição dos episódios pelos entrevistados, outras perguntas emergiram, o que destaca a flexibilidade do roteiro para o alcance da conversação fluida e que atendesse aos objetivos da pesquisa. O conjunto das 24 entrevistas tiveram uma duração total de gravação de 1.131 minutos e 25 segundos, e um tempo médio de duração de 47 minutos e 14 segundos. Os informantes autorizaram, por meio de gravação, a utilização de suas falas para os propósitos da pesquisa, bem como sua análise e publicação.

A análise ocorreu de forma concomitante à atividade de construção de dados, o processo de busca por eles foi finalizado quando novos achados de pesquisa não foram encontrados, de acordo com o princípio de saturação na pesquisa qualitativa (Patton, 2014Patton, M. (2014). Qualitative Research & Evaluation Methods: Integrating Theory and Practice (4a ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.). Os textos que surgiram com as entrevistas foram investigados por meio da Análise Temática, proposta por Braun e Clarke (2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101.), com codificação dos dados, busca e agrupamento dos temas e interpretação dos resultados, objetivando gerar contribuições teóricas e práticas. A análise desenvolvida foi descrita como Análise Temática indutiva e latente, em virtude de se buscar codificar os dados sem encaixá-los em um quadro preexistente de codificação ou preconceitos analíticos, bem como de terem sido estabelecidos temas em nível interpretativo, por meio de seis etapas: familiaridade com os dados, geração de códigos iniciais, procura por temas, revisão dos temas, definição e nomenclatura dos temas; e produção do texto final (Braun & Clarke, 2006). Na fase de familiaridade, realizamos a transcrição de todas as entrevistas, lendo e relendo o conjunto dos textos gerados, fazendo prévias anotações de maneira a buscar significados e padrões iniciais, compreendendo a profundidade e amplitude do conteúdo com base no referencial teórico construído a priori. Posteriormente, realizada a leitura das transcrições das entrevistas, foram estabelecidos códigos para identificação da característica dos dados. Assim, tal codificação emergiu por meio das falas dos sujeitos de pesquisa, sem concepções a priori, de acordo com referencial teórico.

No total, foram gerados 32 códigos. Com os dados codificados e agrupados, iniciamos a análise da codificação. Como elemento de validação comunicativa, enviamos as planilhas correspondentes a três informantes, com suas falas e os códigos estabelecidos, para que atestassem a fidedignidade dos resultados. Buscamos combinações de códigos diferentes na formação de um tema abrangente. De início, sete temas foram desenvolvidos para agrupar os códigos analisados, de modo que pudessem captar algo importante sobre os dados em relação à questão de pesquisa. Criamos, por meio dos códigos e temas, um mapa temático. Na fase de revisão das temáticas, realizamos, em um primeiro nível, uma revisão dos extratos dos dados codificados, lendo-os e refletindo se pareciam formar um padrão coerente dentro do tema (Homogeneidade Interna) (Patton, 2014Patton, M. (2014). Qualitative Research & Evaluation Methods: Integrating Theory and Practice (4a ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.). Posteriormente, verificamos os temas individuais em relação a todo o conjunto de dados, observando se o mapa temático refletia os significados gerados do material (Heterogeneidade Externa) (Patton, 2014). Tal etapa conduziu à elucidação de três temáticas: 1) estilo de vida fitness (subtemas: trajetória, corpo, disposição e consumo); 2) elementos do sacrifício percebido (subtemas: esfera penosa, esfera conchegativa, fitness como sacrifício, exemplos de sacrifício e definição de sacrifício); 3) grupos sociais (subtemas: tipos de grupo e seus impactos e tipos de influência grupal). A última fase envolveu a produção do texto final, cuja análise se encontra na seção seguinte.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Visando compreender o envolvimento dos grupos de referência no sacrifício percebido pelo consumidor fitness, buscamos analisar: 1) as tipologias grupais envolvidas nesse processo sacrificante, 2) seus modos de influência e a identidade social ofertada, 3) o impacto exercido, 4) os papéis dos grupos sociais na (re)construção e manutenção da percepção de sacrifício pelo consumidor. Os resultados são expostos seguindo tal lógica de análise.

Tipos de grupo de referência

Ao reconhecermos que o nível de sacrifício e a predisposição para este dependerá do tipo e tamanho do grupo (Leung et al., 2015Leung, J. T. Y., Shek, D. T. L., & Ma, C. M. S. (2015). Measuring Perceived Parental Sacrifice Among Adolescents in Hong Kong: Confirmatory Factor Analyses of the Chinese Parental Sacrifice Scale. Child Indicators Research, 9(1), 173-192.), buscamos identificar as tipologias grupais que compuseram os episódios descritos pelos sujeitos de pesquisa. Por meio das entrevistas, constatamos que grupos aos quais o indivíduo pertence, deseja pertencer ou evitar atuam como referência para a formação identitária (Park & Lessig, 1977Park, C. W., & Lessig, V. P. (1977). Students and housewives: differences in susceptibility to reference group influences. Journal of Consumer Research, 4(2), 102-110.; Stafford, 1966Stafford, E. J. (1966). Effects of Group Influences on Consumer Brand Preferences. Journal of Marketing Research, 3(1), 68-75.; White & Dahl, 2006White, K., & Dahl, D.W. (2006). To Be or Not Be? The Influence of Dissociative Reference Groups on Consumer Preferences. Journal of Consumer Psychology, 16(4), 404-414.). Esses três agrupamentos fazem parte do contexto vivenciado pelos sujeitos analisados, influenciando seus estilos de vida e a percepção de sacrifício.

Os grupos de pertencimento, também intitulados de associação, foram representados pelos familiares, amigos e colegas de trabalho (Pereira & Strehlau, 2012Pereira, C., & Strehlau, S. (2012). Family Indebtedness in a Gift Relationship. In AP - Asia-Pacific Advances in Consumer Research (Vol. 10, pp. 326-328). Duluth, MN: Association for Consumer Research.). Já os de aspiração foram compostos por atletas, modelos e influenciadores digitais fitness, ou seja, por referências e inspirações para o estilo de vida adotado (Centeno & Wang, 2017Centeno, D., & Wang, J. J. (2017, maio). Celebrities as human brands: an inquiry on stakeholder-actor co-creation of brand identities. Journal of Business Research, 74, 133-138.). Por fim, o grupo de evitação foi formado por pessoas que exibem atitudes e comportamentos negativos em relação ao estilo de vida analisado, ou seja, que não buscam uma vida saudável, alimentam-se mal, não praticam exercícios e estão predispostas às ações hedônicas da boêmia; não são descritos necessariamente como grupos existentes, mas como agrupamentos imaginários, como estereótipos (Hogg et al., 1995Hogg, M. A., Terry, D. J., & White, K. M. (1995). A Tale of Two Theories: a Critical Comparison of Identity Theory with Social Identity Theory. Social Psychology Quarterly, 58(4), 255-269.), conforme descreve a Informante 15.

[De quais grupos você não gostaria de ser vista como fazendo parte?] Pessoas que têm hábitos noturnos. A gente [entrevistada e parceiro] não tem mais; tipo, a gente dorme cedo. Por exemplo, pessoas que bebem, que fumam, que comem exageradamente, que não têm o mesmo estilo da gente (Informante 15).

Apesar da identificação dos tipos de grupo, reconhecemos que os agrupamentos citados possuem permeabilidade (Reid et al., 2004Reid, S. A, Giles, H., & Abrams, J. R. (2004). A social identity model of media usage and effects. Zeitschrift für Medienpsychologie, 16(1), 17-25.), ou seja, consentem a transição do indivíduo entre um grupo e outro, tornando-os dinâmicos. Por exemplo, familiares (membros do grupo de pertencimento) que não compartilham de práticas fitness podem ser englobados em grupos de dissociação. Ademais, o indivíduo que admira certo influenciador digital pode se aproximar do papel social desempenhado por este (Djafarova & Rushworth, 2017Djafarova, E., & Rushworth, C. (2017, março). Exploring the credibility of online celebrities’ Instagram profiles in influencing the purchase decisions of young female users. Computers in Human Behavior, 68, 1-7.; Fombelle et al., 2012Fombelle, P. W., Jarvis, C. B., Ward, J., & Ostrom, L. (2012). Leveraging customers’ multiple identities: identity synergy as a driver of organizational identification. Journal of the Academy of Marketing Science, 40(4), 587-604.), buscando alcançar mobilidade individual e, com isso, levar o agrupamento a se tornar de afiliação (Hogg et al., 1995Hogg, M. A., Terry, D. J., & White, K. M. (1995). A Tale of Two Theories: a Critical Comparison of Identity Theory with Social Identity Theory. Social Psychology Quarterly, 58(4), 255-269.; Trepte & Loy, 2017Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.), de acordo com o que detalha o Informante 4.

A gente [entrevistado e esposa] tem se tornado referência um pouco aqui na cidade, ao ponto de pessoas estarem mudando o estilo de vida, mudando alimentação, começando a treinar só pelo fato de seguir pelo Instagram e vê que se consegue fazer de uma forma feliz (Informante 4).

De fato, os entrevistados expuseram a necessidade de inspirar outras pessoas, aproximando-se do papel social desempenhado por seus grupos de aspiração. Essa permeabilidade indica que é possível delimitar os agrupamentos identificados na pesquisa por meio de outras características que ultrapassam, por exemplo, os atributos de laços de sangue e amizade, indicando que a ênfase em dada qualidade grupal determinará sua denominação de referência. Na pesquisa, mostrou-se plausível considerar os agrupamentos de acordo com o estilo de vida adotado ou almejado, reconhecendo-os como fitness e não fitness. O primeiro é formado por grupos de associação e aspiração que praticam ou admiram esse modo de vivência; o segundo constitui-se de grupos de associação e evitação que são distanciados das premissas, exigências e práticas fitness.

Para além dos grupos de afiliação, aspiração e evitação, foi detectado um outro agrupamento de referência que intitulamos grupo de prescrição. Eles são caracterizados como agrupamentos externos que norteiam ações dos sujeitos, ensinando sobre o que (não) consumir, estimulando o alcance dos objetivos recompensadores descritos pelos informantes como um corpo desejado, saúde, status e autoexpressão, aproximando-se da figura de um ancião que instrui sua tribo na realização de um ritual sacrificante (Hubert & Mauss, 1968Hubert, H., & Mauss, M. (1968). Essai sur la nature et la hist. du sacrifice. In M. Mauss (Ed.), Les fonctions sociales du sacré (pp. 193-307). Paris, France: Minuit.). Os grupos de prescrição na presente pesquisa são representados por treinadores, personal trainers, nutricionistas e psicólogos que estabelecem inicialmente uma relação formal (Meurer et al., 2010Meurer, A. M., Medeiros, J. F., Dal’maso, C. B., & Holz, G. (2010). Grupos de Referência e Tribos Urbanas: um Estudo junto a Tribo “Emo”. In Anais do 4º Encontro de Marketing da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, Florianópolis, SC.) com o indivíduo mediante prestação de serviço, fazendo parte, desse modo, da categoria fitness de classificação grupal. São vistos como pessoas de confiança, em virtude do conhecimento técnico que detêm sobre o assunto (Macias, 2015Macias, T. (2015). Risks, trust, and sacrifice: Social structural motivators for environmental change. Social Science Quarterly, 96(5), 1264-1276.), podendo ser inseridos, com o passar do tempo, em grupos de aspiração ou afiliação, como demonstra o entrevistado 11.

[Quem representa uma inspiração para você?] Meu nutricionista, porque, além de nutricionista, ele é meu amigo. Quando eu preciso e quero, eu pego dicas com ele. A vida dele me motiva muito (Informante 11).

Visando sumarizar as tipologias identificadas na pesquisa, o Quadro 1 foi desenvolvido. Nele, apresentamos as tipologias primárias, caracterizadas como divisão ampla dos grupos segundo o estilo de vida adotado; as tipologias secundárias, relativas à categorização de Stafford (1966Stafford, E. J. (1966). Effects of Group Influences on Consumer Brand Preferences. Journal of Marketing Research, 3(1), 68-75.), e tipologia terciária, que é reflexo das concepções sociais e culturais que se atribuem aos grupos; trata-se de categorizações comuns ao nosso cotidiano.

Quadro 1
Tipologia dos agrupamentos

Dentre os achados destacados no Quadro 1, realçamos que, diferente do proposto por Decrop et al. (2004Decrop, A., Pecheux, C., & Bauvin, G. (2004). Make a Trip Together: an Exploration Into Decision Making Within Groups of Friends. In B. E. Kahn & M. F. Luce (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 31, pp. 291-297). Valdosta, GA: Association for Consumer Research.), o grupo de amigos - presente na categoria fitness - foi entendido pelos informantes como um agrupamento de afiliação primário e não secundário. Isso significa que os atributos ligados aos grupos familiares são também encontrados no agrupamento de amizade fitness. Ou seja, a interação com tal grupo é constante, há normatizações rígidas de treino e referencial muscular, além da alta influência direcionada ao consumo de serviços e alimentos específicos; isso distancia o grupo da qualificação secundária e o leva ao patamar de primário.

Os tipos de agrupamento descritos terão influências distintas para o indivíduo, na medida em que desempenham diferentes papéis na (des)construção e/ou manutenção do sacrifício percebido. É o que será observado nas próximas seções.

Influências e identidade social

Corroborando os estudos de Park e Lessig (1977Park, C. W., & Lessig, V. P. (1977). Students and housewives: differences in susceptibility to reference group influences. Journal of Consumer Research, 4(2), 102-110.) e de Leal et al. (2014Leal, G. P., Hor-Meyll, L. F., & Pessôa, L. A. (2014). Influence of virtual communities in purchasing decisions: The participants’ perspective. Journal of Business Research, 67(5), 882-890.), as influências dos agrupamentos sobre os informantes foram desenvolvidas de maneira informacional e normativa (utilitária e expressiva de valor).

A influência informacional foi exercida especialmente por grupos fitness, via mecanismos sociais de contato e socialização (Nejad et al., 2014Nejad, M. G, Sherrell, D. L., & Babakus, E. (2014). Influentials and influence mechanisms in new product diffusion: an integrative review. Journal of Marketing Theory and Practice, 22(2), 185-208.). Foram enaltecidos, nesse processo, os agrupamentos de aspiração e prescrição, grupos estes percebidos como de grande credibilidade, que ofertam dicas, opiniões e conselhos vistos como confiáveis pelos informantes (Macias, 2015Macias, T. (2015). Risks, trust, and sacrifice: Social structural motivators for environmental change. Social Science Quarterly, 96(5), 1264-1276.) e como alguém a ser seguido, conforme descreve o Informante 1.

Os profissionais da área de Educação Física me mostraram, me deram informação de como é que a coisa funcionava, a maneira correta. E aí me indicaram outros profissionais de saúde, a exemplo de nutricionista, para eu fazer uma coisa bem-feita, de não me preocupar apenas com o lado da aparência física em si, mas pensar na saúde em si. Eles foram fundamentais nisso (Informante 1).

O comportamento de tais grupos também pode influenciar informativamente os indivíduos que o observam (Centeno & Wang, 2017Centeno, D., & Wang, J. J. (2017, maio). Celebrities as human brands: an inquiry on stakeholder-actor co-creation of brand identities. Journal of Business Research, 74, 133-138.; Park & Lessig, 1977Park, C. W., & Lessig, V. P. (1977). Students and housewives: differences in susceptibility to reference group influences. Journal of Consumer Research, 4(2), 102-110.), conforme descreve a Informante 5.

Eu sigo Graciane Barbosa [...] [tu olhas geralmente o quê? O treino, a alimentação, alguma roupa?]. É tudo (risos), alimentação e treino, eu sempre dou uma olhada, principalmente os treinos, para ver se tem algum treino diferente e tentar fazer (Informante 5).

Já a influência normativa foi exercida por grupos fitness e não fitness via mecanismos de competição por status e normas sociais (Nejad et al., 2014Nejad, M. G, Sherrell, D. L., & Babakus, E. (2014). Influentials and influence mechanisms in new product diffusion: an integrative review. Journal of Marketing Theory and Practice, 22(2), 185-208.). Em termos utilitários, os agrupamentos fitness foram entendidos como os maiores influenciadores, uma vez que são percebidos como ofertantes de recompensas e punições associadas aos visíveis comportamentos do sujeito. Por isso, os informantes buscam cumprir as normas estabelecidas por tais grupos, tomando decisões com base nas expectativas deles a fim de alcançar recompensas e evitar punições (Upadhyaya et al., 2017Upadhyaya, A., Shukla, R., & Upadhyaya, A. (2017). Gender Effect on Consumer Susceptibility to Reference Group Influence (pp. 9-10). In Proceedings of the 19º International Scientific Conference on Economic and Social Development, Melbourne, Australia.). É o que descreve o Informante 9:

Fui convidado para um evento e nesse evento as pessoas tinham um determinado padrão de tamanho, com 17, 18 anos. Então, de lá pra cá, eu já vim mudando o corpo em relação a isso, tentando sempre me enquadrar nos padrões das medidas que o trabalho pede (Informante 9).

Em termos expressivos de valor, os aspectos emocionais que ligam o indivíduo ao agrupamento estão presentes em comunidades fitness e não fitness, destacando-se os grupos de afiliação fitness e os de evitação. Para o primeiro agrupamento, há o gosto, a satisfação de fazer parte, ser membro do agrupamento, atuando neste como líder de opinião também, a exemplo do Informante 18. Quanto ao segundo, há o sentimento de distanciamento, do não gostar dos atributos e práticas que o primeiro impõe e, em razão disso, não se reconhecer como membro, conforme descreve o Informante 17.

Eu gosto de ser referência para meus amigos, referência de motivação, todo mundo assim ‘Y’ [nome do entrevistado], quando a gente vai treinar? Me leva para a academia para treinar contigo?’ ‘Y’, me dá umas dicas aí. [...]’ (Informante 18).

Eu não me vejo comendo fast-food diariamente, tipo aqueles hambúrgueres tipo McDonald’s, aqueles combos da McDonald’s de hambúrguer com batata frita e Coca-Cola, eu não bebo refrigerante há 5 anos e eu não consigo me sentar e me ver comendo um hambúrguer com batata frita e refrigerante (Informante 17).

De modo geral, os grupos fitness contribuem para o aumento da esfera conchegativa do sacrifício percebido, ao reforçar os ganhos resultantes para quem sacrifica; ou seja, tais agrupamentos, baseados no sacrifício do sujeito, oferecem benefícios ao sacrificado, como reconhecimento, valorização e identificação (Owen et al., 2017Owen, J., Fincham, F. D., & Polser, G. (2017). Couple Identity, Sacrifice, and Availability of Alternative Partners: Dedication in Friends with Benefits Relationships. Archives of Sexual Behavior, 46(6), 1785-1791.). Por isso, os grupos fitness ofertam uma identidade social geradora de prazer, estima e satisfação, melhorando a reputação do sujeito mediante cumprimento das normas comunitárias de consumo (Bartikowski & Cleveland, 2017Bartikowski, B., & Cleveland, M. (2017, hist. ). “Seeing is being”: Consumer culture and the positioning of premium cars in China. Journal of Business Research, 77, 195-202.), bem como o compartilhamento coletivo das mesmas abdicações, auxiliando no não abandono do estilo de vida adotado (Ferrero, 2014Ferrero, M. (2014). From Jesus to Cristianity: the economics of sacrifice. Racionality and Society, 26(4), 397-424.). A identidade social é, então, moldada de acordo com a distinção positiva que o grupo possui para o sujeito e seu contexto, com os benefícios que geram sentimentos de apego emocional e comprometimento e justificam a participação no agrupamento, o desejo de inclusão e/ou o reconhecimento de sua importância (Hackel et al. 2018Hackel, L. M., Coppin, G., Wohl, M. J. A., & Bavel, J. J. V. (2018). From groups to grits: Social identity shapes evaluations of food pleasantness. Journal of Experimental Social Psychology, 74, 270-280.; Jetten et al., 2004Jetten, J., Spears, R., & Postmes, T. (2004). Intergroup Distinctiveness and Differentiation: a Meta-Analytic Integration. Journal of Personality and Social Psychology, 86(6), 862-879.; Trepte & Loy, 2017Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.).

Os grupos de dissociação também constroem a identidade social do sujeito. Quando observam familiares, amigos e colegas de trabalho distantes do estilo de vida que adotam, os entrevistados buscam inicialmente transformá-los, mimetizando certos valores e comportamentos dos integrantes (Tajfel & Turner, 1986Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.). No caso dos familiares, os indivíduos fitness podem buscar convertê-los em adeptos deste estilo, gerando conflitos, contribuindo para a percepção penosa do sacrifício que leva à sensação de perdas sociais e custos emocionais (Informante 2). Podem optar, de outra forma, pela estratégia de criatividade social, buscando alternativas para melhorar sua identidade grupal, realizando comparações com a família baseadas em novas dimensões, bem como com outros grupos externos (Hogg et al., 1995Hogg, M. A., Terry, D. J., & White, K. M. (1995). A Tale of Two Theories: a Critical Comparison of Identity Theory with Social Identity Theory. Social Psychology Quarterly, 58(4), 255-269.; Trepte & Loy, 2017Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.).

Minha mãe, na verdade, é o contrário. Ela deu o start, mas nunca pensou que eu ia ficar. Para ela, eu estou sempre exagerando. Ela quer fazer macarronada e eu digo: ‘não, mãe, não vamos fazer macarronada hoje. Vamos fazer uma salada, um frango grelhado?’ Ela ficava: ‘vou aprender a fazer um bolo engorda-marido’. ‘Mãe, não, vamos aprender a fazer um bolo integral de banana’ (Informante 2).

Como percebido ao longo das falas apresentadas nesta seção, as práticas realizadas por agrupamentos não fitness não geram prestígio ou admiração do alvo e podem, até mesmo, ser consideradas ações dissociativas do estilo em questão. Por isso, o sujeito percebe nesse agrupamento características que fazem o seu self social insatisfatório, o que diminui a autoestima e exige o desenvolvimento de estratégias para reinterpretar o mundo (Fujita et al., 2018Fujita, M., Harrigan, P., & Soutar, G. N. (2018). Capturing and Co-Creating Student Experiences: a Social Identity Theory Perspective. Journal of Marketing Theory and Practice, 26(1/2), 55-71.). A principal delas, no caso de amigos e colegas de trabalho, é a mobilidade individual, em que a pessoa se esforçará para se afastar, para deixar o grupo existente, como descreve a Informante 13 a seguir, e se juntar ao agrupamento externo mais positivamente distinto (Tajfel & Turner, 1986Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.). Tal tentativa de se retirar do grupo justifica a distância para com ele e a menor importância dada.

As pessoas que não eram tão próximas a mim ficam meio que julgando: ‘Ah, você agora mudou, não quer mais sair, só quer fazer dieta, atividade física’. Meio que as pessoas que são mais distantes ficaram mais distantes ainda (Informante 13).

Em virtude da falta de identificação, os entrevistados experimentam emoções negativas (Hackel et al., 2018Hackel, L. M., Coppin, G., Wohl, M. J. A., & Bavel, J. J. V. (2018). From groups to grits: Social identity shapes evaluations of food pleasantness. Journal of Experimental Social Psychology, 74, 270-280.) e se esforçam para se manterem distantes, visando garantir que o grupo ao qual pertencem e admiram seja percebido como positivamente distinto do grupo de comparação dissociativo, no intuito de melhorar suas identidades sociais e gerar autoestima (Tajfel & Turner, 1986Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.). Para que esse afastamento ocorra, é necessário permanecer realizando os sacrifícios que a rotina fitness impõe.

Impacto social

A Análise Temática realizada nesta pesquisa também permitiu investigar cada um dos fatores (força, imediatismo e número de fontes) característicos dos grupos de referência dos entrevistados, oferecendo pistas sociais sobre o impacto dos agrupamentos na percepção do sacrifício pelo consumidor. Deve-se compreender que o impacto social é um elemento dinâmico que ocorre em um sistema complexo e com interações mútuas entre sujeitos (Latané, 1996Latané, B. (1996). Dynamic Social Impact: The Creation of Culture by Communication. Journal of Communication, 46(4), 13-25.). Por isso, entende-se que essa influência sobre o alvo é mutável, está relacionada aos atributos e status grupais e à permeabilidade desse agrupamento. Logo, qualquer definição do impacto social exercido por um grupo sobre dado alvo representa uma simplificação que é válida para aclarar certas arestas de um fenômeno complexo, mas não exaustiva e definitiva, com possibilidades para ajustes e reformulações. A par dessa contextualização, o Quadro 2 é apresentado.

Quadro 2
Fatores dos grupos de referência

A partir dos resultados retratados no Quadro 2, percebe-se que os grupos fitness possuem, em geral, maior força e imediatismo quando comparados aos agrupamentos que não adotam esse estilo de vida. O alto imediatismo reflete a maior proximidade entre fonte e alvo (Aguiar, 2016Aguiar, E. C. (2016). O Papel Moderador da Similaridade Percebida na Relação entre Percepção de Crowding e Respostas do Consumidor em Ambiente Varejista (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE.) e os torna mais semelhantes, levando o indivíduo(alvo) a desejar fazer parte do agrupamento ou, ao menos, admirá-lo mediante aspectos positivos percebidos (Mangum & Block, 2018Mangum, M., & Block, R. Jr. (2018). Social Identity Theory and Public Opinion towards Immigration. Social Sciences, 7(41), 1-16.). Justamente pela proximidade de certos valores, pensamentos e comportamentos orientados pelo mesmo modo de vivência, o sujeito adquire um imediatismo físico, psicológico e/ou sentimental com o agrupamento, de modo a estabelecer avaliações cognitivas (Fujita et al., 2018Fujita, M., Harrigan, P., & Soutar, G. N. (2018). Capturing and Co-Creating Student Experiences: a Social Identity Theory Perspective. Journal of Marketing Theory and Practice, 26(1/2), 55-71.) sobre ele, bem como apego emocional ou compromisso; ele atribui significado motivacional à participação nesse grupo (Hackel et al., 2018Hackel, L. M., Coppin, G., Wohl, M. J. A., & Bavel, J. J. V. (2018). From groups to grits: Social identity shapes evaluations of food pleasantness. Journal of Experimental Social Psychology, 74, 270-280.) ou ao relacionamento com seus membros. Exatamente por isso, há o reconhecimento do prestígio, da persuasão e da importância e/ou relevância desses agrupamentos (Latané et al., 1995Latané, B., Liu, J. H., Nowak, A., Bonevento, M., & Zheng, L. (1995). Distance Matters: Physical Space and Social Impact. Society for Personality and Social Psychology, 21(8), 795-805.; Kwon et al., 2016Kwon, H., Ha, S., & Im, H. (2016, hist. ). The impact of perceived similarity to other customers on shopping mall satisfaction. Journal of Retailing and Consumer Service, 28, 304-309.), que refletem sua força na influência do alvo. As opiniões, atitudes e comportamento dos membros servirão, portanto, como elemento de aprendizado e correlação, resultando na formação de um pensamento coletivo (Latané, 1996Leal, G. P., Hor-Meyll, L. F., & Pessôa, L. A. (2014). Influence of virtual communities in purchasing decisions: The participants’ perspective. Journal of Business Research, 67(5), 882-890.) que consolidará as diferenças e semelhanças a serem assimiladas e interpretadas pelo alvo. Os grupos também aumentam sua força ao possibilitar que o sujeito reforce sua identidade com os atributos dos agrupamentos e fortaleça seu ego e status adquirindo papéis sociais importantes neles (Fombelle et al., 2012Fombelle, P. W., Jarvis, C. B., Ward, J., & Ostrom, L. (2012). Leveraging customers’ multiple identities: identity synergy as a driver of organizational identification. Journal of the Academy of Marketing Science, 40(4), 587-604.).

Algumas considerações mais específicas devem ser feitas na análise das tipologias terciárias dos agrupamentos fitness. Mediante conversação com os entrevistados, supomos que o número de fontes de amizade é possivelmente maior do que o encontrado no núcleo familiar. Isso gera a expectativa de que os amigos fitness possuam um alto impacto social, uma vez que dispõem de uma quantidade superior de fontes de influência - mesmo considerando que tal quantidade será uma função de potência e não uma função linear (Dewall et al., 2010Dewall, C. N., Twenge, J. M., Bushman, B., Im, C., & Williams, K. (2010). A Little Acceptance Goes a Long Way: Applying Social Impact Theory to the Rejection-Aggression Link. Social Psychological and Personality Science, 1(2), 168-174.; Latané et al., 1995Latané, B., Liu, J. H., Nowak, A., Bonevento, M., & Zheng, L. (1995). Distance Matters: Physical Space and Social Impact. Society for Personality and Social Psychology, 21(8), 795-805.). Outra expectativa é de serem percebidos como importantes e próximos do alvo. Ademais, os grupos de aspiração foram percebidos como possuidores de alto imediatismo. Eles geralmente eram tratados na literatura como referências socialmente distantes dos indivíduos (Cocanougher & Bruce, 1971Cocanougher, A. B., & Bruce, G. D. (1971). Socially Distant Reference Groups and Consumer Aspirations. Journal of Marketing Research, 8(3), 379-381.). No entanto, com a internet e as mídias sociais, tal distância tem diminuído, de forma que o sujeito acompanha o dia a dia da celebridade, interage com suas postagens e compara-se a ela num contexto virtual que supera as limitações de espaço e tempo (Silva, Farias, Grigg, & Barbosa, 2020Silva, M. J. B., Farias, S. A., Grigg, M. K., & Barbosa, M. L. A. (2020). Online Engagement and the Role of Digital Influencers in Product Endorsement on Instagram. Journal of Relationship Marketing, 19(2), 133-163.), modificando o impacto social gerado por tal relação, por meio do imediatismo e da ampliação da força pela proximidade. Além disso, o número de fontes desse grupo de aspiração é variável, conforme sujeitos de pesquisa, de tal forma que são citados três, cinco e até dezenas de atletas e modelos fitness que o compõem, indicando a mutabilidade do fator. Por fim, os grupos de prescrição apresentaram maior variabilidade no imediatismo e no número de fontes. Por exemplo, tais agrupamentos podem ser compostos pelo nutricionista que interage periodicamente com seu paciente, mas também por um ou vários instrutores que orientam os entrevistados durantes suas atividades quase diárias nas academias.

Percebemos, assim, que o número de fontes dos agrupamentos fitness é variável. Em contrapartida, para o grupo não fitness, essa quantidade parece ser maior e mais bem definida, implicando o aumento do seu impacto social. Esse acréscimo pela quantidade de pessoas no agrupamento, entretanto, é marginal, de modo que cada fonte adicional produzirá menos impacto do que a fonte anterior; trata-se de um efeito incremental decrescente na influência do membro adicionado (Dewall et al., 2010Dewall, C. N., Twenge, J. M., Bushman, B., Im, C., & Williams, K. (2010). A Little Acceptance Goes a Long Way: Applying Social Impact Theory to the Rejection-Aggression Link. Social Psychological and Personality Science, 1(2), 168-174.).

Destacamos que os grupos de amigos não fitness apresentam uma distância temporal para com os sujeitos de pesquisa, ou seja, mostram-se mais distantes dos entrevistados quando comparados aos grupos já analisados. Ademais, as práticas realizadas por eles não geram prestígio ou admiração do alvo, são até mesmo consideradas ações dissociativas do estilo em questão. É o que descreve o Informante 6.

Esses dias atrás eu vi um amigo meu que há tempo não via ele, muito gordo. Quando ele vai arrumar o sapato, ele fica ofegante. Eu disse: ‘vai morrer’. Agora, por conta disso, não faz uma atividade física [...], quem não pratica atividade física nem regula sua alimentação: morre aos poucos. Eu classifico isso como uma morte calculada (Informante 6).

O mesmo desprestígio é observado no grupo de colegas de trabalho que são dissociados do estilo fitness. O impacto, no entanto, é aumentado, especialmente, por meio do imediatismo, representado pela frequência de contato (Latané, 1981Latané, B. (1981). The psychology of social impact. American Psychologist, 36(4), 243-256.) semanal com o alvo. Por fim, entendemos que o grupo de evitação imaginário não possui prestígio ou persuasão suficientes que garantam sua força em gerar a deserção do sujeito fitness de seu agrupamento. Ao mesmo tempo, sua influência dá-se justamente pelo desprestígio, atuando como força inversa, o que leva o indivíduo a se afastar ainda mais dos indivíduos dissociativos para se manter firme nos propósitos antes estabelecidos. Assim, o grau de imediatismo é baixo, justamente pela distância buscada, ainda que o número de fontes imaginárias tenda a ser alto. Esses elementos formam o impacto social do grupo dissociativo imaginário: força inversa, baixo imediatismo e número de fontes superior.

Assim, dissertamos que, em geral, os agrupamentos fitness têm seu impacto social aumentado graças à força e ao imediatismo que possuem e que os grupos não fitness amplificam tal influência mediante elevado número de membros.

Papéis sociais dos grupos de referência

Já que os grupos de referência, com o poder de impacto que possuem, influenciam de modo informativo e normativo o sacrifício percebido pelo consumidor, consideramos que eles exercem algum ou alguns papéis nessa percepção, tornando o indivíduo mais disposto ou menos propenso a realizar e perceber sacrifícios em suas ações. Quatro papéis sociais foram concebidos para os grupos de referência dos entrevistados: encorajador, educador, inibidor e confrontador. Eles não são excludentes e atuam de alguma maneira na formação e/ou na continuidade do sacrifício percebido, conforme apresentado no Quadro 3.

Quadro 3
Papéis sociais na percepção de sacrifício pelo consumidor

O encorajador é descrito como um indivíduo ou coletividade que incentiva a realização e continuidade das práticas sacrificiais, ele contribui para a não deserção do sujeito (Ferrero, 2014Ferrero, M. (2014). From Jesus to Cristianity: the economics of sacrifice. Racionality and Society, 26(4), 397-424.) na realização de ações abdicadoras percebidas como necessárias, ao estimular tais ações realçando os ganhos alcançados por meio dela. Ou seja, o encorajador contribui para o aumento da percepção compensatória do sacrifício, enfatizando sua esfera conchegativa. Nesta pesquisa, ele é representado pelos membros de agrupamentos fitness, em especial os de associação e aspiração, atuando na adoção da prática sacrificante do sujeito (papel exercido especialmente pela família) (Informante 16) e na continuidade desta (papel exercido especialmente pelos amigos) (Informante 11).

Minha família, meu pai e minha mãe sempre foram atletas, sempre participaram de atividades físicas, sempre falaram muito isso na minha casa e eu já cresci com isso na minha cabeça (Informante 16).

A maioria das pessoas aqui [do estúdio], eu criei um vínculo, porque a gente se vê todo dia, a gente acaba praticando a mesma modalidade que é o crossfit. Então acaba tendo uma irmandade aqui (Informante 11).

O segundo papel social estabelecido foi o de educador, entendido, de certa forma, como um incentivador da prática do sacrifício, mas que tem como função central orientá-la, descrevendo as ações abdicadoras necessárias para o alcance dos objetivos compensatórios. O educador é visto como um guia (Hubert & Mauss, 1968Hubert, H., & Mauss, M. (1968). Essai sur la nature et la hist. du sacrifice. In M. Mauss (Ed.), Les fonctions sociales du sacré (pp. 193-307). Paris, France: Minuit.), exerce geralmente uma liderança ao ser reconhecido como portador de conhecimentos técnicos que geram confiança (Macias, 2015Macias, T. (2015). Risks, trust, and sacrifice: Social structural motivators for environmental change. Social Science Quarterly, 96(5), 1264-1276.), o que justifica o cumprimento do que foi indicado por ele. A relação entre educador e educado geralmente é estabelecida de maneira formal, mediante contratos (escritos ou verbais) que normatizem o processo de aprendizagem. Na presente pesquisa, os membros prescritivos desempenharam principalmente esse papel, ainda que não seja desconsiderado o caráter instrucional exercido pela família e pelos amigos. Estes últimos agrupamentos, entretanto, efetivam esse ensino por meio da relação informal e geralmente possuem o conhecimento oriundo das experiências vivenciadas, não de uma educação formal e experiência profissional, componentes esses que caracterizam o papel de educador proposto no artigo.

O inibidor, por sua vez, é representado pelos agrupamentos que, de certa forma, intimidam o indivíduo para que a ação abdicadora não seja realizada, ao enfatizar a esfera penosa do sacrifício, e que não apresentam uma identidade social valorizada pelo sujeito (Brewer & Schneider, 1990Brewer, M. B., & Schneider, S. K. (1990). Social Identity and Social Dilemmas: a DoubleEdged Sword. In D. Abrams & M. A. Hogg (Ed.), Social Identity Theory (pp. 169-184). New York, NY: Springer-Verl.). A estratégia do inibidor é realçar os atributos que distinguem a coletividade e o alvo, apontando que a atitude ou o comportamento deste último distanciam-se daqueles praticados pelo grupo e são vistos como negativos para este, denegrindo ou diminuindo o sujeito que os realizar (Reiche et al., 2015Reiche, B. S., Harzing, A. W., & Pudelko, M. (2015). Why and how does shared language affect subsidiary knowledge inflows? A social identity perspective. Journal of International Business Studies, 46, 528-551.).

Tal pressão resulta em constrangimento (Murphy & Enis, 1986Murphy, P. E., & Enis, B. M. (1986). Classifying Products Strategically. Journal of Marketing, 50(3), 24-42.), tem o intuito de gerar desistência da prática de sacrifício em detrimento da inclusão social que essa resignação trará. Logo, os resultados possíveis do papel exercido pelos inibidores são: i) o indivíduo desiste de praticar a ação abdicadora por causa da influência grupal que amplifica a superioridade da esfera penosa sobre a conchegativa, de modo a aproximar o sujeito dos membros inibidores que buscarão mimetizar valores e comportamentos (Tajfel & Turner, 1986Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.) e restaurar a comunhão grupal ou ii) o indivíduo permanece a realizar a ação abdicadora, buscando se afastar do grupo inibidor ou ressignificar a relação com este por meio de estratégias de criatividade social (Hogg et al., 1995Hogg, M. A., Terry, D. J., & White, K. M. (1995). A Tale of Two Theories: a Critical Comparison of Identity Theory with Social Identity Theory. Social Psychology Quarterly, 58(4), 255-269.; Trepte & Loy, 2017Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.).

Os grupos de inibição foram considerados neste estudo como aqueles formados por membros de agrupamentos não fitness. Dentro dessa categoria, ainda é possível identificar outro papel social desempenhado especialmente pelos agrupamentos de evitação imaginário. Foi nomeado confrontador, pois se trata de um agrupamento utilizado pelo indivíduo como balança comparativa dos prejuízos e benefícios envolvidos no estilo praticado pelo sujeito e no vivenciado pelo membro de evitação. O confrontador atua, portanto, como estereótipo de comparação (Hogg et al., 1995Hogg, M. A., Terry, D. J., & White, K. M. (1995). A Tale of Two Theories: a Critical Comparison of Identity Theory with Social Identity Theory. Social Psychology Quarterly, 58(4), 255-269.), que leva o sacrificado a refletir sobre as penas sofridas e a validade das recompensas adquiridas. Geralmente, esse processo de enfrentamento reforça a continuidade do sacrifício, uma vez que a pessoa tende a potencializar os atributos, valores e práticas dos seus grupos de associação e aspiração e diminuir a valoração do grupo de evitação (Reiche et al., 2015Reiche, B. S., Harzing, A. W., & Pudelko, M. (2015). Why and how does shared language affect subsidiary knowledge inflows? A social identity perspective. Journal of International Business Studies, 46, 528-551.), o que gera a percepção de que a ação abdicadora traz elementos compensatórios que permitem o (maior) afastamento do agrupamento de dissociação.

O envolvimento dos grupos de referência no sacrifício percebido pelo consumidor fitness

Com base nos resultados expostos nas subseções anteriores, podemos compreender a conexão entre grupos de referência e a percepção de sacrifício pelo consumidor fitness. Na Figura 3, elucidamos tal entendimento.

Figura 3
Grupos de referência na percepção de sacrifício pelo consumidor

Sumariamente, consideramos que os grupos de referência (afiliação, aspiração, evitação e prescrição), que possuem características de permeabilidade e mobilidade em termos de impacto, influenciam normativa e informativamente as esferas penosa e conchegativa de uma ação abdicadora movida por um objetivo compensatório que estabelece a percepção de sacrifício. Aliás, esses mesmos agrupamentos exercem determinados papéis sociais que contribuem para que a ação sacrificante ocorra, permaneça ou não seja praticada, encorajando ou inibindo-a, educando ou confrontando o sujeito sobre suas escolhas e comportamentos de consumo, moldando sua identidade social.

Considerando o estilo de vida fitness, foi possível identificar as mudanças de comportamento de consumo adotadas pelos indivíduos, capazes de gerar transformações corporais e mentais, refazendo a identidade do sujeito pela escolha de uma forma de vivência pautada em saúde e bem-estar, trazendo para o corpóreo a premissa da adaptação. Assim, percebeu-se que os indivíduos buscam ajustes e até conversões identitárias por meio do consumo, afetando a si e as relações com seus grupos sociais. Adquirir, utilizar ou evitar determinados bens e serviços refletem, portanto, a busca por uma demarcação social que auxilia na reformulação da identidade.

Nesse processo, destacou-se a necessidade de os sujeitos analisados serem reconhecidos e admirados por outras pessoas. Isso implica considerar que os consumidores buscam fazer parte de agrupamentos de aspiração dos indivíduos ao seu redor, gerando comparações sociais que os coloquem em posições superiores e desejadas. Eles anseiam que os demais desejem reproduzir suas ações; dentre elas, as de consumo, mimetizando comportamentos, estabelecendo tendências e normatizações. Ser um membro de inspiração, portanto, possibilita ao indivíduo fortalecer sua identidade social graças à distinção positiva estabelecida.

A percepção de sacrifício analisada está contextualizada em um dado estilo de vida. Desse modo, as contribuições do estudo refletem as particularidades desse contexto, não sendo desconsideradas, no entanto, as possibilidades de que estes resultados possam ser observados em circunstâncias distintas. Na Figura 2, principalmente, foi demonstrada a conexão entre as lentes teóricas abordadas e os elementos de análises; e na Figura 3, foram estabelecidas reflexões sobre os grupos sociais e a percepção do consumidor. Ampliamos a discussão de tais possibilidades nas considerações finais.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo contribuiu para o avanço do conhecimento dos grupos no âmbito do comportamento do consumidor ao analisar o envolvimento dos agrupamentos de referência na percepção do sacrifício individual. Identificamos os tipos de grupo que atuam nessa percepção, bem como o impacto e a influência de cada um nesta, de modo a compreender o papel desempenhado pelos agrupamentos de referência do consumidor na formação e/ou manutenção do sacrifício percebido. Nesse contexto, destacam-se alguns achados que trazem implicações acadêmicas.

Primeiramente, foi reconhecida uma nova tipologia de grupo de referência para além dos agrupamentos de afiliação, aspiração e evitação apontados na literatura. Trata-se dos grupos de prescrição, entendidos como agrupamentos externos cujos membros atuam na qualidade de orientadores graças ao conhecimento técnico que detêm, influenciando, especialmente de maneira informacional, os consumidores, na medida em que estabelecem uma relação com o intuito de ofertar diretrizes de comportamento e escolhas. Ao identificar esta tipologia grupal, o estudo aprofunda discussões acerca dos inúmeros agentes de influência que interagem com o indivíduo em sua jornada de consumo, incentivando pesquisas de marketing que busquem novas categorias sociais relacionadas aos sujeitos em seus papéis no mercado.

Também foi sinalizado o caráter mutável dos grupos sociais diante das inserções e deserções dos indivíduos nestas coletividades, mediante juízos de valor sobre identificação, status e reconhecimento. Tal elemento reflete as mudanças nas configurações da sociedade, firmando oportunidades e desafios aos estudiosos para identificação e compreensão dos grupos sociais existentes. A permeabilidade e mobilidade presentes nos grupos trazem implicações teóricas, pois indicam que a ênfase em dada qualidade grupal determinará sua denominação de referência, destacando a dinamicidade existente nos agrupamentos a ser reconhecida por pesquisadores. Essa característica mutável também se aplica ao impacto do grupo e de seus membros sobre o alvo, de modo que os fatores de força, imediatismo e número de fontes poderão ser alterados, levando o indivíduo a reclassificar o agrupamento e sua relação com ele, estabelecendo diferentes configurações de influência e de papéis sociais. Isso significa que as escolhas do consumidor modificam-se ao longo da (re)construção de sua identidade social. Assim, a mutabilidade do impacto e do papel do agrupamento, na medida em que alteram essa identificação, contribuem para a transformação da percepção do self, do outro e de produtos e marcas que representam cada um.

Destaca-se também o desenvolvimento de papéis sociais que atuam na percepção do sacrifício, intitulados como ‘encorajadores, educadores, inibidores e confrontadores’, de modo a refletir a função influenciadora dos agrupamentos na tomada de decisão do consumidor, constituindo-se como insight original que traz uma contribuição teórica ao campo de estudo. Por fim, demonstramos, com a pesquisa, a possibilidade do uso das Teorias do Impacto Social e da Identidade Social para a compreensão de aspectos grupais no comportamento do consumidor. Elas são constituintes da Psicologia Social, mas suas contribuições podem ser utilizadas para enriquecer análises de consumo, disponibilizando bases para investigação de pistas sociais em contextos de compra, uso e descarte de bens e serviços. Com a adoção de tais teorias, o artigo contribui para o desenvolvimento de pesquisas que partem do social para a esfera individual (do macro para micro), visando ao entendimento do consumidor considerando seu contexto.

A interação com os sujeitos foi realizada com base em ligações de voz e vídeo on-line, apresentando como vantagens o amplo acesso geográfico e a possibilidade de contato com populações difíceis de alcançar (Opdenakker, 2006Opdenakker, R. (2006). Advantages and Disadvantages of Four Interview Techniques in Qualitative Research. Forum: Qualitative Social Research, 7(4), Art. 11.). Esse modo de construção de dados, no entanto, trouxe certas limitações à pesquisa. Primeiro, houve a diminuição de pistas sociais, uma vez que não foi possível ver o entrevistado (por completo), suas expressões corporais, que poderiam ser utilizadas como informações extras, ainda que fosse possível obter como indícios sociais a própria voz e entonação do informante. Segundo, não tivemos uma visão da situação em que se encontrava o entrevistado, dificultando a criação de um bom ambiente para a entrevista (Opdenakker, 2006). Por isso, foram vivenciadas algumas interrupções durante a conversação; por exemplo, a chegada de outras pessoas ao local onde o sujeito estava, o que poderia influenciar na espontaneidade do informante em relação às suas respostas.

Durante as análises, houve a percepção quanto à inexatidão da quantia de membros em certos grupos sociais e também à mudança desse número de acordo com os entrevistados. Esse fator foi visto como limitante, mas não impedidor, do estabelecimento do nível de influência dos grupos de referência; além do que a identificação de outros dois fatores (força e imediatismo) contribuíram para a instituição de uma visão geral sobre o impacto social dos indivíduos citados pelos informantes.

Finalmente, é possível descrever sugestões de pesquisas futuras, indicando uma agenda de pesquisa que direciona possíveis investigações no campo do Comportamento do Consumidor. Elas apontam rumos praticáveis, capazes de fortalecer as temáticas propostas neste trabalho. Sugerimos pesquisas voltadas à tipologia de prescrição, que analisem as especificidades desse agrupamento no contexto de consumo. Um exemplo é um personagem cada vez mais atuante no mercado, o life coach, indivíduo que orienta contratantes a seguirem um modo de vida baseado em certos objetivos, influenciando sua rotina, seu consumo e suas relações sociais. Também sugerimos o desenvolvimento de estudos que busquem compreender as ligações entre sacrifício e identidade, voltando-se para a análise do nível de egoísmo presente no self do consumidor, bem como de uma maior ou menor predisposição em sacrificar suas formas de consumo pelos grupos sociais

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sob o número de Bolsa [140806/2019-9] e pelo Conselho Nacional de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES) mediante Edital de Apoio ao Pesquisador Vinculado aos Programas de Pós-Graduação da UFPE (PROPG nº 02/2021 - processo: 23076.109626/2021-20). Ambos os financiamentos foram recebidos por Marianny Jessica de Brito Silva.

REFERÊNCIAS

  • Achabou, M. A., Dekhili, S., & Codini, A. P. (2020). Consumer preferences towards animal-friendly fashion products: an application to the Italian market. Journal of Consumer Marketing, 37(6), 661-673.
  • Aguiar, E. C. (2016). O Papel Moderador da Similaridade Percebida na Relação entre Percepção de Crowding e Respostas do Consumidor em Ambiente Varejista (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE.
  • Ashforth, B. E., & Mael, F. (1989). Social Identity Theory and the Organization. The Academy of Management Review, 14(1), 20-39.
  • Bartikowski, B., & Cleveland, M. (2017, hist. ). “Seeing is being”: Consumer culture and the positioning of premium cars in China. Journal of Business Research, 77, 195-202.
  • Beldona, S., & Kher, H. V. (2014). The Impact of Customer Sacrifice and Attachment Styles on Perceived Hospitality. Cornell Hospitality Quarterly, 56(4), 355-368.
  • Belk, R. W., & Coon, G. S. (1993). Gift Giving as Agapic Love: An Alternative to the Exchange Paradigm Based on Dating Experiences. Journal of Consumer Research, 20(3), 393-417.
  • Bradford, T. W., & Boyd, N. W. (2020). Help Me Help You! Employing the Marketing Mix to Alleviate Experiences of Donor Sacrifice. Journal of Marketing, 84(3), 68-85.
  • Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101.
  • Brewer, M. B., & Schneider, S. K. (1990). Social Identity and Social Dilemmas: a DoubleEdged Sword. In D. Abrams & M. A. Hogg (Ed.), Social Identity Theory (pp. 169-184). New York, NY: Springer-Verl.
  • Caporael, L. R., Dawes, R. M., Orbell, J. M., & Van De Kragt, J. C. (1989). Selfishness examined: Cooperation in the absence of egoistic incentives. Behavioral and Brain Sciences, 12(4), 683-699.
  • Centeno, D., & Wang, J. J. (2017, maio). Celebrities as human brands: an inquiry on stakeholder-actor co-creation of brand identities. Journal of Business Research, 74, 133-138.
  • Chang, J. H., Zhu, Y. Q, Wang, S. H, & Li, Y. J. (2018). Would you change your mind? An empirical study of social impact theory on Facebook. Telematics and Informatics, 35(1), 282-292.
  • Chwialkowska, A., & Flicinska-Turkiewicz, J. (2021). Overcoming perceived sacrifice as a barrier to the adoption of green non-purchase behavior. International Journal of Consumer Studies, 45(2), 205-220.
  • Cocanougher, A. B., & Bruce, G. D. (1971). Socially Distant Reference Groups and Consumer Aspirations. Journal of Marketing Research, 8(3), 379-381.
  • Decrop, A., Pecheux, C., & Bauvin, G. (2004). Make a Trip Together: an Exploration Into Decision Making Within Groups of Friends. In B. E. Kahn & M. F. Luce (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 31, pp. 291-297). Valdosta, GA: Association for Consumer Research.
  • Dewall, C. N., Twenge, J. M., Bushman, B., Im, C., & Williams, K. (2010). A Little Acceptance Goes a Long Way: Applying Social Impact Theory to the Rejection-Aggression Link. Social Psychological and Personality Science, 1(2), 168-174.
  • Djafarova, E., & Rushworth, C. (2017, março). Exploring the credibility of online celebrities’ Instagram profiles in influencing the purchase decisions of young female users. Computers in Human Behavior, 68, 1-7.
  • Dodds, W. B., & Monroe, K. B. (1985). The Effect of Brand and Price Information on Subjective Product Evaluations. In E. C. Hirschman & M. B. Holbrook (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 12, pp. 85-90). Provo, UT: Association for Consumer Research.
  • Edey, P., & Knight, J. (2018, maio). Profiling the entitled consumer when individualism and collectivism are codominant. Journal of Retailing and Consumer Services, 42, 98-106.
  • Ferrero, M. (2014). From Jesus to Cristianity: the economics of sacrifice. Racionality and Society, 26(4), 397-424.
  • Flick, U. (2008). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Fombelle, P. W., Jarvis, C. B., Ward, J., & Ostrom, L. (2012). Leveraging customers’ multiple identities: identity synergy as a driver of organizational identification. Journal of the Academy of Marketing Science, 40(4), 587-604.
  • Fujita, M., Harrigan, P., & Soutar, G. N. (2018). Capturing and Co-Creating Student Experiences: a Social Identity Theory Perspective. Journal of Marketing Theory and Practice, 26(1/2), 55-71.
  • Hackel, L. M., Coppin, G., Wohl, M. J. A., & Bavel, J. J. V. (2018). From groups to grits: Social identity shapes evaluations of food pleasantness. Journal of Experimental Social Psychology, 74, 270-280.
  • Hirsch, E. L. (1990). Sacrifice for the Cause: Group Processes, Recruitment, and Commitment in a Student Social Movement. American Sociological Review, 55(2), 243-254.
  • Hogg, M. A. (2001). A Social Identity Theory of Leadership. Personality and Social Psychology Review, 5(3), 184-200.
  • Hogg, M. A., & Mcgarty, C. (1990). Self-Categorization and Social Identity. In D. Abrams & M. A. Hogg (Eds.), Social Identity Theory: Constructive and Critical Advances (pp. 10-27). London, UK: Harvester Wheatsheaf.
  • Hogg, M. A., Terry, D. J., & White, K. M. (1995). A Tale of Two Theories: a Critical Comparison of Identity Theory with Social Identity Theory. Social Psychology Quarterly, 58(4), 255-269.
  • Hubert, H., & Mauss, M. (1968). Essai sur la nature et la hist. du sacrifice. In M. Mauss (Ed.), Les fonctions sociales du sacré (pp. 193-307). Paris, France: Minuit.
  • Jetten, J., Spears, R., & Postmes, T. (2004). Intergroup Distinctiveness and Differentiation: a Meta-Analytic Integration. Journal of Personality and Social Psychology, 86(6), 862-879.
  • Kamboj, S., Sarmah, B., Gupta, S., & Dwivedi, Y. (2018, abril). Examining branding co-creation in brand communities on social media: Applying the paradigm of Stimulus-Organism-Response. International Journal of Information Management, 39, 169-185.
  • Koch, E., & Sauerbronn, J. (2018). To love beer above all things: an analysis of Brazilian craft beer subculture of consumption. Journal of Food Products Marketing, 25(1), 1-25.
  • Kwon, H., Ha, S., & Im, H. (2016, hist. ). The impact of perceived similarity to other customers on shopping mall satisfaction. Journal of Retailing and Consumer Service, 28, 304-309.
  • Latané, B. (1981). The psychology of social impact. American Psychologist, 36(4), 243-256.
  • Latané, B. (1996). Dynamic Social Impact: The Creation of Culture by Communication. Journal of Communication, 46(4), 13-25.
  • Latané, B., Liu, J. H., Nowak, A., Bonevento, M., & Zheng, L. (1995). Distance Matters: Physical Space and Social Impact. Society for Personality and Social Psychology, 21(8), 795-805.
  • Leal, G. P., Hor-Meyll, L. F., & Pessôa, L. A. (2014). Influence of virtual communities in purchasing decisions: The participants’ perspective. Journal of Business Research, 67(5), 882-890.
  • Leung, J. T. Y., Shek, D. T. L., & Ma, C. M. S. (2015). Measuring Perceived Parental Sacrifice Among Adolescents in Hong Kong: Confirmatory Factor Analyses of the Chinese Parental Sacrifice Scale. Child Indicators Research, 9(1), 173-192.
  • Macias, T. (2015). Risks, trust, and sacrifice: Social structural motivators for environmental change. Social Science Quarterly, 96(5), 1264-1276.
  • Mangum, M., & Block, R. Jr. (2018). Social Identity Theory and Public Opinion towards Immigration. Social Sciences, 7(41), 1-16.
  • Martins-Silva, P., Silva, A. Jr., Peroni, G., Medeiros, C., & Vitória, N. (2016). Teoria das representações sociais nos estudos organizacionais no Brasil: análise bibliométrica de 2001 a 2014. Cadernos EBAPE.BR, 14(4), 891-919.
  • Matear, M. A. (2014). The Role and Nature of Willingness to Sacrifice in Marketing Relationships (Tese de Doutorado). Queen’s University, Kingston, Ontario, Canada.
  • Meurer, A. M., Medeiros, J. F., Dal’maso, C. B., & Holz, G. (2010). Grupos de Referência e Tribos Urbanas: um Estudo junto a Tribo “Emo”. In Anais do Encontro de Marketing da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, Florianópolis, SC.
  • Moscovici, S. (2012). A psicanálise, sua imagem e seu público Petrópolis, RJ: Vozes .
  • Murphy, P. E., & Enis, B. M. (1986). Classifying Products Strategically. Journal of Marketing, 50(3), 24-42.
  • Nejad, M. G, Sherrell, D. L., & Babakus, E. (2014). Influentials and influence mechanisms in new product diffusion: an integrative review. Journal of Marketing Theory and Practice, 22(2), 185-208.
  • Opdenakker, R. (2006). Advantages and Disadvantages of Four Interview Techniques in Qualitative Research. Forum: Qualitative Social Research, 7(4), Art. 11.
  • Owen, J., Fincham, F. D., & Polser, G. (2017). Couple Identity, Sacrifice, and Availability of Alternative Partners: Dedication in Friends with Benefits Relationships. Archives of Sexual Behavior, 46(6), 1785-1791.
  • Park, C. W., & Lessig, V. P. (1977). Students and housewives: differences in susceptibility to reference group influences. Journal of Consumer Research, 4(2), 102-110.
  • Patton, M. (2014). Qualitative Research & Evaluation Methods: Integrating Theory and Practice (4a ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.
  • Pereira, C., & Strehlau, S. (2012). Family Indebtedness in a Gift Relationship. In AP - Asia-Pacific Advances in Consumer Research (Vol. 10, pp. 326-328). Duluth, MN: Association for Consumer Research.
  • Reiche, B. S., Harzing, A. W., & Pudelko, M. (2015). Why and how does shared language affect subsidiary knowledge inflows? A social identity perspective. Journal of International Business Studies, 46, 528-551.
  • Reid, S. A, Giles, H., & Abrams, J. R. (2004). A social identity model of media usage and effects. Zeitschrift für Medienpsychologie, 16(1), 17-25.
  • Scott, R., Cayla, J., & Cova, B. (2017). Selling Pain to the Saturated Self. Journal of Consumer Research, 44(1), 22-43.
  • Silva, M. J. B., & Farias, S. A. (2020). No pain, no gain! Reflections on the perception of sacrifice in the fitness consumer. Brazilian Journal of Marketing, 19(2), 388-405.
  • Silva, M. J. B., Farias, S. A., Grigg, M. K., & Barbosa, M. L. A. (2020). Online Engagement and the Role of Digital Influencers in Product Endorsement on Instagram. Journal of Relationship Marketing, 19(2), 133-163.
  • Stafford, E. J. (1966). Effects of Group Influences on Consumer Brand Preferences. Journal of Marketing Research, 3(1), 68-75.
  • Tajfel, H., & Turner, J.C. (1986). The social identity theory of intergroup behavior. In S. Worchel, S., & W. Austin (Eds.), Psychology of intergroup relations (pp. 7-24). Chicago, IL: Nelson-Hall.
  • Teas, R. K., & Agarwal, S. (2000). The effects of extrinsic product cues on consumers’ perceptions of quality, sacrifice, and value. Journal of the Academy of marketing Science, 28(2), 278-290.
  • Thompson, C., & Hirschman, E. (1995). Understanding the Socialized Body: a Poststructuralist Analysis of Consumers’ Self Conceptions, Body Images, and Self-Care Practices. Journal of Consumer Research, 22(2), 139-153.
  • Trepte, S., & Loy, L.S. (2017). Social Identity Theory and Self-Categorization Theory. In P. Rössler, C. A. Hoffner & L. van Zoonen (Eds.), The International Encyclopedia of Media Effects (pp. 1-13). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.
  • Upadhyaya, A., Shukla, R., & Upadhyaya, A. (2017). Gender Effect on Consumer Susceptibility to Reference Group Influence (pp. 9-10). In Proceedings of the 19º International Scientific Conference on Economic and Social Development, Melbourne, Australia.
  • Van Hooff, M. L. M., Benthem de Grave, R. M., & Geurts, S. A. E. (2019). No pain, no gain? Recovery and strenuousness of physical activity. Journal of Occupational Health Psychology, 24(5), 499-511.
  • White, K., & Dahl, D.W. (2006). To Be or Not Be? The Influence of Dissociative Reference Groups on Consumer Preferences. Journal of Consumer Psychology, 16(4), 404-414.
  • Whitehouse, H. (2018). Dying for the group: Towards a general theory of extreme self-sacrifice. Behavioral and Brain Sciences, 41, E192.
  • Wolfensberger, W. (2000). A brief overview of Social Role Valorization. Mental Retardation, 38(2), 105-123.
  • Zeithaml, V. A. (1988). Consumer perceptions of price, quality, and value: a means-end model and synthesis of evidence. Journal of Marketing, 52(3), 2-22.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2021
  • Aceito
    09 Fev 2022
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br